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quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS INTERESSE DO MENOR CONVÍVIO DA CRIANÇA COM O PROGENITOR SEM A SUA GUARDA NEGAÇÃO DO DIREITO AO CONVÍVIO - Acórdão do Tribunal da Relação do Porto - 14.01.2014


Acórdãos TRP
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
21/05.7TBVLP-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: VIEIRA E CUNHA
Descritores: REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
INTERESSE DO MENOR
CONVÍVIO DA CRIANÇA COM O PROGENITOR SEM A SUA GUARDA
NEGAÇÃO DO DIREITO AO CONVÍVIO

Nº do Documento: RP2014011421/05.TTBVLP-A.P1
Data do Acordão: 14-01-2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1

Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .

Sumário: I - Nos processos de regulação das responsabilidades parentais, enquanto processos de jurisdição voluntária, a concretização do interesse do menor sobrepõe-se à obediência ao iter formal do processo, extraída do princípio dispositivo.
II – Decorre da lei, de regulamentos da União Europeia e de convenções internacionais vinculantes do Estado Português que o decurso do convívio da criança com o progenitor não guardião também não dispensa a audição prévia da criança.
III – Não pode porém o progenitor que tem a guarda facilmente se refugiar em impressões momentâneas da criança, ou, ao menos, não estruturadas, para nada fazer e, até na prática, vir a impedir o convívio com o progenitor não guardião.
IV – Como na vida e em todo o ordenamento jurídico, também no direito das crianças e jovens não existem absolutos, realidades rígidas ou intocáveis, cumprindo ao tribunal, na auscultação da vontade da criança ou do jovem, distinguir o verdadeiro do falso, a opinião do facto, quer naquilo que a criança ou o jovem se contam a si próprios, quer por via daquilo que os outros lhes dizem.
V - A negação ou supressão do direito ao convívio com o progenitor sem a guarda dos filhos apenas poderá justificar-se - e como última ratio - no quadro de um conflito extremo entre o interesse da criança e o direito referido.
Reclamações:

Decisão Texto Integral: ● Rec. 21/05.7TBVLP-A.P1. Relator – Vieira e Cunha. Adjuntos – Des. Maria Eiró e Des. Proença Costa. Decisão de 1ª Instância de 6/8/2013.

Acórdão do Tribunal da Relação do Porto

Súmula do Processo
Recurso de apelação interposto na acção com processo especial incidental de incumprimento da regulação das responsabilidades parentais nº21/05.7TBVLP-A, da Comarca de Valpaços.
Requerente – B….
Requerido – C….
Menor – D… (n. 12/8/99).
Recorrido – Digno Procurador da República.

Pedido
Que seja executado coercivamente o direito a férias da progenitora a passar com o menor o período de 30 dias, com entrega do menor em 2/8/2013.
Que o Requerido seja condenado em multa até € 249,90 e indemnização, no valor de € 1.000, a favor do menor e da progenitora (esta para compensação de despesas de deslocação em vão).
Que o Requerido seja condenado em sanção pecuniária compulsória, prevista no artº 829º-A CCiv, no montante de € 50,00, por cada dia de atraso na entrega do menor.

Tese da Requerente
O menor, filho de Requerente e Requerido, viram reguladas as responsabilidades parentais por decisão judicial de 25/10/2010, através da qual o menor ficou confiado à guarda e cuidados do pai, o aqui Requerido. Foi fixado um “regime de visitas” à mãe, aqui Requerente.
Designadamente, ficou determinado que “nas férias escolares de Verão, a mãe passará com o D… 30 dias do respectivo período, devendo cada um dos pais avisar o outro até ao dia 30 de Abril de cada ano do período em que pretendem gozar as férias com o filho; se os períodos de férias dos pais forem coincidentes, o D… passará com cada um deles 15 dias de férias”.
O Requerido sempre dificultou o cumprimento do direito de visitas, nas férias de 2011 e de 2012.
Em 2013, foi acordado que o menor passaria o período de 14/6/2013 a 12/7/2013 com sua mãe; todavia, em 13/6, o menor comunicou à mãe um adiamento para a semana seguinte; no dia 20/6, tendo a Requerente efectuado a viagem de Andorra a Portugal, o menor transmitiu por mensagem à mãe que o pai não o deixava ir e para a mesma não ir falar com ele. A Requerente foi forçada a regressar a Andorra sem o filho.

Em Conferência de Pais, foi ouvido em declarações o menor, que as prestou, do seguinte teor, constante da acta de conferência de pais:
“Que não foi o seu progenitor que inviabilizou as visitas junto da sua mãe, não o tendo impedido nem o influenciado. As mesmas apenas não foram concretizadas de acordo com o estabelecido uma vez que o mesmo realizou provas para ingressar na escola de música de …, as quais tiveram lugar no dia 9 de Julho de 2013, tendo havido necessidade de se preparar para o efeito. Os resultados ainda não são conhecidos. O menor declarou que não é possível ir de férias com a sua mãe desde o dia 2 de Agosto de 2013 até 31 de Agosto de 2013 uma vez que fazendo parte da banda de música de … tem várias festas onde vai participar com a mesma, nomeadamente em … no dia 3 de Agosto de 2013, o que para si é muito importante por ter necessidade de se preparar para o ano lectivo de 2013/2014 caso ingresse na escola de música. Declarou o menor que para si é muito importante participar nas festas com a Banda por estar em causa o seu futuro como estudante na escola de música e que apenas por esse motivo não pode ir de férias com a sua mãe no período referido.”

A Digna Procuradora Adjunta pronunciou-se no sentido do indeferimento do requerido, face a não ser detectável qualquer situação de incumprimento.

Sentença Recorrida
Foi proferida, a final, a sentença de que se recorre, na qual o pedido foi julgado, na íntegra, improcedente.

Conclusões do Recurso de Apelação da Requerente:
A.- A Recorrente intentou o presente incidente de incumprimento do regime de visitas, tendo requerido, além do mais, a “convocação dos Progenitores para uma Conferencia de Pais, com audição da Criança e na presença de um Psicólogo nomeado pelo Tribunal (de preferência aquele que já teve intervenção nos autos de regulação do Poder Paternal).
B.- No entanto o Tribunal a quo entendeu que «Não se mostra necessário proceder a quaisquer outras diligências nem assegurar o contraditório em relação á posição da Digna magistrada do Ministério Público por manifesta desnecessidade (artº 3º, nº 3, do Código de Processo Civil).
C.- Se o menor fosse ouvido na presença de um Psicólogo nomeado pelo Tribunal (de preferência aquele que já teve intervenção nos autos de Regulação do Poder Paternal), teria manifestado a sua real vontade, tal como aconteceu em situações anteriores.
D.- Necessariamente que o menor estando a viver com o Pai, vinha preparado pelo mesmo, pelo que, ser ouvido na sala de audiências, com o formalismo inerente, sem a presença do Psicólogo que lhe transmitiria confiança para exprimir a sua real vontade, o D… sentiu-se inseguro.
E.- Resulta devidamente provado nos autos que: Por Douta Sentença proferida em 25.10.2010 nos autos de Regulação do Poder Paternal, já transitada em julgado, foi decidido que:
I) - «O D… fica confiado á guarda e cuidados do pai, que exercerá o poder paternal»; e
IX) – «Nas férias escolares de Verão, a mãe passará com o D… 30 dias do respectivo período, devendo cada um dos pais avisar o outro até ao dia 30 de Abril de cada ano do período em que pretendem gozar as férias com o filho; se os períodos de férias dos pais forem coincidentes, o D… passará com cada um deles 15 dias de férias».
F.- Logo de seguida, por requerimento de 08.11.2010, o Recorrido/Pai veio apresentar requerimento junto aos autos a fls. 276, que foi considerado pelo Ministério Público como «manifestação do progenitor no sentido de que não irá colaborar com o regime de visitas fixado».
G.- Aliás, é relevante todo o comportamento desenvolvido pelo progenitor e plasmado no Relatório elaborado pelos Serviços Sociais Internacionais em Andorra, com data de 05.03.2010 e junto aos autos a fls 197 e ss, nomeadamente que: «Esta supervisão das visitas é realizada pela Sra E…, Assistente Social, a qual expõe que a Progenitora mostrou-se muito motivada por levar a cabo estes contactos assim como o menor D…. As mesmas foram levadas a cabo com normalidade, demonstrando afecto mútuo e mediante uma progressiva comunicação sincera entre ambos. É de salientar vários impedimentos que o progenitor demonstrou no respeitante às visitas, aspecto que denota o seu desacordo sobre esta decisão adotada pela barra de Andorra».
H.- Quanto ao presente incidente, pela audição do menor resulta de forma clara provada toda a matéria de facto alegada quanto ao incumprimento de direito de visitas, pois o D… confirmou a marcação do período de férias, o adiamento para a semana seguinte, a vinda da mãe e a recusa.
I.- Bem como deixou bem claro que o Recorrido teve conhecimento de todos estes factos, nomeadamente da vinda da Mãe de Andorra a Portugal e não a avisou, nem mandou o D… avisar a mãe, violando de forma grosseira todas as regras e demonstrando indiferença e falta de respeito e consideração devidos a esta.
J.- O incumprimento por parte do Progenitor foi serio, definitivo e culposo, pois o mesmo mostrou intenções de não entregar o D… á Mãe e não apresentou um motivo qualquer, apenas mostrou a sua autoridade ao Filho.
L.- Por outro lado, a posição de vontade manifestada pelo menor, não corresponde à vontade real e íntima do D…, antes foi preparada pelo Recorrido, disto a Recorrente não tem dúvidas.
M.- Veja-se, o depoimento do D… foi inconsistente e por vezes chorou, deixando escapar o seu sofrimento provocado pelo terror da situação de obedecer ao Pai e não poder usufruir do Amor e Carinho da Mãe.
N - Neste âmbito atendemos ás declarações do D… prestadas em 25.07.2013 desde as 14:58:24 às 15:18:37 e ás declarações do D… prestadas em 25.07.2013 desde as 15:20:30 às 15:32:26 a instâncias da Patrona da Recorrente:
O.- De salientar que ao longo do depoimento do D… verificam-se muitas pausas e praticamente é sempre a Meritíssima Juíza quem fala, respondendo o D… com curtas palavras e quando foi pressionado pelo Ministério Público para decidir entre a mãe e a festas, o D… chorou, sendo que daqui concluímos que a vontade real do D… era ir de férias com a Mãe.
P.- Tendo em conta as declarações prestadas pelo Menor, nomeadamente as transcritas nos itens 32 e 33 o Tribunal a Quo deveria ter decidido que a vontade real do D… era passar férias com a Mãe, mas que não podia mostrar essa vontade abertamente. Caso contrário, não hesitava, não chorava, nem soluçava. Mas mostrar-se-ia firme e seguro.
Q.- Por outro lado: tendo em conta os factos dados como provados na Douta Sentença recorrida nos itens 4.1.1.1. a 4.1.1.9., o sentido da decisão do tribunal a quo deveria ser de incumprimento do direito de visitas por parte do Recorrido.
R.- Ainda que fosse verdade o facto dado como provado no item 4.1.1.10., o mesmo não poderia ser considerado como válido e justificativo para o Incumprimento: o D… já havia realizado os exames, apenas esperava resultados.
S.- O Douto Tribunal a quo decidiu indeferir o requerimento de incumprimento, essencialmente, com base no seguinte: «De facto, é o próprio menor quem manifesta vontade no sentido de não passar as férias com a sua mãe, não porque não gosta da mesma (acredita-se que goste e muito) mas por força da sua participação na banda de … e pelo facto ter necessidade de ser preparar para o ano lectivo de 2013/2014, caso ingresse na escola de música de …».
T.- Este facto, não pode justificar, não pode ser um impedimento para durante o período de férias de 3 (três) meses (de 14 de Junho a 16 de Setembro) o menor não passar um mês com a sua Mãe.
U.- Conforme se referiu os exames já estavam efetuados, era só aguardar os resultados e caso ingressasse na escola de música de … frequentaria o ano letivo normalmente, não se justificando passar as férias a tocar na Banda de … em festas.
V.- Esta facto de tocar na banda não se pode sobrepor ao superior interesse do Menor que é estar com a sua Mãe e com o Irmão e com os mesmos desenvolver laços de afetividade essenciais ao seu desenvolvimento harmonioso.
X.- O D… não demonstrou ao Tribunal que não quer estar com a Mãe, ou que as visitas com a mesma o perturbam, ou que não se estabeleceram laços de afetividade, nada disso.
Z.- Se assim aconteceu este ano e o Tribunal considera que não há incumprimento, então nos próximos anos e até o D… atingir a maioridade vai acontecer da mesma forma, bem como se pode repetir nas festividade de Natal e Páscoa, e, consequentemente a Recorrente não vai poder ter o menor consigo.
AA.- Foram violadas as disposições legais seguintes:
- artigo 36º, nºs 5 e 6 a Constituição da República Portuguesa;
- artigos 1905º , 1906º e 1978º do Código Civil;
- artigo 181º da OTM
Nestes termos, deve a Sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que, de harmonia com o primordial interesse do D… de estabelecer laços de afetividade com a Mãe, julgue provado e procedente o presente incidente de incumprimento das responsabilidades parentais por parte do Recorrido, e, consequentemente condene o Recorrido em multa até Eur. 249,90 (duzentos e quarenta e nove euros e noventa cêntimos) e indemnização no valor de Eur. 1.000,00 (mil euros), a favor do Menor e da Progenitora (a esta para compensar as despesas de deslocação em vão).

Em contra-alegações, o Digno Agente do Ministério Público, sustenta a confirmação da sentença recorrida.

Factos Provados
1. O incidente de incumprimento das responsabilidades parentais iniciou-se em 11 de Junho de 2013.
2. Por sentença proferida em 25.10.2010 nos autos de regulação do exercício das responsabilidades parentais, transitada em julgado, foi decidido que:
“I) - O D… fica confiado á guarda e cuidados do pai, que exercerá o poder paternal»;
IX) – Nas férias escolares de Verão, a mãe passará com o D… 30 dias do respectivo período, devendo cada um dos pais avisar o outro até ao dia 30 de Abril de cada ano do período em que pretendem gozar as férias com o filho; se os períodos de férias dos pais forem coincidentes, o D… passará com cada um deles 15 dias de férias”.
3. O requerido apresentou um requerimento nos autos principais, datado de 08.11.2010, a fls. 276 (cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais), que o Ministério Público, na promoção datada de 30.11.2010, a fls. 295, entendeu ser “uma manifestação de vontade do progenitor no sentido de que não irá colaborar com o regime de visitas fixado”.
4. No relatório elaborado pelos Serviços Sociais Internacionais em Andorra, com data de 05.03.2010, a fls. 197 e ss. dos autos principais, lê-se que “Esta supervisão das visitas é realizada pela Sra E…, Assistente Social, a qual expõe que a Progenitora mostrou-se muito motivada por levar a cabo estes contactos assim como o menor D…. As mesmas foram levadas a cabo com normalidade, demonstrando afecto mútuo e mediante uma progressiva comunicação sincera entre ambos. É de salientar vários impedimentos que o progenitor demonstrou no respeitante às visitas, aspecto que denota o seu desacordo sobre esta decisão adotada pela barra de Andorra” (cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
5. A requerente e o requerido acordaram que o menor D… passaria com aquela o período de 14.06.2013 até 12.07.2013, o que foi transmitido ao menor.
6. O menor D… não passou com a requerente o período mencionado em 5., combinando que as férias ficariam adiadas para a semana seguinte.
7. A requerente, no dia 20 de Junho de 2013, inicia a sua viagem desde Andorra até Valpaços, onde chega no final da manhã, tendo comunicado ao menor D… que o iria buscar a sua casa cerca das 14h00m, ao que o mesmo respondeu para o ir buscar mais tarde.
8. Na sequência do descrito em 4.1.1.7., o menor transmitiu à mãe que não iria com ela de férias.
9. A requerente regressou a Andorra sem o menor D….
10. O menor D… manifestou, nas suas declarações, estar impossibilitado de passar com a requerente as férias de Verão de 2013 atenta a sua participação na banda de … e pelo facto ter necessidade de ser preparar para o ano lectivo de 2013/2014 caso ingresse na escola de música de ….
Factos não provados
1. O requerido, desde a data da prolação da sentença mencionada em 1. (factos provados) não tem colaborado com o regime de visitas de fim-de-semana.
2. Na sequência do descrito em 5., no dia 13 de Junho de 2013, o menor D… transmitiu à requerente que o requerido não o deixava ir naquele fim-de-semana.
3. Em consequência do descrito em 7., a requerente deslocou-se à residência do menor e este não se encontrava lá, mas sim com o requerido no local de trabalho deste, ou seja, um restaurante em Valpaços.
4. O menor D… transmitiu por mensagem à requerente que o requerido não o deixava ir e para a mesma não ir falar com ele.
5. O menor transmitiu à requerente que o requerido não lhe comunica o período de férias a passar com a mesma.

