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quarta-feira, 11 de março de 2015

AUDIÊNCIA NA AUSÊNCIA DO ARGUIDO DEFENSOR PODERES ESPECIAIS NULIDADE INSANÁVEL - Acórdão do Tribunal da Relação do Porto - 25.02.2015


Acórdãos TRP
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
148/12.9IDBRG.G1.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA LUÍSA ARANTES
Descritores: AUDIÊNCIA NA AUSÊNCIA DO ARGUIDO
DEFENSOR
PODERES ESPECIAIS
NULIDADE INSANÁVEL

Nº do Documento: RP20150225148/12.9IDBRG.P1
Data do Acordão: 25-02-2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1

Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .

Sumário: Constitui nulidade insanável a realização da audiência de julgamento na ausência do arguido, a requerimento do defensor sem poderes especiais para esse efeito.
Reclamações:

Decisão Texto Integral: Processo n.º 148/12.9IDBRG.G1.P1

Acordam, em conferência, os juízes na 1ªsecção criminal do Tribunal da Relação do Porto:
I – RELATÓRIO
No processo comum [com intervenção do tribunal singular] n.º148/12.9IDBRG do 2ºJuízo Criminal dos Juízos de Competência Criminal de Vila Nova de Famalicão [entretanto extinto], por sentença depositada em 9/4/2014, foi decidido:
«- Condenar o arguido B… pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, previsto e punível no artigo 105, n.ºs 1 da Lei 15/01, de 5 de Junho e a arguida sociedade “C…, Ld.ª” ainda nos termos do artigo 7.º do mesmo diploma legal, nas seguintes penas:
– o arguido B… na pena de 190 (cento e sessenta) dias de multa, à taxa diária de € 7,00, o que perfaz um montante total de € 1.330,00 (mil trezentos e trinta euros).
– a arguida “C…, Ld.ª” na pena de 300 (trezentos) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros), no total de € 1800,00 (mil e oitocentos euros).»
Inconformado com a decisão condenatória, o arguido B… interpôs recurso, suscitando nas conclusões extraídas da motivação, as seguintes questões:
- impugnação da matéria de facto, concretamente, dos pontos 2 a 8 dos factos provados, os quais devem integrar a factualidade não provada e como tal, ser absolvido o arguido do crime de abuso de confiança fiscal,
- sem prescindir, a medida da pena aplicada é exagerada, devendo ser determinada à luz das regras do crime continuado e em consonância ser reduzida [fls.501 a 531].
Em 4/6/2014, face ao recurso interposto, a Sra.Juíza a quo rectificou a sentença, tendo eliminado na frase «Atenta a primariedade do arguido, tendo o arguido admitido os factos, opta-se por pena de multa quanto a ele», o segmento «tendo o arguido admitido os factos» e no dispositivo da sentença passou a constar «condenar o arguido B… pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, na forma continuada, previsto e punível no artigo 105, n.ºs 1 da Lei 15/01, de 5 de Junho e art.º 30 do CP, e a arguida sociedade “C…, Lda.” Ainda nos termos do artigo 7.º do mesmo diploma legal, nas seguintes penas:”
O Ministério Público junto da 1ªinstância respondeu ao recurso, pugnando pela sua improcedência [fls.553 a 570].
Remetidos os autos ao Tribunal da Relação e aberta vista para efeitos do art.416.º n.º1 do C.P.Penal, o Exmo.Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer em que invocou o vício da sentença previsto no art.410.ºn.º 2 al.b) do C.P.Penal, devendo ser ordenado o reenvio do processo e isto sem prejuízo de que uma eventual condenação pela prática do crime de abuso de confiança fiscal, na forma continuada, visto o teor da fundamentação de facto e de direito, também consubstanciaria nulidade de sentença nos termos do art.379.º n.º1 al.a) do C.P.Penal [fls.589/590]
Cumprido o disposto no art.417.º n.º2 do C.P.Penal, o recorrente apresentou resposta, em que reafirma os argumentos aduzidos no recurso e corrobora a posição do Exmo.Procurador-Geral Adjunto [fls.599 a 602].
Colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência.

