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sexta-feira, 6 de novembro de 2015

JUSTO IMPEDIMENTO SISTEMA INFORMÁTICO CITIUS CORREIO ELECTRÓNICO - Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra - 20/10/2015


Acórdãos TRC
Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3389/13.8TBVIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE ARCANJO
Descritores: JUSTO IMPEDIMENTO
SISTEMA INFORMÁTICO CITIUS
CORREIO ELECTRÓNICO

Data do Acordão: 20-10-2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE VISEU – VISEU – INST. LOCAL – SEC. CÍVEL
Texto Integral: S

Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: DL Nº 150/2014, DE 13/10.

Sumário: Tendo havido impossibilidade (justo impedimento) de a parte praticar o acto processual no sistema informático Citius, é legalmente admissível a apresentação (da contestação) por correio electrónico.

Decisão Texto Integral:
I – RELATÓRIO
1.1.- Os Autores – J... e mulher S... – instauraram (5/11/2013) na Comarca de Viseu acção de divisão de coisa comum, com forma de processo especial, contra a Ré – B...

A Ré foi citada pessoalmente em 3/7/2014.

Por despacho de 28/1/2015 determinou-se a notificação nos termos e para os efeitos do disposto no art.927 nº1 do CPC.

1.2.- A Ré alegou, em resumo, ter enviado contestação através de correio electrónico e requereu a comprovação da junção do articulado, documentos juntos e comprovativo do pagamento da taxa de justiça e declarar sem efeito os actos processuais subsequentes.

1.3.- Os Autores requereram o desentranhamento da contestação, alegando não ser legalmente admissível o envio de articulados por correio electrónico.

A Ré respondeu no sentido da admissibilidade da contestação dado o regime excepcional do DL nº 150/2014, de 13/10, visto que foi entregue em juízo em 23/9/2014.

1.4.- Por despacho de 14/4/2015 decidiu-se:

Não admitir a contestação e indeferir o requerido pela Ré.

Argumentou-se, em síntese, não ser legalmente admissível a apresentação da contestação através de correio electrónico:

“Salvo o devido respeito por opinião contrária, é nosso entendimento que tal forma de apresentação - correio eletrónico - não é admissível, visto que com a entrada em vigor do D.L. nº 303/2007 de 24.8 foi eliminada a alínea d) do n.º 2 art. 150.º do C.P.Civil, a que atualmente corresponde o art. 144.º, onde se previa a apresentação dos atos processuais através de “correio eletrónico, com aposição de assinatura eletrónica avançada valendo como data da prática do ato processual a da expedição, devidamente certificada”, sendo certo que, percorrendo o regime excecional estabelecido no Decreto-Lei n.º 150/2014, de 13 de Outubro nenhuma referência encontramos quanto à possibilidade de apresentação dos atos processuais através de correio eletrónico.

E assim sendo, não nos resta outra solução que não seja a aplicação do regime legalmente previsto para o justo impedimento (expressamente previsto no D.L. n.º 150/2014 de 13.10) constante do n.º 8 do art. 144.º e que, como atrás ficou dito, prevê que, sempre que se verifique o justo impedimento, os atos processuais poderão ser apresentados através de entrega na secretaria, de correio sob registo ou de telecópia.

Sucedendo que a requerida apresentou a contestação através de correio eletrónico, face ao que fica exposto, teremos que concluir que tal forma de apresentação não é admissível”.

1.5.- Inconformada, a Ré recorreu de apelação, com as seguintes conclusões:

...

Os Autores contra-alegaram no sentido da improcedência do recurso.


II – FUNDAMENTAÇÃO

2.1.- O objecto do recurso
A questão submetida a recurso, delimitado pelas conclusões, consiste em saber quais as implicações processuais do envio da contestação pela Ré através de correio electrónico, no período do constrangimento da plataforma informática Citius, designadamente, da sua admissibilidade legal.

Para a decisão relevam, porque documentados, os elementos já descritos.

2.2.- O mérito do recurso

No actual Código de Processo Civil (aprovado pela Lei nº 41/2013 de 26/6) a apresentação em juízo dos actos que devem ser praticados por escrito pelas partes (como, neste caso, a contestação) é feita, em regra, por “transmissão electrónica de dados” através do sistema informático Citius ( cf. arts. 132, 144 nº1 CPC, Portaria nº 280/2013 de 26/8).