Fundamentos
A questão colocada pelo presente recurso resume-se a conhecer do bem fundado da douta sentença recorrida, quando isentou de responsabilidade o Requerido pai no incumprimento do convívio do menor com a Requerente sua mãe, para o efeito levando em conta sobre o mais a opinião expressa pelo menor.
Vejamos pois.
I
Em primeiro lugar, e por mero ordenamento da presente fundamentação, temos de assinalar que nos autos se não encontra em causa a impugnação da decisão relativa à matéria de facto.
Para que assim acontecesse, haveriam os Recorrentes de ter procedido nos termos do disposto no artº 685º-B nº1 CPCiv, indicando os pontos de facto que considerassem incorrectamente julgados, acrescidos dos meios de prova que impusessem decisão diversa.
A Recorrente alude, é facto, ao depoimento do menor D… (então com 13 anos de idade, embora prestes a completar 14 anos), mas apenas como elemento corroborante e co-adjuvante da respectiva conclusão de que, dos próprios factos provados, se pode extrair a conclusão de que foi o Requerido que inviabilizou o direito ao convívio, do menor com sua mãe.
Ater-nos-emos assim à factualidade provada e não provada no processo.
De outro ponto de vista, porém, entendemos conveniente para a decisão a audição das declarações do menor, registadas em suporte áudio, prestadas na Conferência de Pais realizada no processo – estamos habilitados a tal por força da investigação livre dos factos, cometida ao tribunal, com a prevalência dada ao princípio inquisitório sobre o princípio dispositivo (cf. Ac.R.E. 27/2/97 Bol.464/639, relatado pelo Consº Mário Pereira), e, na mesma linha de raciocínio, por via de não nos encontrarmos sujeitos a critérios de legalidade estrita – artºs 1409º nº2 e 1410º CPCiv.
O interesse do menor sobrepõe-se, nos processos de regulação das responsabilidades parentais, à obediência ao iter formal do processo.
II
É entendimento pacífico na doutrina, decorrente da lei, de regulamentos da União Europeia e de convenções internacionais vinculantes do Estado Português que nos casos em que haja necessidade de regular o exercício de responsabilidades parentais se impõe a audição prévia da criança – cf., nesse apontado sentido, artº 4º al.i) LPPCJP ex vi artº 147º-A OTM (na redacção da Lei nº 133/99 de 29 de Agosto), artº 24º nº2 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (aprovada em protocolo anexo ao Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, tal como resultou do Tratado de Lisboa, e com idêntica força vinculante no espaço da União) e artº 12º nº2 da Convenção sobre os Direitos da Criança das Nações Unidas.
Da conjugação dos preceitos citados, ressalta que os tribunais devem ouvir a criança, tendo em conta a sua idade e grau de maturidade.
De salientar é igualmente o Regulamento (CE) nº 2201/2003 do Conselho, de 27 de Novembro, também conhecido por Regulamento Bruxelas II-bis, hoje em vigor, relativo à competência, reconhecimento e execução de decisões em matéria matrimonial e de responsabilidade parental, quando alude nos considerandos e no corpo de normas a que a criança deva ser ouvida no processo cujo reconhecimento se almeja, excepto se for considerada inadequada uma audição, tendo em conta a sua idade ou grau de maturidade (cf. artº 41º nºs 1 e 2 al.c) Regulamento Bruxelas II-bis).
Vasta jurisprudência se tem pronunciado também quanto à necessidade de audição dos menores nos processos relativos a responsabilidades parentais, estabelecendo que tal audição se consagra como a forma mais lídima de auscultar o “superior interesse da criança” (cf., a título exemplificativo, Ac.R.L. 5/7/00 Col.IV/79, relatado pelo Desemb. Freitas Carvalho, Ac.R.E. 14/4/2011 Col.II/266, relatado pelo Desemb. Eduardo Tenazinha, Ac.R.L. 17/11/2011, in www.dgsi.pt, pº 3473/05.1TBSXL-D.L1-8, relatado pela Desemb. Carla Mendes, Ac.R.L. 4/10/07, in www.dgsi.pt, pº 5221/2007-8, relatado pelo Desemb. Bruto da Costa, ou Ac.R.L. 14/4/05, in www.dgsi.pt, pº 1634/2005-6, relatado pelo Desemb. Manuel Gonçalves).
A citada jurisprudência é particularmente segura acerca da necessária audição dos menores com, pelo menos, 10 anos de idade.
Em vigor para o processo tutelar cível está também o disposto no artº 10º nº2 LPPCJP, também por remissão do artº 147º-A OTM, norma essa que, quanto à intervenção para promoção de direitos de jovens em perigo, estipula que “a oposição da criança com idade inferior a 12 anos é considerada relevante de acordo com a sua capacidade para compreender o sentido da intervenção”. É esse também o critério seguido pela Lei em matéria de adopção – artºs 1981º nº1 al.a) e 1984º al.a) CCiv.
De todo o modo, como se exprime o Sr. Consº Salazar Casanova, em artigo publicado na revista Scientia Jurídica, 306º, pgs. 205ss. (O Regulamento CE nº 2201/2003 do Conselho e o Princípio da Audição da Criança), a pgs. 228, nota 31, a audição do menor não tem que obrigatoriamente ser efectuada pelo tribunal, “podendo ser suficientes elementos que venham ao conhecimento do tribunal por via de relatório ou informações prestadas por aqueles que contactaram com a criança”.
Como se evidencia, a afirmação de princípios é sempre matizada pela exegese da concreta situação que se depara ao aplicador do direito.
III
A par do direito de audição do menor, o progenitor e o menor gozam do direito ao convívio.
Nos termos do artº 14º nº1 da Convenção sobre os Direitos da Criança, “os Estados Partes diligenciam de forma a assegurar o reconhecimento do princípio segundo o qual ambos os pais têm uma responsabilidade comum na educação e no desenvolvimento da criança. A responsabilidade de educar a criança e de assegurar o seu desenvolvimento cabe primacialmente aos pais e, sendo caso disso, aos representantes legais. O interesse superior da criança deve constituir a sua preocupação fundamental”.
Tal direito extrai-se do disposto, em direito nacional, no actual artº 1906º nº7 CCiv e do artº 180º nº2 OTM – o primeiro enfatizando o interesse do menor em manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, devendo o tribunal favorecer amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles; o segundo, regulando o regime de visitas ao progenitor que não tem a guarda, mas salvaguardando a hipótese (“excepcional”) de que “o interesse do menor o desaconselhe”.
Verifica-se assim, dos normativos citados de normas nacionais e das convenções que obrigam o Estado que o interesse da criança sobrevaloriza o interesse do progenitor visitante em se realizar na sua parentalidade (neste sentido, Drs. Helena Bolieiro e Paulo Guerra, A Criança e a Família, 2009, pg. 190).
Em complemento da observação supra, afirma a jurisprudência que o direito de convívio ou “visitas” não é um direito absoluto, designadamente nos casos em que os menores verbalizam não desejar a companhia do progenitor – Ac.R.L. 19/5/09, in www.dgsi.pt, pº 2190/03.1TBCSC-B.L1-7, relatado pelo Desemb. Arnaldo Silva, e Ac.R.L. 14/9/2010, in www.dgsi.pt, pº 1169/08.1TBCSC-A.L1-1, relatado pelo Desemb. Pedro Brighton.
É de salientar, porém, que, pelo menos no caso do primeiro acórdão, as menores, de 10 e 8 anos de idade, vivenciavam uma rejeição total da figura masculina, ou até da simples “masculinidade”, relacionada com a confrontação ao longo dos anos com possíveis abusos sexuais por parte do progenitor, traduzida em diversos exames médicos e avaliações psicológicas, desde a sua mais tenra idade.
Já porém em ponderação concreta da possibilidade de denegação do direito de convívio, o Ac.R.P. 13/7/06, in www.dgsi.pt, pº 0633817, relatado pelo Desemb. Fernando Baptista, afirma que “a negação ou supressão do direito de visita do progenitor sem a guarda dos filhos apenas poderá justificar-se - e como última ratio - no quadro de um conflito extremo entre o interesse da criança e o direito do progenitor”. O acórdão reafirma a letra da OTM, que, no seu artº 180º nº2, explicita a necessidade de se fixar em sentença um regime de visitas, a não ser que excepcionalmente o interesse da criança o desaconselhe. Da mesma forma, o artº 36º nº6 CRP prevê que os filhos não podem ser separados dos pais, podendo estes tê-los consigo quer em termos de guarda, quer em termos de direito de convívio, salvo quando os pais não cumpram os seus deveres fundamentais para com os filhos e sempre mediante sentença judicial.
Também o Ac.R.P. 18/5/06, in www.dgsi.pt, pº 0632170, relatado pela Desembª Ana Paula Lobo, se expressou significativamente nestes termos “o direito da mãe conviver com o seu filho é igual ao do pai conviver com o seu filho e, verdadeiramente, só são relevantes se resultarem do direito que o menor tem de conviver com ambos, porque terão sempre, em todas as situações, que estar subordinados aos direitos e interesses dos menores, como se define no artº 1878º do Código Civil; por essa razão, o incumprimento repetido da regulação do poder paternal terá, se for necessário, que conduzir à alteração da guarda do menor; o menor não é propriedade privada da sua mãe e ela, se assim o entende, representa um enorme perigo para o desenvolvimento harmonioso da criança, que o Tribunal não pode continuar a ignorar; a mãe, só porque é mãe, não é necessariamente uma boa mãe”.
Na obra já citada, os Drs. Helena Bolieiro e Paulo Guerra, a pgs. 200ss., dão nota de ter sido suscitada junto do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem a necessidade da adopção, pelas instâncias judiciais portuguesas, de mecanismos de prevenção dos incidentes de incumprimento do exercício das responsabilidades parentais, por forma a evitar que sejam introduzidas mais queixas desse teor naquele tribunal e ainda de forma a que se cumpram Recomendações já adoptadas, relativamente a Portugal, pelo Comité de Ministros do Conselho da Europa.
No Ac.TEDH de 22/11/05 (disponível, segundo os distintos Autores que citamos, em http://www.gddc.pt/direitos-humanos/portugal-dh/acordaos/reigado_ramos.pdf), concluiu-se que “as autoridades portuguesas omitiram o desenvolvimento de esforços adequados e suficientes para fazer respeitar os direitos de visita do requerente, desconhecendo assim o seu direito ao respeito da vida familiar garantido pelo artº 8º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem”. Censura o Tribunal Europeu, na sua jurisprudência, que se deixe consolidar uma situação de facto que despreza seriamente uma decisão judicial que determinou o “direito ao convívio”.
O Comité de Ministros do Conselho da Europa, por recomendação de 19/1/00, solicitou também às autoridades portuguesas que informassem se existe um arsenal jurídico capaz de assegurar o respeito pelo cumprimento das obrigações decorrentes do artº 8º da Convenção, no sentido da efectivação prática do direito de visita por parte do progenitor não guardião relativamente à filha menor de idade.
No seguimento destas tomadas de posição, o Conselho Superior da Magistratura de Portugal emitiu circular de que deu conhecimento a todos os magistrados judiciais, do seguinte teor:
“Confrontado com a existência de queixas contra o Estado Português no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, atinentes aos incidentes de incumprimento das responsabilidades parentais (nomeadamente na efectivação do direito ao convívio com o filho menor, vulgarmente intitulado de “direito de visita”, que assiste ao progenitor não exercente das mesmas), considerando, por outro lado, que boa parte das mesmas poderia ser evitada, o que traria vantagens de diversa ordem, entende o CSM, sem de qualquer modo pôr em causa a independência e a liberdade de julgamento dos juízes portugueses, ser oportuno alertar para a existência de um arsenal de mecanismos preventivos e dissuasores da eclosão de tais incumprimentos, designadamente medidas de execução directa e indirecta.”
Acresce finalmente que, no seguimento da Lei nº 61/2008 de 31 de Outubro que, entre outros, reviu o Código Civil, foi alterado o preceito incriminador do artº 249º nº1 al.c) CPen, de acordo com o qual “quem, de um modo repetido e injustificado, não cumprir o regime estabelecido para a convivência do menor na regulação do exercício das responsabilidades parentais, ao recusar, atrasar ou dificultar significativamente a sua entrega ou acolhimento é punido com pena de prisão até 2 anos ou multa até 240 dias”.
E mais, muito significativamente a norma punitiva acrescenta no inciso nº2: “Nos casos previstos na alínea c) do nº1, a pena é especialmente atenuada quando a conduta do agente tiver sido condicionada pelo respeito pela vontade do menor com idade superior a 12 anos”.
IV
A existência de direitos absolutos não é conforme com a realidade da vida, muito menos com a discussão que subjaz ao ordenamento jurídico e à própria lei.
A aplicação do direito do direito das crianças exige uma redobrada dose de bom senso, espírito conciliador e pacificação das ideias rígidas ou extremas, que bastas vezes povoam o espírito dos humanos e ainda mais dos cidadãos e pais desavindos.
Há que fazer apelo ao princípio da proporcionalidade, aplicado como critério de concordância prática para a resolução de conflitos de direito.
Como reconhece a douta sentença recorrida, existe prova nos autos que o menor D… gosta de sua mãe rectius, acrescentamos nós, de conviver com sua mãe; assim o fez, nos anos de 2011 e de 2012, nas férias de Verão; assim o declarou perante o tribunal.
Já em princípios do ano de 2010, o relatório social de Andorra recomendava os contactos entre o menor e a progenitora (“aspecto essencial para o adequado desenvolvimento psico-emocional do menor”) e assinalava os pequenos impedimentos e desculpas postos pelo ora Requerido para impedir o convívio do menor com a mãe, nas datas combinadas.
A Requerente, já nesses anos, mostrava apego ao convívio com seu filho, embora a grande dramatização que pusesse na ausência desse convívio (cujas causas certamente se não deviam apenas ao comportamento do ora Requerido, mas também às próprias condições de vida que se vieram a seguir no passadio da Requerente – a sua nova família, o anunciado regresso a Portugal do menor) igualmente não ajudassem a uma solução serena, apta à estabilidade emocional do menor D….
Neste contexto dubitativo, de pequenos incómodos e pequenas arrelias, deslocações para Andorra, onde o menor se inseriria, de forma temporária, noutro agregado familiar (não falamos de abusos, de que não existe notícia, caso em que o convívio estaria naturalmente vedado), há que afirmar o princípio de que se não protege a segurança da relação entre o progenitor que detém a guarda e seu filho privando a criança do convívio com o outro progenitor.
“Trata-se ao invés da promessa de uma enorme insegurança futura, pois representa a anulação de uma parte da criança, pela qual lhe é transmitido implicitamente que o outro pai é alguém desvalorizado e falível” (Françoise Dolto, Quando os Pais se Separam, Ed. Notícias, pg. 45).
Por outro lado, uma situação de pais separados, por mais difícil de gerir, sobretudo pela existência de horários de visitas, apela aos pais para a existência de ainda mais bom senso do que aquele que possa existir numa situação em que se encontrem juntos.
“O objectivo fundamental da educação é o de ajudar a criança a distinguir o verdadeiro do falso, a opinião do facto, quer naquilo que ela se conta a si própria, quer naquilo que os outros lhe dizem”, sendo certo que a percepção impregnada de emoções, por parte das crianças, é sempre apta a retirar conclusões extravagantes de premissas simples ou insuficientes – assim, Lucien Auger, Les Enfants (in Le Temps d`Apprendre à Vivre, Montreal, 1996, pg. 199).
Volvendo de novo ao caso dos autos, se é certo que o menor D… declarou que desejava acompanhar a Banda de Música de …, cujos quadros integra, no mês de Agosto de 2013, não menos verdade é que, em 9 de Julho de 2013, o menor tinha já realizado a sua admissão à escola de música de …, sendo que, após, apenas aguardaria os resultados do exame.
O objectivo da permanência em Portugal era apenas o de praticar o instrumento musical que toca e do qual tem aulas diárias.
O menor apenas referenciou a data de 3 de Agosto como a do concerto/festa em …, onde desejava estar presente com a Banda Musical (embora se conceda que outras festas ou deslocações ocorreriam). Mas é necessário sublinhar, a este propósito, que as férias de um menor de 13/14 anos não são recondutíveis, em são bom senso, à “preparação do futuro profissional”.
Há que recordar que a primeira sentença produzida no processo, transitada em julgado, a fls. 274 dos autos, referenciava já que o período de férias de Verão do menor passadas com sua mãe poderia ser reduzido a 15 dias, desde que existisse impedimento a um período mais prolongado. Entendemos que tal tentativa deveria ao menos ter sido ensaiada, naturalmente pelo acordo dos progenitores.
Desta forma, e salvo o merecido e devido respeito, parece-nos não apropriada a posição que descortine uma impossibilidade prática absoluta de o menor conviver com sua mãe, posto que este convívio até se encontra quase que reduzido às férias escolares de Verão (como se assinalou, a mãe reside em Andorra, onde vive em comunhão de habitação com outro companheiro ou marido, de quem tem um filho, como existe notícia nos autos).
As situações relatadas demonstram a responsabilidade do pai, se não em incutir, do que não existe prova directa, ao menos em nada fazer, reforçando, ideias “feitas”, “preconcebidas” na criança sobre o convívio com o outro progenitor, na prática sendo ele o pai a caucionar, com a sua autoridade, tais ideias.
Tal responsabilidade reconhece-se também no facto de os contactos para agendamento de datas serem tidos entre a Requerente mãe e o menor, pouco se sabendo de contactos (que se impõem) entre a Requerente e o Requerido (os pais), isentando o menor de responsabilidades num conflito que os pais devem, eles apenas, mais ninguém, regular por forma conciliada (sabendo eles encontrar, como adultos maduros e responsáveis, a menor distância entre os seus pontos de vista).
Não pode assim o progenitor que tem a guarda facilmente se refugiar em impressões momentâneas da criança ou do pré-adolescente (este menor, apesar de ter entre 13/14 anos à data da sua audição no processo, é ainda muito novo para criticamente reflectir sobre a separação dos pais), não estruturadas, para nada fazer e, até na prática, vir a impedir o convívio com o progenitor não guardião.
Há assim que alterar a douta decisão, fazendo actuar, como requerido por esta via de recurso, o disposto no artº 181º nº1 OTM e, considerando as condições de vida do Requerido, que vêm referidas na douta sentença proferida no processo principal de regulação das responsabilidades parentais (designadamente o vencimento de € 1.100), condenar o mesmo Requerido em multa, a fixar em € 100, e em indemnização, esta exclusivamente a favor da Requerente, como compensação para as deslocações em vão a Portugal, a fixar em € 400.
Uma última nota – nem sempre a intervenção formalizada de um técnico de saúde mental (psicólogo) tem utilidade no processo (poderá ser o técnico social, não de saúde mental, quem mais utilidade ou atenção poderá trazer, quanto à envolvente familiar e afectiva do menor). Provavelmente, o menor não mudasse conceitos, formas de sentir ou de pensar, no contacto com esse técnico, por forma diversa do que revelou em audiência de pais, e a repetição das mesmas perguntas e entrevistas, é, com o devido respeito pela opinião contrária, potencial causadora de medo/ansiedade, em nada ajudando a mais racional visão das questões, por parte da criança ou jovem.
A única vantagem evidente da intervenção do técnico estaria na própria condução do interrogatório, com a possibilidade de abertura das perguntas, isto é, dessas perguntas não conterem implícitas soluções, ou a responsabilização da criança/jovem pelas soluções que as perguntas contêm, facto que, aliviando um pouco o interrogatório, do ponto de vista do jovem, cremos porém que, com elevado grau de probabilidade, em nada alteraria a visão rígida ou meramente dúplice (pai/mãe, trabalho/lazer, certo/errado) em que o menor incorreu, no decurso do interrogatório judicial (à medida que o interrogatório evoluiu, o menor não conteve a emoção, chorando, indício a nosso ver da difícil escolha que a visão dos seus assuntos pessoais, que mostra ter, lhe impõe ainda) – em suma, tudo apontando para a responsabilização dos pais, que não do menor, nesta matéria do convívio com o progenitor não guardião.
Desta forma, em resposta à questão colocada pela via de recurso, não se mostrava indispensável ou necessário, tendo em vista as circunstâncias do caso, fazer intervir o psicólogo, na presente fase do processo.