II – FUNDAMENTAÇÃO
É pacífico que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, as quais sintetizam as razões do pedido, sem prejuízo do tribunal ad quem apreciar também as questões de conhecimento oficioso.
No caso presente, há uma questão prévia que cabe a este tribunal ad quem apreciar oficiosamente e que prejudica o conhecimento das várias questões suscitadas pelo recorrente e pelo Exmo.Procurador-Geral Adjunto, questão que se reconduz à nulidade insanável prevista no art.119.ºal.c) do C.P.Penal por realização da audiência de julgamento na ausência do arguido, a requerimento do defensor sem poderes especiais para esse efeito.
Dos autos resultam as seguintes circunstâncias relevantes a considerar:
-A fls.239, foi junta procuração passada pelo arguido B… a favor dos Senhores Doutores D…, E… e F…, advogados, em que lhes atribuiu poderes forenses gerais, incluindo os de substabelecer.
-A fls.240, foi apresentado um substabelecimento pelo Senhor Doutor D…, em que este substabelece com reserva, nos Senhores Doutores G… e H…, advogados, os poderes que lhe foram conferidos pelo arguido B….
- A fls.336, foi apresentado um requerimento subscrito apenas pela defensora do arguido B… em que vem requerer a realização da audiência de julgamento na ausência do arguido, em virtude do seu estado de saúde grave
- A fls.339, a Sra.Juíza proferiu o seguinte despacho «Atentos os motivos indicados no requerimento de fls.329, devidamente comprovados pelos documentos que se seguem, a não posição do Ministério Público, autoriza-se a realização do julgamento do arguido na sua ausência, por doença grave, nos termos do disposto no art.334º, n.º2 do CPP».
O requerimento de fls.339 foi feito pela mandatária do arguido e não por este e a procuração junta a fls.239 dos autos, apenas concede amplos forenses gerais e ainda para substabelecer.
O tribunal a quo, sem ouvir o arguido, deferiu ao requerido e dispensou-o de estar presente na audiência de julgamento, ao abrigo do art.334.º n.º2 do C.P.Penal.
Preceitua o art.332.º n.º1 do C.P.Penal «É obrigatória a presença do arguido na audiência, sem prejuízo do disposto nos n.º1 e 2 do artigo 333.º e nos n.º1 e 2 do artigo 334.º».
E o mencionado art.334.º dispõe no seu n.º2 «Sempre que o arguido se encontrar praticamente impossibilitado de comparecer à audiência, nomeadamente por idade, doença grave ou residência no estrangeiro, pode requerer ou consentir que a audiência tenha lugar na sua ausência».
O direito que a lei concede ao arguido impossibilitado de comparecer à audiência de requerer que a audiência tenha lugar na sua ausência é um direito pessoal, um direito reservado ao arguido na medida em que se trata de acto pelo qual prescinde de um direito processual fundamental: o direito de estar presente na audiência de julgamento. Consequentemente apenas pode ser exercido pelo arguido, não podendo o seu defensor, sem poderes especiais para esse concreto efeito, requerer tal dispensa.[1] Só um defensor munido com poderes especiais expressos para o efeito pode exercer os direitos pessoalmente reservados ao arguido.
A realização da audiência de julgamento na ausência do arguido, a requerimento do defensor sem poderes especiais para esse efeito, constitui a nulidade insanável prevista no art.119.º al.c) do C.P.Penal.[2]
No caso vertente, não foram conferidos poderes especiais ao mandatário para efeito de requerer a dispensa do arguido na audiência de julgamento, conforme se observa da procuração junta aos autos. Tendo a audiência de julgamento decorrido sem a presença do arguido, sem que tenha sido requerida a sua dispensa de forma válida, verifica-se a nulidade insanável prevista no art.119.º al.c) do C.P.Penal, o que tem como consequência a anulação do julgamento realizado bem como dos actos subsequentes referentes ao arguido – art.122.º n.º1 do C.P.Penal.
A nulidade verificada prejudica o conhecimento das questões suscitadas pelo recorrente e pelo Ministério Público.

III – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes na 1ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto em anular o julgamento realizado e todos os actos subsequentes que ao arguido B… digam respeito.
Sem custas.
(texto elaborado pela relatora e revisto pelas signatárias)

Porto, 25/2/2015
Maria Luísa Arantes
Ana Luísa Bacelar
______________
[1] Ac.R.Lisboa de 21/11/2002, Colectânea de Jurisprudência, ano XXVII, tomo V, pág.131, Ac.R.Coimbra de 15/9/1993, BMJ429/896; no mesmo sentido, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 3ªedição, pág.839.
[2] Art.119.º al.c) do C.P.Penal: «Constituem nulidades insanáveis, que devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase do procedimento, além das que como tal forem cominadas em outras disposições legais: (…) A ausência do arguido ou do seu defensor, nos caos em que a lei determinar a sua obrigatoriedade»

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