Estabelece o art.144 nº7 CPC que quando a causa não importe a constituição de mandatário e a parte não esteja patrocinada, estes actos processuais podem ser apresentados em juízo pelas seguintes formas: a)entrega na secretaria, b) remessa pelo correio, sob registo, c) envio através de telecópia.

E o nº8 do art.144 CPC estatui que “quando a parte esteja patrocinada por mandatário, havendo justo impedimento para a prática dos actos processuais nos termos indicados no nº1, estes podem ser praticados nos termos do disposto no número anterior”.

Do regime do Código de Processo Civil resulta, que importando a causa a constituição de mandatário (como na presente acção), o acto processual praticado pela parte, que deva ser escrito, tem de ser apresentado por transmissão electrónica (através do sistema informático Citius).

Na impossibilidade (por justo impedimento) de ser feita por via electrónica, podem ser praticados por suporte físico (entrega, correio ou telecópia).

O art.144 do novo CPC não contém expressamente o envio através de correio electrónico, como na previsão do anterior art.150 nº1 d) CPC (redacção do DL nº 324/2003 de 27/12), cuja alínea foi eliminada pelo DL nº303/2007 de 24/8.

Coloca-se a questão de saber se havendo impossibilidade de praticar o acto no sistema Citius pode a parte, rectius o seu mandatário, utilizar o correio electrónico.

O DL nº 150/2014, de 13/10, em face dos “constrangimentos técnicos” que afectaram o CITIUS (aquando da instalação das novas Comarcas) criou um regime temporário e excepcional aplicável à prática de actos processuais. Para o efeito, utiliza dois instrumentos ou institutos ( já conhecidos no direito processual ): (i) o justo impedimento e (ii) a suspensão dos prazos.

O regime é temporário, porque aplicável enquanto se mantiver a situação de constrangimento no CITIUS (cessando com a declaração do IGFEJ I.P.) e excepcional porque divergente do regime geral previsto no CPC (arts.130 e segs.) para a prática dos actos processuais.

O diploma classifica, para tanto, os actos processuais em duas categorias: “actos em suporte electrónico” (os actos praticados por via electrónica) e os “actos em suporte físico”.

Embora não explicite em que consistem os actos em “suporte físico”, deve entender-se (relativamente às partes) que são os previstos no art.144 nº7 a), b) e c) CPC, ou seja, escrito entregue na secretaria, remessa pelo correio ou por telecópia.

O diploma alargou subjectivamente o âmbito do justo impedimento, não agora como instrumento apenas da parte (“ sujeitos e intervenientes processuais”) mas também reportando-se a magistrados e secretarias judiciais ou do Ministério Público. Por outro lado, estabeleceu, no plano objectivo, um duplo regime, consoante o impedimento incida sobre o acto processual electrónico ou em suporte físico.

Relativamente aos “actos em suporte electrónico” (no sistema informático do Citius), o justo impedimento é oficioso e automático (“independentemente de requerimento, alegação ou prova (…)” ( cf. art.3 nº1 ).

Já quanto aos “actos em suporte físico”, o justo impedimento depende da confirmação pela secretaria do tribunal judicial da “impossibilidade de acesso ao processo ou a parte dele”, quer em suporte electrónico, quer em suporte físico ( cf. art.3 nº2 ).

Embora a norma diga que “o justo impedimento estende-se à prática de actos neste último suporte”, parece que o justo impedimento terá, nestas situações, que ser alegado e provado. Em primeiro lugar, porque a “extensão” reporta-se aos efeitos, que não à tramitação do incidente. Depois, porque havendo justo impedimento quanto à prática dos actos em suporte electrónico, o diploma impõe a prática em suporte físico ( “ devem sê-lo em suporte físico”), sem qualquer cominação legal estabelecida para a falta do acto electrónico ( cf. art.4 nº1 e 2).

Em resumo, dada a impossibilidade da prática de actos processuais por via electrónica, os actos devem ser praticados em suporte físico (entrega na secretaria, remessa pelo correio, envio por telecópia).

Mas será que também o podem ser através de correio electrónico?

A conjugação das normas, numa interpretação sistemática e teleológica, apontam no sentido afirmativo, que, de resto, se revela razoável.