Resumindo a fundamentação:
I - Nos processos de regulação das responsabilidades parentais, enquanto processos de jurisdição voluntária, a concretização do interesse do menor sobrepõe-se à obediência ao iter formal do processo, extraída do princípio dispositivo.
II – Decorre da lei, de regulamentos da União Europeia e de convenções internacionais vinculantes do Estado Português que o decurso do convívio da criança com o progenitor não guardião também não dispensa a audição prévia da criança.
III – Não pode porém o progenitor que tem a guarda facilmente se refugiar em impressões momentâneas da criança, ou, ao menos, não estruturadas, para nada fazer e, até na prática, vir a impedir o convívio com o progenitor não guardião.
IV – Como na vida e em todo o ordenamento jurídico, também no direito das crianças e jovens não existem absolutos, realidades rígidas ou intocáveis, cumprindo ao tribunal, na auscultação da vontade da criança ou do jovem, distinguir o verdadeiro do falso, a opinião do facto, quer naquilo que a criança ou o jovem se contam a si próprios, quer por via daquilo que os outros lhes dizem.
V - A negação ou supressão do direito ao convívio com o progenitor sem a guarda dos filhos apenas poderá justificar-se - e como última ratio - no quadro de um conflito extremo entre o interesse da criança e o direito referido.

Com os poderes conferidos pelo disposto no artº 202º nº1 da Constituição da República Portuguesa, decide-se neste Tribunal da Relação:
Julgar procedente, por provado, o interposto recurso de apelação e, em consequência, revogar em parte a douta decisão proferida sobre incumprimento da regulação das responsabilidades parentais, condenando agora o Requerido em multa, que se fixa em € 100,00, e em indemnização a favor da Requerente, que se fixa em € 400,00.
Sem custas.

Porto, 14/I/2014
Vieira e Cunha
Maria Eiró
João Proença

sábado, 18 de janeiro de 2014

REVITALIZAÇÃO INSOLVÊNCIA TRIBUNAL COMPETENTE - Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra - 18.12.2013


Acórdãos TRC
Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
5649/12.6TBLRA-C.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FALCÃO DE MAGALHÃES
Descritores: REVITALIZAÇÃO
INSOLVÊNCIA
TRIBUNAL COMPETENTE

Data do Acordão: 18-12-2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE LEIRIA – 2º JUÍZO CÍVEL
Texto Integral: S

Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 17º-E E 17º- G DO CIRE

Sumário: Ainda que haja processo de insolvência suspenso, nos termos do artº 17º-E, nº 6, do CIRE, a declaração de insolvência a que alude o artº 17º-G, nº 2, do mesmo código, compete ao Juiz dos autos de processo especial de revitalização, operando-se, com tal declaração, a “conversão” deste processo em processo de insolvência.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I - A) - 1) - O “BANCO S…, S.A.”, com sede …, requereu, em 19/07/2012, no Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, ao abrigo dos artºs. 20º e 23º do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas (doravante CIRE)[1], a declaração de insolvência da sociedade “J…,SA”, com sede ...
2) - No processo que assim se iniciou e que, vindo a ser distribuído ao 1º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Leiria, tomou o nº …/12.7TBLRA, a aí Requerida deduziu oposição, que terminou pugnando pela sua absolvição do pedido.
3) - Foi designado dia para a realização de audiência de discussão e julgamento.
4) - Antes de ter lugar a mencionada audiência, em 8/11/2012 veio a referida “J…, S.A.” dar início aos presentes autos - que, com o nº 5649/12.6TBLRA, foram distribuídos ao 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Leiria -, apresentando-se a processo especial de revitalização (PER), no âmbito dos artigos 17º-A e ss. do CIRE.
5) - Nos aludidos autos nºs …/12.7TBLRA, em 27/11/2012, foi proferido despacho com o seguinte teor: ”Atento ao teor do despacho de fls. 858-859 proferido no processo Especial de Revitalização nº 5649/12.6TBLRA, do 2º Juízo Cível deste Tribunal, relativo à aqui requerida, suspende-se o presente processo, nos termos do disposto no art. 17º-E, nº 6 do CIRE.”.
6) - Tendo sido dado seguimento ao PER, veio o processo negocial a ser considerado encerrado, nos termos do disposto no artigo 17º-G, nº 1, do CIRE.
O Sr. Administrador Judicial Provisório emitiu parecer que dirigiu a estes autos nº 5649/12.6TBLRA, por via do qual sustentou que a devedora se encontrava em situação de insolvência, requerendo, em conformidade, a declaração da sua insolvência.
7) - Em face da comunicação do encerramento do processo, do teor do parecer do Sr. Administrador Judicial Provisório e do que, em consonância com ele, este requereu, a Mma. Juiz do 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Leiria, por sentença de 29/05/2013, entre o mais:
- Declarou a insolvência de “J…, S.A.”, com sede …;
- Nomeou, como Administrador da Insolvência o já previamente nomeado como administrador judicial provisório no PER (artigos 36º, alínea d), e 52º, n.ºs 1 e 2);
- Determinou a conversão dos autos de processo especial de revitalização em processo especial de insolvência, ordenando que se descarregasse na espécie distribuída e se carregue na espécie própria.
B) - O “BANCO S…, S.A.” veio interpor recurso de apelação dessa sentença de 29/05/2013, oferecendo, a terminar a respectiva alegação, as seguintes conclusões:

