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terça-feira, 25 de junho de 2013

SILÊNCIO ARGUIDO - Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra - 29.05.2013


Acórdãos TRC
Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
66/10.5 GCVIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BELMIRO ANDRADE
Descritores: SILÊNCIO
ARGUIDO

Data do Acordão: 29-05-2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 2º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DE VISEU
Texto Integral: S

Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 343º Nº 1 CPP

Sumário: O silêncio não prejudica o arguido deixando a cargo da acusação o ónus da prova de todos os elementos do crime. No entanto, como silêncio que é não pode dele ser retirado qualquer efeito probatório. Nem para prova da acusação nem do seu contrário.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:


I.

Nos autos em referência, após a audiência pública de discussão e julgamento, foi proferida sentença na qual foi decidido:

- Condenar a arguida, A..., pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de furto simples, previsto e punido pelo artigo 203º n.º 1 do Código Penal, na pena de 4 (quatro) meses de prisão efectiva.

*

Inconformada com tal decisão, dela recorre a arguida

Na motivação do recurso, formula as seguintes CONCLUSÕES:

1- A douta decisão esteira-se em considerações meramente subjectivas sem elementos probatórios que, objectivamente, prove que a arguida praticou o ilícito e, por isso, não concorda com a matéria de facto indicada em 3.1.3 a 2.1.7 da fundamentação.

2 - A recorrente está convencida que a decisão recorrida ancorou-se em elementos subjetivos e puramente circunstâncias, desde logo, o registo criminal. Se este não existisse nos autos, o tribunal consideraria como não provada a autoria do ilícito pela arguida e tê-la-ia absolvido.

3 - A convicção é reforçada por na motivação da sentença, o tribunal " a quo" alegar estar "indiciariamente demonstrado que a arguida esteve na posse da viatura em causa desde 22 de Outubro de 2009 até ao dia 22 de Janeiro de 2010... " e que - "estando na posse da viatura cujo abastecimento e falta de pagamento foi verificada ou o utilizou pessoalmente ou através de terceiros com toda a certeza saberá identificar a não ser que tivesse havido utilização abusiva do mesmo." Com estas conclusões, é o tribunal que... reconhece as dúvidas.

4 - Não se percebe que o tribunal " a quo" perante estas dúvidas e o reconhecimento da existência de indícios - ("demonstração indiciária que a arguida estaria na posse da viatura, que a viatura poderia estar na posse de terceiros que a arguida pudesse ou não saber identificar") - associado à incapacidade da testemunha reconhecer (descrição/identificação) a arguida tenha concluído nos termos da matéria provada e com isso condenar a arguida.

5 - Perante a fragilidade dos elementos probatórios, no mínimo, a dúvida deveria ter orientado o Julgador que invocando o princípio "in dubio pro reo" deveria ter absolvido a arguida.

6 - O tribunal " a quo" ao decidir nos termos da sentença ora recorrida errou na apreciação da prova - 26° e 124° do C.P. e nº 2 do art. 410° do C.P.P.

7 - A douta sentença invocou, em abstrato, o registo criminal da arguida mas omitiu elementos essenciais para essa decisão e não elencou factos concretos sobre a vida pessoal, familiar e emocional da arguida que fundamente a prisão efetiva e, por isso, enferma de um vicio de insuficiência de matéria de facto para a decisão de prisão efetiva – nº 1 alínea c) do art° 379° e nº 2 alínea n° 2 do art° 410° do C.P.P.

8 - O silêncio da arguida não pode ser instrumento para inversão do ónus dá prova, como, com o devido respeito, se pode inferir da motivação da matéria de facto, sob pena de violação do principio da presunção da inocência - parte final do n°1 do art. 343° do C.P.P. e nº 2 do art. 32° da C.R.P.

9 - É pacífico o entendimento de que as penas de prisão de curta duração potenciam os efeitos criminógenos do ambiente prisional e, por isso, o Julgador em cumprimento dos princípios da ressocialização e reintegração deve encontrar outros instrumentos que reintegrem social e eticamente os comportamentos desviantes da arguida, que não a prisão efetiva, sob pena de violação do disposto no nº do art° 40° do C.P. e nº 1 do art° 43° do C.P.

NESTA CONFORMIDADE,

Deve ser revogada a sentença ora recorrida e, em consequência, a arguida ser absolvida ou mesmo que assim não se entenda, ser aplicada pena não privativa da liberdade.

*

Respondeu a digna magistrada do MºPº junto do tribunal recorrido rebatendo, ponto por ponto, a motivação do recurso, sustentando a sua improcedência.

No visto a que se reporta o art. 416º do CPP a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer no qual corrobora a resposta apresentada em 1ª instância.


***


II.

1. Vistas as conclusões, que definem o objecto do recurso, são colocadas à apreciação deste tribunal as seguintes questões: - impugnação dos pontos 3 a 7 da matéria dada como provada pelo tribunal recorrido (conclusões 1 a 6 e 8); - vício de insuficiência da matéria de facto (conclusão 8); - pressupostos da aplicação, no caso, da pena de prisão (conclusão 9).

A apreciação das questões suscitadas obedece à ordem de precedência lógica prevista nos artigos 368º/369º do CPP, por remissão do art. 424º, n.º2 do mesmo diploma.

De qualquer forma, atendendo a que o vício da insuficiência invocado se situa no âmbito da matéria relevante para a pena a aplicar procede-se em primeiro lugar à reapreciação da prova (matéria relativa à ilicitude) uma vez que, a proceder, prejudica a apreciação daquele vício.

A apreciação das questões suscitadas obriga a convocar a decisão da matéria de facto pelo tribunal recorrido.

*



2. A decisão da matéria de facto com a motivação probatória que a suporta é a seguinte:

A) Matéria de facto provada

No dia 22 de Outubro de 2009 a arguida celebrou um contrato de aluguer com a empresa B... do veículo automóvel marca Renault, modelo Clio, de matrícula (...) , cujo termo era o dia 24 de Outubro de 2009;

A arguida não entregou a viatura à empresa de aluguer no prazo estipulado;

No dia 27 de Novembro de 2009, pelas 16 horas e 22 minutos, no Posto de Abastecimento da “ D (...) ”, sito na A25, em Vila Chã de Sá, Viseu, a arguida abasteceu de combustível o seu veículo de matrícula (...) , marca “Renault”, modelo “Clio”, sem proceder ao respectivo pagamento;

A arguida estacionou o veículo no posto de abastecimento de combustível existente no local supra referido, propriedade da “C...” e abasteceu o veículo de combustível, gasolina sem chumbo 95, no valor de €15,01 (quinze euros e um cêntimo);

Acto contínuo, a arguida abandonou o local sem proceder ao pagamento do referido valor de combustível;

A arguida sabia que o combustível exposto naquele local era para venda ao público e que teria que pagar o valor do combustível com que abasteceu o veículo, o que não fez naquele momento nem até à presente data;

A arguida agiu livre, voluntária e conscientemente, com o propósito concretizado de fazer seu o combustível que inseriu no depósito do veículo, sem pagar, bem sabendo que o mesmo não lhe pertencia e que agia contra a vontade e em prejuízo do legítimo proprietário, como sucedeu;

A arguida sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei e que incorria em responsabilidade criminal;

No dia 22 de Janeiro de 2010 a viatura (...) , no âmbito do processo com o NUIPC 1032/09.9 VLLSB, foi apreendida na posse da arguida;

A arguida, antes de ser presa, trabalhava como funcionária pública, no Ministério da Agricultura, auferindo a quantia mensal de cerca de €1.000,00;

Vivia com o seu marido e dois filhos maiores de idade;

Tem o 12º ano de escolaridade;

A arguida tem antecedentes criminais, tendo já sofrido anteriores condenações, pela prática de crimes injúria agravada, burla, desobediência, falsificação de documento, ofensa à integridade física, emissão de cheque sem provisão, abuso de confiança e furto vários, conforme resulta do seu certificado de registo criminal junto aos autos a fls. 127-166.


B) Matéria de facto não provada

Nenhum outro facto se provou com relevância e interesse para a decisão da causa.


C) Motivação da matéria de facto

O Tribunal formou a sua convicção no que respeita à factualidade provada com base em toda a prova documental e testemunhal produzida em sede de audiência e recurso às regras de experiência comum, a seguir elencada:

-Documentos de fls. 6, 7, 22, 27, 28, 29 e certidão de fls. 197-209;

-Depoimento isento e credível da testemunha Mafalda Inês Amaral da Costa, operadora de caixa e, à data dos factos, funcionária da queixosa, que referiu ter tomado nota de que a pessoa que conduzia o veículo (...) , no dia dos factos, efectuou o abastecimento de combustível e fugiu de imediato sem fazer o respectivo pagamento. Confirmou o teor de fls. 6, documento que subscreveu com base no que viu e depois confirmou pela visualização das imagens captadas pela câmara de videovigilância de que dispõe o estabelecimento em causa. Mais referiu que à data dos factos a bomba de abastecimento de combustível não funcionava em sistema de pré-pagamento. Questionada sobre se reconhecia a arguida como tendo sido a pessoa que teria efectuado o abastecimento disse que embora não possa afirmar com toda a certeza que seja ela, disse que lhe parecia a mesma pessoa já que as suas características físicas são idênticas;

- Declarações da arguida quanto aos factos provados em 2.1.7. a 2.1.9.;

- Certificado de registo criminal junto aos autos a fls. 127 a 166 no que concerne aos antecedentes criminais do arguido.

Assim, da conjugação de toda a prova produzida e recurso às regras de experiência comum fica-nos a convicção da verificação dos factos que resultaram provados, não obstante a arguida, no uso de um direito que lhe assiste, não ter prestado declarações quanto aos factos de que vinha acusada.

Na verdade, resulta dos autos que a arguida celebrou um contrato de aluguer da viatura (...) no dia 22 de Outubro de 2009 sendo o seu termo no dia 24 de Outubro de 2009. Mais resulta dos autos que a arguida não entregou a viatura à empresa de aluguer no prazo estipulado, tendo a mesma sido apreendida na sua posse no dia 22 de Janeiro de 2010.

Temos, pois, como indiciariamente demonstrado que a arguida esteve na posse da viatura em causa desde o dia 22 de Outubro de 2009 até ao dia 22 de Janeiro de 2010, data em que a mesma lhe foi apreendida.

Das regras de experiência comum resulta que a arguida estando na posse da viatura cujo abastecimento e falta de pagamento foi verificada ou o utilizou pessoalmente ou através de terceiros com toda a certeza saberá identificar, a não ser que tivesse havido utilização abusiva do mesmo. Deste modo, se o seu silêncio em audiência relativamente aos factos não a pode prejudicar, também não a poderá beneficiar uma vez que apenas ela terá conhecimento de um facto relevante que não revela, ao que acresce a circunstância de segundo a testemunha ouvida em sede de audiência de julgamento a pessoa que abasteceu a viatura tem uma figura fisicamente em tudo idêntica à da arguida.


***


3. Impugnação da matéria de facto

Os tribunais da relação conhecem de facto e de direito – art. 428º do CPP.

A decisão da matéria de facto pode ser impugnada/sindicada com fundamento nos vícios do art. 410º, n.º2 do CPP ou com base na efectiva reapreciação dos meios de prova, nos termos previstos nos artigos 431ºdo CPP.

Os vícios do art. 410º têm como campo de aplicação privilegiado os casos em que o tribunal de recurso carece de competência para a reapreciação da matéria de facto (“nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito” diz o corpo do n.º2 do preceito). Designadamente os casos em que, na versão originária do CPP havia recurso “per saltum” da decisão do tribunal colectivo para o Supremo Tribunal, no regime da chamada “revista alargada”.

Com efeito, nos casos previstos no n.º2 do art. 410º, não existe reapreciação da prova produzida. Trata-se de vícios que emergem da própria estrutura da decisão recorrida ou do mero confronto da mesma com as regras da experiência comum, sem necessidade de análise ou reapreciação dos meios de prova produzidos. Constituindo “vícios ao nível da lógica jurídica da matéria de facto, da confecção técnica do decidido, apreensíveis a partir do seu texto, a denunciar incoerência interna com os termos da decisão” – cfr. Ac. STJ de 07.12.2005, CJ-STJ, tomo III/2005, p. 224.Sendo, aliás, de conhecimento oficioso – cfr. Acórdão do STJ de para fixação de jurisprudência 19.10.1995, publicado no DR, I-A Série de 28.12.95.

Já no que toca ao recurso com base na reapreciação da prova, postula o art. 431º do CPP: Sem prejuízo do disposto no art. 410º, a decisão do tribunal e 1ªinstância sobre matéria de facto pode ser alterada: a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base; b) Se a prova tiver sido impugnada nos termos do art. 412º n.º3 do CPP.

No recurso com base na reapreciação dos meios de prova, ao contrário do que sucede com os vícios do art. 410º (aparentes, manifestos, de conhecimento oficioso) incide sobre o recorrente o ónus de identificar o erro apontado á decisão recorrida, como ainda o de o comprovar, especificando o conteúdo dos meios de prova tido por não valorado ou valorado erradamente pela decisão posta em crise, capaz de, numa apreciação conforme aos critérios legais em vigor, “impor” a revogação e/ou a substituição da decisão recorrida em conformidade com a pretensão formulada.

Com efeito, sobre a motivação do recurso com base na reapreciação da prova, dispõe o art. 412º do CPP (redacção introduzida pela Lei 48/2007 de 29.08):

(…)

3. Quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar:

a) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

b) as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;

4. Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado em acta, nos termos do disposto no n.º2 do artigo 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.

O recurso não se confunde, como sucede na praxis diária, com um novo ou segundo julgamento da mesma coisa. Constituindo antes o instrumento para obter a correcção de erros de procedimento ou de julgamento – concretos, identificados e comprovados, com base numa argumentação minimamente persuasiva, na motivação do recurso – cometidos na decisão recorrida.

Com efeito, parafraseando Cunha Rodrigues (Jornadas de Direito Processual Penal, Centro de Estudos Judiciários, p. 387) “Como remédios jurídicos os recursos não podem ser utilizados com o único objectivo de melhor justiça. O recorrente tem que indicar expressamente os vícios da decisão recorrida. A motivação dos recursos consiste exactamente na indicação daqueles vícios que se traduzem em erros in operando ou in judicando. A pretensa injustiça imputada a um vício de julgamento só releva quando resulta de violação de direito material. Esta natureza dos recursos justifica, por outro lado, que se lhes aplique o princípio dispositivo e que se reconheça às partes um importante papel conformador”.

O recurso com base no disposto no art. 431º do CPP poderá ter como fundamento:

- a atribuição, pelo tribunal recorrido, aos meios de prova convocados como suporte da decisão, de conteúdo diverso daquele que efectivamente têm ou daquele que foi realmente produzido em audiência; ou

- a violação de critérios legais de valoração e apreciação da prova incorporada nos autos ou produzida oralmente em audiência): - pela valoração de meios de prova ilegais ou nulos; - pela violação de critérios de apreciação da prova vinculada (vg. prova documental e pericial) - pela violação de princípios gerais de apreciação da prova, designadamente o princípio da livre apreciação previsto no art. 127º do CPP e o princípio in dubio pro reo.

A reprodução da gravação dos depoimentos, no tribunal de recurso, como instrumento de garantia/comprovação da genuinidade dos mesmos e da eventual divergência entre o conteúdo material do depoimento prestado em audiência e o pressuposto na decisão recorrida, apenas tem sentido no caso de, segundo a motivação do recurso, a decisão recorrida ter atribuído, aos depoimentos prestados oralmente em audiência, conteúdo/afirmações relevantes, materialmente diversas daquelas que foram efectivamente produzido em audiência. Afinal quando o fundamento do recurso é o de que a testemunha ou o depoente afirmou em audiência “coisa” materialmente diversa daquela que é reportada/valorada como suporte da decisão recorrida e que, como tal, inquinou a decisão, impondo, por isso, a sua correcção pelo tribunal de recurso. Pois que, como instrumento de reprodução, apenas permite corrigir erros de “audição” do tribunal recorrido.

Competindo ao recorrente, em tal situação, especificar as “passagens” que confirmam a apontada desconformidade entre aquilo que foi dito em audiência e aquilo que foi valorado pelo tribunal recorrido como suporte da decisão impugnada.

A gravação (como instrumento de garantia da genuinidade dos depoimentos) nada adiantará quando o fundamento do recurso radica na violação de critérios de valoração – não reproduzidos pela gravação. Pois que, pela sua natureza, a gravação apenas reproduz e comprova o teor dos depoimentos gravados. Nada adiantando para efeito de apreciação da obediência aos critérios (legais) de ponderação/avaliação/valoração da prova - que resultam da lei e dos princípios gerais de direito processual penal.

Em termos de valoração material da prova, apesar da minuciosa regulamentação das provas efectuada pelo CPP, salvos os casos em que a lei define critérios legais de apreciação vinculada (vg. prova documental, prova pericial) vigora princípio geral de que a prova é apreciada de acordo com as regras da experiência e a livre convicção do julgador - art. 127º do Código de Processo Penal.

Liberdade de convicção não pode nem deve significar o impressionista-emocional arbítrio ou a decisão irracional “puramente assente num incondicional subjectivismo alheio à fundamentação e a comunicação” – cfr. Castanheira Neves, citado por Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, 1, 43.

Pelo contrário, o princípio da livre apreciação da prova, conjugado com o dever de fundamentação das decisões dos tribunais, exige uma apreciação motivada, crítica e racional, fundada nas regras da experiência mas também nas da lógica e da ciência. Devendo ser objectivada e motivada, únicas características que lhe permitem impor-se a terceiros.

A livre convicção assenta na verdade prático-jurídica, mas pessoal, porque para a sua formação concorrem a actividade cognitiva e ainda elementos racionalmente não explicáveis como a própria intuição.

Esta operação intelectual, não é uma mera opção voluntarista sobre a certeza de um facto, e contra a dúvida, nem uma previsão com base na verosimilhança ou probabilidade, mas a conformação intelectual do conhecimento do facto (dado objectivo) com a certeza da verdade alcançada (dados não objectiváveis) e para ela concorrem as regras impostas pela lei, como sejam as da experiência, da percepção da personalidade do depoente — aqui relevando, de forma especialíssima, os princípios da oralidade e da imediação — e da dúvida inultrapassável que conduz ao princípio “in dubio pro reo” - cfr. Ac. do T. Constitucional de 24/03/2003, DR. II, nº 129, de 02/06/2004, 8544 e ss..

A prova, mais do que uma demonstração racional, é um esforço de razoabilidade: o juiz lança-se à procura do «realmente acontecido» conhecendo, por um lado, os limites que o próprio objecto impõe à sua tentativa de o «agarrar» e, por outro, os limites que a ordem jurídica lhe marca - derivados da(s) finalidade(s) do processo (Cristina Libano Monteiro, “Perigosidade de inimputáveis e «in dubio pro reo»”, Coimbra, 1997, pág. 13).

Sendo certo que a certeza judicial não se confunde com a certeza absoluta, física ou matemática, sendo antes uma certeza empírica, moral, histórica – crf. Climent Durán, La Prueba Penal, ed. Tirant Blanch, p. 615.

O princípio in dubio pro reo constitui um princípio de direito relativo à apreciação da prova/decisão da matéria de facto. Princípio atinente ao direito probatório, como tal relevante em termos da apreciação da questão de facto e não na superação de qualquer questão suscitada em matéria de direito – cfr. entre outros Cavaleiro Ferreira, Direito Penal Português, 1982, vol. 1, 111, Figueiredo Dias Direito Processual Penal, p. 215, Castanheira Neves, Sumários de Processo Criminal, 1967-1968, p. 58. Constituindo um princípio geral de direito (processual penal) cuja violação conforma uma autêntica questão-de-direito – Cfr. Medina Seiça, Liber Discipulorum, p. 1420; Figueiredo Dias (Direito Processual Penal, 1974, p. 217 e segs.), criticando o entendimento contrário do STJ.