O diploma legal quando se refere aos “actos processuais que devam ser praticados por via electrónica”, ou “actos em suporte electrónico” (cf. arts.3º, 4º) parece abranger apenas os praticados electronicamente no sistema informático Citius, como se reforça no preâmbulo.

Sendo assim, o art.4 nº1 (in fine) do DL nº 150/2014 não pode ser interpretado como estando a prever (expressamente) o envio pelo correio electrónico, pois “caso não possam ser praticados electronicamente” está a reportar-se ao sistema Citius (“neste sistema”, como se menciona no art.3º nº1), tanto mais que foram os constrangimentos, para não dizer colapso, que motivaram a intervenção legislativa.

Contudo, o DL nº 290- D/99 de 2/8 aprovou o regime jurídico dos documentos electrónicos e da assinatura digital e foi alterado pelo DL nº 62/2003 de 3/4 que transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva nº 1999/93/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 13 de Dezembro, verificando-se do seu regime uma equiparação dos documentos electrónicos com assinatura digital aos documentos escritos com aposição de assinaturas autógrafas, sendo que o art.6º nº3 estabelece o seguinte:

“A comunicação do documento electrónico, ao qual seja aposta assinatura electrónica qualificada, por meio de telecomunicações que assegure a efectiva recepção equivale à remessa por via postal registada e, se a recepção for comprovada por mensagem de confirmação dirigida ao remetente pelo destinatário que revista idêntica forma, equivale à remessa por via postal registada com aviso de recepção”.

Uma vez que não está posta em causa a recepção da contestação no tribunal e a sua autenticidade, o envio por comunicação electrónica (correio electrónico) parece equivaler, no que tange à força probatória, à remessa por correio registado, prevista no art.144 nº7 b) CPC.

Por outro lado, o nº8 do art.144 do CPC quando prevê o justo impedimento ao remeter para a prática de actos substitutivos (“ estes podem ser praticados nos termos do disposto no número anterior“) não se circunscreve exclusivamente a esses actos, pois não diz que só podem ser praticados dessa maneira.

Acresce que o legislador (DL nº 303/2007) eliminou a referência à prática das comunicação por correio electrónico em virtude de os actos passarem a ser apresentados por “transmissão electrónica de dados” no sistema informático Citius.

Ora, a impossibilidade da sua utilização não impede a comunicação pelo correio electrónico, que é o que mais se aproxima da desmaterialização, finalidade precípua da criação do sistema informático.

Neste contexto, tanto o argumento da equiparação, como o argumento por maioria de razão (extensão teleológica) legitimam a validade processual do envio da contestação por correio electrónico.

Importa realçar as circunstâncias do tempo em que a lei (DL nº 150/2014) foi elaborada e aplicada aquando da instalação das novas Comarcas, com a consequente migração de processos e a notória instabilidade criada, nomeadamente com o colapso do Citius, o que impeliu o legislador a “ clarificar o regime aplicável à prática de actos processuais”, pelo que uma interpretação conforme à Constituição e ao direito fundamental de acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva (art.20 ), leva a que se acolha um sentido interpretativo menos restritivo dos direitos dos sujeitos processuais e em favor do” princípio pro actione”.

Por fim, ainda que se entendesse, na lógica do despacho recorrido, não ser legalmente admissível a transmissão por correio electrónico, jamais implicaria a rejeição da contestação, com a consequente revelia da Ré.

Na verdade, a apresentação em juízo por um meio não admitido tem sido qualificada como uma mera irregularidade que não influi no exame e discussão da causa, pelo que não consubstancia sequer uma nulidade processual (cf., por ex., Ac STJ de 13/1/2011, proc. nº 877/07; de 5/3/2015, proc. nº 891/08, disponíveis em www dgsi.pt ).

2.3.- Síntese conclusiva

Tendo havido impossibilidade (justo impedimento) de a parte praticar o acto processual no sistema informático Citius, é legalmente admissível a apresentação (da contestação) por correio electrónico.


III – DECISÃO

Pelo exposto, decidem:

1)

Julgar procedente a apelação e revogar o despacho recorrido, que deve ser substituído por outro a admitir a contestação da Ré, seguindo-se os demais termos processuais.

2)

Condenar os Apelados nas custas.
Coimbra, 20 de Outubro de 2015.


( Jorge Arcanjo )
( Manuel Capelo )

( Falcão de Magalhães )



http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc/aa47a4ef0667b57880257eec003c2ce7?OpenDocument

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