C) - A “J…, S.A.”, apresentou resposta na qual defendeu o indeferimento do recurso, por inadmissibilidade legal, sustentando, em todo o caso, para a hipótese de assim se não entender, que a sentença fosse mantida nos precisos termos em que fora proferida.
D) - Por despacho do relator, de 15/10/2013, foi indeferida a rejeição do recurso.
II - Em face do disposto nos art.ºs 684º, n.º 3 e 685-Aº, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil (CPC)[2], o objecto dos recursos delimita-se, em princípio, pelas conclusões dos recorrentes, sem prejuízo do conhecimento das questões que cumpra apreciar oficiosamente, por imperativo do art.º 660, n.º 2, “ex vi” do art.º 713º, nº 2, do mesmo diploma legal.
Não haverá, contudo, que conhecer de questões cuja decisão se veja prejudicada pela solução que tiver sido dada a outra que antecedentemente se haja apreciado, salientando-se que, com as “questões” a resolver se não confundem os argumentos que as partes esgrimam nas respectivas alegações e que o Tribunal pode ou não abordar, consoante a utilidade que veja nisso (Cfr., entre outros, Ac. do STJ de 13/09/2007, proc. n.º 07B2113 e Ac. do STJ de 08/11/2007, proc. n.º 07B3586 [3]).
Assim, a questão a solucionar consiste em saber se a declaração de insolvência da ora Apelada podia, como sucedeu, ser proferida neste processo (do 2º Juízo Cível de Leiria), que se iniciou como processo especial de revitalização, ou, ao invés, se deveria ter sido proferida nos autos nº …/12.7 TBLRA, então suspensos, do 1º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Leiria, onde o Banco S… havia requerido a insolvência da devedora, “J…. S.A.”.
III - A) - O circunstancialismo fáctico-processual a atender é o que consta de “I” supra.
B) - De acordo com o disposto no nº 2 do artº 1º do CIRE, “Estando em situação económica difícil, ou em situação de insolvência meramente iminente, o devedor pode requerer ao tribunal a instauração de processo especial de revitalização, de acordo com o previsto nos artigos 17º-A a 17º-I.”
E o nº 1 do artº 17º-A define o escopo do processo especial de revitalização, dizendo: ”O processo especial de revitalização destina-se a permitir ao devedor que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja susceptível de recuperação, estabelecer negociações com os respectivos credores de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização.”.
Abstraindo-nos agora, por não ter interesse para o caso dos autos, da situação prevista no artº 17º-I, o PER inicia-se, diz-nos o artº 17º-C, “pela manifestação de vontade do devedor e de, pelo menos, um dos seus credores, por meio de declaração escrita, de encetarem negociações conducentes à revitalização daquele por meio da aprovação de um plano de recuperação”, cabendo ao devedor, para o efeito, munido de tal declaração - assinada por todos os declarantes, da mesma constando a data da assinatura - comunicar ao juiz do tribunal competente para declarar a sua insolvência, que pretende dar início às negociações conducentes à sua recuperação e remeter ao tribunal cópias dos documentos elencados no n.º 1 do artigo 24º.
O Juiz, em face disso, deverá “ nomear, de imediato, por despacho, administrador judicial provisório, aplicando-se o disposto nos artigos 32º a 34º, com as necessárias adaptações” (alínea a) do n.º 3 do artigo 17º-C).
Este despacho em que o Juiz nomeia o administrador judicial provisório, é publicado no portal Citius, sendo de salientar, entre outros, os seguintes efeitos que produz, desde a data dessa publicação:
- Inicia-se o prazo de 20 dias que os credores têm para reclamar créditos (artº 17º-D, nº 2);
- “Os processos de insolvência em que anteriormente haja sido requerida a insolvência do devedor”, desde que neles não tenha sido proferida sentença declaratória da insolvência, suspendem-se, extinguindo-se logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação (artº 17º-E, nº 6).
Segundo o nº 5 do artº 17º-D, “Findo o prazo para impugnações, os declarantes dispõem do prazo de dois meses para concluir as negociações encetadas, o qual pode ser prorrogado, por uma só vez e por um mês, mediante acordo prévio e escrito entre o administrador judicial provisório nomeado e o devedor…”.
Concluindo-se as negociações com a aprovação de plano de recuperação conducente à revitalização do devedor, o mesmo é remetido a tribunal, cabendo ao Juiz, segundo nº 5 do artº 17º-F, decidir “se deve homologar o plano de recuperação ou recusar a sua homologação”, sendo que, de acordo com o nº 6 do mesmo artigo “A decisão do juiz vincula os credores, mesmo que não hajam participado nas negociações”.
De acordo com o disposto no Artigo 17º-G, nº 1, o processo é encerrado, devendo o administrador judicial provisório comunicar tal facto ao processo, “caso o devedor ou a maioria dos credores prevista no n.º 3 do artigo anterior concluam antecipadamente não ser possível alcançar acordo, ou caso seja ultrapassado o prazo previsto no nº 5 do artigo 17º-D.
O nº 4 do artº 17º-G preceitua: “Compete ao administrador judicial provisório na comunicação a que se refere o nº 1 e mediante a informação de que disponha, após ouvir o devedor e os credores, emitir o seu parecer sobre se o devedor se encontra em situação de insolvência e, em caso afirmativo, requerer a insolvência do devedor, aplicando-se o disposto no artigo 28º, com as necessárias adaptações, e sendo o processo especial de revitalização apenso ao processo de insolvência.”.
Nos casos em que o devedor ainda não se encontre em situação de insolvência, diz-nos o nº 2 do artº 17º-G, “o encerramento do processo especial de revitalização acarreta a extinção de todos os seus efeitos.”.
Caso o devedor já esteja em situação de insolvência, preceitua o nº 2 do artº 17º-G que o encerramento do processo “acarreta a insolvência do devedor, devendo a mesma ser declarada pelo juiz no prazo de três dias úteis, contados a partir da recepção pelo tribunal da comunicação mencionada no n.º 1.”
Note-se, por último, que, de acordo com o nº 7 do artº 17º-G, sendo o PER convertido em processo de insolvência, por aplicação do disposto no n.º 4, e havendo lista definitiva de créditos reclamados, “o prazo de reclamação de créditos previsto na alínea j) do n.º 1 do artigo 36º destina-se apenas à reclamação de créditos não reclamados nos termos do n.º 2 do artigo 17º-D.”.
Feito este curto périplo pelas disposições legais que, em nosso entender, nos habilitam a ter o quadro normativo essencial do PER que permite solucionar a questão que está em causa no presente recurso, não resistimos a salientar já, que o início do PER pode-se bastar com a declaração, nos termos assinalados, do devedor e de um só dos seus credores, sendo também certo que o mero despacho do juiz que nomeia o administrador judicial provisório, determina, inelutavelmente, a partir da sua publicação no Citius, que qualquer processo de insolvência anteriormente instaurado contra o devedor, desde que nele não tenha já sido proferida - é quanto basta, não se exigindo o respectivo trânsito - a sentença de declaração de insolvência, fique suspenso. Isto, tal como, até, em princípio, a aprovação e homologação de um plano de recuperação, impõe-se, inexoravelmente, ao credor que haja instaurado, anteriormente, processo de insolvência, qualquer que seja a razão mediata que o levou a assim proceder e por mais evidentes e fundados que sejam, para ele, os elementos que possua quanto à situação de insolvência do devedor e à impossibilidade de recuperação dessa situação.
A explicação mediata daquilo que se acaba de dizer, e que tem no quadro normativo do PER a sua razão imediata, passa por compreender que, subjacente à instituição, pela Lei nº 16/2012, de 20/04, deste processo especial - que acaba por ser um dos instrumentos do “Programa Revitalizar”[4] -, estão razões de política legislativa bem patentes na Resolução do Conselho de Ministros nº 43/2011 de 25 de Outubro de 2011[5] (cfr. o nº 10 do artº 17º-D).
O Apelante diz que a sentença é completamente omissa quanto a questões que colocou.
Sucede que - não encontrando eco no conteúdo que o artº 36º prevê para a sentença de declaração de insolvência - as interrogações do Apelante não consubstanciam concretas questões que o Tribunal “a quo” tivesse que solucionar, para cumprir o seu dever de decidir.
Os tribunais não têm de responder às dúvidas e aos argumentos das partes, se isso não se mostrar necessário para decidir o objecto da lide, pelo que também esta Relação não tem que se pronunciar sobre as interrogações que o Apelante lhe coloca na alegação de recurso, cabendo-lhe, tão só, decidir do objecto deste, que se consubstancia na resolução da questão que acima se identificou.
Não obstante e salientado, uma vez mais, que o ora Apelante no âmbito dos autos de insolvência suspensos, não tinha, ainda, nem se sabe se viria a ter - pois que se desconhece se, por força do que neles foi alegado e se viesse a provar, aí seria declarada a insolvência - qualquer direito a proceder à resolução de que tratam os artºs 120 e 121, sempre se dirá que não se tem como adquirido que esteja gorada a hipótese de, no âmbito do processo de insolvência dos presentes autos, proceder a essa resolução, para o que não será despicienda uma, possível (ao que se nos afigura) aplicação analógica do regime estabelecido na parte final do nº 3 do artº 4º do CIRE. Daí que não sendo, como mais abaixo se procurará demonstrar, o bramir da questão da caducidade do direito a resolver os actos praticados em prejuízo dos credores, um argumento capaz, pelo menos “per se”, de contrariar os que lhe são adversos e assim, de fazer radicar no processo de insolvência suspenso - porque instaurado anteriormente ao PER -, o lugar próprio para ser proferida a declaração de insolvência de que trata o artº 17º-G, nº 2, razões parecem existir, até, para que se tenha como eliminada, por completo, a pertinência desse argumento.
Em segundo lugar, caberá trazer à colação o seguinte trecho do Acórdão desta Relação, de 12/03/2013 (Apelação nº 6070/12.1TBLRA-A.C1)[6]: «Logo quanto à apresentação do requerimento e formalidades do PER, previstas no artigo 17º-C, decorre do disposto no n.º 3, alínea a), que o devedor comunica que pretende dar início às negociações conducentes à sua recuperação ao juiz do tribunal competente para declarar a sua insolvência, devendo este nomear, de imediato, por despacho, administrador judicial provisório.
Daqui decorre cristalinamente que o juiz que profere o despacho inicial de nomeação de administrador provisório, após confirmar o cumprimento pelo devedor das formalidades previstas no citado preceito legal, é o juiz do tribunal competente para declarar a sua insolvência, porquanto é a este, por via deste preceito, que o devedor comunica que pretende dar início ao PER.».
Não nos parece, de facto, adiantamos já, que seja possível defender outra coisa, mesmo no caso de existir processo de insolvência que se encontre suspenso, nos termos do artº 17º-E, nº 6, senão a de que é o juiz que tem a seu cargo os autos de processo especial de revitalização o competente para declarar a insolvência, a requerimento do administrador judicial provisório, caso este, o faça, ao comunicar ao tribunal o encerramento do processo, emitindo parecer no sentido de que o devedor se encontra em situação de insolvência (nºs 1 e 4 do artº 17º-G).
Sustenta o Banco Apelante, sem que vejamos onde encontrar fundamento legal para tal, que, uma vez que já existia um processo de insolvência anteriormente proposto e que fora suspenso, “ex vi” do disposto do citado n.º 6 do art. 17º-E (o n.º …/12.7TBLRA), a comunicação prevista no n.º 4 do art. 17º-G deveria ser dirigida a esse processo, no qual deveria ser proferido despacho de cessação da suspensão e declarada a insolvência.
A comunicação em causa, como vimos, é a de encerramento do processo e, como vimos, também, a acompanhá-la deve seguir, sendo esse o caso, o parecer do administrador judicial provisório a considerar o devedor em situação de insolvência e o requerimento no sentido de ser declarada a sua insolvência.
Ora, não faz sentido a comunicação de encerramento ser endereçada a outros autos senão àqueles a que respeita, que são os do PER.
Dirigir, a aludida comunicação e o requerimento a pedir a declaração de insolvência, ao processo de insolvência suspenso, é algo que, salvo o devido respeito, não faz sentido, nem tem o mínimo de correspondência no texto da lei.
De resto, se o legislador pretendesse que assim fosse, por certo que não deixaria de o consignar na lei expressamente, visto tratar-se de introduzir um desvio à competência que se cristaliza no tribunal que recebe e tem a seu cargo todo o processo especial de revitalização, incluindo as questões incidentais que nele se suscitem (cfr. artº 96, nº 1, do CPC)
Ademais, não é despiciendo salientar, resultar directamente da lei, conforme já se assinalou, que, em consequência da aplicação do disposto no nº 4 do artº 17º-G, o processo especial de revitalização é “convertido em processo de insolvência” (nº 7 do artº 17º-G), não se adequando, a esta noção de “conversão”, o processo que, embora suspenso, já é de insolvência.
Afigura-se-nos não oferecer contestação séria que a norma do artº 17º-G, nº 4, não está exclusivamente destinada às situações em que há processos de insolvência instaurados anteriormente, suspensos nos termos do artº 17º-E, nº 6, pelo que aquela norma, na parte que refere a apensação, não pode ter o significado de que o PER é apenso a um processo nessas condições.
O sentido da norma em questão, na parte que prevê que o processo especial de revitalização seja “apenso ao processo de insolvência” só pode ser o que se lhe aponta no citado Acórdão desta Relação, de 12/03/2013, dizendo: «…convertido o PER em processo de insolvência, seguirá como tal a partir da sentença que a declara, ficando os autos iniciais do PER apensos àquele processo onde é decretada a insolvência e, por esta via, é convertido em processo de insolvência.».
Diga-se, ainda, que, sem norma expressa que o determine, uma razão de coerência da sistemática da lei seria contrária à existência de uma dicotomia de soluções, que é o que sucederia se considerássemos que, na sequência da comunicação do encerramento do PER e de requerimento do administrador judicial provisório nesse sentido, a insolvência, não havendo qualquer processo de insolvência suspenso, nos termos do artº 17º-E, nº 6, seria declarada pelo juiz dos autos do PER, sendo, diversamente, no caso de existir um tal processo, declarada pelo juiz que o tivesse a cargo.
Depois, não se vê que haja uma efectiva e concreta vantagem em que a declaração de insolvência a que alude o artº 17º-G, nº 2, seja proferida nos autos de insolvência suspensos.
É que em tais autos os termos processuais nunca se apresentarão tão avançados - pois, como já se disse, neles não pode ter ainda sido proferida a declaração de insolvência - que justifiquem, por uma questão de economia processual, que neles seja proferida a declaração de insolvência a que se refere tal artº 17º-G, nº 2.
Mas, importará evidenciar, ainda, que nem o alegado na petição inicial, nem o invocado em contestação que tenha sido oferecida nesses autos que vieram ser suspensos, relevariam para efeitos da declaração de insolvência, pois esta impõe-se, tão só, em virtude do encerramento do PER e do parecer e requerimento do administrador judicial provisório, que se aludem no artº 17º-G, nº 4, pelo que, a declaração de insolvência, nos aludidos autos suspensos, surgiria, assim, como que “per saltum”, sem conexão com o que concretamente havia sido alegado neles.
Acrescente-se ainda, que, não sendo o caso em análise de modo algum passível de ter cabimento na previsão do artº 8º, nº 2, a cessação da suspensão de um processo, na generalidade dos casos - na hipótese de não lhe suceder a extinção da instância, por inutilidade ou impossibilidade superveniente -, dá origem a que se retome a sua sequência processual própria, a que a suspensão obstou, o que, já vimos, não ocorreria se se entendesse que a declaração de insolvência, a que alude o artº 17º-G, nº 2, fosse de proferir nos autos que tivessem sido suspensos nos termos do artº 17º-E, nº 6.
O que sucede, então, aos autos de insolvência suspensos, nos termos do artº 17º-E, nº 6 - que, acentue-se, poderão estar na fase da petição inicial ou mais avançados, mas nunca com sentença proferida (ainda que não transitada), não havendo neles, por exemplo, ao invés do que sucede nos autos do PER, lista de créditos reclamados - em função do que ocorrer no PER?
Das várias situações que podem ocorrer, destacam-se estas:
- No PER é aprovado e homologado plano de recuperação: Extingue-se a instância nos processos de insolvência que estiverem suspensos (artº 17º-E, nº 6);
- O processo é encerrado, seja porque o devedor ou a maioria dos credores prevista no n.º 3 do artigo anterior concluam, antecipadamente, não ser possível alcançar acordo, seja por ter sido ultrapassado o prazo previsto no n.º 5 do artigo 17º-D, sendo isso comunicando ao processo pelo administrador judicial provisório: Extinguem-se todos os efeitos do PER, incluindo a suspensão da instância no processo de insolvência anteriormente instaurado, prosseguindo este os seus termos normais (artº 17º-G, nº 2, do CIRE, artºs 276º, nº 1, d) e 284º, nº 1, d), ambos do CPC);
- O administrador judicial provisório comunica aos autos do PER o encerramento do processo, acompanhando, tal comunicação, de parecer a considerar o devedor em situação de insolvência e de requerimento no sentido de ser declarada a sua insolvência, sendo tal declaração proferida pelo Juiz do PER e este “convertido em processo de insolvência” (nº 7 do artº 17º-G): extingue-se a instância, por impossibilidade superveniente, nos autos de insolvência suspensos (artº 287, e), do CPC)
Uma vez que se verificavam os pressupostos de que dependia, nos termos do artº 17º-G, nº 2, a declaração de insolvência da ora Apelada e que, de tudo o que ficou exposto resulta que era nos presentes autos nºs 5649/12.6TBLRA, como sucedeu, que tal declaração deveria ter sido proferida, resta julgar a Apelação improcedente e confirmar a decisão recorrida.
Assim, afigura-se poder sumariar-se o seguinte:
«Ainda que haja processo de insolvência suspenso, nos termos do artº 17º-E, nº 6, do CIRE, a declaração de insolvência a que alude o artº 17º-G, nº 2, do mesmo código, compete ao Juiz dos autos de processo especial de revitalização, operando-se, com tal declaração, a “conversão” deste processo em processo de insolvência».
IV - Em face de tudo o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a Apelação improcedente, mantendo a sentença recorrida.
Custas pela Apelante.
Coimbra, 18/12/2013
(Luís José Falcão de Magalhães - Relator)
(Sílvia Maria Pereira Pires)
(Henrique Ataíde Rosa Antunes)

[1] Código este - aqui aplicável na versão decorrente da Lei n.º 16/2012, de 20/04 -, a que pertencem todos os artigos que adiante forem citados sem menção de origem.
[2] Código este aqui aplicável na versão resultante do DL n.º 303/07, de 24/08, salientando-se, todavia, que, os preceitos correspondentes do novo CPC (aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26/6), se aplicados fossem, não determinariam qualquer alteração ao entendimento aqui seguido.
[3] Consultáveis na Internet, através do endereço “http://www.dgsi.pt/jstj.nsf?OpenDatabase”, tal como todos os Acórdãos do STJ, ou os respectivos sumários, que adiante forem citados sem referência de publicação.
[4] Criado pela Resolução do Conselho de Ministros nº 11/2012 de 3 de Fevereiro de 2012 (DR 25 - SÉRIE I).
[5] DR 205 - SÉRIE I.
[6] Acórdão a que se pode aceder - tal como os demais da Relação de Coimbra que forem citados sem menção de origem -, através do endereço http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf?OpenDatabase.

http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc/0a8f0bc67635cecf80257c580049d96a?OpenDocument

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

PROCESSO DE REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS INCUMPRIMENTO CONDENAÇÃO EM MULTA ALIMENTOS VISITA - Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães - 25.11.2013


Acórdãos TRG
Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
910/10.7TBGMR-C.G1
Relator: EDGAR GOUVEIA VALENTE
Descritores: PROCESSO DE REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
INCUMPRIMENTO
CONDENAÇÃO EM MULTA
ALIMENTOS
VISITA

Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 25-11-2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1

Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL

Sumário: I – Se os depoimentos das testemunhas mencionadas no recurso para fundamentar a matéria dada como não provada objecto de impugnação, não foram gravados, o tribunal da relação está impedido da efectuar a reapreciação da matéria de facto.
II – A sede processual própria para apreciar um incumprimento de alimentos devidos a menores (através de regulação do exercício do poder paternal) é o incidente previsto no artº 181º da OTM, em eventual conjugação com o artº 189º, podendo ocorrer a desnecessidade de elaboração do relatório social.
III - A condenação em multa e em indemnização prevista no artº 181º, nº 1 da OTM apenas se justifica em face de um incumprimento reiterado, grave e culposo por parte do progenitor relapso.
IV – Mostra-se legalmente justificada alterar a recolha e entrega da menor, durante os períodos lectivos, na escola que a mesma frequenta, atento o notório clima de hostilidade entre os progenitores, pois obrigar a menor a presenciar os choros da mãe quando se ausenta de casa para visitar o pai, seria expô-la a situação extremamente grave, passível de a colocar perante um “double-bind”, passível de contribuir, mais tarde, para a ocorrência de patologias psiquiátricas de acentuada gravidade.