A dúvida razoável, que determina a impossibilidade de convicção do Tribunal sobre a realidade de um facto, distingue-se da dúvida ligeira, meramente possível, hipotética. Só a dúvida séria se impõe à íntima convicção. Esta deve ser, pois, argumentada, coerente, razoável – neste sentido, Jean-Denis Bredin, Le Doute et L’intime Conviction, Revue Française de Théorie, de Philosophie e de Culture Juridique, Vol. 23, (19966), p. 25.

De onde que o tribunal de recurso “só poderá censurar o uso feito desse princípio (in dubio) se da decisão recorrida resultar que o tribunal a quo chegou a um estado de dúvida insanável e que, face a esse estado escolheu a tese desfavorável ao arguido” – cfr. AC. STJ de 02.05.1996, CJ/STJ, tomo II/96, p. 177. Ou quando, após a análise crítica, motivada e exaustiva de todos os meios de prova validamente produzidos e a sua valoração em conformidade com os critérios legais, é de concluir que subsistem duas ou mais perspectivas probatórias igualmente verosímeis e razoáveis, havendo então que decidir por aquela que favorece o réu.

Assim, mais do que uma limitação da livre convicção pela dúvida razoável, o critério da livre apreciação e o critério da dúvida razoável é o mesmo, têm o mesmo cerne - que há-de orientar “o fio da navalha” da decisão judicial sobre a prova do facto: a livre apreciação exige a convicção para lá da dúvida razoável; e o princípio in dubio pro reo impede (limita) a formação da convicção em caso de dúvida razoável. Em ambos os casos, após a produção de toda a prova e da sua valoração em conformidade com os critérios de apreciação vinculada e, na falta deles, numa apreciação motivada, razoável, objectiva e racional.


No que toca à prova produzida oralmente em audiência assume ainda a maior relevância o princípio da oralidade e imediação, na plenitude do julgamento e do contraditório, a que só o tribunal de 1ª instância tem acesso. Princípio que enfatiza a constatação de que o tribunal de recurso não julga de novo a mesma coisa, mas apenas pode sindicar o julgamento efectuado, nos termos supra identificados. Sabendo-se a voz apenas representa uma perspectiva parcelar do processo global da comunicação entre pessoas.

Com efeito, “só os princípios da oralidade e da imediação permitem o indispensável contacto vivo e imediato com o arguido, a recolha da impressão deixada pela sua personalidade. Só eles permitem, por outro lado, avaliar o mais correctamente possível da credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais. E só eles permitem uma plena audiência desses mesmos participantes, possibilitando-lhes da melhor forma que tomem posição perante o material de facto recolhido e comparticipem na declaração do direito do caso” – Cfr. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, p. 233-234.

Pelo que os julgadores do tribunal de recurso, a quem está vedada a oralidade e a imediação, perante duas versões dos factos, só podem afastar-se do juízo efectuado pelo julgador da 1ª instância, naquilo que não tiver origem naqueles dois princípios, ou seja quando a convicção não se tiver operado em consonância com as regras da lógica e da experiência comum, reconduzindo-se assim o problema, na maior parte dos casos, ao da fundamentação de que trata o art. 347º, n.º2 do CPP – Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. II, p. 126 e 127, que por sua vez cita o Prof. Figueiredo Dias – jurisprudência uniforme desta Relação, designadamente acórdãos 19.06.2002 e de 04.02.2004, nos recursos penais 1770/02 e 3960/03; 18.09.2002, recurso penal 1580/02; 13.02.2008, recurso 76/05.4PATNV.C1 2º Juízo Torres Novas. Como decidiu, entre outros, o Acórdão da Relação de Coimbra de 06.03.2002, publicado na CJ, ano 2002, II, 44.... “quando a atribuição de credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear numa opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face ás regras da experiência comum”.


No caso, alega a recorrente como fundamento da impugnação que a decisão recorrida “esteira-se em considerações meramente subjectivas sem elementos probatórios” que “O silêncio da arguida não pode ser instrumento para inversão do ónus dá prova” que a decisão violou o princípio in dubeo pro reo.

Ora, nem a recorrente questiona que o veículo automóvel - Renault Clio, de matrícula (...) - foi efectivamente abastecido de combustível e que o respectivo condutor se pôs em fuga sem proceder ao pagamento – facto comprovado pelo registo, em vídeo, efectuado através das câmaras de vigilância instaladas no Posto e pelo depoimento da funcionária de serviço.

Apenas é questionada a autoria do facto, por parte da arguida/recorrente.

Por outro lado, resulta além do mais da prova documental que a arguida celebrou um contrato de aluguer do veículo em causa - Renault Clio, de matrícula (...) .

Acresce que, apesar de o contrato ter terminado, na data da ocorrência do facto questionado, o veículo encontrava-se (ilicitamente) na posse da arguida – apenas veio a ser apreendido no dia 22 de Janeiro de 2010, no âmbito do processo com o NUIPC 1032/09.9 VLLSB, na posse da arguida.

Assim apenas pode ser questionado se era a arguida quem conduzia a viatura na data em questão. Questão que a decisão recorrida resolveu com base na conjugação da aludida posse, objectiva, da viatura com as imagens vídeo da ocorrência e o depoimento da trabalhara que se encontrava de serviço

E na verdade a aludida testemunha confirmou, em audiência o teor do documento de fls. 6 - que lavrou e subscreveu imediatamente após o abastecimento de combustível e fuga da condutora sem pagar, com base na percepção do facto, acabados de acontecer, no exercício das suas funções. Relato documental que confirmou pela visualização das imagens captadas pela câmara de videovigilância de que dispõe o estabelecimento em causa”.

Por outro lado dali resulta que as imagens mostravam uma mulher com as características físicas da arguida.

Acresce que, em audiência a mesma testemunha nunca disse que não fosse a arguida a autora do facto. Antes pelo contrário. Além das especificações constantes do aludido documento cujo conteúdo manteve e esclareceu em audiência, referiu, além do mais, com relevo para a identificação da autora do facto: “lembro-me que tinha o cabelo mais curto, era loira” (cfr. gravação, minuto 00.03.31); “era loira realmente… tinha cerca de 40 anos”; “eu vi esta senhora abastecer… através das câmaras dá para fixar melhor” (minutos 00.04.16/00.04.18 da gravação).

Certo é que em audiência a testemunha não efectuou o reconhecimento formal da arguida.

Mas deu indicações precisas, tendo por referência o relato escrito da ocorrência, efectuado na ocasião tendo ainda como suporte o registo das câmaras de vídeo -vigilância. Não sendo de estranhar que, tendo “fixado” em documento lavrado logo após a ocorrência, com a memória bem viva dos factos, tenha relegado o caso para a “reciclagem”, nos assuntos “esquecidos” da memória, por desnecessários, face à sua cristalização em documento apropriado.

Aliás nem sequer surgiu, em audiência, qualquer outra perspectiva probatória que pusesse em causa a assertividade do depoimento da testemunha (suportado pelo documento e pelo registo de vídeo da ocorrência) que pudesse, assim, ancorar a aplicação do princípio in dubeo pro reo. Nenhum meio de prova apontou para que “fosse possível”, sequer, ter sido outra pessoa – nem sequer a arguida/recorrente o referiu em audiência.

Contrapõe a recorrente que “O silêncio da arguida não pode ser instrumento para inversão do ónus da prova”.

Ora, a sentença recorrida nenhum efeito probatório retira do aludido silêncio.

Pelo contrário, é a perspectiva de recorrente que pretende retirar desse silêncio o efeito probatório do contrário, além de por em causa os aludidos meios de prova, legais e validamente produzidos.

Como que atribuindo ao silêncio o efeito “confessório da negação” dos factos.

O silêncio não prejudica o arguido deixando a cargo da acusação o ónus da prova de todos os elementos do crime. No entanto, como silêncio que é não pode dele ser retirado qualquer efeito probatório. Nem para prova da acusação nem do seu contrário.

Como refere Costa Andrade (in Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal, pág. 129, citando Kuhl) “se o arguido exerce o seu direito ao silêncio, ele renuncia (faculdade que lhe é reconhecida), a oferecer o seu ponto de vista sobre a matéria em discussão, nessa medida vinculando o tribunal à valoração exclusiva dos demais meios de prova disponíveis no processo”.

Aliás, o artigo 344º, n.º1 do CPP prevê a confissão do arguido – cfr. corpo do referido preceito – quanto aos “factos que lhe são imputados”. O mesmo é dizer, factos descritos na acusação, como tal constitutivos do crime ou crimes imputados na acusação, como tais “desfavoráveis” ao arguido, a quem assiste o direito à não auto-incriminação.

Em conformidade não só com elementares regras da experiência (por princípio ninguém confessa aquilo que o prejudica, salvo se estiver convencido da existência de outras provas e pretender beneficiar da atenuação) mas ainda com o princípio geral sobre a confissão enunciado pelo artigo 353º do C. Civil: Confissão é o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária.

Daí que, além do silêncio não constituir meio de prova, qualquer efeito probatório nunca poderia ser a favor do “confitente”.

Tendo-se remetido o arguido ao silêncio, esse silêncio nem pode, sequer, ser invocado como suporte de uma qualquer outra versão alternativa dos factos capaz de suscitar a dúvida (muito menos séria e razoável) sobre outros elementos de prova da matéria da acusação.

Assim, em conclusão, repousando a decisão recorrida em meios de prova legais, validamente produzidos e valorados em conformidade com os critérios legais, não merece censura.

*


4. Vício de Insuficiência de apuramento de matéria de facto

Postula o art. 410º n.º2 do CPP:

Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:

a) A insuficiência para a decisão da matéria de fato provada; (…)

Trata-se de vício [tal como os previstos nas alienas b) e c) do mesmo preceito] relativos à estrutura interna da sentença que há-de emergir do texto da decisão propriamente dito e/ou do mero confronto da decisão com as regras da experiência comum.

Repercutindo todavia os seus efeitos ao nível da decisão de mérito, uma vez que a sua consequência típica é o reenvio para novo julgamento - cfr. art. 426º do CPP.

Constituindo “vícios ao nível da lógica jurídica da matéria de facto, da confecção técnica do decidido, apreensíveis a partir do seu texto, a denunciar incoerência interna com os termos da decisão” – cfr. Ac. STJ de 07.12.2005, CJ-STJ, tomo III/2005, p. 224.

Daí que sejam de conhecimento oficioso – cfr. Acórdão do STJ de para fixação de jurisprudência 19.10.1995, publicado no DR, I-A Série de 28.12.95.

Em conformidade com a letra da lei, os aludidos vícios apenas se verificam quando “resultem do texto da própria decisão recorrida, por si ou conjugado com as regras da experiência comum” – cfr. SIMAS SANTOS / LEAL HENRIQUES, in Recursos em Processo Penal, Ed. Rei dos Livros, 5ª ed., p. 68 e jurisprudência ali citada.

O vício da “insuficiência … da matéria de facto provada” radica na insuficiência de investigação/apuramento de matéria de facto relevante - resultante da acusação, da contestação, da discussão da causa ou que o Tribunal tivesse o dever de investigar oficiosamente dentro do objecto do processo e da aplicação da pena. E não da “insuficiência da prova” para a decisão da matéria de facto apreciada pela sentença.

Verificando-se quando, por falta de investigação devida e/ou possível a matéria de facto dada como provada é insuficiente ou não suporta um adequado enquadramento jurídico-penal. Ou, usando a terminologia C. Civil (art.341º) quando o tribunal não apurou os factos “constitutivos do direito alegado”. O que, tratando-se aqui de responsabilidade criminal, equivale a dizer quando o tribunal não investigou/apurou matéria de facto alegada na acusação ou na contestação ou de que lhe competisse conhecer oficiosamente, essencial para o apuramento dos pressupostos do crime e aplicação da pena.

Como referem Simas Santos/Leal Henriques (Recursos em Processo Penal, Ed. Rei dos Livros, 5ª ed., p. 61) “Trata-se de uma lacuna no apuramento da matéria de facto indispensável para a decisão de direito (…) havendo assim um hiato nessa matéria que é preciso preencher”.

No caso, como fundamento do vício alega a recorrente que “ A douta sentença invocou, em abstrato, o registo criminal da arguida mas omitiu elementos essenciais para essa decisão e não elencou factos concretos sobre a vida pessoal, familiar e emocional da arguida que fundamente a prisão efetiva”.

Ora com relevo para a aplicação da pena de prisão, resulta provado, além do mais:

“A arguida, antes de ser presa, trabalhava como funcionária pública, no Ministério da Agricultura, auferindo a quantia mensal de cerca de €1.000,00; Vivia com o seu marido e dois filhos maiores de idade; Tem o 12º ano de escolaridade”.

Por outro lado, no que toca aos antecedentes criminais, resulta do ponto 13 da matéria dada como provada: “A arguida tem antecedentes criminais, tendo já sofrido anteriores condenações, pela prática de crimes de injúria agravada, burla, desobediência, falsificação de documento, ofensa à integridade física, emissão de cheque sem provisão, abuso de confiança e furtos vários, conforme resulta do seu certificado de registo criminal junto aos autos a fls. 127-166.

Por outro lado, a recorrente não identifica qualquer facto relevante que o tribunal devesse ter investigado. Muito menos que, em face da matéria da acusação/defesa/discussão da causa tivesse sido processualmente possível a investigação de qualquer outro facto – não identificado – relevante.

No que toca especificamente a matéria relevante para a aplicação, em concreto, da pena de prisão, a sentença recorrida, além de remeter para o “certificado do RC junto aos autos a fls. 127 a 166”, descreve as condenações/crimes tidos por suficientes para a decisão tomada. Condenações que a recorrente não questiona nem são questionáveis, face ao aludido CRC junto aos autos.

Por outro lado, a arguida – tal como resulta da matéria provada (ponto 10) encontra-se presa, no EP de Tires, em cumprimento de pena à ordem de outro processo (situação de que o tribunal tomou conhecimento, através de pesquisa informática nos ficheiros da DG dos Serviços Prisionais – cfr. fls. 108-1015 ). Ali tendo sido notificada, aliás, para o julgamento (cfr. fls. 124).

Assim, tendo sido investigada e apurada matéria suficiente para a aplicação da pena de prisão (não afectação da inserção social da arguida por já desfeita e necessidade face aos antecedentes criminais da arguida), não se verifica o apontado vício.

*


4. Na senda do vício a insuficiência invocado (no âmbito da matéria relevante para a determinação da pena) questiona a recorrente a pena aplicada.

Refere-se genericamente a recorrente à aplicação de “outros instrumentos”.

No entanto não especifica qual ou quais as penas que pudessem adequar-se melhor que aplicada ao caso concreto. Muito menos tendo como referência a matéria de facto provada.

Refere de forma conclusiva os “efeitos criminógenos da pena de prisão”. Mas, como se viu acerca do vício da insuficiência, tais efeitos não irão ser desencadeados pela pena aplicada nos autos, uma vez que já estão em curso, por efeito de outra pena já está a cumprir.

Por outro lado, pondera a decisão recorrida, como fundamento da aplicação da pena de prisão, além do mais: “No caso dos autos, é média a gravidade da ilicitude, sendo o dolo de intensidade de grau médio. Contra a arguida temos o extenso passado criminal da mesma com registo de anteriores condenações, pela prática de crimes injúria agravada, burla, desobediência, falsificação de documento, ofensa à integridade física, emissão de cheque sem provisão, abuso de confiança e furtos vários (da mesma natureza da dos presentes autos). Acresce que a arguida não demonstrou qualquer arrependimento pelos factos praticados. Por outro lado, a arguida já foi condenada várias vezes, quer em penas de multa, quer em penas de prisão e, não obstante, tal circunstância não logrou afastá-la da criminalidade e na sua personalidade assim demonstrada é possível alicerçar o receio de outras prevaricações, sendo elevadas as necessidades de prevenção quer geral quer especial”.

Pressupostos que a recorrente não questiona.

De onde que, para além da hostilidade à assunção da responsabilidade e de censura do facto ou qualquer facto que traduza uma postura, prospectiva, de melhoria da conduta, no futuro, mostrando-se prejudicada pela situação de reclusão em que se encontra qualquer finalidade de inserção social que importasse manter, a pena aplicada é a única capaz de satisfazer, no caso, as finalidades preventivas espaciais da pena.

Improcedem assim todos os fundamentos do recurso




III.

Nos termos e com os fundamentos expostos, decide-se negar provimento ao recurso, julgando-o improcedente.

Custas pela recorrente, sem prejuízo do instituto do apoio judiciário, fixando-se a taxa de justiça (recurso da matéria de facto e de direito) em 4 (quatro) UC.


Belmiro Andrade (Relator)

Abílio Ramalho

http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc/fd582998816e81a880257b90004e088a?OpenDocument

quinta-feira, 20 de junho de 2013

PREVARICAÇÃO DE ADVOGADO BEM JURÍDICO PROTEGIDO ELEMENTOS DO TIPO - Acórdão do Tribunal da Relação do Porto - 29.05.2013


Acórdãos TRP
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
28/07.0TAPRD.P2
Nº Convencional: JTRP000
Relator: AUGUSTO LOURENÇO
Descritores: PREVARICAÇÃO DE ADVOGADO
BEM JURÍDICO PROTEGIDO
ELEMENTOS DO TIPO

Nº do Documento: RP2013052928/07.0TAPRD.P2
Data do Acordão: 29-05-2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1

Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .

Sumário: I – O crime de prevaricação de Advogado, p. e p. pelo art° 370° n° 1 do Código Penal, está enquadrado no âmbito dos crimes contra o Estado, o que lhe concede uma vertente pública em detrimento da perspectiva individualista.
II - A conduta típica, contrária aos deveres deontológicos, lesa o bem jurídico da realização da justiça e atinge também a confiança da comunidade no exercício íntegro daquelas funções, acabando por lesar a confiança e interesse privados dado que os advogados concorrem, enquanto operadores especializados, para uma correcta e perfeita efectivação do interesse do Estado concernente à administração da Justiça.
III – A norma consagra, pois, um tipo de crime de natureza complexa ao proteger, de forma simultânea e no mesmo plano de valor, tanto o interesse individual do cliente como a confiança no regular funcionamento da advocacia.
IV – O tipo legal exige que da conduta do Advogado tenha resultado um prejuízo para a causa.
V - Quanto ao elemento subjectivo, a lei exige que o agente actue intencionalmente.
Reclamações:

Decisão Texto Integral: Proc. nº 28/07.0TAPRD.P2

Acordam, em conferência, os Juízes da 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto

RELATÓRIO
No âmbito do processo nº 28/07.0TAPRD, que correu termos no 2º Juízo Criminal de Vila Nova de Famalicão, foi o arguido, B…, julgado e condenado nos seguintes termos:
- «Pelo exposto e ao abrigo das referidas disposições legais, decido:
a) Condenar o arguido B… como autor material de um crime de prevaricação de advogado, p. e p. no art. 370º n° 1 do cód. penal, na forma consumada, na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de € 20,00 (vinte euros), o que perfaz o montante total de € 3.000,00 (três mil euros).
b) Condenar o arguido nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça
em 5 UC acrescida de 1% (cfr. artigo 13°, n° 3, do D. L. n° 423/91, de 30/10), procuradoria no mínimo.
c) Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil, deduzido por C… e condenar o demandado B…, no pagamento da indemnização civil a C…, no valor de € 2.000,00 (dois mil euros), a título de danos não patrimoniais.
d) Condenar o demandante e demandado nas custas do pedido de indemnização civil, na proporção do decaimento».
*
Inconformado com a sentença, veio o arguido B… a recorrer nos termos de fls. 1169 a 1177, tendo apresentado as seguintes conclusões:
«1. A decisão recorrida contrariou, entre o mais, toda a prova testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento.
2. A sentença recorrida padece de contradição e erro notório na apreciação da prova e insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, nos termos do disposto nas als. a), b) e c) do nº 2 do artº 410° do cód. procº penal.
3. O Tribunal a quo, sem qualquer suporte factual, mas sob o escape da livre apreciação da prova entendeu, mal, considerar provados os factos conducentes à condenação do arguido.
4. O julgador não atendeu aos depoimentos do arguido e da testemunha de defesa – D… – que relataram factos verdadeiros, aceitando cegamente a versão atípica, mas teatral e bem encenada do assistente.
5. O arguido sempre referiu ser falsa esta acusação e sempre alegando jamais haver intenção de causar prejuízo ao assistente.
6. O assistente, apesar de advertido pelo arguido, jamais identificou e forneceu bens suscetíveis de penhora.
7. O assistente também jamais entregou ao arguido a quantia de 200.000$00 por este solicitada para ocorrer a despesas e por conta de honorários (provisão).
8. As matrículas que o assistente refere ter entregue ao arguido respeitam a veículos que não eram propriedade da executada E…, Ldª.
9. No vício de erro notório na apreciação da prova exige-se a evidência de um engano que não passe despercebido ao comum dos conhecedores da audiência de julgamento confrontados com a leitura da decisão recorrida e que se traduza em uma conclusão contrária àquela que os factos relevantes impõem.
10. Deste modo, importaria levar à motivação da decisão, como condição da sua validade, a valoração isenta das provas, seguindo o itinerário lógico dum exame racional e de uma apreciação crítica dos elementos de prova, o que no caso em apreço, não se verificou. E não se verificou por várias razões, desde logo, ignorou, não acompanhou ou se sustentou na prova testemunhal produzida, que nem sempre o juízo do Tribunal recorrido fielmente reproduziu.
11. Existe erro notório e contradição na apreciação da prova ou violação do princípio da livre convicção, bem como insuficiência para decisão da matéria de facto em apreço.
12. O arguido não agiu com intenção de prejudicar o assistente ou qualquer outra pessoa.
13. O arguido não violou ilicitamente e com culpa os seus deveres para com o assistente.
14. Sendo assim – como é – vem o arguido/recorrente impugnar a decisão da matéria de facto nos concretos pontos acima especificados que considera incorretamente julgados, a saber:
Ponto 30 dos Factos Provados: E o assistente satisfez essa indicação, e
Dos Factos não provados: Que foi pedido pelo arguido ao assistente a provisão de 200.000$00.
Os concretos meios provatórios constantes da gravação através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática são os seguintes:
a) O depoimento do arguido (cfr. sessão de 18/10/2012);
b) O depoimento do assistente (cfr. sessão de 18/10/2012);
c) Os depoimentos das testemunhas:
1. F… (cfr. sessão de 18/10/2012);
2. G… (cfr. sessão de 18/10/2012);
3. D… (cfr. sessão de 15/11/2012);
15. Foram, pois, incorretamente aplicados os arts 127° e 410° nº 2, als. a), b) e c) do cód. procº penal, 13° e 14° do cód. penal.
Termos em que a decisão recorrida deve ser substituída nos termos dos arts 41º e 412° do cód. procº penal e, consequentemente, declarada a absolvição total do arguido».
*
Igualmente inconformado com a sentença, veio o assistente C…, a recorrer, nos termos de fls. 1.142 a 1.162, tendo concluído nos seguintes termos:
«1. A douta decisão recorrida concluiu pelo não preenchimento do nexo de causalidade entre a conduta do demandado e o prejuízo patrimonial reconhecidamente sofrido pelo demandante, julgando apenas parcialmente procedente o pedido de indemnização cível formulado e somente no que diz respeito aos danos de cariz não patrimonial.
2. Salvo o merecido respeito, e apesar de se reconhecer que o valor do pedido de indemnização civil não tem correspondência com o prejuízo efectivamente sofrido pelo demandante, não se aceita que a circunstância de não ter sido possível determinar o nexo de causalidade entre o comportamento do demandado possa conduzir à total irresponsabilização do advogado que violou ilicitamente e com culpa os seus deveres para com o cliente.
3. Ora, perante a comprovada impossibilidade prática de garantir um resultado favorável ou desfavorável nos processos judiciais que o demandado deveria ter intentado, dado o seu carácter aleatório, teremos que recorrer à chamada problemática da “perda de chance” ou de oportunidade, decorrente da frustração das expectativas do demandante.
4. Ora, esta perda de oportunidade de êxito, de que o demandado foi o único responsável, gera danos indemnizáveis.
5. A mesma teoria da perda de chance faz igualmente apelo à equidade para encontrar o montante ressarcitório de tais danos, convergindo os arestos em que só a percentagem de 50% para cada parte não é arbitrária, tendo em conta os cenários possíveis (procedência ou improcedência, total ou parcial).
6. Tendo em atenção somente os valores incontroversos, derivados dos títulos que foram accionados, ou que estavam prontos para ser accionados pelo demandado, obteremos um total global de 5.857.883$00 (agora, 29.219,00 €), que, acrescido dos juros vencidos, contados sobre os valores dos títulos, representaria 32.022,56 € +4083,93 € +4575,21 €= 40681,7 €.
7. Fazendo apelo à equidade, considera-se adequado fixar a responsabilidade do demandado em 50% daquele valor, seja 20.340,85 €.
8. Deve, por consequência, o demandado ser condenado, além do valor de 2000,00 €, já arbitrado em lª instância, a pagar ao demandante a quantia de 20.340,85 €, acrescida dos juros contados desde a notificação para o pedido cível, a título de indemnização pelos danos sofridos com a perda de oportunidade.
9. Foram, pois, incorrectamente aplicados os artes 496°, 563°, 798°, 799°, 1157° e 1.161° do cód. civil.
10. Deve, assim, a decisão recorrida ser alterada e substituída por outra que condene o demandado a pagar ao demandante as quantias de 2.000,00 €, já fixada em la Instância, e de 20.340,85 €, a título de indemnização, pelos danos sofridos, como forma de dar satisfação à Lei e de actuar com Justiça.»
*
O Ministério Público em 1ª Instância respondeu ao recurso do arguido nos termos de fls. 1.188 a 1.197, defendendo a improcedência do recurso e concluindo nos seguintes termos:
«1. O tribunal a quo enumerou exaustivamente todos os factos suficientes para a decisão de condenação do arguido (já transcritos supra) pelo que não existe o assinalado vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
2. Resulta provado que o arguido agiu com dolo directo na sua actuação, bem sabendo que causava ao assistente prejuízos patrimoniais decorrentes da não cobrança atempada das quantias supra descritas, pelo que não merece acolhimento a versão do arguido.
3. De igual modo, a decisão do tribunal não se afigura contrária às regras da lógica e experiência comum, vejamos:
4. Resulta provado, pelas declarações do assistente, pelo depoimento das testemunhas que aquele se dirigiu a Lisboa, acompanhado de seus funcionários, para indagarem da existência de bens, mas as instalações encontravam-se já encerradas, tendo-se aqueles limitado a apontar as matrículas dos veículos.
5. Afigurando-se, pois, de acordo com as regras de experiência comum e da lógica, que o assistente tenha fornecido ao arguido as matrículas dos veículos que se encontravam à porta das instalações, para este as indicar como bens à penhora.
6. Por seu turno, resulta provado que o assistente se deslocou várias vezes ao escritório do arguido, solicitando informações sobre o estado dos processos. Ora, não se afigura conforme às regras da lógica e da experiência comum que caso o arguido devesse algum dinheiro, se deslocar tantas vezes ao aludido escritório indagando do estado dos processos.
7. Mais, a testemunha F… refere que, por várias vezes, disse ao arguido: que não fosse por causa do dinheiro que ele deixasse de andar com os processos para a frente.
8. Pelo exposto, não se verifica qualquer erro ao dar, por um lado, ter dado como provado, que o assistente indicou bens para nomeação à penhora na execução instaurada pelo arguido, e por outro lado, ter dado como não provado que foi pedida pelo arguido ao assistente a provisão de 200.000$00, como pretende o recorrente.
9. Assim, não merece censura a sentença recorrida.
Nestes termos e nos demais de direito, deverá o presente recurso ser julgado improcedente e, em consequência, manter-se a decisão recorrida, assim se jazendo justiça.»
*
O arguido B…, respondeu ainda ao recurso do assistente C…, nos temos de fls. 1.184 a 1.186, e, sem articular conclusões terminou pedindo a improcedência do recurso do assistente.
*
Neste Tribunal, o Exº Procurador-Geral Adjunto, emitiu o parecer de fls. 1.295, pronunciando-se pela improcedência do recurso do arguido.
*
Os recursos foram tempestivos, legítimos e correctamente admitidos.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
*
FUNDAMENTOS
Conforme jurisprudência pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso[1].
*
Objecto dos recursos
Do arguido – B…
Considerando as conclusões apresentadas importa apreciar e decidir as seguintes questões:
- Impugnação da matéria de facto – erro de julgamento;
- Vícios do artº 410º nº 2 do cód. procº penal;
- Qualificação jurídica do crime de prevaricação – ausência da intenção de prejudicar o queixoso;
*
Do assistente – C…
Relativamente a este recurso impõe-se apenas apreciar o direito à indemnização por danos patrimoniais, negados pelo tribunal “a quo”.
*
FACTOS PROVADOS
Foram dados como provados os seguintes factos:
1. O arguido exerce, há cerca de trinta anos, a actividade profissional de advogado, possuindo escritório na Rua …, n° …, .° andar Dt°, em Vila Nova de Famalicão.
2. No exercício dessa sua actividade, o arguido prestou, durante cerca de catorze anos, serviços de assessoria jurídica e de patrocínio ao assistente C…, que até ao ano de 2000, exerceu em nome individual a actividade de comércio de tecidos para confecção, estofos e decoração, tendo depois passado a fazê-lo na qualidade de sócio-gerente da sociedade comercial “H…, Ldª”, com sede no concelho de Paredes.
3. Desde Novembro de 2001 até finais de Fevereiro de 2002 o assistente procedeu à entrega ao arguido de diversa documentação, nomeadamente cheques e letras de câmbio, referente a débitos de vários dos seus clientes, com vista a que o mesmo instaurasse as competentes acções executivas para cobrança de tais valores, ao que este acedeu, comprometendo-se a proceder em conformidade.
4. Assim, o assistente procedeu, à entrega, no escritório do arguido sito na morada acima indicada dos seguintes documentos:
a) 16 cheques, dentre os quais uns emitidos a seu favor e outros a favor da sociedade aludida em 2) 3, pela empresa “E1…, Ldª”, sacados sobre o “I…, S.A., com os números …….677, …….602, …….678, …….409, …….543, …….410, …….670, …….671, …….406, …….672, ……..407, …….405, …….404, …….673, …….674, …….675, datados, respectivamente, de 06/11/2001, 12/11/2001, 16/11/2001, 19/11/2001, 22/11/2001, 26/11/2001, 29/11/2001, 12/12/2001, 19/12/2001, 20/12/2001, 26/12/2001, 27/12/2001, 29/12/2001 e 31/12/2001 os três últimos, e no valor de 252.450$00 (€ 1.259,20), 551.416$00 (€2.750,45), 254.271$00 (€ 1.268,39), 600.000$00 (€ 2.992,78), 466.203$00 (€ 2.325,41). 600.000$00 (€ 2.992,78),
336.481$00 (€ 1.827,99), 384.497$00 (€ 1.917,86), 600.000$00 (€ 2.992,78), 450.269$00 (€ 2.245,93), 600.000$00 (€ 2.992, 78), 600.000$00 (€ 2.992,78), 600.00c$00 (€ 2.992,78), 402.569$00 (2.008,00), 598.584$00 (€ 2.985 72) e 320.201$00 (€ 1.597,20).
b) 8 cheques emitidos a seu favor pela empresa “E…, Ldª”, sacados sobre o “I…, S.A.”, com os números …….597, …….541, …….598, …….599, …….676, …….600, …….542 e …….601, datados, respectivamente de 18/09/2001, 26/09/2001, 28/09/2001, 10/10/2001, 15/10/2001, 18/10/2001, 22/10/2001, 31/10/2001 e no valor de 344.536$00, (€ 1.718,53), 430.000$00 (€ 2.144,83), 390.534$00 (€ 1.947,97), 351.603$00 (€ 1.753,78), 124.056$00 (€ 618,78), 352J 17$00 (€ 1.756,35).
c) 3 letras de câmbio emitidos a seu favor pela empresa “E…, Ldª”, datadas, todas elas, de 23/02/2000, no valor, respectivamente de Esc. 501.193$00 (€ 2.499,94), Esc. 550.000$00 (€ 2.743,38) e 636.744$00 (€ 3.176,06).
d) 12 letras de câmbio emitidos a seu favor pela empresa “E…, Ldª”, datadas de 20.09.1999, 19.05.2000, 13.06.2000, 28.0 2000, 25.07.2000, 20.08.2000, 01.09.2000, 18.10.2000, 30.11.2000, 18.12.2000, 02.02,2001, 12.03.2001, no valor, respectivamente, de 180.000$00 (€ 897,93), 380.000$00 (€ 1.895,43), 450.000$00 (€ 2.244,59), 520.000$00 (€ 2.593,74), 290.000$00 (€ 1.446,51), 370.00000 (€ 1.845,55 ), 440.000$00 (€ 2.194,71), 290.000$00 € 1.446,51), 220.000$00 (€ 1.097,35), 295.000$00 (€ 1.471,45), 210.000$00 (€1.047,47) e 140.000$00 (€698,31);
e) 11 letras de câmbio emitidas a seu favor por J…, datadas de 13.01.1997, 16.03.1997, 20.05.1997, 23.07.1997, 27.10.1997, 03.09.1998, 15.09.1998, 03.12.1998, 04.01.1999, 03.03.1999, 7.05.1999, no valor, respectivamente, de 400.000$00 (€ 1.995,19), 320.000$00 (€ 1.596,15), 260.000$00 (€ 1.296,87), 182.000$00 (€ 907,81), 145.000$00 (€ 723,25), 119.000$00 (€ 593,56), 500.000$00 (C 2.493,98), 84.000$00 (€ 418,99) 400.000$0 (€ 1.995,19), 320.00’)$OO (€ 1.596,15), 256.000$00 (€ 1.276,92);
f) 1 letra de câmbio de câmbio emitida, em 03.10.1996, a seu favor por K…, no valor de 500.000$00 (€ 2.493,98);
5. Durante os anos que se seguiram à entrega dos ditos documentos, o assistente foi procurando informar-se junto do arguido sobre o estado dos processos referentes aos mencionado clientes, tendo chegado a colaborar com o mesmo na recolha de informações sobre bens de que estes fossem proprietários, para possibilitar a sua penhora e tendo-o alertado para a circunstância de, devido a essas dívidas, estar a vivenciar grandes dificuldades financeiras na sua actividade comercial.
6. Durante tais contactos sempre o arguido foi transmitindo ao assistente que os processos tinham já dado entrada no Tribunal, que estavam a decorrer e que os atrasos se deviam à morosidade da Justiça.
7. Como o assistente ia mantendo a sua insistência em saber do andamento dos processos, o arguido chegou mesmo a indicar-lhe os números que, alegadamente, corresponderiam a, pelo menos três processos que intentara no Tribunal Judicial da Comarca de Paredes e a entregar-lhe cópias dos respectivos requerimentos iniciais e dos comprovativas de pagamento das taxas de justiça devidas, informações que o mesmo sempre teve como verdadeiras, atendendo à enorme confiança que então depositava no arguido.
8. Em data não concretamente apurada, mas situada em meados do ano de 2003, o assistente, face à ausência de resultados apresentados pelo arguido quanto à cobrança das acima referidas dívidas e munido das ditas indicações fornecidas pelo mesmo, deslocou-se ao Tribunal Judicial da Comarca de Paredes e aí tomou conhecimento de que apenas um dos processos que lhe tinha sido indicado se encontrava efectivamente pendente, inexistindo os restantes.
9. Assim, tomou o assistente conhecimento de que, naquele Tribunal, apenas tinha sido intentada pelo arguido, em sua representação, a acção executiva n° 735/2001, que correra termos no 1º Juízo Cível, em que era executada a acima indicada sociedade E…, Ldª e que se encontrava já arquivada, a aguardar o prazo da respectiva deserção, por inércia do assistente - aí exequente e representado pelo arguido – na indicação de bens à penhora.
10. Com efeito, pese embora tenha sido devidamente notificado, em 16.04.2002, no âmbito de tais autos de execução de que havia sido devolvido ao assistente - aí exequente -, seu representado, o direito de nomear bens à penhora, sem prejuízo de, nada sendo requerido no prazo legal, ser o processo remetido à conta, nos termos do disposto no art° 51° do Código das Custas Judiciais, o arguido nenhum bem indicou à penhora e nada requereu.
11. Para além do que, em tal processo apenas foi requerida pelo arguido – em representação do assistente - a execução de bens da dita sociedade “E…, Ldª” para pagamento dos cheques e das letras de câmbio indicadas em 4° b) e c), nenhuma outra acção judicial tendo sido intentada quanto aos restantes documentos que também lhe foram entregues, relativos à mesma empresa.
12. Em face do exposto, o assistente perdeu totalmente a confiança no arguido, motivo pelo qual contratou os serviços de uma outra advogada que, em 27.10.2003, entrou, pela primeira vez, em contacto com o arguido e lhe solicitou, em representação do assistente, a devolução de toda a documentação que este lhe entregara, para assim poder providenciar pela cobrança dos valores em dívida.
13. Não obstante um tal contacto e da promessa por parte do arguido de que iria remeter os ditos documentos, o mesmo apenas procedeu à devolução de parte da documentação em falta, por carta datada de 25.11.2003 e após novo contacto, nesse sentido, por parte da sua colega, desta feita por escrito datado de 17.11.2003.
14. O arguido procedeu à devolução dos documentos referentes aos acima indicados devedores.
15. Ao não ter instaurado, como podia e devia, os processos executivos respeitantes aos documentos indicados em 4°, com excepção dos mencionados em b) e c) e ao não ter procedido à indicação de bens à penhora no âmbito do processo indicado em 9°, conforme tinha sido incumbido pelo assistente e se havia comprometido a fazer, sabia o arguido que causava ao mesmo prejuízos decorrentes da não cobrança atempada das acima indicadas quantias neles tituladas, prejuízos com os quais se conformou e que sabia derivarem, necessariamente, dessa sua conduta.
16. Agiu sempre o arguido de modo livre, voluntário e consciente, bem sabendo que as condutas que protagonizou eram proibidas e punidas por Lei.
17. O arguido não tem antecedentes criminais.
18. Exerce a actividade de advocacia, auferindo rendimentos do trabalho, seguramente nunca inferiores a € 2.000,00.
19. Vive com a sua esposa, que é médica, em casa própria.
20. Tem dois filhos a seu cargo, que estudam na Universidade.
21. No meio social onde se insere, é tido como um advogado, habitualmente, diligente, sério e cumpridor dos seus deveres profissionais.
Provou-se ainda que:
22. Quando os empregados do assistente se deslocaram a Lisboa, após Novembro de 2001, para indagarem sobre a existência de bens da empresa E…, Ldª, já esta tinha as instalações encerradas, tendo aqueles se apercebido de uns veículos automóveis estacionados à frente delas e apontado as respectivas matrículas.
23. Todos os veículos automóveis que os empregados do assistente identificaram, em relação aos devedores E…, Ldª , J… e K…, não estavam à data registados em nome desses devedores.
24. Um alegado devedor do assistente, de nome L… divorciou-se da sua mulher, divórcio que foi decretado por sentença de 9 de Dezembro de 1997, transitada em julgado em 9 de Outubro de 1997.
25. Os imóveis que o assistente apurou terem pertencido a L… foram adquiridos por M…, por partilha subsequente a divórcio, facto que foi levado a registo na Conservatória do Registo Predial, em 20/10/1999.
Do pedido de indemnização civil
26. O assistente depositava no arguido uma confiança incondicional, em face dos anos em trabalhava e conhecia o mesmo.
27. Essa confiança levou o assistente a acreditar durante muito tempo que o demandado realmente tinha accionado os devedores.
28. Em face do comportamento do arguido, o assistente sentiu-se defraudado, ludibriado, sentindo ainda graves transtornos quer o próprio quer a sua família.
Realizado o novo julgamento parcial com vista à averiguação das concretas questões de facto acima elencadas, resultaram [ainda] provados os seguintes factos:
29. O arguido solicitou ao assistente a indicação e identificação de bens para nomeação à penhora na execução instaurada;
30. E o assistente satisfez essa indicação.
*
Factos não provados
Com relevância para a decisão a proferir foram oportunamente dados como não provados os seguintes factos, transcreve-se:
- O assistente procedeu, à entrega, no escritório do arguido sito na morada acima indicada dos seguintes documentos:
a) cheque emitido, em 20.03.2001, a seu favor pela empresa “N…, Ldª”, sacado sobre o “O…”, com o número …….328 e no valor de 350.000$00 (€ 1.745,79);
b) 4 cheques emitidos, em 15.01.2001, 30.01.2001, 15.02.2001 e 28.02.2001 a seu favor pelo sócio gerente da empresa acima indicada – L… -, sacados sobre o P… e “O…”, nos valores de256.000$00 (€ 1.276,92), 162.146$00 (€ 808,78 ), 256.000$00(€ 1.276,92) e 256.000$00 (€ 1,276,92 ), respectivamente;
c) 3 letras de câmbio emitidas, em 15.04.2001, 15.05.2001 e 15.06.2001 a seu favor também pelo dito L…, no valor de 229.348$00 (€ 1,143,98), 260.160$00 (€ 1.297,67) e 260.160$00 (€ 1.297,67), respectivamente.
- Quer o assistente, quer a sua mandatária, por diversas vezes e até à data da instauração do presente processo em Janeiro de 2007, entraram em contacto com o arguido e pediram-lhe a devolução da documentação relativa aos ditos clientes “Q…, Ldª” e L….
Do pedido de indemnização civil e com interesse para a boa decisão da causa
- À data dos factos, os clientes do assistente possuíam bens passíveis de penhora suficientes para cobrir a dívida para com este e a sua firma.
- Tendo o demandado conhecimento disso mesmo.
- A conduta do arguido inviabilizou por completo que o demandante viesse a receber as quantias em questão.
- Alguns devedores foram residir para outra localidade, desconhecendo o demandante o seu paradeiro.
- O arguido causou ao demandante um prejuízo patrimonial no valor de € 111.016,54.
- Muitos foram os dias e as horas que o demandante/ assistente passou sem descansar em face da conduta do demandado.
Realizado o novo julgamento parcial com vista à averiguação das concretas questões de facto acima elencadas, resultaram [ainda] não provados os seguintes factos:
- Que foi pedida pelo arguido ao assistente a provisão de 200.000$00.
*
Não se provaram quaisquer outros factos com relevo para a decisão da causa para além ou em contradição com os que foram dados como assentes.
*
Motivação da sentença recorrida
Relativamente às concretas questões que, no âmbito no reenvio [parcial] para novo julgamento, ao tribunal cumpria conhecer, o tribunal formou a sua convicção com base na análise critica e ponderada da prova produzida.
O arguido prestou declarações.
Referiu, a propósito, que pediu uma provisão de duzentos contos a fim de dar entrada das três acções [execuções], concretamente daquela que chegou a dar entrada e correu seus termos no Tribunal Judicial de Paredes, referida nos factos provados, e ainda de outras duas, as quais chegou a preparar a fim de também dar entrada, pagou as respectivas taxas de justiça, não o tendo feito porque, segundo referiu, ficou a aguardar que o assistente procedesse ao pagamento da dita provisão. Mais referiu ter solicitado ao assistente a indicação e identificação de bens à penhora na execução instaurada, tendo o assistente referido que tinha mandado pessoas a Lisboa a fim de diligenciar pela procura de bens para indicar à penhora, mas desconhecia a existência de tais bens, não tendo procedido a tal indicação na execução efectivamente instaurada e a correr os seus trâmites no Tribunal de Paredes por o assistente não ter colaborado com quaisquer indicações, tendo o processo sido sustado e ido à conta por falta de impulso processual, facto que, segundo referiu, explicou [o respectivo alcance] ao assistente.
Mais referiu que, quanto à dita provisão que solicitou ao assistente, este sempre prometeu o pagamento, nunca o tendo feito contudo, tendo-lhe referido a dada altura que estava a atravessar dificuldades económicas, que tinha muitas despesas porque estaria então a construir uma casa. Por isso, segundo refere, estava sempre na expectativa de que o assistente a pagasse, tendo os processos prontos para dar entrada mas não o tendo feito, nem tendo destinado as respectivas taxas de justiça por si já pagas por conta destes processos a outros, pelo que, quanto às mesmas acabou por perder o dinheiro por si adiantado para as pagar.
Nas suas palavras, o seu “erro”, o seu “único pecado” foi não ter solicitado a dita provisão por escrito. Referiu que era muito amigo do sogro e da cunhada do assistente e cometeu esse lapso em relação a tal aspecto.
Relativamente à sua situação pessoal e financeiro-económica, confirmou manter-se exactamente na mesma [por referência ao anterior julgamento].
O assistente a respeito dos factos em averiguação, apresentou uma versão totalmente diferente da do arguido. Negou terminantemente que o arguido lhe tivesse pedido qualquer provisão, afirmando e reafirmando ao longo das suas declarações, que se lhe tivesse sido pedida tal provisão, a teria pago prontamente.
Aliás, e a propósito, mais referiu que sempre disse ao Dr. B1… que os processos eram para “andar para a frente”, e que não fosse por falta de dinheiro que ele não fizesse por isso, querendo com isto dizer que, se o Dr. B1… precisasse de qualquer adiantamento de dinheiro, isso não seria problema nenhum. Adiantou ainda que, neste aspecto, o Dr. B1… sempre lhe disse que as contas eram para ser feitas no fim. Assim já havia sucedido com um anterior trabalho que lhe foi prestado pelo Dr. B1…, concretamente a constituição legal da sua empresa.
No que respeita à identificação de bens para nomear à penhora, referiu que logo diligenciou nesse sentido, quando o Dr. B1… assim lhe solicitou, que foram funcionários da empresa a Lisboa a fim de recolher informação quanto a esta matéria, e, ao que julga, por mais do que uma ocasião, tendo-os acompanhado numa dessas ocasiões. Referiu que na sequência destas diligências, entregou ao Dr. B1… um documento onde se encontravam identificadas várias matrículas de viaturas que, ao que julgava, pertenciam à firma “E…, Ldª”.
Esta versão foi, pelo menos parcialmente, confirmada pelo depoimento da sua mulher F…, mulher do assistente, e por G…, irmão e trabalhador na empresa do assistente.
A primeira das indicadas testemunhas, a propósito dos factos que incumbia ao tribunal apurar, referiu que chegou a acompanhar o marido ao escritório do Dr. B1… para saber do andamento dos processos, e que sempre lhe disseram para os “processos andarem para a frente”, e que não sucedesse o inverso “por falta de dinheiro”. Segundo lhe foi transmitido pelo marido, o Dr. B1… havia solicitado informação de bens para indicar à penhora, e foi nessa sequência que o seu marido mandou empregados seus a Lisboa, que andaram por lá cerca de 2 ou três dias, a fim de os encontrarem. Apesar de não ter acompanhado o marido ao escritório do Dr. B1… nessa ocasião, refere que o marido chegou a proceder à entrega a este da indicação de viaturas que seriam da empresa “E…”, tendo acompanhado a situação através do que lhe era sendo transmitido pelo marido porque era [também] do seu interesse a cobrança dos respectivos valores, até porque por essa altura tinha falecido uma filha e encontravam-se a atravessar dificuldades económicas e a recuperação dos créditos que lhes eram devidos, nesse contexto, era fundamental.
Já a segunda destas testemunhas, G…, corroborou igualmente [a outra] parte das declarações do assistente, referindo ter sido ele, o depoente, a deslocar-se a Lisboa a fim de apurar bens da propriedade da empresa “E…”, tendo ido por mais do que uma ocasião para esse efeito, lembrando-se de ter recolhido várias matrículas de viaturas que ostentavam o nome da firma, e que estavam estacionadas junto ao armazém desta, tendo sido acompanhado pelo assistente numa dessas ocasiões.
D…, empregada forense do arguido, confirmou, pelo menos parcialmente, a versão trazida aos autos pelo arguido, na medida em que referiu que o Dr. B1… pediu uma provisão ao assistente, pedido esse que a depoente, segundo referiu, também dirigiu telefonicamente ao assistente.
Mais adiantou que o assistente nunca se negou a pagar, mas o certo é que também nunca chegou a fazê-lo. Mais referiu que o Dr. B1… preparou os três processos, com a documentação pertinente e respectivas taxas de justiça por si pagas – o que veio a efectivamente a dar entrada em juízo, e os outros dois, os quais não vieram a ser apresentados em tribunal à aguardar o pagamento da dita provisão.
Explicitou que, depois de lhe ter sido pedida a provisão, o assistente continuou a deslocar-se ao escritório a fim de se inteirar sobre o andamento dos processos, ao que julga, na convicção de que estavam propostas as acções. Pensa pois que ele foi ao escritório para tratar destes assuntos. Desconhece qualquer acordo de que seria só para pagar no fim. É certo que a constituição da sociedade do assistente, serviço anteriormente prestado pelo escritório, assim foi, mas, segundo referiu, nos processos de natureza judicial, a forma habitual do escritório proceder era diferente, era pedida provisão.
Apreciando.
Ora da prova assim produzida em audiência relativamente aos [únicos] factos que incumbia agora ao tribunal averiguar, resultam duas versões distintas em confronto.
A do arguido da qual resulta que foi pedida provisão de 200.000$00 ao assistente a título de despesas e honorários e, que este não satisfez essa solicitação; e da qual resulta ainda que solicitou ao assistente a indicação e identificação de bens para nomeação à penhora na execução instaurada, e que o assistente [igualmente] não satisfez essa indicação.
A do assistente, da qual resulta que não lhe foi pedida qualquer provisão para despesas e honorários, e ainda que, na sequência da solicitação que lhe foi dirigida para indicar e identificar bens para nomeação à penhora na execução instaurada, o mesmo satisfez essa indicação.
Ambas as versões foram confirmadas pela produção dos demais depoimentos ouvidos em sede de audiência, a do arguido, pelo depoimento da sua empregada forense, D…; a do assistente, pelo da sua mulher, F…, e pelo do seu irmão e funcionário da sua empresa, G….
Assim, da prova assim produzida, por apelo às regras da experiência comum, da habitualidade e do normal suceder, o tribunal convenceu-se da versão apresentada pelo assistente em audiência de julgamento, pela ordem de razões que a seguir se elenca.
É certo e plausível que um Advogado solicite aos seus clientes uma provisão para despesas e honorários, e ainda é certo e plausível que se recuse a trabalhar e adiantar do seu bolso as quantias necessárias à liquidação das taxas de justiça pertinentes, enquanto tal provisão não for efectivamente paga pelo cliente.
No entanto, também é certo, que, nesses casos, não é verosímil no normal suceder das coisas, que os assuntos trazidos pelo cliente sejam postos de lado; e sobretudo, não é verosímil que o arguido, enquanto profissional forense diligente e experiente, como o é, tivesse duas acções já completamente prontas para dar entrada em tribunal, com as respectivas taxas de justiça por si pagas, e não tivesse efectivamente remetido as mesmas a juízo, retendo-as a aguardar o pagamento de uma provisão, tanto mais que, por um lado, acabou por perder esse valor por si próprio adiantado e, assim procedendo, inviabilizaria uma franca hipótese de vir a cobrar os seus honorários por força do resultado das acções de cobrança dos créditos que o seu cliente tinha a seu favor.
Ademais, quando estamos perante um Advogado, como é o caso do arguido, com larga experiência profissional, com uma carreira no exercício funcional da Advocacia que já conta com mais de vinte anos de serviço, e que, por experiência, bem sabe, a par do que antes se referiu, que, se os factos tivessem sucedido de acordo com a sua versão dos acontecimentos, o que se impunha, por sua cautela e na observância dos seus deveres profissionais, era mandar uma carta ao cliente relapso a informá-lo que não daria entrada das acções em questão em tribunal enquanto aquele não procedesse ao pagamento da respectiva provisão. Ora, das suas próprias declarações, resulta que o arguido assim não procedeu.
Por seu lado, e cotejando com a ordem de razões expostas, há que ponderar um pormenor que se nos afigura de por maior. Efectivamente, não é verosímil, mais uma vez por apelo às regras da experiência comum e da habitualidade, que se o arguido tivesse efectivamente pedido a provisão e colocado os dois processos de lado a aguardar o pagamento pelo assistente, este, sabendo-o, não só não lhe pagasse a dita provisão [por forma a entrarem as acções em juízo e assim ver-se ressarcido do crédito que tinha sobre os seus devedores], como ademais, continuasse a ir ao escritório a fim de se inteirar do andamento dos ditos processos, como se apurou que o mesmo fez, não só das suas declarações e do depoimento das testemunhas que, pelo menos parcialmente, corroboraram o seu depoimento, mas inclusive do depoimento da testemunha de defesa D…, empregada forense do arguido. Não se compreende minimamente, em face das aludidas regras, que o assistente perguntasse e diligenciasse pelo andamento dos processos [como resulta também de todos os indicados depoimentos] se lhe tivesse sido pedida uma provisão e se lhe tivesse sido dito que as mesmas não tinham dado entrada em tribunal enquanto não pagasse. Só se compreende essa atitude do assistente se efectivamente considerarmos que não lhe foi pedida qualquer provisão, na sequência de acordo no sentido de tal pagamento ser feito a final, a par do que havia sucedido com o anterior trabalho prestado ao assistente pelo Dr. B1… [de constituição da sociedade comercial do assistente que, note-se, é do nosso conhecimento funcional que implica também o pagamento prévio de emolumentos], ou seja, de acordo com a versão trazida pelo assistente.
Relativamente à solicitação dirigida ao assistente para indicar e identificar bens para nomeação à penhora na execução instaurada, neste aspecto as duas versões apresentadas a juízo foram absolutamente concordantes, pelo que, nenhumas dúvidas se ofereceram ao tribunal da verificação deste facto. E, ponderando que a versão do arguido não foi corroborada, nesta parte, pela produção de qualquer outra prova [não se afigurando que do depoimento da sua empregada forense resultassem conhecimentos bastantes quanto a esta concreta questão e no concreto caso em apreço], e a versão do assistente o foi, designadamente, pelos depoimentos de F… e G…, os quais, atento o modo reiterado, espontâneo e circunstanciado, e, pelo tanto, credível como foram prestados, mereceram a credibilidade do tribunal, foram tais factos, nessa versão, dados como provados.
Foi pois, na senda das razões explicitadas, que ao tribunal não subsistiram quaisquer dúvidas de que, o arguido solicitou ao assistente a indicação e identificação de bens para nomeação à penhora na execução instaurada, e, nessa sequência, o assistente satisfez essa indicação, razão pela qual foram tais factos dados como provados.
Ao invés, por ter logrado convencer-se, face à prova assim produzida e apreciada, da verificação de facto contrário à sua verificação, o tribunal não deu como provado que foi pedida pelo arguido ao assistente a provisão de 200.000$00, razão pela qual foi o mesmo vertido nos factos dados como não provados.
Relativamente ao modo de vida e situação sócio-económica do arguido, atentas as suas declarações complementares, as quais foram prestadas de modo espontâneo e verosímel, inexistindo nos autos quaisquer elementos de molde a infirmá-las, de que a mesma se mantém, foram mantidos os respectivos factos, como resulta do que infra se explicitará.
*
Já no que concerne à factualidade oportunamente dada como provada e não provada, e que respeita a matéria subtraída ao conhecimento do Tribunal em sede do novo julgamento [parcial] que se impôs realizar, a mesma resultou, cfr. fls. 802 a 825, do seguinte, transcreve-se:
- «O tribunal conjugou os seguintes meios de prova:
- As declarações do arguido, que admitiu a factualidade vertida no art.° 1° do despacho de pronúncia. Aceitou também o exposto no art.° 2 da acusação. Referiu ainda oarguido que os documentos aludidos nas alíneas g), h) e i) do art.° 4 do despacho de pronúncia nunca lhe foram entregues. Quanto aos restantes títulos elencados no despacho de pronúncia aceitou que os mesmos tivessem sido entregues. Disse ainda que após a análise dos documentos que lhe foram entregues, analisou-os e constatou, no seu entendimento, que alguns não poderiam ser executados, ou seja proposta acção executiva.
Admitiu que nas datas constantes do despacho de pronúncia recebeu o telefonema de uma srª advogada e procedeu à devolução da documentação.
Em relação aos que poderiam ser executados, ou seja os emitidos pela empresa E…, recolheu os necessários elementos, e propôs de imediato a respectiva acção, pois o assistente transmitira-lhe que a empresa estava em dificuldades. Logo em Novembro, quando recebeu os primeiros títulos em causa, tratou de dar seguimento aos primeiros documentos que lhe foram entregues.
Depois constatou que, em relação às letras de firma E…, que lhe haviam sido entregues, para intentar a respectiva acção, havia uma letra de E…, no valor de Esc. 636.744$00, mas esta letra foi reformada por uma outra letra de Esc. 520,00$00, e, por sua vez, esta foi reformada por uma outra letra de Esc. 440.000$00 e por aí adiante.
E de facto, fazendo já aqui um parêntesis, ter-se-á de dar razão ao arguido, nesta parte, pois a fls. 93, consta a cópia da letra, no valor de 520.000$00, onde expressamente se fez constar que essa letra era para reforma da letra de Esc. 636.744$00, com vencimento a 30/06/2000. A fls. 94, consta uma outra cópia de letra, com o valor de € 440.000$00, onde se menciona que era para reforma da letra de Esc. 520.000, com vencimento em 06/09/2000.
E de fls. 95 em diante até 104, constata-se que em relação às letras emitidas por E…, Ld.ª, todas elas fazem menção que são letras de reforma, o que quer dizer que esse valores aí apostos não constituem a dívida inicial, ou seja para determinada transacção comercial esta empresa há-de ter aceite uma letra, num determinado valor “x”, e depois, na data de vencimento, há-de ter efectuado um abatimento à dívida, através de pagamento parcial e consequentemente aceite outra letra de reforma, e por aí adiante. E supondo mesmo que esse pagamento parcial não tenha tido lugar, sempre seria o valor da dívida o valor constante da letra inicial, acrescido eventualmente de juros e despesas bancárias, mas nunca o valor da dívida desta empresa ascenderia ao simples somatório de todas as letras entregues. Mais que não fosse assim, não é preciso ter conhecimentos jurídicos, mas resulta tal da experiência da vida, dos negócios, e certo é que essas letras não poderiam ser executadas todas sob pena de litigância de má-fé. E todos sabemos que ou exige-se o valor inicial da primeira letra, dado que apesar das reformas, não houve pagamentos parciais, ou exige-se o remanescente da dívida, por via constante das letras reformadas, se entretanto tiver havido alguns pagamentos, fora de hipótese está exigir-se o valor correspondente ao somatório dessas letras todas.