Decisão Texto Integral: Acordam os juízes da segunda secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães:
1 – Relatório.
Em 13.07.2012, no 3º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Guimarães, T.. veio intentar acção “por incumprimento do exercício do poder paternal” e “alteração do regime do exercício das responsabilidades parentais” contra F.., relativa à filha L.., requerendo que se declare procedente, por provada, a acção de incumprimento promovida, condenando-se o requerido no pagamento à requerente da quantia de € 143,96, a título de comparticipação, em metade, das despesas médicas, medicamentosas e escolares incorridas com a filha de Outubro de 2011 até Junho de 2012, acrescido de adequada indemnização compensatória e multa a favor da requerente e da filha, pelo transtorno que a sua remissão lhes vem causando, bem como se altere o montante da pensão de alimentos devida à menor L.. para € 250,00 mensais.
Citado o requerido, veio [1] o mesmo arguir ter procedido, em Fevereiro de 2012, ao pagamento de metade de uma despesa médica apresentada, reconheceu efectivamente dever algumas das despesas reclamadas e negou-se ao pagamento de despesas com aquisição de produtos de higiene em farmácias; no que à pretensão de alteração do valor reportado à prestação de alimentos, nega que à outra filha liquide uma prestação mensal de € 250 bem como que os gastos actuais da L.. sejam superiores àqueles que existiam à data da fixação da prestação alimentícia e argui que a sua situação financeira se deteriorou, sendo inclusivamente executado pela sua entidade bancária.
Em 26.10.2012 (fls. 64 e ss) a requerente veio reclamar, adicionalmente, o pagamento da prestação de alimentos referente ao mês de Julho de 2012, que se encontraria em falta, bem como de € 10,03 de despesas escolares e € 88,14 de despesas medicamentosas.
Efectuada a conferência de pais, na mesma não se logrou qualquer género de acordo, tendo a progenitora apresentado alegações adicionais pretendendo a alteração do regime de visitas no que às visitas quinzenais ao fim-de-semana tange, no sentido de a recolha da L.. passar a efectuar-se ao sábado e não à 6ª feira. Para o efeito alega que a menor à 6ª feira à tarde se encontra cansada, pelo que será preferível que descanse na casa onde reside (até porque a sua saúde será frágil, como novamente frisa), e que o requerido trabalha ao sábado de manhã, pelo que a menor, nesse período, encontra-se entregue não ao pai, mas à companheira deste. Aduz ainda que a L.. é muito ligada a ela, requerente, sendo que frequentemente a menor chora quando é recolhida pelo progenitor, até porque quererá levar algum brinquedo ou objecto a que o pai se opõe, e que residindo com o requerido não apenas a sua companheira mas também duas filhas desta, tal ambiente não oferece estabilidade à menor.
No que aos relatados incidentes de incumprimento tange, aduz que o requerido “exigiu” almoçar com a L.. no dia do aniversário desta, sem se incomodar com a decisão que ela, requerente, tinha tomado, e que lhe comunicara, e que lhe veio a permitir passar férias com a criança, o que ele, requerido, não quis, pois que recolhida a filha a 14.09 logo a 16.09 estaria a entregá-la à mãe.
Também o progenitor apresentou alegações, onde, para além de reproduzir anteriores alegações, acrescenta que igualmente os pais da requerente, e com quem esta e a L.. residem, o hostilizam sempre que se dirige à habitação destes para ir buscar a filha, sugerindo por isso, a fim de obviar a tais episódios, que as recolhas e entregas da L.. se efectuem no estabelecimento de ensino por esta frequentado, respectivamente às sextas-feiras e às segundas-feiras no que se refere às visitas aos fins-de-semana e à quarta-feira a recolha se efectue nesse mesmo local, mantendo-se a entrega em casa da progenitora; igualmente requer a fixação de horas e locais de entrega nas datas festivas (aniversário da menor e do requerido), épocas festivas e férias estivais.
Em 19.11.2012 veio a progenitora informar encontrar-se em dívida o valor da prestação de alimentos reportada ao mês de Novembro.
Procedeu-se à realização da audiência de julgamento, no início da qual informou a progenitora nunca ter o requerido procedido à devida actualização da prestação de alimentos, o que foi por este confirmado.
Foi após proferida sentença, onde se decidiu:
“1 - Julgar verificado o incidente de incumprimento da prestação de alimentos suscitado pela progenitora e condenar o requerido no pagamento da quantia de € 397,25 (trezentos e noventa e sete euros e vinte e cinco cêntimos) relativa às despesas médicas, medicamentosas e escolares até Dezembro de 2012, bem como às prestações de alimentos dos meses de Julho e Novembro de 2012 e ainda as actualizações nunca efectuadas, absolvendo-o do mais requerido;
2 - Julgar verificado o incidente de incumprimento do regime de visitas suscitado pelo progenitor e condenar a progenitora no pagamento de uma multa no valor de € 250 (duzentos e cinquenta euros);
3 - Alterar o regime de visitas da L.. ao pai nos seguintes termos:
• A L.. passará com o progenitor os fins-de-semana, quinzenalmente, sendo que para o efeito o progenitor: • Durante os períodos lectivos recolhê-la-á no estabelecimento de ensino por ela frequentado à 6.ª feira, no final do dia, entregando-a nesse local na 2.ª feira de manhã;
• Durante os períodos de férias, efectuará as recolhas e entregas nos termos anteriormente determinados;
• A L.. jantará com o pai todas as 4.as feiras, sendo que para o efeito o progenitor:
• Durante os períodos lectivos recolhê-la-á no estabelecimento de ensino por ela frequentado no final do dia, entregando-a na casa da mãe pelas 21H30;
• Durante os períodos de férias, efectuará as recolhas e entregas nos termos anteriormente determinados;
• Caso os períodos de férias dos progenitores não sejam coincidentes, a menor passará com o progenitor um período de pelo menos 15 dias, a combinar previamente entre ambos, podendo tal período coincidir com o mês de Setembro enquanto a L.. não ingressar no 1.º ano de escolaridade;
• A L.., no dia do seu aniversário, almoçará com um progenitor e jantará com o outro, invertendo-se a ordem nos anos subsequentes; este ano L.. irá almoçar com o pai, sendo que para o efeito, e caso o dia do aniversário corresponda a fim-de-semana que a L.. passe com o pai, a entrega deverá ser efectuada em casa da mãe até às 19H30; caso corresponda a fim-de-semana que a L.. passe com a mãe, o pai recolhê-la-á em casa da progenitora pelas 11H30 e entregá-la-á nesse mesmo local pelas 19H30.
No mais, mantém-se o regime já estabelecido.”
Inconformada com a sentença, a requerente interpôs o presente recurso contra a mesma, apresentando as seguintes as conclusões do recurso (transcrição):
“1 - Nos termos do art.º 668, alínea d) do C. P. Civil, a sentença é nula. Com efeito, o Tribunal condenou o recorrido no incidente de incumprimento da seguinte forma: “Julgar verificado o incidente de incumprimento da prestação de alimentos suscitado pela progenitora e condenar o requerido no pagamento da quantia de €397,25 (trezentos e noventa e sete euros e vinte e cinco cêntimos) relativa às despesas médicas, medicamentosas e escolares até Dezembro de 2012 bem como às prestações de alimentos dos meses de Julho e Novembro de 2012 e ainda as actualizações nunca efectuadas,
2 - A recorrente no incidente de incumprimento requereu a realização das providências adequadas com vista a assegurar o pagamento das prestações em dívida, mormente o desconto no vencimento e a penhora de bens móveis daquele.
3 - No entanto, na sentença recorrida, nada determinou o Tribunal quanto à forma como o recorrido deveria efetuar o pagamento, sendo certo que a recorrente havia requerido em 19 de Novembro de 2012, que fosse ordenado que as quantias em dívida fossem deduzidas ao requerido no seu ordenado, sendo certo que o mesmo trabalha numa oficina de automóveis denominada V.., Lda, situada na .. – Guimarães, nos termos do artigo 189º / 1/b)/ 2, da OTM.
4 - “A nulidade de omissão de pronúncia prevista no art. 668º nº 1 alínea d) do CPC traduz-se no incumprimento, por parte do julgador, do dever prescrito no art. 660 nº 2 do CPC, que é o de resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras.
5 - Além do incumprimento do requerido por falta de pagamento de pensões de alimentos e despesas médicas e medicamentosas:
“j) No dia 30.12.2012 a GNR, a solicitação da requerente, deslocou-se à casa de morada da requerente, pelas 20H50, por até àquela data a L.. não ter sido entregue (cfr. fls. 65 do apenso B);”
6 - Verifica-se o incumprimento do recorrido no dia 30/12/2012 em não entregar a L.. à mãe e o incumprimento por falta de pagamento das despesas médicas e medicamentosas.
7 - Por este incumprimento, entendeu o Tribunal não condenar o recorrido nem em multa nem em indemnização, e não fundamenta a falta de condenação, o que também constitui NULIDADE DA SENTENÇA.
8 - Entende o Tribunal que: “O mecanismo previsto no art. 181.º OTM reporta-se não ao incumprimento da obrigação de prestação de alimentos (nesta situação aquele aplicável é o previsto no art. 189.º OTM) mas sim ao incumprimento reportado a outras questões do acordo.” Por isso, entendo que a possibilidade de condenação do remisso em (multa e) indemnização prevista no art.181.º/1 OTM apenas é aplicável quando o incidente de incumprimento se reporta a um aspecto da regulação das responsabilidades parentais que não os alimentos.”
9 - Conforme jurisprudência uniforme: “A regulação do exercício do poder paternal incide sobre três vectores – a guarda, as visitas e os alimentos. O art. 181 da OTM estabelece o incidente de incumprimento quanto ao acordado ou decidido relativamente à situação do menor no âmbito do exercício do poder paternal.
…discute-se se o meio idóneo é o incidente do art. 181 ou o do art. 189 da OTM e sobre a qual existem duas orientações:
Uma delas, de que o art. 181 da OTM abrange todo e qualquer incumprimento à regulação do poder paternal, incluindo apenas a pensão de alimentar, cuja cobrança coercisa se efectiva pelo art. 189 da OTM.
Adopta-se aqui esta segunda orientação por ser a mais consistente, como resulta dos argumentos literal, histórico e sistemático. …o actual preceito do art. 181 nº 1 da OTM refere-se ao incumprimento relativo “à situação do menor”, com um conteúdo mais abrangente.
Por outro lado, o art. 189 da OTM não é um procedimento restrito da acção de alimentos, tendo uma natureza geral, aplicável a qualquer processo em que tenha sido fixada a obrigação de alimentos.
Dado que a obrigação de alimentos assume natureza creditícia, provado o incumprimento, presume-se a culpa do devedor.
Comprovou-se que o recorrido, não pagou as pensões alimentares, assim como as despesas médicas e medicamentosas, logo não cumpriu o acordo de regulação do poder paternal.”
Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra nº 372/04.8TAAND.C1, de 13-05-2008.
Devia, assim, o recorrido ser condenado em multa e indemnização, conforme fora requerido.
10 - Quanto à multa em que foi condenada a recorrente, entende esta ser totalmente despropositada, já que, o Tribunal considerou como provado que:
“f) No dia 22.06.2011 a GNR, a solicitação do requerido, deslocou-se à casa de morada da requerente, pelas 18h40, tendo sido recebida pelos pais desta (avós maternos da menor) que informaram que não procederiam à entrega da criança ao pai por tal lhes ter sido ordenado pela advogada da filha; no dia subsequente, pelas 10H30, voltou a registar-se novo incidente (cfr. certidão a fls. 21 do apenso B);
i) No dia 22.06.2012 a GNR, a solicitação do requerido, deslocou-se à casa de morada de família da requerente, pelas 21H15, não se encontrando ninguém em casa (cfr. certidão a fls. 10 do apenso B);”
11- Só existe um episódio – dia 22/06/2011.
No dia 22/06/2012, “não se encontrava ninguém em casa” – não houve qualquer recusa de entrega.
Por este facto isolado, o Tribunal condena a recorrente em multa no valor de €250,00.
12 - É completamente desajustado, tendo em conta que o incumprimento do recorrido é mais grave, mais reiterado e mais prejudicial à menor.
Por outro lado, também a sentença não fundamenta, não justifica a falta de condenação, constituindo também nulidade de sentença.
13 - Requereu e alegou a recorrente que: “Discorda a recorrente da decisão quanto às visitas do pai à L.., deveria passar a efectuar-se ao Sábado e não à 6ª feira. Para o efeito alega que a menor à 6ª feira à tarde se encontra cansada, pelo que será preferível que descanse na casa onde reside (até porque a sua saúde será frágil, como novamente frisa), e que o requerido trabalha ao sábado de manhã, pelo que a menor, nesse período, encontra-se entregue não ao pai mas à companheira deste. Aduz ainda que a L.. é muito ligada a ela, requerente, sendo que frequentemente a menor chora quando é recolhida pelo progenitor, até porque quererá levar algum brinquedo ou objecto a que o pai se opõe, e que reside com o requerido não apenas a sua companheira mas também duas filhas desta e tal ambiente não oferece estabilidade à menor.”
14 - Na sentença recorrida foi decidido alterar o regime de visitas da L.. ao pai da seguinte forma:
“- A L.. passará com o progenitor os fins-de-semana, quinzenalmente, sendo que para o efeito o progenitor:
. Durante os períodos lectivos recolhê-la-á no estabelecimento de ensino por ela frequentado à 6ª feira, no final do dia, entregando-a nesse local na 2ª feira de manhã;
. Durante os períodos de férias, efectuará as recolhas e entregas nos termos anteriormente determinados;
- A L.. jantará com o pai todas as 4.ªs Feiras, sendo que para o efeito o progenitor:
. Durante os períodos lectivos recolhê-la-á no estabelecimento de ensino por ela frequentado no final do dia, entregando-a na casa da mãe pelas 21H30;
. Durante os períodos de férias, efectuará as recolhas e entregas nos termos anteriormente determinados;”
15 - Considerou o Tribunal como não provados os seguintes factos:
b) Que a L.. chore frequentemente aquando das recolhas do pai por ocasião dos fins-de-semana em que o visita;
c) Que a L.. tenha problemas de saúde que a obriguem a um acompanhamento médico e medicamentoso regular;
d) Que o requerido trabalhe ao Sábado durante todo o dia.
16 - Para fundamentar esta decisão o tribunal entendeu não valorar os depoimentos das testemunhas apresentadas pela recorrente, sendo certo que nenhuma prova existiu por parte do recorrido que contrariasse o seu depoimento.
17 - Houve uma falta de valoração de todos os depoimentos das testemunhas da recorrente – considerando a sentença:
“No que se refere aos outros dois factos dados como não provados, cumpre dizer que não houve coincidência entre as declarações das testemunhas arroladas pela requerente, sendo que todas se revelaram parciais e como tal os respectivos depoimentos apenas foram valorados na parte em que houve alguma coincidência. A primeira testemunha inquirida, J.., vizinha da requerente, declarou presenciar com frequência as recolhas e entregas da L.., descrevendo que o requerido, “dá nas vistas”, pois que, ao chegar, buzina. Quando sugestivamente questionada sobre se a criança regressaria doente nas ocasiões em que passa o fim-de-semana com o pai, respondeu afirmativamente.”.
18 - Relativamente às discussões frequentes, só existiu uma – a que deu origem ao Processo crime Nº 6/11.4GCGMR, da 1ª Secção do Ministério Público, do Tribunal Judicial de Guimarães, já que a sentença refere “que os pais da menor “não dialogam um com o outro”. Se não dialogam não há discussões.
19 - Não valora o Tribunal o depoimento da avó materna quando diz “a criança começa a chorar antes de ir com o pai”. Obviamente que a avó pode presenciar e o avô e a vizinha não…
20 - Também não valoriza o depoimento do avô F.., que referiu que: “a L.. frequentemente acompanha o pai num pranto porque este não a deixa levar consigo um brinquedo ou qualquer outro objecto.”
21 - Também não valora o depoimento da testemunha M.. que diz “ver ao Sábado à tarde a oficina aberta.” Se de algum empregado se tratasse, então o recorrido seria um empresário com sucesso financeiro, podendo, assim, aumentar a pensão de alimentos a pagar à menor.
22 - O Tribunal não só não valorou nenhum depoimento de nenhuma das testemunhas apresentadas pela recorrente, como até se escuda na “atitude corporal por esta assumida”.
23 - Esta falta de discussões, dado que não dialogam, não justifica a decisão do Tribunal em determinar que a recolha da menor seja feita pelo progenitor à sexta feira e a entrada à segunda feira, na escola que frequenta.
24 - Alterando, substancialmente, o regime em vigor, sendo certo, ainda que alguma prova foi feita de que aquele trabalha ao Sábado, ficando a menor entregue à companheira do recorrido, em detrimento da mãe.
Não se justifica esta alteração.
25 - Quanto ao aniversário da menor, entendeu o Tribunal dar, mais uma vez, razão ao progenitor.
Não se compreende porque deveria ser o progenitor a decidir que almoçaria com a menor, e não a recorrente.
26 - Esta comunicou àquele que a menor almoçaria consigo e jantaria com o progenitor, sendo que já ficaria com ele, por se tratar do fim de semana que com ele passaria.
27 - É incompreensível toda esta tolerância do Tribunal com as atitudes e decisões do recorrido, já que em nenhum momento o Tribunal NUNCA deu razão à recorrente.
28 - Todos os depoimentos das testemunhas da recorrente considerou-os o tribunal “PARCIAIS”, que evidenciaram o desprezível comportamento do recorrido, como tirar “objectos da mão da menor”. A L.. frequentemente acompanha o pai num pranto porque este não a deixa levar consigo um brinquedo ou qualquer outro objecto, só não referindo a sentença, que tais objectos eram “brinquedos”, chapéus, lenços de mão, e tudo o que para a menor constituam “carinho”, “afeto”, “objetos pessoais”.
29 - O Tribunal até compreende que “o pai se oponha que a criança leve consigo algum objecto”!
Veste o Tribunal as vestes do pai, defendendo-o com argumentos, que nem o próprio o fez, dizendo que “se compreende, pois, se por alguma razão o objecto ficasse esquecido na casa do pai ou se estragasse por qualquer motivo”…dado o clima de animosidade.
Não pode deixar de se estranhar esta “invenção” de argumentos, sempre para justificar as atitudes do pai da criança.
30 - Igualmente não considerou o Tribunal a prova de que o progenitor trabalha não só de manhã, como à tarde – considerando normal a menor deixar de ficar com a mãe ao Sábado para estar aos cuidados da companheira do progenitor, independentemente dos bons ou maus tratos, os quais desconhecem-se.
31 - Finalmente o argumento do cansaço também não convenceu o Tribunal – a menor tanto poderá ir descansar para a casa do pai como na casa da mãe.
Como se fosse a mesma coisa.
O lar da menor é a casa da mãe e dos avós maternos. É aí que tem os seus brinquedos, a sua rotina, os carinhos e mimos da mãe e dos avós.
Esta posição, como todas as outras, do Tribunal, sempre a favor do progenitor, é, no mínimo, bizarra.
Foram violadas as seguintes disposições legais: arts. 660º nº 2, 668º e 685º do C. P. Civil.”
Conclui pugnado para que o recurso de apelação seja julgado como integralmente procedente, revogando-se a sentença recorrida e substituindo-se a mesma por outra decisão que julgue procedentes as pretensões da recorrente.
Foram oferecidas pelo requerido contra-alegações, nas quais se pugna para que o recurso seja julgado improcedente.
A Mmª Juíza a quo apreciou as nulidades invocadas da seguinte forma:
“Proferida sentença a qual, entre o mais, julgando verificado o Incidente de Incumprimento da prestação de alimentos suscitado pela progenitora condenou o progenitor no pagamento da quantia de € 397,25, reportado às despesas médicas, medicamentosas e escolares até Dezembro de 2012 bem como das quantias referentes às prestações de alimentos dos meses de Julho e Novembro de 2012 e ainda as actualizações nunca efectuadas, absolvendo-o de mais peticionado e não o condenando em multa, dela veio a recorrer a mãe da L.., tendo nas suas alegações, arguido a nulidade da sentença quer ao abrigo do disposto no art. 668.º/1/al. d) CPC quer por, no seu entender, não se encontrar devidamente fundamentada a opção pela não condenação do progenitor em multa e indemnização
(...)
Desde já se adianta sustentar a decisão revidenda pelas razões seguintes:
O art. 668.º/1/al. d) CPC prescreve que a sentença é nula quando, entre outra, o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar.
Afirma a recorrente que tendo por ela sido solicitado a desconto das quantias em dívida no ordenado percebido pelo requerido enquanto trabalhador numa oficina de automóveis denominada V.. Lda., a decisão recorrida nada refere relativamente a este assunto.
Como a recorrente sabe (até porque tal foi referido pelas testemunhas inquiridas em sede de audiência de julgamento) a V.. Lda. é uma sociedade unipessoal por quotas cujo sócio-gerente é o requerido.
Ainda que formalmente o requerido seja trabalhador dependente, o certo e que a sua entidade empregadora é detida e gerida exclusivamente por ele próprio, o que torna inviável o recurso ao mecanismo previsto no art. 189. º/al. c) OTM - motivo pelo qual o Tribunal entendeu não determinar o desconto solicitado, limitando-se à condenação do requerido no pagamento das quantias que apurou estar em dívida.
Quanto à dita penhora de bens móveis não se retira da análise do requerimento em causa que tal tenha sido solicitado. Mas ainda que o fosse, e como seguramente é do conhecimento da recorrente, tal diligência não e exequível no âmbito de um mero incidente de incumprimento da obrigação alimentícia, antes devendo a progenitora, caso assim o entendesse (ainda para mais estando representada por mandatária) instaurar a competente execução (especial) por alimentos para obter tal desiderato.
No que se refere à suposta ausência de fundamentação da não condenação em multa e indemnização do progenitor, presume-se que a recorrente funde a sua alegação no disposto no art. 668.º/1/al. b) CPC.
Ora, não se compreende que a recorrente faça tal alegação, quando o Tribunal justifica plenamente a razão pela qual, ante o (único) incumprimento suscitado pela progenitora (o do não pagamento da prestação de alimentos) não procede a essa condenação (considerar inaplicável a estes específicos casos de incumprimento o disposto no art. 181.º OTM).
A progenitora jamais suscitou qualquer incidente de incumprimento reportado ao dia 30.12.2012, pelo que qualquer qualificação desse episódio como incumprimento e condenação subsequente do progenitor em multa e indemnização acarretaria a nulidade da decisão, ante o disposto no art.º 668.º/1/als. d) e e) CPC.
A elencagem do facto em causa na decisão revidenda, provado documentalmente, visou fundamentar a decisão de não alteração do regime de guarda da menor no sentido propugnado pelo progenitor (guarda partilhada), por esta importar um clima de dialogo e mútuo respeito entre progenitores e o facto em causa espelhar precisamente o contrário, nomeadamente do que havia sido alegado pela recorrente para justificar a desnecessidade de alteração do regime da guarda da menor no sentido pretendido pelo recorrido (encontrarem-se pacificadas as relações entre recorrente e recorrido). Tal facto, por demonstrativo do clima de litigiosidade entre progenitores, foi valorado para fundamentar quer a maior regulamentação das visitas da L.. ao pai, quer a alteração no modo de recolha e entrega da criança.
Consequentemente, as apontadas nulidades não poderão se não ser indeferidas o que se determina.”
Colhidos os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
2 – Objecto do recurso.
Questões a decidir, tendo em conta o objecto do recurso delimitado pela recorrente nas conclusões da sua alegação, nos termos do artº 684º, nº 3 CPC[2] :
1ª questão - Nulidades da sentença.
2ª questão – Impugnação da matéria de facto.
3ª questão – A dualidade de incidentes previstos nos artigos 181º e 189º da OTM.
4ª questão – O fundamento da condenação em multa da requerente.
5ª questão - O regime de visitas.
3 - Análise do recurso.
1ª questão (nulidades da sentença)
Vem a recorrente invocar a nulidade da sentença, por força do disposto no artº 668, alínea d) do CPC.
Para tal efeito, alega que o seguinte: “A recorrente no incidente de incumprimento requereu a realização das providências adequadas com vista a assegurar o pagamento das prestações em dívida, mormente o desconto no vencimento e a penhora de bens móveis daquele. No entanto, na sentença recorrida, nada determinou o Tribunal quanto à forma como o recorrido deveria efetuar o pagamento, sendo certo que a recorrente havia requerido em 19 de Novembro de 2012, que fosse ordenado que as quantias em dívida fossem deduzidas ao requerido no seu ordenado, sendo certo que o mesmo trabalha numa oficina de automóveis denominada V.., Lda, situada na.. – Guimarães (...).”
Segundo a norma invocada, a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. Deve articular-se o aqui disposto com o artº 660º, nº 2 do CPC, nos termos do qual o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. São questões (no sentido recortado pela mencionada disposição) “as que suscitam a apreciação quer a causa de pedir apresentada, quer o pedido formulado”, devendo “arredar-se de tal conceito os "argumentos" ou "raciocínios" expostos na defesa da tese de cada uma das partes, que podendo constituir "questões" em sentido lógico ou científico, não integram matéria decisória para o juiz.” [3] Neste sentido, pode afirmar-se que “a fundamentação da sentença contenta-se com a indicação das razões jurídicas que servem de apoio à solução adoptada pelo julgador.” [4]
Desde logo, cumpre assinalar que a “questão” em causa, traduzindo o próprio pedido, não corporiza uma verdadeira “questão”, nos termos atrás expostos. Perante o pedido, o tribunal apenas dirá se é procedente ou não, podendo ser “questão”, como acima vimos, aquilo que implica a respectiva apreciação.
De qualquer forma, sempre se dirá que é no mínimo curioso que a recorrente, para o efeito de peticionar a condenação do requerido no pagamento de uma multa e de uma indemnização a seu favor e da filha, por incumprimento da prestação de alimentos, afirme estarmos perante o incidente do artº 181º da OTM, mas, para efeitos de cobrança destes, já vir invocar o mecanismo previsto no artº 189º do mesmo diploma. Por outro lado, constando dos autos que a entidade empregadora do requerido é detida e gerida exclusivamente por ele próprio, mostra-se, como é óbvio, indiferente recorrer-se ao mecanismo previsto no artº 189º, alínea c) da OTM (pensado para os trabalhadores por conta de outrem, o que, substancialmente, não é o caso) ou condenar-se, sem mais, o requerido naquele pagamento (quer numa, quer noutra hipótese, é o próprio que decide se paga e como paga), como é feito na sentença recorrida.
Inexiste, pois, esta nulidade.
Alega também a recorrente uma nulidade decorrente de, alegadamente, o tribunal não ter condenado o requerido em multa / indemnização por aquilo que identifica como dois incumprimentos, a saber um por aquele não entregar a menor à requerente (em 30.12.2012) e outro decorrente da omissão do pagamento de despesas médicas / medicamentosas.
Como afirma a Mmª Juíza a quo no acima mencionado despacho, apesar de a recorrente não ter indicado a norma em que estaria prevista a nulidade invocada, presume-se que a recorrente funde a sua alegação no disposto no artº 668º, nº 1, alínea b) do CPC.
Nos termos de tal disposição, é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. Como nos diz Rodrigues Bastos [5], a falta de motivação aqui prevista é a total omissão dos fundamentos de facto ou dos fundamentos de direito em que assenta a decisão, sendo que uma especificação dessa matéria apenas incompleta ou deficiente não afecta o valor legal da sentença.
Quanto aos reflexos da falta de pagamento de despesas médicas / medicamentosas, é a própria recorrente que reproduz o entendimento do tribunal a quo expresso na sentença recorrida para a omissão de condenação do requerido em multa / indemnização daquela circunstância emergente. Invocar uma nulidade por omissão de pronúncia nessas circunstâncias é, pois, um evidente erro jurídico, pois nunca se poderá confundir a divergência quanto ao decidido com a ausência da respectiva fundamentação. Trata-se de alegação, pois, notoriamente improcedente.
Quanto ao alegado “incumprimento” do requerido por não ter entregue a menor à requerente (em 30.12.2012), também se subscreve por inteiro a posição da Mmª Juíza a quo, quando afirma que jamais a requerente fez qualquer espécie de alusão ou deduziu qualquer pretensão quanto a tal “incumprimento” nos presentes autos, pelo que é incompreensível que venha agora fazer alusão a uma alegada omissão de pronúncia do tribunal quanto ao mesmo. É mais uma alegação destituída de qualquer réstia de fundamento, pelo que terá, obviamente, de improceder.
2ª questão (impugnação da matéria de facto)
Impugna a recorrente (afirmando que o “recurso tem também por objecto a reapreciação da prova gravada”) que o tribunal a quo tenha dado como não provados os seguintes factos:
“b) Que a L.. chore frequentemente aquando das recolhas do pai por ocasião dos fins-de-semana em que o visita;
c) Que a L.. tenha problemas de saúde que a obriguem a um acompanhamento médico e medicamentoso regular;
d) Que o requerido trabalhe ao sábado durante todo o dia.”
O quadro normativo que regula tal impugnação é o seguinte:
Artigo 712.º [6]
Modificabilidade da decisão de facto
1 - A decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação:
a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 685.º-B, a decisão com base neles proferida;
b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas;
c) Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou.
2 - No caso a que se refere a segunda parte da alínea a) do número anterior, a Relação reaprecia as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações de recorrente e recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados.
3 - A Relação pode determinar a renovação dos meios de prova produzidos em 1.ª instância que se mostrem absolutamente indispensáveis ao apuramento da verdade, quanto à matéria de facto impugnada, aplicando-se às diligências ordenadas, com as necessárias adaptações, o preceituado quanto à instrução, discussão e julgamento na 1.ª instância e podendo o relator determinar a comparência pessoal dos depoentes.