E a este ponto teremos de voltar para falar sobre o eventual prejuízo causado.
Disse ainda o arguido que, relativamente aos cheques emitidos por E…, Ldª e a si entregues em Novembro de 2001, instaurou de imediato a respectiva acção.
Quanto aos cheques que lhe foram entregues no início do ano de 2002, não instaurou acção, porque alguns estavam rasurados.
Para além do mais e porque tinha proposto uma execução e minutado duas acções executivas, pediu uma provisão ao assistente de Esc. 200.000$00, que nunca lhe foi paga, apesar das várias insistências da sua parte.
Quem pagou as taxas de justiça foi o próprio arguido, referente à acção intentada.
Alegou ainda que até pagou a taxa de justiça, em relação às acções que minutou, mas que não deu entrada, porque estava à espera da provisão. E de facto, com a queixa foram juntas as minutas de duas acções, sendo uma contra K…, com cópia de talão de auto-liquidação da taxa de justiça, em 23/11/2001 (fls. 10 a 13), e contra J…, com cópia de talão de auto- liquidação da taxa de justiça, em 3/11/2001, com outra numeração (fls. 14 a 20). Contra o J…, tratou-se de uma letra de Esc. 500.000$00, com emissão a 15/09/1998, e preparou tudo para dar também entrada da respectiva acção executiva.
A outra acção executiva que minutou contra o K…, foi a referente aos títulos aludidos na alínea 4 f) do despacho de pronúncia, ou seja uma letra no valor de Esc. 500000$00. Reiterou que minutou estas duas últimas acções referidas, ou seja as petições iniciais, pagou as taxas de justiça, mas não deu entrada das peças processuais em tribunal, porque estava à espera da provisão.
Os cheques que lhe foram entregues e emitidos pela firma E…, foram entregues posteriormente à instauração da primeira acção contra esta empresa.
O assistente protelava o pagamento da provisão; sempre que lha pediam, dizendo que, na semana seguinte, pagaria, o que não veio a acontecer.
Quanto às restante letras, emitidas por E… e referidas em 4 f) do despacho de pronúncia, dado que umas constituíam reformas de outras letras, solicitou ao assistente que lhe entregasse contas correntes ou facturas para instruir as respectivas acções, o que não chegou a acontecer.
Aceitou o arguido que os cheques e letras, embora não entregues todos na mesma altura, pelo menos em finais de Fevereiro de 2002 estavam todos no seu escritório, tendo os primeiros sido entregues em Novembro de 2001.
Disse o arguido, que, embora fosse advogado do assistente, nunca tinha tratado, em sua representação, questões processuais, ou seja nunca o tinha representado em acções judicias.
Relativamente aos seus serviços, o único pagamento que o assistente lhe fez foi o relativo à constituição da sociedade, pois devido à relação de amizade que tinha com o sogro e cunhado do assistente, não cobrava qualquer quantia.
Mas, daquela vez, pediu provisão para as acções.
Chegou a avisar o assistente, duas ou três vezes, que estava à espera de novidades, para nomear bens à penhora.
Foi em 2002 ou 2003 que deu conhecimento e avisou o assistente e como não obteve resposta, que um processo foi à conta. Aliás, o assistente foi notificado, tal como o arguido.
Disse o arguido ainda que explicou, por telefone, por que razão o processo foi à conta.
O assistente, depois de lhe entregar os títulos, veio cerca de duas a três vezes, ao escritório para se inteirar sobre o andamento dos seus processos.
O arguido, aproveitou essas ocasiões para explicar ao assistente a razão, por que estava o processo parado, explicou que, estando o processo nesse estado, por mais de um determinado tempo, então o mesmo extinguir-se-ia, por não nomear bens à penhora.
Obtinha a resposta por parte do assistente que ia à procura de bens e de que iria pagar a provisão.
Disse o arguido ainda que pediu para lhe identificar bens ou matrículas de veículos automóveis, só que p assistente nunca o fez.
E isto aconteceu antes do processo ir à conta, nos termos do art.° 51°, n° 3 do CCJ.
Deu conhecimento desta situação ao sr.° C…, o assistente, e este dizia que ia procurar bens.
Os dois outros processos, relativos aos outros devedores, estavam prontos e até tirou fotocópias dos mesmos, em Abril/Maio de 2002, para entregar ao assistente. Este prometeu que lhe pagaria a provisão, mas não pagou.
Reconheceu que se distraiu e por isso perdeu até o dinheiro referente às taxas de justiça que tinha adiantado, em relação às acções de K… e J…, dado que não as aproveitou para outros processos.
Quanto aos cheques, que nem tinham sido entregues e referidos na alínea a) do despacho de pronúncia, alguns estavam rasurados e todos eles foram entregues já no ano de 2002, até finais de Fevereiro de 2002, e depois de já ter até minutado as outras três execuções, das quais uma deu entrada.
Recebeu os primeiros documentos no início de Novembro de 2001 e outros no ano de 2002.
Um dia, o assistente telefonou-lhe muito nervoso, a dizer que tinha ido ao tribunal e reparou que só tinha sido instaurado um processo. No entanto, o arguido referiu que isso foi o que sempre lhe transmitira. Sempre lhe dissera isso, até já lhe fornecera cópia das petições iniciais que não tinham dado entrada em tribunal, por falta de provisão.
Sempre transmitira ao assistente que só com os documentos que lhe tinham sido entregues, dificilmente poderia trabalhar, pois umas letras eram reformas de outras letras e os cheques estavam rasurados, por isso pedira ou facturas ou conta correntes.
Quando recebeu o telefonema do assistente, que se mostrou indignado, perante a instauração de uma só acção, no tribunal, este último ainda lhe disse que não queria continuar com os seus serviços.
Mais tarde foi contactado por uma colega do Porto, a dizer que o assistente não pretendia mais o serviço do arguido, ao que este respondeu que queria que o assistente lhe dissesse isso pessoalmente.
Demorou o máximo de um mês a devolver a documentação que tinha recebido.
Depois da carta enviada pela sr.ª advogada, devolveu os documentos, remetendo-os para a primeira.
Na sua convicção, tinha agido dentro do que é normal.
Quanto aos documentos referidos nas alíneas g), h) e i) do art.° 4 do despacho de pronúncia, se os tivesse, devolveria os mesmos de boa vontade. Só que nunca lhe foram entregues.
Nunca lhe foi entregue a provisão, bem como as facturas ou conta correntes, e isso foi o que o arguido solicitou por diversas vezes.
Por causa deste assunto, o assistente, esteve cerca de três a quatro vezes, no seu escritório.
Reiterou, e por várias vezes, que estava sempre à espera da provisão, que tinha pedido no valor de ESC 200.000$00.
Depois da carta da colega e de ter enviado a documentação à colega, esta telefonou a dizer que assistente reivindicava mais outros documentos, e tal telefonema ocorreu antes do Natal de 2003.
Realçou que o assistente pediu urgência nos assuntos que confiou ao arguido, e como tal, em 22/11/2001 passou procuração e, na semana seguinte, a acção estava em tribunal, com entrada em juízo em 26/11/2001.
O assistente decidiu abrir guerra, estando a decorrer um processo na Ordem dos Advogados, o qual está pendente à espera do desfecho deste processo.
Concretizou que em Maio de 2002, deu ao assistente fotocópias das minutas das petições inicias para instruir acções contra K… e J….
Foi confrontado com o documento de fls. 195, no qual constam vários manuscritos, a esferográfica de cor preta, com os dizeres “E… — 735/2001, 1° Juízo”, “J… — 775/2001”, “K… - 774/2001”.
Admitiu o arguido que estes dizeres foram escritos pelo seu punho e a folha foi entregue ao assistente. No entanto, só quanto à firma E…, é que a numeração correspondia à identificação do processo em Tribunal, as outras numerações seguidas dos outros nomes (J… e K…) não constituíam a identificação de processo de tribunal, mas numeração do seu dossiê, do n° do processo do escritório, dado que também aí atribuía numeração. Fez notar que nem sequer estava essa numeração seguida da identificação de Juízo. Esta folha com os dizeres a preto, foi entregue por si ao assistente, a pedido deste. E disse ainda que esclareceu o assistente de que a numeração seguida dos nomes de J… e K… era referente à numeração dos dossiês do seu escritório.
Disse que foram entregues três procurações e todas no mesmo dia 22 de Novembro de 2001.
Entendia que quanto às aos restantes documentos que lhe tinham sido entregues, precisava de documentos de suporte, atenta quer a rasura de alguns cheques, quer o facto de muitas letras serem reformas de outras. E quanto às letras de mais baixo valor, no seu entendimento técnico, não as poderia executar, pelo que estava a aguardar pela entrega da documentação contabilística.
Este foi, no essencial, o teor das declarações prestadas pelo arguido.
C…, o assistente, relatou que tinha conhecido o arguido, através do seu sogro. Inicialmente solicitava serviços ao escritório do Sr.° Dr.° S…, no qual o arguido trabalhava. Quando este deixou de trabalhar nesse escritório, o assistente passou então a solicitar serviços ao arguido, quando tinha problemas jurídicos ou quando precisava de um conselho técnico. E isto ocorreu, em 1987, quando o assistente ainda tinha a empresa em nome individual. Lembrava-se que tinha chegado a vir a tribunal por uma vez, quando o arguido o patrocinava, antes deste episódio.
Quando constitui a sociedade por quotas, foi o arguido que tratou das formalidades dessa constituição.
E aqui começaram então as contradições com o arguido, pois o assistente disse que no final do ano de 2001entregou todas as letras e todos os cheques ao arguido, e a entrega foi por uma única vez.
Disse que confiou ao arguido os cheques e letras referidas no ponto 4 do despacho de pronúncia, inclusive os cheques e letras de Q…, Ldª e L….
Quando entregou a documentação ao arguido, pediu para este cobrar os montantes que constavam daqueles títulos.
Referiu que falou muitas vezes, telefonicamente ou pessoalmente com o arguido para se inteirar sobre o estado dos processos. Chegou mesmo a deslocar-se ao escritório do arguido, por árias vezes, e obtinha a resposta deste que os processos estavam em tribunal.
A resposta era sempre a mesma, os processos estariam em tribunal, só que os tribunais eram demorados. Um dia, no ano de 2002, decidiu ir questionar o arguido sobre identificação dos números dos processos, porque teria uma pessoa conhecida no tribunal que talvez o pudesse informar mais sobre o andamento dos processos. Interpelado, o sr° Dr. facultou-lhe um documento escrito com o n° de processos - o de fls. 195 - e deu-lhe mais documentos para a mão, nomeadamente as fotocópias das acções, das guias pagas.
Como tinha uma ligação com T…, advogada, deslocou-se com esta ao tribunal de Paredes e tonou conhecimento de que só existia um processo pendente contra a empresa E…, e mesmo esse tinha ido à conta, por nada ter sido feito.
E quanto aos outros processos, - os referentes a J… e K… - esses nem sequer estavam pendentes em tribunal, por não terem sido sequer instaurados, inexistindo aquela numeração no tribunal, atribuída àqueles dois nomes.
Telefonou ao Dr° e este disse que os processos estavam no tribunal. Prometeu o arguido deslocar-se a Paredes para ir procurar os processos, mas das duas vezes que combinou, à última da hora, desmarcou a ida a Tribunal.
Depois falou com a Srª Drª T…, para reaver os documentos.
O assistente contrariou o arguido, pois disse que este nunca pediu provisão ou qualquer quantia a título de adiantamento para despesas ou honorários. Aliás, o assistente é que dizia muitas vezes ao arguido para que não deixasse de andar para a frente com os seus processos, por falta de dinheiro, se fosse preciso pagar, que o faria.
Chegou a dar a identificação de matrículas ao advogado.
Nunca este lhe dissera que necessitava de documentos de suporte, nomeadamente conta-correntes ou facturas.
E nunca o arguido disse ao assistente que era por falta de dinheiro que no andava com os seus processos.
Tinha a certeza que tinha entregue os documentos de L… e da sua empresa (Q…, Ldª), pois transmitira ao arguido que este se tinha divorciado da sua mulher e que tinha passado os bens para o nome daquela, ao que o arguido teria respondido que se ia ver o que se podia fazer, eventualmente “cancelar o divórcio”.
Quanto ao L… disse ainda o assistente que anos antes tinha sido ele próprio a recomendar os serviços do arguido, na qualidade de advogado, àquele L….
Mais tarde, voltando ao documento de fls. 195, disse o assistente que os dizeres escritos a tinha azul eram da sua lavra, conforme a informação que recolheu no tribunal quando aí se deslocou.
Disse ainda que o documento de fls. 195 foi dado, pelo arguido, junto com as minutas. Quando recebeu as fotocópias das minutas das petições, convenceu-se o assistente com tal gesto que as acções estavam efectivamente em tribunal.
No momento da entrega, pelo arguido do documento, bem como das fotocópias das minutas, este ainda terá dito que em relação ao N… lhe iria dar mais tarde o n° do processo, pois também em relação a este pediu-lhe para o informar sobre tal.
Disse que no podia precisar quantas procurações tinha outorgado a favor do arguido, não sabia se tinha sido “uma duas ou três”.
Reiterou que o arguido nunca lhe tinha pedido dinheiro adiantado, para tratar dos processos.
Disse que tinha entregue conta corrente, em relação a cada um dos clientes que não lhe tinham pago.
Durante a audiência de julgamento, foi o assistente notificado para juntar aos autos, se estivesse munido das alegadas contas - correntes que entregou ao arguido, o que este fez, juntamente com os documentos que, alegadamente, entregara ao arguido - cfr. fls. 655, 656, 661, 662, 723, 724. No entanto, tais documentos manuscritos pelo assistente não constituem uma conta corrente contabilística, - em especialmente, em relação à firma E…, em relação à qual havia várias reformas de letras.
Nunca lhe foi pedido dinheiro para pagar taxa de justiça.
O documento de fls. 655 e 656 entregou ao arguido, com as letras e cheques, tal como os documentos de fls. 693 e 694 (que são as alegadas contas-corrente, por si manuscritas).
Depois já disse que afinal não foi entregue tudo ao mesmo tempo, pois a identificação de veículos automóveis, foram fornecidas posteriormente, cerca de dois a três meses depois da entrega dos outros documentos e repare-se que nas supostas contacorrentes vêm identificadas matrículas.
Nunca houve pedidos de adiantamento de dinheiro para provisão ou para despesas, prática desenvolvida desde o tempo em que solicitavam serviços ao escritório do Sr.° Dr.° Machado Ruivo.
No final, eram apresentadas as contas e o assistente pagava.
O assistente mostrou-se sentido e revoltado, por o arguido não lhe ter tratado dos seus assuntos e por não lhe t:rem sido devolvidos os documentos, referentes a L….
F…, mulher do assistente, disse que foi com o seu marido ao escritório do arguido, em 2001, aquando da entrega dos cheques e das letras, relativos às dívida e aos cheques de Q…, Ld.ª e K….
Disse que acompanhava o seu marido ao escritório do arguido.
Um dia, como não obtinham notícias acerca dos resultados dos processos, a testemunha foi com o seu marido, a Famalicão, falar com o arguido e ele dizia: “vocês não sabem como são os tribunais?”
Mais tarde, o seu marido foi ao tribunal para se inteirar sobre os processos e constatou que não tinham sido intentadas acções.
Não conseguiu a testemunha especificar se o marido entregou contas correntes ao arguido, com os títulos ou se entregou mais tarde.
Sabia que quando se falou sobre a existência de bens, já o L… estava divorciado.
Os empregados do marido chegaram a ir para Lisboa para procurar bens em nome das pessoas que lhes deviam dinheiro.
O arguido não devolveu a documentação do Q… Ldª e L…, mas tinha a certeza que tais documentos tinham sido entregues, mas já quanto a K… não sabia se eram letras ou cheques, que titulavam a dívida.
Chegaram a combinar encontros com o arguido, caso ele fosse a Paredes, mas ele não chegou a ir nunca lá. Isto foi em 2003.
Passados dois anos pediram a devolução da documentação.
Esta testemunha disse, primeiro, que os cheques e as letras tinham sido entregues todos de uma vez, mas depois disse que já não se lembrava bem se os cheques e letras do L… tinha sido entregues mais tarde, cerca de um mês a seguir à entrega dos documentos de E….
Achava que os documentos de E… tinham sido entregues todos ao mesmo tempo. E o seu marido indicou o total de dívida.
Nunca o sr. advogado perguntou se as letras eram reformas de letras reformadas e nunca telefonou para pedir esclarecimentos.
Nunca o arguido lhes disse que tinha dúvidas acerca do que deviam as pessoas.
Havia uma grande relação de intimidade com o Dr. B…. Nunca pediu dinheiro adiantado, a testemunha e o seu marido é que lhe diziam que não fosse por causa do dinheiro que ele deixasse de andar com os processos para a frente.
Chegou a acompanhar o assistente, seu marido, quando este se deslocou ao escritório do arguido. O seu marido é que dizia que queria pagar, ao que o arguido respondia que ainda não tinha terminado o seu trabalho, pelo que nada haveria a pagar.
Não estranhou a testemunha que o arguido não pedisse dinheiro, pois ele nunca pedira dinheiro adiantado antes.
Como não havia novidades, em relação aos assuntos confiados ao sr. advogado, a resposta que este dava era de que os tribunais eram lentos e morosos.
O arguido chegou a marcar um encontro em Paredes para se inteirar sobre os processos, só que nunca apareceu, desmarcando sempre.
Em relação a E… andaram os empregados a fazer buscas, pesquisas, e tal aconteceu logo a seguir è entrega da documentação. Fizeram chegar o resultado dessas investigações. Em relação ao L…, transmitiram ao Sr.° Dr.° B…, e isso, mais uma vez na presença da testemunha, que o L… tinha ido fazer o divórcio a Castelo de Paiva e a partilha de bens à Póvoa de Varzim. Até terem encarregue a Dr.ª T… para os ajudar, estavam convencidos que os processos estavam em andamento.
Também chegou a ver o papel que o arguido entregou ao seu marido, em que o arguido quis fazer crer que os processos estavam efectivamente em tribunal.
O arguido, quando entregou o documento de fis. 195, terá dito que os números eram os referentes ao número de processo em tribunal, pois a si e ao seu marido não interessava nada saber qual o número de processo dos seus assuntos no escritório do arguido.
Disse que por terem deixado de receber aquele dinheiro, tiveram que pagar às prestações aos seus fornecedores. Esse dinheiro nunca foi recuperado.
Disse que o arguido nunca lhes entregou a documentação do L….
Se tivesse devolvido a documentação, teriam recuperado, pois “ele” tinha, casas, bens, que eram penhoráveis.
Também esta testemunha disse que o arguido conhecia o L…, deixando no ar a insinuação que talvez por essa razão não foi devolvida a documentação.
Por fim, acabou por dizer que não trabalhava na empresa, pois era cabeleireira, à data, mas acompanhava o seu marido nos seus negócios, estando a par de tudo. Sempre acompanhou os negócios na empresa do seu marido. Esta testemunha mostrou- se fragilizada, com um discurso algo hesitante, - quer atenta dilação de tempo quer ainda devido a uma acontecimento trágico familiar, relacionado com a morte de uma filha, mas, no essencial consentâneo com o do seu marido.
Mas, algo não passou despercebido ao tribunal, é que a testemunha referiu que nos momentos fulcrais, nomeadamente entrega dos documentos, e em especial os de L…, estava presente.
Ora, o curioso é que G…, funcionário do assistente, irmão deste e cunhado da anterior testemunha, referiu que também tinha acompanhado a entrega dos documentos no escritório do arguido. No entanto, disse que quando foi ao escritório com o assistente, a sua cunhada não tinha ido lá. …É que às vezes, na ânsia de se fazer crer uma determinada situação, que até possa ocorrer, aparecem muitas testemunhas a dizer o mesmo, pensando que o tribunal se convence com o número de pessoas e não com a qualidade dos seus depoimentos. E tal determinou o tribunal a ordenar a acareação destas duas testemunhas, pois se ambos tinham presenciado, com toda a certeza, a entrega dos documentos ao arguido, para além da testemunha G… ainda referir que a anterior testemunha não estava presente nesse momento, havia aqui uma contradição quanto a um facto que era essencial, face à divergência entre arguido e assistente, acerca da entrega dos documentos, inclusive de Q… e L….
No entanto essa acareação, depois do que já tinha sido dito, espontaneamente, pelas testemunhas, não permitiu que quanto a este ponto o tribunal, com toda a segurança, pudesse concluir que as letras e cheques referentes a Q…, Ld.ª e L… foram, efectivamente entregues ao arguido.
E quanto a esta circunstância há outros elementos que não permitem tal conclusão com a segurança que é exigível, em julgamento. Desde logo, o assistente admitiu que passou uma, duas ou três procurações ao arguido; ora, as petições iniciais foram três, sendo que duas não deram efectivamente entrada no tribunal, ou seja referente a E…, Ld.ª, J… e K….
Do manuscrito de fls. 15 existe informação relativa a estes três e não referente a L… ou à empresa Q…, Ldª
O assistente disse que as pesquisas foram efectuadas depois da entrega dos documentos, mas compulsados os autos constata-se que uma das fotocópias referente à pesquisa de Q…, Ld.ª e ao próprio L… está datada de 21/09/2001 - cfr. fls. 667- e outra de 13/02/2001 — cfr. fls. 684. A fls. 657 consta uma cópia de certidão de nascimento de L…, de onde decorre que o mesmo se divorciou em 9 de Outubro de 1997.
Da pesquisa efectuada na Conservatória do Registo Predial, decorre do documento junto a fls. 684 a 689 que os prédios registados anteriormente em nome daquele L… haviam já sido partilhados, no ano de 1999, (com registo na Conservatória, em 20/10/1999) e foram todos adquiridos pela ex- mulher daquele L…. Ou seja, já em data anterior à emissão dos cheques e letras, referidos nas alíneas g), h) e i) - sendo que até a maior parte desses títulos foram emitidos pela empresa de que este era sócio gerente - estava aquele L… divorciado e seus bens tinham sido adjudicados à sua ex-mulher, ou pelo menos os bens que o assistente conseguiu descobrir. Pois, mais uma vez, não coincidem as declarações.
Face a estes elementos, à divergência entre as declarações do arguido e do assistente, à pouca fiabilidade do teor das testemunhas, na parte em que disseram que acompanharam o assistente a entregar os documentos, o tribunal, quanto à entrega das letras e cheques referentes a Q…, Ldª e L…, ficou na dúvida. Quanto aos outros documentos não houve dúvidas, até porque o arguido admitiu que os recebeu. E diga-se que o assistente pareceu credível quando disse que entregou os documentos em causa (de L… e sua empresa), mas por outro lado, também não se detectou qualquer razão para que o arguido estivesse a faltar à verdade, nesta parte; o arguido devolveu os documentos que tinha em seu poder, por que razão não haveria de devolver os outros? E a leve insinuação do assistente de que aquele L…, em tempos, tinha recorrido, - até por iniciativa do primeiro -, aos serviços do arguido não permite que daí o tribunal retire a conclusão segura que se tratou de conspiração do arguido e daquele L…. E não vale a pena especular mais sobre o assunto em causa. Certo é que, havendo dúvida, não conseguindo o tribunal descobrir quem está a falar a verdade, admitindo que ambas as versões são possíveis, no cenário apresentado, tem de se fazer uso do princípio in dúbio pro réu.
E por esta razão o tribunal deu como não provado que o assistente tenha entregue os cheques e letras de Q…, Ldª e L….
Voltando aos depoimentos testemunhais, nomeadamente de G…, foi este fundamental para aquilatar o eventual prejuízo decorrente da acção/omissão do arguido. De facto, o mesmo propôs uma acção contra uma empresa e parte de documentos desse mesma entidade não foram “accionados”, e não foi posta efectivamente mais nenhum acção executiva ou até declarativa.
De acordo com esta testemunha era pouco provável que se viesse a receber dinheiro para pagamento das dívidas da E…, pois a empresa fechou quase logo a seguir. E de acordo, com as pesquisas efectuadas por esta testemunha, esta chegou a deslocar-se a Lisboa e apurou que estavam uns veículos à porta das instalações encerradas, cuja matrícula foi apontada (fls. 694).
Quanto ao devedor J…, pediu a uns colegas para verem se ele tinha carros e o colega deu-lhe a matrícula.
U…, também empregado do assistente, para quem trabalhava há cerca de dez anos, disse que acompanhou o patrão, nas deslocações a V.N. Famalicão, mas nunca fui ao escritório do arguido. Disse que estava a par de tudo, mas pelo que o seu patrão lhe contava. Um dia, o C…, o seu patrão pediu-lhe para tirar as matrículas dos veículos automóveis de uns clientes que não lhe tinham pago. Disse esta testemunha que os devedores eram a empresa E…, J… e L…. Não obstante a referência a este último nome, a verdade é que tal não convenceu o tribunal, dado que, o conhecimento desta testemunha era indirecto, e curiosamente, dos nomes por si referidos, em relação ao último, não existe indicação de matriculas, na documentação entregue pelo assistente, em audiência de julgamento. Esta testemunha estava incumbida de ver em que carros os clientes do assistente circulavam, e não é plausível que quanto àquele L… nada se tenha feito constar, se não se apurasse em que veículos este circularia, que foi o que foi feito em relação aos outros devedores. Depois acabou a testemunha por dizer que só procurou as matrículas dos veículos em que o aludido J… circulava, sendo que um deles tinha até um dístico da empresa. Daqui o tribunal concluiu que com quase toda a segurança não era de sua propriedade, pois se não fosse de terceiro, seria da empresa e não do próprio K….
Esta testemunha também disse que a empresa E… fechou pouco tempo depois e o J… tinha os seus bens passado para o nome dos filhos. E veio ainda a saber que os veículos cujas matrículas apontara nem sequer estavam em nome de J…. Confrontado com o escrito de fls. 692, disse não ser sua a letra, mas desse manuscrito estão apontadas uma matrícula e seguidas de outros nomes, ou seja V…, e W…, Ldª, i.e. sem referência alguma a J….
Por fim disse que a sua função era ser distribuidor de material.
*
X…, técnico oficial de contas, contabilista da empresa do assistente, não conhecia o arguido directamente.
Disse que fazia a contabilidade desde a altura em que o assistente trabalhava em nome individual. Recordava-se das dívidas, sendo que os devedores do assistente eram E…, Q… o outro era L….
Como tinha de criar provisão para o não recebimento, recordava-se desse processo, pois o assistente transmita-lhe que os processos estavam em Tribunal.
Disse que Q…, Ldª era um cliente já da empresa que o assistente constituíra. O K… era um cliente de uma freguesia próxima, E… era uma empresa de Lisboa. Também esta testemunha disse que o assistente lhe disse que tinha entregue os títulos do L…. Estranho é esta testemunha ter dito que tinha tido necessidade de criar uma provisão para receitas, quando o assistente, confrontado com a eventual existência de contas corrente, em computador, tenha dito que à data não tinha a contabilidade organizada, quanto à sua actividade de empresário em nome individual. E não obstante, esta testemunha ter dito que Q… ser um cliente da empresa, tal não é assim tão cristalino. Atendendo à data da emissão dos cheques e letras emitidos ou aceites por este cliente, - todos referentes ao ano de 2001 — decorre de fls. 60 a 62 que os cheques estão ao portador, à excepção de um (cfr. fls. 62), - no qual consta que o cheque foi emitido à ordem do assistente, pessoa singular -, e de fls. 63 a 65, das letras aceites por L… o sacador é o assistente, pessoa singular. E não há dúvidas algumas, pois à data, os números de identificação fiscal dos empresários individuais começavam pelo algarismo “oito”, ao passo que os das empresas tinham o seu início com o algarismo “cinco”.
Disse ainda a testemunha em causa que a empresa do assistente passou por dificuldades, pois o montante era relevante para esta empresa de cariz familiar. Em face de não ter sido cobrada qualquer quantia, o assistente teve de negociar com os seus fornecedores pagamentos mais dilatados no tempo. No entanto, repare-se que os documentos em causa titulam, na maior parte, dívidas ao assistente, pessoa singular e não à empresa. E esta testemunha falava que em termos contabilísticos, este valor nunca foi recuperado!
O assistente ficou transtornado, quando soube que só estava um processo em tribunal. A ideia que tinha de L… era de que parecia que tinha património penhorável. A razão de ciência desta testemunha era de conhecia aquele L… e reparava que “ele se movimentava muito bem em sociedade”. Contudo, e como supra apontado, pelo menos, da pesquisa efectuada pelo assistente, os bens imóveis, já não estavam em eu nome, desde data anterior à constituição da dívida — cfr. fls. 657, 663 a 689.
Disse esta testemunha que K… também aparentava ter bens. Daí a confiança do assistente em que iria receber, pois parecia que seriam pessoas que conseguiriam solver as suas dívidas. Depois, já disse que não podia precisar se eram dívidas individuais ou da empresa. Disse que, fiscalmente, foi feito um trespasse da actividade em nome individual para a empresa. Esta afirmação foi muito duvidosa, pois os trespasses à data faziam-se por escrito e nada foi apresentado para corroborar esta afirmação. Por outro lado, pedido para concretizar esse trespasse, não foi capaz. Tal como não foi capaz de dizer em que factos se baseava para dizer que L… e o K… tinham bens, na altura, e que este ainda “respirava saúde financeira”.
E novamente se detectou entre as testemunhas contradição, pois esta testemunha, contabilista da empresa disse que houve um trespasse, sendo que assim as dívidas também passaram para a empresa. E não se percebe então por que razão é que o assistente negociou, em nome próprio, ou seja, por si, prazos mais dilatados para ele próprio pagar, em virtude de nada ter cobrado, como disseram as testemunhas Y… e Z…, se afinal entretanto já tinha constituído uma empresa, com idêntico objecto social que a sua actividade a título individual.
Aliás a testemunha Z… disse que o assistente até 2001 não teve problemas financeiros e posteriormente apresentava dificuldades em pagar.
Afinal não era a empresa que já estaria a laborar.
Todas estas dúvidas que assolaram o tribunal no decurso do julgamento, não são de todo descabidas, na medida em que o tipo legal, em causa, não se basta com, a prova de que a conduta, i.e. eventual violação de deveres funcionais, é idónea a produzir um prejuízo, mas tem de se procurar na factualidade uma efectivo prejuízo de ordem patrimonial ou de outra natureza. E por isso, insistiu o Tribunal nesta parte e atentou bem no que as testemunhas disseram.
Z…, fiel de armazém de uma empresa, AB…, Ldª, disse que data, em 2001, era comercial.
Desde 1998, que o assistente é cliente desta empresa, o que o assistente compra à empresa para a qual trabalha, o assistente revende.
Referiu que o assistente teve alguns problemas financeiros, que atrasaram, por sua vez, os pagamentos com a AB…, Ldª.
Até 2001 nunca ouviu falar em problemas financeiros, a partir daí revelou dificuldades em pagar.
Manifestava o assistente dificuldades e não poderia cumprir com os seus compromissos. Nessa sequência, houve uma reunião e aí a testemunha apresentou o assistente ao seu patrão, tendo a testemunha assistido ao início da reunião. Na altura, o assistente alegava que tinha três clientes devedores que não lhe pagaram. Referira o assistente que se tratou de uma dívida total na ordem dos 12.000 contos.
A posteriori, esta testemunha veio a saber que o assistente renegociou a sua dívida com AB…, Ld.ª, tendo sido prolongados os prazos de pagamento, com acréscimo de juros. Inicialmente, os prazos de pagamento eram de 30 e 60 dias, e depois passaram para um ano.
Perguntado expressamente quem era o devedor da firma, a testemunha disse, sem pestanejar, que era o assistente, a título individual.
Y…, suposto credor do assistente referiu que o assistente, em tempos lhe pedira para pagar a dívida em prestações, ao que aquele acedera. Assim, fizeram um acordo, segundo o qual o arguido entregou cheques prédatados, que a testemunha entregou ao Banco, tendo este adiantado o dinheiro. Os cheques foram emitidos em nome próprio do arguido, já que a dívida era dele. Referiu esta testemunha que pediu uma garantia de crédito, mas efectivamente não especificou que tipo de garantia sobre a sociedade teve, não obstante a dívida ser do assistente.
E disse esta testemunha algo fundamental, pois referiu que no momento em que fez o acordo de pagamento, fê-lo com o assistente, pessoa singular, dado que a sociedade foi por este criada posteriormente.
Ora, a sociedade foi criada em 2000, em finais de 2001, verificou-se uma entrega de títulos de crédito ao sr. Advogado, como tal o acordo relatado foi em data anterior à entrega dos documentos ao sr. Advogado. E isto é importante reter para aferir sobre a efectiva repercussão da conduta do arguido, para efeitos de prejuízo.
Disse esta testemunha que quando o assistente fez o acordo consigo, já dizia que tinha entregue o seu assunto ao advogado. E só por isso é que a testemunha fez um plano de pagamento, baseado nos créditos do assistente.
Depois referiu que, antes de o assistente constituir a sociedade, lhe disse que tinha acções em tribunal, dois tinha entregue ao advogado a documentação para tratar disso.
Ora, quanto a estes dois depoimentos, há que dizer o seguinte: partindo do pressuposto que não vieram fazer um favor ao assistente e mentir, até porque, como já acima por nós referido, o assistente, prestou umas declarações que nos parecerem credíveis, eivadas de algumas imprecisões - mas justificadas pela dilação de tempo entre os factos e o julgamento -, bem como as das testemunhas, expurgando os exageros e as imprecisões também já apontadas — o que não significa que as testemunhas estejam a faltar à verdade ab início, mas resultante antes de uma desconfiança — e bem infundada - de que os relatos efectuados por uma pessoa não sejam suficientes para convencer o tribunal - aqueles relatos serviram, antes para o tribunal não se convencer que foi em consequência do comportamento do arguido que o assistente negociou as suas próprias dividas, pois, atentos os depoimentos não resultou tal circunstância, com toda a clareza.
D…, empregada do arguido, exercendo funções para este há cerca de dezasseis anos, prestou um depoimento idêntico às declarações do arguido, no sentido de que este pediu uma provisão, para tratar do assunto e ainda pediu mais documentos, nomeadamente facturas, pedido esse até efectuado pela própria testemunha, por várias vezes.
Referiu ainda que havia urna boa relação entre o arguido e o assistente, apesar de não lhes reconhecer numa relação de amizade.
Negou que o arguido tivesse ficado com documentos do assistente, quando este procedeu à devolução do que, lhe fora confiado, para instaurar as acções, foi a própria testemunha que distribuiu os documentos por dossiês e, mais, preparou a devolução dos mesmos, fotocopiando previamente os mesmos. Recordou-se que eram só três devedores, ou seja a E…, Ld.ª, J… e K…, não existia documentação no escritório relativa a Q…, Ld.ª L…, nunca ouvira até falar em L….
Disse que foi o arguido que para a instauração da acção contra a E… liquidou a taxa de justiça e quanto aos outros liquidou também liquidou, mas não deu entrada das acções à espera da provisão.
A própria testemunha, aproveitando a ida do assistente ao escritório, chegou a pedir provisão, o que este ia sempre adiando. Disse que o assistente chegou a ir algumas vezes ao escritório sozinho, outras vezes ia com a esposa, mas acompanhado de outras pessoas nunca foi.
Entre a entrega e a devolução dos documentos mediou cerca de um ano.
Quanto à numeração dos dossiês que faziam no escritório do arguido, a mesma iniciava no zero e seguia até mil, mudando só o ano, referente à abertura de processo.
Disse ainda que se recordava que os documentos estavam rasurados e que nunca chegaram mandar uma conta para o cliente e que nunca foi feita uma nota de honorários.
AC…, oficial de Justiça no 1º J° Criminal deste Tribunal, conhecia o arguido há anos, quer a nível pessoal, por ser amigo da família há mais de vinte anos, quer em termos profissionais, por o seu pai ser cliente do arguido e nunca ouviu a este uma queixa. Tinha o arguido em conta como sendo uma pessoa séria, e com advogado nunca ouvira falar que o mesmo tivesse falhado aos seus compromissos.
Como profissional tinha-o em consideração como um profissional diligente, nunca ouvira a ninguém dizer qualquer coisa que fosse em desabono do arguido.
E esta foi a prova produzida, a par dos documentos a que infra se fará ainda alusão.
A apreciação desta prova afigura-se algo complexa, na medida em que nem tudo o que arguido, assistente, testemunhas disseram foi como se verificou na realidade, quer porque contraditório entre si, quer porque contraditório com os demais elementos, mas tal não significa que por essa razão seria de desaproveitar, em todo, estes meios de prova.
E vejamos, quanto à entrega dos documentos, o tribunal já se pronunciou quanto aos referentes a Q…, Ldª e L….
No mais, o tribunal acolheu a versão do assistente, e vejamos por que razão o fez.
É obvio que é plausível que um advogado peça uma provisão para despesas e honorários, e até é plausível que se recuse a trabalhar se a mesma não for paga. No entanto ditam as regras da experiência que nesse caso, não se põe os assuntos de lado, e não se tome mais atitude nenhuma, e nem uma boa relação de advogado/cliente tem explicação para tal atitude; perante pedido de provisão e a não satisfação da mesma, é mais que óbvio e as regras da experiência assim o ditam que se escreve uma carta, para comprovar o inadimplemento ou chega-se ao ponto de renunciar à procuração e procede- se à devolução da documentação, nos termos estatuídos pelo Estatuto da Ordem dos Advogados; aliás ditam as boas práticas que até por uma questão de defesa do sr.° advogado, tal procedimento se impunha. E a verdade é que nada foi feito. Para além disso, tem o tribunal que atender que não estamos propriamente a julgar uma pessoa que seja “inocente” ou leiga, em termos de previsibilidade sobre as suas responsabilidades profissionais, o arguido era e é advogado - à data com mais de vinte anos de serviço - , e sabe, pelo exercício da sua profissão, que tomando a posição de força de não diligenciar pela instauração das acções em tribunal, e a ter razão para tal, em face da alegada falta de pagamento de provisão, sempre teria necessidade de demonstrar, mais tarde, tal opção tomada e munir-se da respectiva prova, através de uma carta enviada ao cliente. E reiteramos, não se demonstrou que algo tenha sido feito nesse sentido.
Depois há que atender que até a testemunha de defesa disse que o assistente se deslocou algumas vezes ao escritório para falar com o arguido. Ora, perante tanta insistência do pedido de provisão e de documentos de suporte, não é plausível que o assistente se desloque quase durante quase dois anos ao escritório do seu advogado para se inteirar sobre o estado dos processos.
Do que nos foi dado a apreender, da toda a prova, resulta que o assistente aparenta ser uma pessoa séria e zelosa dos seus compromissos e encargos, e não é credível que o mesmo, tenha feito “ouvidos de mercador” a um pedido de provisão e até de documentos, e durante quase dois anos, ainda tenha o desplante de ir ao escritório do seu advogado e perguntar pelo estado dos seus processos se lhe tivesse sido feito o aviso de que estes não andariam se não houvesse pagamento de provisão. Aliás, nem é preciso ser-se zeloso das suas responsabilidades para compreender a língua portuguesa, a ter sido dito efectivamente que não se iria intentar mais acções, se não houvesse pagamento, isso levaria a três tipos de atitude, ou o cliente pediria a devolução dos documentos, ou então não aparecia mais no escritório, enquanto não efectuasse o pagamento, ainda que parcial. Não se crê, em face das regras de experiência comum que a pessoa pergunte insistentemente pelos processos em tribunal, que ainda se dê ao trabalho de ir efectuar ao tribunal pesquisa sobre o andamento dos processos, se efectivamente lhe tivesse sido pedida a provisão; para que haveria de ir a pessoa ao tribunal efectuar a pesquisa, para que haveria de pedir ao sr. Advogado a identificação dos processos em tribunal, se já tinha sido avisada de que sem dinheiro não havia acções???
Embora, seja plausível que um advogado não preste serviços sem que antes tenha visto satisfeita a sua pretensão, tal, em face dos argumentos supra expostos, não aconteceu, com certeza, no caso em apreço.