4 - Se não constarem do processo todos os elementos probatórios que, nos termos da alínea a) do n.º 1, permitam a reapreciação da matéria de facto, pode a Relação anular, mesmo oficiosamente, a decisão proferida na 1.ª instância, quando repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto ou quando considere indispensável a ampliação desta; a repetição do julgamento não abrange a parte da decisão que não esteja viciada, podendo, no entanto, o tribunal ampliar o julgamento de modo a apreciar outros pontos da matéria de facto, com o fim exclusivo de evitar contradições na decisão.
5 - Se a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa não estiver devidamente fundamentada, pode a Relação, a requerimento da parte, determinar que o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados ou repetindo a produção da prova, quando necessário; sendo impossível obter a fundamentação com os mesmos juízes ou repetir a produção da prova, o juiz da causa limitar-se-á a justificar a razão da impossibilidade.
Vejamos:
Como se alcança da leitura das actas da audiência de julgamento (sessão de 04.02.2013 – fls. 131 a 133 e 04.03.2013 – fls. 160/1), os depoimentos prestados pelas testemunhas não foram gravados, não podendo assim, obviamente e ao contrário do que a recorrente alega, o recurso ter por objecto a reapreciação da prova gravada.
Porém, a recorrente invoca o concreto teor dos depoimentos das testemunhas (pontos 25, 27, 28, 29 e 35).
Como resulta da disposição legal referida, para que a Relação possa alterar a matéria de facto dada como provada é necessário que do processo constem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa. “Se algum dos que ficaram expostos na motivação da decisão que concretamente incidiu sobre o ponto de facto impugnado não estiver acessível (v.g. depoimento testemunhal [...] que não tenha[...] sido gravado[...]) a Relação ficará inibida nos seus poderes de reapreciação.” [7]
Assim, tendo em conta que são referidos os depoimentos das testemunhas mencionadas no recurso para fundamentar a matéria dada como não provada objecto de impugnação, mostra-se claro que está este TR impedido da efectuar a requerida reapreciação daquela matéria.
São, em consequência, os seguintes os factos dados como provados na 1ª instância (transcrição) e definitivamente assentes:
“a) Por sentença datada de 12.04.2010, a fls. 20 dos autos principais, foi homologado o regime de exercício das responsabilidades parentais atinentes à menor L.., nascida a 23.06.2009, nos termos do qual:
− a menor ficou entregue à guarda e cuidados da mãe;
− o exercício das responsabilidades parentais ficou a cargo de ambos os progenitores;
− o progenitor ficou vinculado ao pagamento de uma prestação de alimentos no valor mensal de €150, a actualizar anualmente em Janeiro de acordo com o índice de inflacção; a este valor acresceria o valor de metade das despesas médicas e medicamentosas e escolares (extraordinárias);
− até aos 2 anos de idade, a menor passaria com o pai o sábado ou o domingo, a combinar com a progenitora, e ainda a 4.ª feira; a partir dos 2 anos de idade, a L.. passaria com o pai fins-de-semana alternados, sendo que para o efeito o progenitor recolhê-la-ia em casa da progenitora pelas 19H30 de 6.ª feira e entregá-la-ia nesse mesmo local pelas 19H30 de domingo, e jantaria ainda com o pai à 4.ª feira;
− A L.. passaria ainda com o pai o dia do pai e o dia do aniversário deste e com a mãe o dia da mãe e o dia do aniversário desta; no seu próprio dia de aniversário a menor tomaria uma refeição com cada um dos progenitores;
− A L.. passaria a noite de consoada do ano de 2010 com a mãe e o dia de natal do ano de 2010 com o pai, invertendo-se sucessivamente a ordem nos anos subsequentes, bem como passaria a noite de passagem do ano 2010/2011 com o pai e o dia de ano novo de 2011 com a mãe, invertendo-se sucessivamente a ordem nos anos subsequentes;
− A L.. passaria o domingo de Carnaval de 2011 com o pai e o dia de carnaval de 2011 com a mãe, bem como o domingo de Pascoela de 2011 com a mãe e o domingo de Páscoa de 2011 com o pai, invertendo-se sucessivamente a ordem nos anos subsequentes;
− A menor passaria um período de 15 dias de férias com o pai durante o verão, em período a combinar com a mãe.
b) Por sentença datada de 14.03.2011, a fls. 42 do apenso A, foi homologada a alteração ao regime de exercício das responsabilidades parentais atinentes à menor L.., tendo relevância, ao que aqui interessa, as seguintes alterações:
− Às 4.as feiras, o progenitor recolheria a L.. em casa da mãe pelas 18H00 e entregá-la-ia nesse mesmo local pelas 21H30;
− A L.. passaria a 6.ª feira santa com a mãe e o domingo de Páscoa com o pai, invertendo-se sucessivamente a ordem nos anos subsequentes;
c) A L.. reside com a mãe e os avós maternos em casa destes;
d) Aquando da regulação do exercício das responsabilidades parentais a requerente encontrava-se desempregada; actualmente trabalha como engomadora/brunidora, tendo uma remuneração-base mensal equivalente ao salário mínimo nacional (cfr. recibo a fls. 40);
e) A requerente não contribui para as despesas do agregado familiar onde se encontra inserida;
f) No dia 22.06.2011 a GNR, a solicitação do requerido, deslocou-se à casa de morada da requerente, pelas 18H40, tendo sido recebida pelos pais desta (avós maternos a menor) que informaram que não procederiam à entrega da criança ao pai por tal lhes ter sido ordenado pela advogada da filha; no dia subsequente, pelas 10H30, voltou a registar-se novo incidente (cfr. certidão a fls. 21 do apenso B);
g) Por carta registada datada de 11.06.2012 a requerente comunicou ao requerido que: “A L.. irá em Setembro iniciar o ensino pré-escolar. Por isso, as férias terão de ser gozadas no mês de Agosto. Relativamente ao dia do seu aniversário, almoçará comigo no sábado e só no final do dia é que irá passar o fim-de-semana. Espero não haver problemas que prejudiquem a L..” (cfr. fls. 17 do apenso B);
h) Por carta datada de 13.06.2012 o requerido respondeu à requerente, nos termos constantes de fls. 18 do apenso B que aqui se dão por reproduzidos, onde, entre o mais, escreveu que “Sobre a data do aniversário da L.., a Sra. não se esqueça que o fim-de-semana estipulado pelo Sr. Exmo. Juiz no processo acima referido é para ser respeitado, e esse fim-de-semana corresponde ao meu fim-de-semana, como é do seu conhecimento. Contudo, e mesmo que não fosse este o meu fim-de-semana, tenha em mente que no ano passado a Sra. barricou-se dentro de sua casa impossibilitando a entrega da L.. na minha hora e dia de direito, e somente por sua imposição a entregou as 20H00 do mesmo dia”;
i) No dia 22.06.2012 a GNR, a solicitação do requerido, deslocou-se à casa de morada da requerente, pelas 21H15, não se encontrando ninguém em casa (cfr. certidão a fls. 10 do apenso B);
j) No dia 30.12.2012 a GNR, a solicitação da requerente, deslocou-se à casa de morada da requerente, pelas 20H50, por até àquela data a L.. não ter sido entregue (cfr. fls. 65 do apenso B);
k) Foi deduzida acusação pelo MP contra requerente e requerido no âmbito do processo de inquérito que sob o n.º 6/11.4GCGMR correu termos pelos Serviços do Ministério Público deste tribunal, imputando, a cada um deles, a prática de um crime de ofensa à integridade física simples no dia 31.12.2010 por ocasião da recolha da L.. em casa da requerente (certidão a fls. 30ss do apenso B);
l) Eram frequentes as discussões entre o requerido e a requerente e/ou os pais desta por ocasião das recolhas e entregas da L.., discussões mantidas à frente da menor;
m) Existe animosidade entre os pais da requerente e o requerido;
n) Requerente e requerido comunicam por SMS ou carta;
o) A menor deu entrada no serviço de urgência do hospital de Guimarães no dia 30.03.2011 (4.ª feira), pelas 23H21, tendo tido alta no dia 31.03.2011, pelas 01H21 (fls. 50 apenso B);
p) A menor deu entrada no serviço de urgência do hospital de Guimarães no dia 01.04.2011 (6.ª feira), pelas 10H26, tendo tido alta nesse mesmo dia pelas 20H27 (fls. 51 apenso B);
q) A menor deu entrada no serviço de urgência do hospital de Guimarães no dia 20.02.2012 (2.ª feira), pelas 01H23, tendo tido alta nesse mesmo dia pelas 03H07 (fls. 56 apenso B);
r) No ano de 2011 o requerido declarou ter tido um rendimento ilíquido de €12.701,52 (cfr. certidão a fls. 158ss);
s)Encontra-se registada a favor do requerido pela Ap. 1 de 13.06.2008 a propriedade da habitação tipo T3 de c/v, r/c e 1.º andar descrita na Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o n.º 1829/19990112-A da freguesia de Ponte; encontram-se igualmente registadas sob o imóvel em causa pelas ap. 2 e 3 de 13.06.2008 duas hipotecas voluntárias a favor do B.., bem como, pelas ap. 1694, 1734 e 1790, todas de 13.02.2013, três penhoras, a favor da mesma entidade bancária (certidão a fls. 178ss);
t) Encontra-se registada a favor do requerido pela Ap. 1 de 13.06.2008 a propriedade do pavilhão industrial de r/c, 1.º andar e logradouro descrita na Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o n.º 1854/19990119 da freguesia de Ponte; encontram-se igualmente registadas sob o imóvel em causa pela ap. 12 de 13.11.2008 uma hipoteca voluntária a favor do B.., pela ap. 3398 de 22.02.2011 uma hipoteca voluntária a favor da Fazenda Nacional e pela ap. 3548 de 30.09.2011 nova hipoteca voluntária a favor do B.. (certidão a fls. 182ss).”
3ª questão (a dualidade de incidentes previstos nos artigos 181º e 189º da OTM)
Ao contrário do que a recorrente alega, não é jurisprudência uniforme a que entende que o incumprimento da prestação de alimentos deve sempre seguir os trâmites do artº 181º da OTM em detrimento da tramitação prevista no artº 189º do mesmo diploma.
Vejamos.
“Tem sido questão não assente a que se prende com a natureza do tipo de procedimento que deve ser adoptado em caso de incumprimento de alimentos devidos a menores, os quais tenham sido estabelecidos no âmbito de Regulação do Exercício do Poder Paternal, encontrando-se quem defenda que será de aplicar desde logo o previsto no art.º 189.º; a quem considere que se deverá seguir toda a tramitação estabelecida para o incidente consagrado no art.º 181.º, não sendo viável avançar-se para o disposto no art.º 189.º antes de se ouvir o requerido (por alegação ou em conferência) e se proceder ao inquérito social previsto no n.º 4 do art.º 181.º; a quem, finalmente, defenda que deverá ser instaurado o incidente do art.º 181.º, em conjugação com o art.º 189.º, podendo não haver necessidade de se cumprirem todos os trâmites estabelecidos no preceito, mormente a elaboração do relatório social.” [8]
Importa, antes de mais, lembrar o texto das referidas disposições legais:
Artigo 181º
(Incumprimento)
1 - Se, relativamente à situação do menor, um dos progenitores não cumprir o que tiver sido acordado ou decidido, pode o outro requerer ao tribunal as diligências necessárias para o cumprimento coercivo e a condenação do remisso em multa até 50.000$ e em indemnização a favor do menor ou do requerente ou de ambos.
2 - Autuado ou junto ao processo o requerimento, o juiz convocará os pais para uma conferência ou mandará notificar o requerido para, no prazo de dois dias, alegar o que tenha por conveniente.
3 - Na conferência, os pais podem acordar na alteração do que se encontra fixado quanto ao exercício do poder paternal, tendo em conta o interesse do menor.
4 - Não tendo sido convocada a conferência ou quando nesta os pais não chegaram a acordo, o juiz mandará proceder a inquérito sumário e a quaisquer outras diligências que entenda necessárias e, por fim, decidirá.
5 - Se tiver havido condenação em multa e esta não for paga no prazo de dez dias, será extraída certidão do processo, a remeter ao tribunal competente para execução.
Artigo 189º
(Meios de tornar efectiva a prestação de alimentos)
1 - Quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos não satisfazer as quantias em dívida dentro de dez dias depois do vencimento, observar-se-á o seguinte:
a) Se for funcionário público, ser-lhe-ão deduzidas as respectivas quantias no vencimento, sob requisição do tribunal dirigida à entidade competente;
b) Se for empregado ou assalariado, ser-lhe-ão deduzidas no ordenado ou salário, sendo para o efeito notificada a respectiva entidade patronal, que ficará na situação de fiel depositário;
c) Se for pessoa que receba rendas, pensões, subsídios, comissões, percentagens, emolumentos, gratificações, comparticipações ou rendimentos semelhantes, a dedução será feita nessas prestações quando tiverem de ser pagas ou creditadas, fazendo-se para tal as requisições ou notificações necessárias e ficando os notificados na situação de fiéis depositários.
2 - As quantias deduzidas abrangerão também os alimentos que se forem vencendo e serão directamente entregues a quem deva recebê-las.
Entendemos aqui válido o brocardo segundo o qual onde a lei não distingue (e o artº 181º da OTM não distingue a fonte do incumprimento da prévia regulação do poder paternal) não deve o intérprete distinguir, afigurando-se-nos que no mencionado artº 181º estão ali previstos todos os incumprimentos dos aspectos da regulação do poder paternal, a saber, o destino do menor, o regime de visitas e a obrigação de alimentos.
“Na nossa óptica, será este último o procedimento que se mostra mais consentâneo com o espírito e a letra da lei e que simultaneamente assegura os superiores interesses dos menores e salvaguarda os direitos do requerido, mormente respeitando o seu direito ao contraditório.
Com efeito (...) poderá afirmar-se que a questão do incumprimento respeitante à obrigação de alimentos fixada no âmbito da Regulação do Exercício do Poder Paternal deverá ser processualmente tratada em sede do incidente de incumprimento previsto no art.º 181.º, pois que (...), abarcando tal incidente todas as situações de incumprimento que possam decorrer da referida Regulação (guarda, regime de visitas e alimentos), «Não se compreenderia, com efeito, tratamento distinto entre o incumprimento do aspecto pessoal do regime de exercício do poder paternal por um dos progenitores (guarda e visitas), e o incumprimento do regime de prestação de alimentos, quando é certo que a regulação do exercício do poder paternal abrange sempre todos aqueles aspectos que, no interesse do menor, devem ter tratamento global e unitário.» [Rui Epifânio e António Farinha in Organização Tutelar de Menores - Contributo para uma Visão Interdisciplinar do Direito de Menores e de Família” – 2.ª Reimpressão – Almedina, pág. 343]
Quanto a nós, o legislador pretendeu configurar um incidente de incumprimento que abarcasse todas as situações em que o desrespeito pelo estabelecido no âmbito da Regulação do Exercício do Poder Paternal pudesse ser apreciada, razão pela qual nele se deverá inserir o incumprimento da obrigação de prestação de alimentos.” [9]
Fixada, assim, a sede normativa para conhecer do incidente em causa, importa definir se o incumprimento tem como consequência automática a referida “condenação do remisso em multa até 50.000$00 [€ 249,90] e em indemnização a favor do menor ou do requerente ou de ambos”.
“Entendemos que não.