E mais se dirá, o arguido, aparenta ser uma pessoa diligente, e com conhecimentos e algum poder de antevisão dos acontecimentos, em face até da experiência de vida e profissional. E dizemos isto, porque inexiste qualquer razão pragmática para a sua atitude de minutar as acções, de pagar a taxa de justiça, e de não dar entrada com as mesmas no tribunal. Ora, se o assistente não lhe pagava, se o arguido já tinha efectivamente despendido dinheiro do seu próprio bolso com as taxas de justiça e ainda tempo do seu serviço, se já estava munido das respectivas procurações forenses, não fazia sentido reter a acções no escritório, pois a intentá-las seria mais expectável que ainda pudesse realizar algum dinheiro para ressarcir o seu trabalho já efectuado, quando e se lograsse obter cobrança através daquelas acções executivas. A ser verdade a versão do arguido, já que o trabalho estava feito, a opção que seria razoável seria a de dar efectiva entrada com as acções e após a cobrança de algum dinheiro, fazer um encontro de contas. Sabemos todos que a muitas dos actos cometidos na vida real não são precisamente os mais razoáveis, só que no presente caso, não estamos a julgar uma pessoa sem informação e formação.
Assim, das duas uma, ou o arguido não pediu provisão e quedou-se inerte, ou então pediu, mas teria tomado outra opção, e não se manteria naquele estado de impasse por mais de um ano, quase dois, a ter pedido efectivamente uma provisão, e nada sendo feito pelo ofendido, o arguido como pessoa diligente, como profissional que é, certamente teria tomado uma posição de força, i.e. ou insistia por escrito, para ter prova ou então renunciaria a procuração, algo mais o arguido teria feito. E repare-se que a testemunha AC… supra aludida disse que o arguido era habitualmente uma pessoa e advogado diligente e a testemunha D… disse que entre o assistente e o arguido havia uma boa relação advogado/cliente, mas que o assistente era considerado e tratado como os demais clientes.
Para além do mais, a surpresa espontânea que o assistente demonstrou, quando confrontado com a alegação do pedido de provisão não passou despercebida ao tribunal. E o assistente mostrou credibilidade nas suas declarações, nas preocupações que teve em efectuar pesquisas em ir a Tribunal, inteirar-se sobre o estado dos processos, o que foi corroborado pelas testemunhas, de modo que o tribunal atendeu à sua versão considerando-a mais verosímil, mais com a realidade do caso, tendo em conta os intervenientes. Acresce ainda um elemento fundamental constituído pelo documento manuscrito pelo arguido (cfr. fls. 195), pois este assumiu que o escreveu no que toca à identificação dos nomes seguidos de números de processos, e a respectiva entrega ao assistente. Só não é credível que um cliente esteja interessado em obter a identificação do número de processo do dossiê do escritório de um assunto que confiou a um advogado. Os clientes sabem que os assuntos estão confiados aos srs. advogados, e a pretenderem informação sobre o estado dos processos é para os mesmos mais do que irrelevante de que forma os senhores advogados organizam os seus processos nos seus escritórios, se por referência ao nome do cliente ou se por numeração. Essencial para os clientes, - e também no caso presente, para o assistente era inteirar-se dos processos em tribunal - . E foi a obtenção da informação contida a fls. 195 que motivou o assistente a deslocar-se a tribunal para se inteirar sobre o estado dos autos.
Só numa parte assistiu razão ao arguido, que foi quanto à circunstância de estarem rasurados cheques quanto às datas, - no total seis — (cfr. fls. 744 a 749) e dúvidas não existe para o tribunal que os mesmos foram entregues nesse estado ao arguido, dado que foram os mesmos apresentados a pagamento e devolvidos por falta de provisão, por referência à data constante dos cheques após as rasuras.
Cremos que este caso é de fronteira, quanto ao protelar de instauração de uma acção e a intenção de prejudicar, mas a circunstância de entregar um papel com a identificação dos números dos processos, quando dois nem sequer existem na realidade em Tribunal e um até foi à conta, já constitui de per si um meio astucioso, de engano, em que a pessoa sabe que necessariamente o destinatário desta informação ficará prejudicado com esta conduta.
Por estas razões não se reconhece credibilidade à versão do arguido, é mais verosímil a versão do assistente, e não se crê que se trate de uma pessoa que se dê a tanto trabalho, inclusive com queixa na Ordem dos Advogados, se não se sentisse verdadeiramente enganado pelo sr. Advogado. Aliás, o depoimento da testemunha, sua mulher, não obstante as imprecisões e até contradições acima descritas, foi credível, no essencial, e quanto ao desenrolar dos acontecimentos, nomeadamente quanto a um sentimento da revolta por terem sido enganados, em face da inércia do sr. Advogado.
Só não se partilha do entendimento e da crença, até um pouco ingénua do assistente, e própria de quem não quer reconhecer a realidade judiciária, pois o mesmo crê ainda hoje que o arguido é que o fez perder aquela quantia em dinheiro, constante dos cheques e das letras, se bem que destas últimas algumas são reformas de letras reformadas e quiçá os cheques até constituirão eventualmente pagamentos parciais dessas reformas, circunstância que o tribunal não logrou apurar em face de ausência de prova. De qualquer forma o tribunal entendeu por bem que não seria necessário apurar mais nada a este propósito, porquanto os depoimentos das testemunhas G…, U… e X… foram paradoxalmente esclarecedoras e ambíguas, para que o tribunal concluísse, com, toda a segurança, que não podia resultar provado, em face dos documentos que foram juntos em audiência de julgamento, que a actuação do arguido causou ao assistente um prejuízo patrimonial na ordem de € 111.016,54, Em face do cenário que foi descrito pelas testemunhas, em especial as duas primeiras que procederam a pesquisas, foi dito que a sociedade devedora encerrou as instalações, aliás quando se dirigiram a Lisboa, para indagarem sobre a existência de bens, já estavam as instalações encerradas e depois procederam só à tomada de matrículas de veículos que se encontravam à porta - isso não significa que fossem propriedade da devedora. Quanto ao devedor J…, também só foram apontadas matrículas, tendo até as testemunhas conhecimento, e certamente pelo se falava, que este já tinha “passado os seus bens para o nome do filho”. Até em relação L…. se constatou que este ficou “despojado” de bens em datas anteriores à constituição da empresa.
Contrariamente ao que o assistente crê ou fez crer ao Tribunal, não é certo e seguro, - antes pelo contrário -, que com a efectiva propositura das acções o assistente viesse a cobrar alguma quantia por conta dos seus créditos. E como dito, bem pelo contrário, dado o cenário traçado pelas testemunhas, o mais certo era a não cobrança de tais créditos.
E tal incumbiria demonstrar, porque já no âmbito do direito civil, referente ao pedido de indemnização civil. Não basta pensar que se vem dizer a tribunal umas palavras vagamente bonitas, nomeadamente “respirava saúde financeira”, “movimentava-se bem na sociedade”, para daí pretender tirar a conclusão de que com as acções o assistente iria receber dinheiro. Não foi feita qualquer prova de que os devedores tinham, à data da entrega dos títulos de crédito, bens penhoráveis, e que depois deixaram de os ter. Não houve produção de prova suficiente, melhor dizendo, nenhuma prova de que foi a falta de propositura das acções, a falta de nomeação de bens à penhora a causa directa do alegado prejuízo, valor esse que, à saciedade, não é o invocado pelo assistente, dado que algumas letras são reformas de uma transacção comercial inicial. Também não foi feita prova de que as matrículas apontadas eram referentes a veículos da propriedade dos devedores. Desta forma, não encontrou o tribunal eco na realidade quanto ao nexo causal entre a acção do arguido e o prejuízo inovado no pedido de indemnização civil.
É certo que o tribunal deu como assente que o assistente sofreu um prejuízo, - termo vago e uma vez que: este é o termo utilizado no despacho de pronúncia e não pretendendo o tribunal alterar a factualidade invocada, mas este é um prejuízo óbvio que uma pessoa sofre com situações deste género, pois vê o seu direito à propositura de uma acção, direito à tutela judicial afectado. É também manifesto e decorre das regras da experiência comum que quando alguém incumbe um advogado de propor uma acção, e independentemente da razão ou falta dela a reconhecer posteriormente pelo tribunal, a pessoa permanece num estado de incerteza, que muitas vezes afecta a sua vida, até no dia-a-dia, sendo expectável que essa situação de incerteza seja resolvida com brevidade; a não ser assim, a falta de notícia sobre um desfecho de uma acção num prazo razoável constitui uma violação num dos direitos principais. Basta atentar que o art° 6° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem estatui que qualquer cidadão deverá ter acesso a processos judiciais equitativos, num espaço de tempo razoável. E fala-se disto a propósito da morosidade da justiça, que tem sido já alvo de sérias condenações por parte do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEHD). E aqui o assistente nem sequer viu a sua acção proposta, o seu conflito resolvido, por falta de instauração da acção, num prazo que não se pode considerar razoável.
Desta forma, a não propositura de uma acção, num prazo superior a um ano, quando incumbido para o efeito, traduz-se igualmente num ataque ao direito fundamental de um cidadão de obter um processo judicial e num tempo razoável.
Atendeu o tribunal ainda aos documentos juntos aos autos, nomeadamente os cheques e as letras, o CRC, e todos os documentos juntos aos autos, em audiência de julgamento.»
*
DO DIREITO
Recurso do arguido, B….
a) Impugnação da matéria de facto – erro de julgamento.
O recorrente põe em causa a seguinte matéria de facto dada como provada e não provada, que em seu entender assenta em “erro de julgamento”:
- Ponto nº 30 dos factos provados que diz textualmente, “e o assistente satisfez essa indicação”, reportando-se naturalmente ao ponto nº 29 que refere, “ter o arguido solicitado ao assistente a indicação e identificação de bens para nomeação à penhora na execução instaurada”. Aquele ponto, na sua opinião deveria ter sido dado como não provado em face da prova produzida em audiência.
- Dos factos não provados, entende o arguido haver erro no seguinte trecho “que foi pedida pelo arguido ao assistente a provisão de 200.000$00”. Na sua perspectiva este facto deveria ter sido dado como provado.
Com efeito, quando se impugne a decisão sobre a matéria de facto o artº 412º nº 3 do cód. procº penal, exige que os recorrentes especifiquem:
“a) Os concretos pontos de facto que consideram incorrectamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas”.
Dando cumprimento a tal preceito, o recorrente indicou como provas que na sua perspectiva impõem decisão diversa as seguintes:
a) O depoimento do arguido (cfr. sessão de 18/10/2012);
b) O depoimento do assistente (cfr. sessão de 18/10/2012);
c) Os depoimentos das testemunhas:
1. F… (cfr. sessão de 18/10/2012);
2. G… (cfr. sessão de 18/10/2012);
3. D… (cfr. sessão de 15/11/2012),- (cfr. cls. nº4 do recurso).
Com efeito, os Tribunais da Relação conhecem de facto e de direito (artº 428º do cód. procº penal), satisfeitas que sejam as exigências legais referidas. Assim, este Tribunal “ad quem” no exercício dos seus poderes procedeu à audição da gravação da prova produzida, com especial incidência na indicada pelo recorrente e analisou os demais elementos objectivos e documentais de prova constantes dos autos, constatando-se que a pretensão do recorrente não tem o menor fundamento e se reconduz a uma questão de mera discordância em relação à valoração da prova feita pelo julgador em 1ª instância.
Quanto ao facto dado como provado no ponto nº 30, é manifesto que resulta das declarações das testemunhas indicadas, com excepção da funcionária do arguido D… e das declarações do próprio arguido, que o assistente satisfez a pretensão do arguido, indicando bens para nomeação à penhora. As testemunhas que o declararam (F… e G…, para além do próprio assistente – que não sendo testemunha está obrigado ao dever de verdade [artº 145º nº 2 do cód. procº penal]) tinham conhecimento objectivo dos factos e por isso nenhuma censura pode merecer a valoração de tais declarações por parte do Tribunal recorrido.
Em relação à matéria dada como não provada, as declarações prestadas sobre tal facto são de molde a causar alguma dúvida, pois se por um lado o arguido declara que pediu a provisão de 200.000$00, a verdade é que também mais do que uma testemunha referiu que o assistente pediu ao arguido que pretendia que o mesmo fizesse andar os processos e “que não fosse por falta de dinheiro que negligenciasse o seu andamento”. Assim, perante esta dúvida, a decisão prudente foi de facto dar como “não provado” tal facto.
Como tem sido reiteradamente defendido nos casos de impugnação, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, agora com base na audição de gravações, antes constituindo uma solução jurídica para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente, ou seja, trata-se de uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos «concretos pontos de facto» que o recorrente especificou como incorrectamente julgados. Verificados esses pontos que acima enunciámos, conclui-se, terem aqueles suporte na fundamentação da decisão recorrida, a qual avaliou e comparou especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova indicados pelo recorrente e que este considera que deveriam impor decisão diversa[2].
Não podemos esquecer que no nosso sistema jurídico a regra é a da livre apreciação da prova, como decorre do estatuído no artº 127º, cód. procº penal, onde se estabelece que, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente. Tal princípio não é absoluto, e entre as excepções a tal regra incluem-se o valor probatório dos documentos autênticos e autenticados, o caso julgado, a confissão integral e sem reservas no julgamento e a prova pericial, cfr. Ac. STJ, de 1-10-08, Proc. nº 08P2035, in www.dgsi.pt.
Esta livre convicção do julgador não significa arbítrio ou decisão irracional, antes pelo contrário, exige-se uma apreciação crítica e racional das provas, fundada nas regras da experiência, da lógica e da ciência, bem como na percepção da personalidade dos depoentes, para que a mencionada convicção resulte perceptível e objectivável. De tal encontra-se indissociada a oralidade e imediação de que beneficia o julgador em 1ª instância, que só assim, em contacto directo com declarantes e testemunhas pode detectar com propriedade a sua razão de ciência, serenidade, distanciamento, certezas, hesitações e contradições, linguagem e cultura, sinais, reacções comportamentais e coerência de raciocínio, estendo, pois, em condições de avaliar, individual e globalmente a prova, – cfr. Ac. RL, Proc. nº 1551/05.6PSLSB.L1, de 19-1-2010.
Ao invés, o tribunal de recurso, sem acesso àquela apreensão directa e emotiva dos mencionados factores denunciados por testemunhas e depoentes, encontra-se limitado à audição das passagens concretamente indicadas pelos intervenientes processuais e de outras eventualmente consideradas relevantes.
Daí que, quando a 1ª instância atribui ou não credibilidade a uma determinada prova não vinculada, o tribunal de recurso, em princípio só a deverá censurar se for feita a demonstração de que tal opção carece de razoabilidade ou viola as regras da experiência comum.
Assim, a actuação do princípio da livre apreciação da prova e o seu controle, pressupõe a indicação na sentença dos meios de prova e o seu exame crítico, não para formar uma nova convicção através da reapreciação de todos os elementos de prova que serviram para fundamentar a decisão recorrida, mas apenas para verificar a razoabilidade da convicção alcançada pelo tribunal a quo e expressa na fundamentação, relativamente aos pontos de facto concretamente impugnados com base na avaliação das provas concretamente indicadas pelo recorrente, conjugada com os demais elementos de prova tidos por necessários[3]
A pretensão do recorrente de que a sua versão dos factos se sobreponha à que o tribunal a quo acolheu, dizendo genericamente que a prova em que aquele se ancorou é insuficiente para fundamentar de facto a decisão em causa, é claramente insustentável e não poderá proceder. Acresce por outro lado, que, o tribunal recorrido apresenta uma motivação da matéria de facto, na qual explicita porque é que credibilizou o depoimento das testemunhas mencionadas e aceitou como verdades os factos provados.
Convém não esquecer que a expressão legal (art. 412º, 3, b), cód. procº penal) “que impõem decisão diversa da recorrida” não tem o mesmo significado que “admitam uma decisão diversa da recorrida”. O legislador foi neste particular deveras exigente, dispondo no sentido de que não basta contrapor à convicção do julgador uma outra diversa, ainda que também possível, para provocar uma modificação na decisão de facto; é necessário que o recorrente desenvolva um quadro argumentativo que demonstre, através da análise das provas por si especificadas, que a convicção formada pelo julgador, relativamente aos pontos de facto impugnados, é impossível ou desprovida de razoabilidade, o que não sucede manifestamente nos presentes autos.
Pelo exposto, se conclui que a modificação da matéria de facto pretendida não merece provimento e que a sentença recorrida se mostra isenta de qualquer reparo neste ponto.
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b) Vícios do artº 410º nº 2 do cód. procº penal
O recorrente alega nas conclusões de recurso que, “a sentença recorrida padece de contradição e erro notório na apreciação da prova e insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, nos termos do disposto nas als. a), b) e c) do nº 2 do artº 410° do cód. procº penal”.
Tentando fundamentar tal afirmação refere depois que “o Tribunal a quo, sem qualquer suporte factual, mas sob o escape da livre apreciação da prova entendeu, mal, considerar provados os factos conducentes à condenação do arguido”, cfr. cls. nº 3 e conclui de seguida que, “o julgador não atendeu aos depoimentos do arguido e da testemunha de defesa – D… – que relataram factos verdadeiros, aceitando cegamente a versão atípica, mas teatral e bem encenada do assistente” cfr. cls. nº 4.
Como se alcança desta argumentação, bem como das conclusões subsequentes e do pedido final, o recorrente parece confundir aqui o erro de julgamento, que radica na impugnação da matéria de facto e valoração da prova, [que atrás analisámos] com os vícios do artº 410º nº 2 do cód. procº penal, como sejam a “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada”, (al. a); “a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão” (al. b) e, o “erro notório na apreciação da prova”, (al. c).
Na verdade, os vícios do artº 410º nº 2 do cód. procº penal, ainda que não invocados, são de conhecimento oficioso, mas têm de resultar do próprio texto da sentença; e, no caso concreto, o recorrente não indica objectivamente onde radicam tais vícios, que apenas aponta genericamente, deixando ao invés transparecer a sua discordância na apreciação e valoração da prova feita pelo Tribunal.
No entanto, analisado o texto da sentença recorrida, em especial a matéria de facto provada e não provada, bem como a respectiva fundamentação, não decorre daquela, nenhum dos apontados vícios, nomeadamente o chamado erro notório na apreciação da prova, (a que o recorrente concede mais enfoque). Quanto a este vício, tem sido comumente defendido pela jurisprudência que o mesmo se deve reportar a um erro evidente, que não escapa ao homem comum e de que um observador médio se aperceba com facilidade.
«Verifica-se erro notório na apreciação da prova quando se retira de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável, quando se dá como provado algo que está notoriamente errado, que não podia ter acontecido, ou quando, usando de um processo racional e lógico, se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária e contraditória, ou notoriamente violadora das regras da experiência comum (…)”, - cfr. Leal-Henriques e Simas Santos no Código de Processo Penal Anotado, vol. II, 2ª edição, pág. 740, em anotação ao artigo 410º.
A alegada verificação de erro notório na apreciação da prova é de afastar no caso concreto. Também não decorre da sentença recorrida, qualquer contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, nem insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
Como bem salientou o Ac. do Tribunal Constitucional 198/2004 de 24/03/2004, D.R. II Série, de 02/06/2004 - «a censura quanto à forma de formação da convicção do tribunal não pode assentar, de forma simplista, no ataque da fase final da formação de tal convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de quaisquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade de formação da convicção. De outra forma seria uma inversão da posição das personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar pela convicção dos que esperam a decisão.»[4]