Desde logo, o recurso ao próprio regime estatuído no artigo 181 da OTM pressupõe uma crise, um incumprimento efectivamente grave e reiterado por parte do progenitor remisso e não uma situação ocasional ou pontual de incumprimento surgida por motivos imponderáveis alheios à vontade do progenitor incumpridor ou mesmo, como no caso, em situações em que o progenitor remisso está convencido que não está a incumprir o que quer que seja. [Veja-se sobre este ponto o Ac. R. Porto de 17.01.2000, Relator Des. Azevedo Ramos “Em processo de regulação do poder paternal, a aplicação de sanções por incumprimento do que tiver sido acordado ou decidido pressupõe a análise das circunstâncias concretas em que incorreu o incumprimento para se verificar se existe culpa e ilicitude ou, pelo menos, se revestem gravidade que justifiquem a condenação”, bem como o Ac. R. Porto de 29.03.1993, Relator Des. Araújo Carneiro “I- O artigo 181, nº 1 da Organização Tutelar de Menores pressupõe uma situação tal que torne necessário o recurso a meios coercivos para levar de vencida a resistência pertinaz e continuada do progenitor remisso a cumprir o que estava acordado ou decidido quanto à situação de menor, e não a uma ou outra falta sem antecedentes nem consequentes. II Pressupõe também o não cumprimento culposo por parte do faltoso.”]
Na verdade, não nos podemos esquecer que estamos perante um processo de jurisdição voluntária (processo de regulação do poder paternal) no qual o juiz não está sujeito a critérios de legalidade estrita, podendo (devendo) adoptar em cada caso concreto a solução que melhor defenda os interesses do menor (pois esta é a ultima ratio deste tipo de processo).” [10]
No caso dos autos, desde logo cumpre assinalar que o custo das despesas médicas e medicamentosas que a requerente exigia do requerido não eram todas devidas, como justamente se salienta na decisão recorrida. Justifica-se, pois, alguma resistência do requerido quanto ao respectivo pagamento. Quanto à prestação mensal de alimentos, não estamos perante uma situação de reiterado não pagamento, uma vez que os meses em dívida são afastados no tempo (Julho e Novembro de 2012), correspondendo mais ao padrão de quem tem dificuldades pontuais no pagamento do que quem não quer deliberadamente pagar. Por último, é de salientar o pagamento parcial das importâncias em dívida em Fevereiro de 2013, o que parece ser o afloramento da vontade de regularizar os débitos existentes. Por tudo isto, entendemos que não está demonstrada culpa, ou pelo menos uma culpa acentuada no incumprimento em causa, não se justificando a aplicação de multa, que até poderia ser um factor negativo para a menor, pois retiraria liquidez ao requerido para o pagamento das obrigações futuras.
Por outro lado, semelhantes razões justificam a não fixação de qualquer indemnização, a que acresce o seguinte, que subscrevemos: “Na realidade, a condenação em indemnização a favor da menor, prevista na parte final do apontado n.º 1, do art.º 181.º da OTM, não decorre do simples facto de se verificar o incumprimento, antes exigindo que para além de pedido expresso (não genérico) nesse sentido, por parte do progenitor não incumpridor ou do Ministério Público, em representação do menor lesado, se aleguem e provem factos integrantes da obrigação de indemnizar por factos ilícitos.
O dano é desde logo um desses pressupostos, carecido de ser demonstrado por factos que o integrem, reveladores de que por via do incumprimento a menor saiu lesada sob o ponto de vista patrimonial ou não patrimonial.
No caso dos autos, analisando a matéria dada por provada, verifica-se não existirem factos susceptíveis de implicar a obrigação de indemnizar, razão pela qual não poderá subsistir a condenação da ora recorrente na indemnização a favor da sua filha menor.” [11]
Assim, apesar do comprovado incumprimento por parte do requerido, não se determina o pagamento de qualquer multa e indemnização.
4ª questão (a alegada falta de fundamento da condenação em multa da requerente)
Segundo a recorrente, só existe um episódio de recusa de entrega da menor (no outro episódio “não se encontrava ninguém casa”), sendo certo que aconteceram ambos no mesmo dia (22.06.2012). Em face disto, considera a condenação “totalmente despropositada”.
Cumpre, desde logo, assinalar que a condenação pelo tribunal no pagamento de uma multa não é “despropositada”, podendo ser apenas legalmente justificada ou não. Por outro lado, é evidente que a circunstância de não estar ninguém em casa (sendo esse o local designado para a entrega da menor) configura (salvo casos de força maior, devidamente comprovados, o que não foi sequer alegado) efectivamente uma recusa de entrega. A não ser assim, bastaria ao obrigado à entrega da criança (que a não quisesse efectuar) ausentar-se do local à hora designada para poder alegar que não se tinha recusado à entrega, o que é evidentemente inaceitável. Posto isto, sempre se dirá o seguinte: Apesar do clima evidente de animosidade existente (de que os factos ilustram expressivamente), apenas se encontra provada a recusa de entrega da menor por duas vezes num só dia. Cremos que, muito embora seja evidentemente censurável a actuação da mãe ao permitir / determinar tal incumprimento (que sacrifica os interesses da menor em detrimento dos seus), o mesmo ainda não se reveste da gravidade suficiente para justificar uma condenação em multa.
Com efeito “não basta verificar-se a não ocorrência objectiva da visita para declarar o incumprimento. É necessário a formulação de um juízo objectivo de censura ao comportamento do progenitor que impediu a sua concretização [...] e tem sido também este o entendimento dos nossos tribunais. Como se defende no Ac.do TRL de 14.09.2010, só existe incumprimento do poder paternal relevante, no que ao direito de visitas diz respeito, quando o progenitor que incumpre [...] tiver criado intencionalmente uma situação reiterada e grave, culposa, que permita assacar-lhe um efectivo juízo de censura.” [12]
Procede, pois, o recurso quanto a esta questão, revogando-se a condenação em multa da requerente.
5ª questão (o regime de visitas)
Opõe-se a recorrente a algumas das alterações determinadas na sentença recorrida quanto ao regime de visitas.
Apesar de, a partir, quer da alegação, quer das conclusões, não se afigurar claro o completo alcance do pretendido, dir-se-á, na parte em que conseguimos descortinar uma efectiva pretensão da recorrente, o seguinte:
Quando afirma não se justificar a alteração no regime de visitas quanto à recolha à sexta-feira e entrega à segunda-feira na escola, volta a recorrente a insistir no facto de o requerido trabalhar ao Sábado, sendo certo que, como vimos, não se provou que este trabalhe ao sábado durante todo o dia. Quanto à alegada circunstância da menor ficar entregue aos cuidados da companheira do pai “em detrimento da mãe”, desde logo cumpre assinalar que tal facto não ficou provado. Por outro lado e mais importante: a valorar o argumento usado até às últimas consequências, sempre se poderia afirmar que qualquer tempo que a menor passasse sem contacto com a mãe (na escola, em transportes e até com os avós) seria em seu “detrimento”, o que não faz, evidentemente, qualquer sentido. Por outro lado, a pretensão traduzida na obrigação de impor ao progenitor, nos períodos de visita, que passe todo o tempo com a filha é absurda e não tem qualquer consistência psico-normativa. O progenitor que é visitado tem o poder-dever de organizar a sua vida durante esse período de forma a potenciar a passagem de um tempo de qualidade com o(a) filho(a). Esse poder-dever não impõe o permanente contacto entre os dois [13], existindo uma miríade de factores que poderão condicionar a duração desse tempo (desde logo, a idade e a personalidade do(a) filho(a), as condições do espaço onde decorre a visita, as exigências da vida profissional do progenitor, a composição do agregado do progenitor, etc...).
De referir que o tribunal a quo justifica a alteração neste sentido: “Impõe-se […] a alteração do regime de visitas, mormente do modo de recolha e entrega da L.., a fim de minimizar o contacto entre os progenitores, pelo menos enquanto não interiorizarem que o comportamento que ambos assumem não se revela minimamente consentâneo com a sua condição de pais e apenas é prejudicial para a filha que em comum têm, poupando-a a episódios que em nada contribuem para o seu bem estar e saudável crescimento.”
Na sequência do acima afirmado, a alteração incidiu especialmente sobre a entrega e recolha da menor durante os períodos lectivos, passando a realizar-se na escola que a mesma frequenta. Esta alteração é absolutamente justificada e benéfica, atento o notório clima de hostilidade entre os progenitores, assim se poupando a menor de presenciar cenas passíveis de a perturbar profundamente, como “os choros da mãe da L.. quando esta se ausenta de casa para visitar o pai” (sentença – fls. 204), situação extremamente grave, pois pode colocar a menor perante um “double-bind” [14], passível de contribuir, mais tarde, para a ocorrência de patologias psiquiátricas de acentuada gravidade [15].
Por outro lado, também se insurge a recorrente contra o decidido quanto ao decidido quanto ao contacto da menor com os progenitores durante o dia do seu aniversário.
Atendendo a que se decidiu que a menor almoçará com um e jantará com outro, invertendo-se a ordem nos anos subsequentes, estabeleceu-se um regime absolutamente equitativo, sendo que, obviamente, deveria o tribunal estabelecer (como estabeleceu) a situação inicial, roçando o ridículo sindicar esta última escolha (uma vez que, se almoça com um, janta com o outro...), sem qualquer razão válida que suporte o respectivo entendimento.
Resumindo, o tribunal a quo estabeleceu um regime equitativo de visitas, procurando minimizar que a exteriorização do conflito entre os pais seja presenciada pela menor, o que cremos ser do especial interesse desta, uma vez que, “[t]al como já constava da redacção do nº 2 do artº 1905º do CC, o actual nº 7 do artº 1906º do CC veio consagrar que o tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com o progenitor a quem não foi confiado, tendo acrescentando nas disposições introduzidas pela Lei 61/2008 que o tribunal deverá ainda promover e aceitar acordos ou tomar decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha e de responsabilidades entre eles. O legislador de 2008, conhecedor da importância do estabelecimento e manutenção de laços afectivos com ambos os progenitores, veio incentivá-los. Qualquer decisão sobre a regulação das responsabilidades parentais terá que se nortear pelo interesse do menor que é a parte mais fraca e em formação e que, por essa razão, o legislador quis proteger. (...) Não há uma definição legal do que é o interesse do menor, mas o mesmo deverá ser entendido “…em termos suficientemente amplos de modo a abranger tudo o que envolve os legítimos anseios, realizações e necessidade daquele e dos mais variados aspectos: físico, intelectual, moral, religioso e social. E esse interesse tem de ser ponderado casuisticamente em face de uma análise concreta de todas as circunstâncias relevantes”[16].
Neste circunstancialismo, na falta de quaisquer outros fundamentos aduzidos para revogação da decisão sob censura e não se divisando quaisquer motivos (de conhecimento oficioso deste tribunal) para tal, dada a vinculação deste tribunal na sua esfera de cognição à delimitação objectiva resultante das conclusões do recurso, deve concluir-se, sem mais, pela improcedência do recurso, excepto no que à condenação em multa da requerente tange.
4 - Dispositivo.
Pelo exposto, os juízes da segunda secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação interposto, revogando-se a sentença recorrida na parte em que condena a requerente numa multa de € 250,00 e confirmando-se a mesma quanto ao mais decidido.
Custas do recurso de apelação pela recorrente, na proporção do vencido (fixando-se a sua responsabilidade em 4/5), sendo a taxa de justiça fixada de acordo com a tabela I-B, anexa ao Regulamento das Custas Processuais.
Guimarães, 25 de Novembro de 2013
Edgar Gouveia Valente
Paulo Duarte Barreto
Filipe Caroço
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[1] Reproduz-se aqui, no essencial, o relatório da decisão recorrida.
[2] Na redação anterior ao NCPC de 2013.
[3] Rodrigues Bastos in Notas ao Código de Processo Civil, vol. III, página 228.
[4] Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio da Nora in Manual de Processo Civil, 2ª edição, 1985, Coimbra Editora, página 688.
[5] In Notas ao Código de Processo Civil, vol. III, página 246.
[6] Do CPC.
[7] António Santos Abrantes Geraldes in Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 3ª edição, Almedina, 2010, páginas 314/5. Vide também fls. 150, ponto 2, 1º §.
[8] Acórdão da Relação de Lisboa (ARL) de 01.03.2012 proferido no processo 622/09.4TMFUN-G.L1-2 e disponível em www.dgsi.pt.
[9] ARL citado na nota anterior.
[10] Acórdão da Relação do Porto de 30.01.2006 proferido no processo 0557105; no mesmo sentido, vide o Acórdão da Relação de Lisboa de 21.06.2007 proferido no processo 5145/2007-6, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
[11] ARL de 08.02.2007 proferido no processo 10331/2006-2 e disponível em www.dgsi.pt.
[12] Acórdão da Relação de Guimarães de 06.01.2011 proferido no processo 2255/08.3TBGMR-G.G1 e disponível em www.dgsi.pt.
[13] Deverão sempre ressalvar-se as situações de evidente abandono do progenitor relativamente ao menor durante as visitas, situação que não está aqui minimamente em causa.
[14] Pode ser traduzido como “dupla vinculação” (assim, Paul Watzlawick, Janet Helmick Beavin e Don D. Jackson in Pragmática da Comunicação Humana, Cultrix, São Paulo, 2000, páginas 191/2, tradução de Paul Watzlawick, Janet Helmick Beavin & Don D. Jackson in “Pragmatics of Human Comunication”, Norton, New York, 1967, páginas 212 a 213. Citaremos uma descrição resumida do conceito: “a) trata-se de relações entre duas ou mais pessoas, uma das quais é designada por ‘vítima’, por comodidade de descrição; b) a experiência é repetida ao longo dos tempos; c) é emitida uma injunção primária negativa de carácter punitivo (...); surge uma injunção secundária em conflito com a primeira , sob a forma de uma generalização, de categorização, de classificação. (...) se dois progenitores intervêm podem desempenhar papeis opostos, exprimindo cada um mensagens contraditórias; e) dá-se a seguir o bloqueio da relação através de uma injunção negativa terciária impedindo a fuga da vítima; e) muitas vezes o esboço de aplicação do double-bind é suficiente, bastando um dos ingredientes para que surja o essencial da reação emocional da vítima. (Daniel Sampaio in Ninguém Morre Sozinho, O Adolescente e o Suicídio, Caminho, 5ª edição, Lisboa, 1991, páginas 87 – nota 1 – e 88). No caso dos autos, aquilo que é transmitido para a criança por um progenitor (ou mesmo por ambos) como desejável (o convívio da criança com ambos os pais, concretizado, no que respeita ao pai, nas visitas quinzenais), é contraditado pela mensagem não verbal do choro da mãe (que enuncia algo de mau), sendo que a criança não pode escapar dessa situação, que lhe é imposta externamente.
[15] Como a esquizofrenia. Vide, neste sentido, Paul Watzlawick, Janet Helmick Beavin & Don D. Jackson na Ob. cit. (original) páginas 214/5.
[16] Acórdão da Relação de Guimarães de 06.01.2011 proferido no processo 2255/08.3TBGMR-G.G1 e disponível em www.dgsi.pt.

http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/d6d1a167df4719b180257c43003f1531?OpenDocument

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