Concluímos assim, pela inexistência de qualquer vício dos previstos no artº 410º nº 2 do artº 410º do cód. procº penal.
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c) Qualificação jurídica do crime de prevaricação – ausência da intenção de prejudicar o queixoso
O recorrente vem ainda alegar a inexistência da intenção de enganar o assistente, o que, a verificar-se consubstanciaria a falta do elemento subjectivo do crime que lhe foi imputado. Alega em concreto que:
- “O arguido não agiu com intenção de prejudicar o assistente ou qualquer outra pessoa”, (cls. 12).
- “O arguido não violou ilicitamente e com culpa os seus deveres para com o assistente”, (cls. 13).
Embora se trate de meras afirmações não fundamentadas quer ao longo do recurso, quer nas conclusões, com argumentação e factos mais consistentes, não deixaremos de analisar a qualificação jurídica dos factos.
O arguido foi condenado pela prática de um crime de prevaricação de Advogado, p. e p. pelo artº 370º n° 1 do cód. penal que nos diz expressamente:
- “O advogado ou solicitador que intencionalmente prejudicar causa entregue ao seu patrocínio é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.”
Estamos perante um tipo legal enquadrado no âmbito dos crimes contra o Estado, concedendo-lhe uma vertente pública, em detrimento da perspectiva individualista. Esta é a expressão da posição da maioria da doutrina. A conduta típica, contrária aos deveres deontológicos, lesará o bem da realização da justiça, dado que os advogados concorrem enquanto operadores especializados, para uma correcta e perfeita efectivação do interesse do Estado concernente à administração da Justiça - cfr. Comentário Conimbricense, anotação ao art° 370°, pag. 629.
Não se pode descurar a importância social da advocacia e o interesse público, atinente ao normal funcionamento da actividade judiciária, visando assegurar aquele mínimo de confiança no exercício do patrocínio judiciário.
A conduta prevaricadora de um Advogado como no caso concreto de que nos ocupamos, atinge a confiança da comunidade no exercício íntegro daquelas funções, acabando por lesar não só a confiança e interesse privados como o público, este na medida em que afecta a credibilidade na boa administração da justiça.
Esta norma consagra, quanto a nós, um tipo de crime de natureza complexa, ao proteger, de forma simultânea e no mesmo plano de valor, tanto o interesse individual do cliente como a confiança no regular funcionamento da advocacia[5].
De acordo com a redacção dada ao art° 370º do cód. penal, exige-se um prejuízo para a causa. No caso concreto o recorrente alegou que não teve intenção de causar prejuízo nem o previu. Difícil seria acolher este entendimento, pois tratando-se de um profissional conhecedor do meio e das consequências da sua conduta, é manifesto que o dolo jamais poderia ser afastado.
O arguido/recorrente prejudicou no exercício das suas funções técnicas, que lhes são próprias, uma causa entregue ao seu patrocínio, gerando com tal actuação danos patrimoniais e não patrimoniais ao mandante, que assim se viu impedido do direito à tutela judicial efectiva.
Todos os elementos objectivos e subjectivos do tipo se mostram verificados. Quanto ao elemento subjectivo, a lei exige em relação à modalidade de prevaricação que o agente actue intencionalmente.
- Resumindo: o arguido aceitou, na qualidade de advogado, patrocinar o assistente na cobrança de uns títulos de crédito emitidos a favor deste último; temos assim uma causa entregue ao patrocínio do agente;
- Foi-lhe conferido mandato, que o mesmo aceitou;
- O serviço de que foi incumbido visava a cobrança de umas dívidas, sendo necessário, submeter este conflito, a juízo, com vista à cobrança coerciva, perante os tribunais civis;
-O arguido não instaurou as acções judiciais que se comprometeu a propor e não deu impulso processual, quanto à nomeação de bens penhoráveis, e durante mais de um ano, não obstante as solicitações e insistências do seu cliente — o assistente -, para o informar sobre o resultado de tais acções, o arguido desculpava-se na ausência de notícias com a morosidade dos tribunais;
Sendo que, não foi o que aconteceu, na medida em que o arguido só tinha proposto uma única acção e mesmo nessa não foram tomadas quaisquer providências, quando solicitado pelo tribunal para nomear bens à penhora, e bastaria fazer a formulação do pedido genérico de penhora de qualquer saldo bancário, dos bens móveis, que se encontrassem nas instalações, à falta de informação melhor; o resultado foi a dissipação de bens do devedor e a impossibilidade de ressarcimento da dívida.
Estamos perante uma situação grave que foi muito para além da negligência, do mero atraso e/ou descuido, já que o arguido, quando instado pelo mandante (ora assistente) sobre o andamento dos processos, faltou algumas vezes à verdade, imputando a culpa aos Tribunais (quando na verdade só propusera uma única acção e esta foi suspensa por falta de impulso processual) e a sua conduta arrastou-se por longo período e em relação a vários títulos de crédito.
Para além da verificação dos elementos objectivos do tipo legal em causa, consideramos igualmente que se verificam os elementos subjectivos, pois o arguido agiu com dolo directo, quanto ao facto de não ter instaurado, como podia e devia, os processos executivos respeitantes aos documentos indicados no ponto 4. (factualidade provada), com excepção dos mencionados em b) e c) e ao não ter procedido à indicação de bens à penhora no âmbito do processo indicado no ponto 9, conforme tinha sido incumbido pelo assistente e se havia comprometido a fazer.
Não podia ignorar que causava ao mesmo prejuízos patrimoniais decorrentes da não cobrança atempada das acima indicadas quantias neles tituladas, prejuízos com os quais se conformou e que sabia derivarem, necessariamente, dessa sua conduta.
Em conclusão, inexistindo qualquer causa susceptível de excluir a ilicitude e/ou a culpa, é de imputar ao arguido a autoria material, de um crime de prevaricação de advogado, p. e p. pelo art° 370º nº 1 cód. penal.
Improcede também nesta parte, o recurso interposto pelo arguido.
*
Recurso do assistente, C….
A questão suscitada prende-se com o não arbitramento de indemnização por danos patrimoniais ao lesado, cujo pedido global era de 92.560,82 €, (montante que não totalizava o valor dos créditos do assistente), tendo o Tribunal recorrido fundamentado da seguinte forma o seu entendimento:
- “Contrariamente ao que o assistente crê ou fez crer ao Tribunal, não é certo e seguro, - antes pelo contrário -, que com a efectiva propositura das acções o assistente viesse a cobrar alguma quantia por conta dos seus créditos. E como dito, bem pelo contrário, dado o cenário traçado pelas testemunhas, o mais certo era a não cobrança de tais créditos.
E tal incumbiria demonstrar, porque já no âmbito do direito civil, referente ao pedido de indemnização civil. Não basta pensar que se vem dizer a tribunal umas palavras vagamente bonitas, nomeadamente “respirava saúde financeira”, “movimentava-se bem na sociedade”, para daí pretender tirar a conclusão de que com as acções o assistente iria receber dinheiro. Não foi feita qualquer prova de que os devedores tinham, à data da entrega dos títulos de crédito, bens penhoráveis, e que depois deixaram de os ter. Não houve produção de prova suficiente, melhor dizendo, nenhuma prova de que foi a falta de propositura das acções, a falta de nomeação de bens à penhora a causa directa do alegado prejuízo, valor esse que, à saciedade, não é o invocado pelo assistente, dado que algumas letras são reformas de uma transacção comercial inicial. Também não foi feita prova de que as matrículas apontadas eram referentes a veículos da propriedade dos devedores. Desta forma, não encontrou o tribunal eco na realidade quanto ao nexo causal entre a acção do arguido e o prejuízo inovado no pedido de indemnização civil.
É certo que o tribunal deu como assente que o assistente sofreu um prejuízo, - termo vago e uma vez que: este é o termo utilizado no despacho de pronúncia e não pretendendo o tribunal alterar a factualidade invocada, mas este é um prejuízo óbvio que uma pessoa sofre com situações deste género, pois vê o seu direito à propositura de uma acção, direito à tutela judicial afectado. É também manifesto e decorre das regras da experiência comum que quando alguém incumbe um advogado de propor uma acção, e independentemente da razão ou falta dela a reconhecer posteriormente pelo tribunal, a pessoa permanece num estado de incerteza, que muitas vezes afecta a sua vida, até no dia-a-dia, sendo expectável que essa situação de incerteza seja resolvida com brevidade; a não ser assim, a falta de notícia sobre um desfecho de uma acção num prazo razoável constitui uma violação num dos direitos principais. (…).”
Em resumo: o Tribunal recorrido entendeu que não havia nexo de causalidade entre a perda do montante peticionado e a conduta criminosa do arguido, em virtude de:
- A dívida daquele montante já ser devida antes do assistente ter mandatado o arguido para a cobrar;
Não ter ficado demonstrado que a instauração das acções iria permitir a cobrança integral do crédito[6];
E que não há coincidência entre o montante peticionado a título de prejuízo patrimonial e o somatório dos títulos de crédito referidos em 4. dos factos provados.
Salientamos desde já que não pode este Tribunal “ad quem” deixar de refutar por completo a tese aqui expressa, porquanto a mesma enferma de uma visão contrária à lei, às regras de experiência comum e ao bom senso.
Em primeiro lugar, o que está em causa na indemnização por danos patrimoniais na presente acção, não é directamente o dano emergente das dívidas ao credor (assistente), mas sim o prejuízo advindo para o assistente na qualidade de mandante por incumprimento do mandato por parte do mandatário e ora arguido, cujas disposições legais se encontram previstas nos artº 1157º e seguintes do cód. civil, onde se regulam os direitos e obrigações do mandante e mandatário.
São realidades completamente distintas.
O mandato judicial (artº 1157º do cód. civil), configura um contrato de mandato oneroso, com representação, sendo o advogado constituído responsável, civilmente, nos termos gerais, perante os seus clientes, em virtude do incumprimento ou do cumprimento defeituoso do contrato.
Em segundo lugar a decisão recorrida assenta igualmente num erro contra-legem ao defender que o assistente “não provou que com a propositura das acções poderia ter recebido os créditos”. De acordo com as regras do ónus da prova, (artº 342º do cód. civil) a situação é precisamente a inversa. Competia ao arguido, na qualidade de mandatário, alegar e provar em julgamento que independentemente da sua conduta, (não propositura das acções do assistente, seu cliente, com vista à cobrança de dívidas) o mesmo nunca receberia tais montantes.
Com efeito dispõe o artº 342º do cód. civil:
1. “Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.
2. A prova dos factos impeditivos, modificativos e extintivos do direito invocado, compete àquele contra quem a invocação é feita.
3. Em caso de dúvida, os factos devem ser considerados como constitutivos do direito”.
Por sua vez o artº 799º do cód. civil diz-nos ainda que:
“1. Incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua”.
No caso concreto, o ónus de alegar (em sede de contestação) e provar que, independentemente da sua conduta, o assistente nunca seria reembolsado dos seus créditos, recaía sobre aquele (arguido/demandado) e não sobre este.
No acórdão de 05.02.2013 do S.T.J., refere-se especificamente que:
“A deontologia profissional é o conjunto de deveres, princípios e normas que regulamentam o comportamento público e profissional do advogado que, na execução do acordado com o cliente, deve praticar, reciprocamente, a lealdade e a confiança, sob pena de colocar em crise a relação jurídica criada, agindo segundo as exigências das leges artis, os deveres deontológicos da classe e os conhecimentos jurídicos, então, existentes, de acordo com o dever objectivo de cuidado” [7].
Estamos perante uma obrigação de meios e nestas situações, não é exigível que o mandatário garanta antecipadamente ao mandante o “ganho de causa”, o que se impõe é que diligencie por todos os meios ao seu alcance pelo cumprimento dos objectivos pretendidos e que no caso concreto era simplesmente a propositura das várias acções de dívida, cujos títulos de crédito lhe foram confiados para o efeito, sem que o demandado tivesse sequer proposto as mesmas. A culpa no caso concreto, extravasou o âmbito civil e recaiu justamente na culpa criminal do arguido a quem foi imputado o crime de prevaricação de advogado.
Neste caso, encontram-se provados o dano, a culpa criminal e civil e o consequente direito à indemnização.
“Demonstrando o credor que o meio, contratualmente, exigível não foi empregue pelo devedor ou que a diligência requerida, de acordo com as regras da arte, foi omitida, competirá a este provar que não foi por sua culpa que não utilizou o meio devido, ou omitiu a diligência exigível”, - cfr. Ac. STJ de 05.02.2013, disponível em www.dgsi.pt/stj.
Como se refere no douto acórdão do S. T. J. de 14.03.2013, relatado pela Exmª Cons.ª Maria dos Prazeres Beleza[8], “no cumprimento do mandato forense, o advogado deve colocar todo o seu saber e empenho na defesa dos interesses do seu constituinte, naturalmente com respeito das regras de conduta genericamente impostas ao exercício da profissão respectiva, e dispõe de uma margem significativa de liberdade técnica.
Nesse cumprimento não se inclui, pelo menos em regra, a obrigação de ganhar a causa, mas apenas a de defender aqueles interesses diligentemente, segundo as regras da arte, com o objectivo de vencer a lide”.
No caso concreto a conduta do arguido no exercício do seu mandato por conta do assistente, foi considerada dolosa, ultrapassando todos os limites do espectável e acarretando necessariamente, não só danos morais como também patrimoniais, embora na sentença recorrida estes não tivessem sido quantificados. No caso de que nos ocupamos, o mandatário nem sequer diligenciou pela elementar propositura das acções, sem que demonstrasse ter existido qualquer justificação para a sua conduta. A única acção que propôs foi suspensa por falta de impulso processual.
O nosso ordenamento jurídico consagra a doutrina da causalidade adequada, ou da imputação normativa de um resultado danoso à conduta reprovável do agente, “nos casos em que pela via da prognose póstuma se possa concluir que tal resultado, segundo a experiência comum, possa ser atribuído ao agente como coisa sua, produzida por ele, mas na sua formulação negativa, porquanto não pressupõe a exclusividade da condição como, só por si, determinante do dano, aceitando que na sua produção possam ter intervindo outros factos concomitantes ou posteriores”, vidé ac. cit. idem.
A teoria geral da causalidade, no âmbito da responsabilidade contratual, tem subjacente o princípio do “tudo ou nada”, porquanto obriga a que o risco de incerteza da prova recaia em conjunto sobre um único sujeito. Todavia, a questão suscitada nos presentes autos pelo assistente, prende-se com a denominada teoria da “perda de chance” a qual distribui, o risco da incerteza causal entre as partes envolvidas, pelo qual o lesante responde, apenas, na proporção e na medida em que foi autor do ilícito.
“A doutrina da “perda de chance”, ou da perda de oportunidade, diz respeito, não à teoria da causalidade jurídica ou de imputação objectiva, mas antes à teoria da causalidade física, pelo que a perda de oportunidade apenas pode colocar-se, verdadeiramente, quando o julgador, depois de aplicar as regras e critérios positivos que orientam e limitam a sua capacidade de valoração, não obtém a prova de que um determinado facto foi causa física de um determinado dano final” - idem.
“O dano da “perda de chance” que se indemniza não é o dano final, mas o dano “avançado”, constituído pela perda de chance, que deve ser medida em relação à chance perdida e não pode ser igual à vantagem que se procurava, nem superior nem igual à quantia que seria atribuída ao lesado, caso se verificasse o nexo causal entre o facto e o dano final”, - cfr. Ac. STJ de 05.02.2013 relatado por Hélder Roque e disponível em www.dgsi.pt/stj.
É manifesto que no caso concreto se impunha fixar o quantum indemnizatório por danos patrimoniais e não tendo sido possível determinar o montante concreto há que recorrer aos juízos de equidade, nos termos do nº 3 do artº 566º do cód. civil, “se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados”.
O recorrente/assistente, acabou por reduzir o seu pedido e em sede de recurso apenas vem peticionar 50% do valor que considerou como efectivo prejuízo[9], (40.681,70 €) ou seja 20.340,85 € (metade).
No acórdão que citámos do S. T. J. datado de 05.02.2013, refere-se que nestes casos, importa proceder a uma tarefa de dupla avaliação, isto é, em primeiro lugar, realiza-se a avaliação do dano final, para, em seguida, ser fixado o grau de probabilidade de obtenção da vantagem ou de evitamento do prejuízo, após o que, obtidos tais valores, se aplica o valor percentual que representa o grau de probabilidade ao valor correspondente à avaliação do dano final, constituindo o resultado desta operação a indemnização a atribuir pela perda da chance.
No caso concreto, recorrendo aos juízos de equidade, às regras de experiência comum e ao douto entendimento da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, parece-nos equilibrado o pedido de 50% daquele valor. A chance de receber a totalidade do crédito é igual à probabilidade de nada receber. Porém, devemos ter em conta que nem sempre este será o entendimento correcto para todas as situações, havendo mesmo quem defenda que o direito à indemnização quando o mandante fique irremediavelmente impedido de ser ressarcido de outro modo (por ex. quando o Advogado deixa caducar o prazo de propositura de uma acção por culpa sua; ou quando não contesta e o seu cliente é condenado de preceito), a indemnização deve ser arbitrada pelo valor total do crédito que se visava recuperar[10].
Na “perda de chance” ou de oportunidade, ocorre uma situação omissiva que faz perder a alguém a sorte ou “chance” de evitar um prejuízo (no caso, a não propositura de acções - ainda que algumas passassem depois para outro mandatário - e o arquivamento de uma execução por, dolosamente não ter promovido o impulso processual e o credor/assistente ter perdido a chance de nomear bens à penhora).
O arguido/demandado, privou o cliente de um direito processual essencial, consagrado na lei do processo, e essa omissão determina a imediata confissão dos factos alegados pelo autor, o que, independente da sorte da acção, caso tivesse o seu percurso normal, constitui, por si só, um dano ou prejuízo autónomo, - neste sentido cfr. Ac. do STJ de 28.09.2010, disponível in www.dgsi.pt/stj
Citamos aqui mais uma vez o Douto acórdão relatado pela Cons.ª Maria dos Prazeres Beleza, de 14.03.2013, “o dano da perda de oportunidade de ganhar uma acção não pode ser desligado de uma probabilidade consistente de a vencer, (…), a chance de vencimento é suficiente para que a consistência da oportunidade perdida justifique uma indemnização, a calcular segundo a equidade”[11].
Pelo exposto, é de conceder provimento ao recurso interposto pelo assistente.
*
DECISÃO
Nestes termos, acordam os juízes da 2ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto em:
a) Negar provimento ao recurso interposto pelo arguido B…;
b) Conceder provimento ao recurso interposto pelo assistente, C… e condenar o arguido no pagamento de 20.340,85 € (vinte mil trezentos e quarenta euros e oitenta e cinco cêntimos) a título de danos patrimoniais.
c) Manter no mais a sentença recorrida.
*
● Custas a cargo do recorrente B…, que se fixam em 5 UC, (cinco unidades de conta).
*
Porto 29 de Maio de 2013
Américo Augusto Lourenço [12]
Maria Deolinda Gaudêncio Gomes Dionísio
_______________-
[1] - Cfr. artigos 119º, nº 1, 123º, nº 2, 410º, nº 2, alíneas a), b) e c) todos do cód. procº penal; acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/1995, publicado em 28/12/1995 e, entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242 e de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271.
[2] - Cfr. Ac. da RL, Proc. nº 1111/09.2PFSXL.L1, de 25-1-11. V. tb. os acs. do S.T.J., de 14 de Março de 2007, Processo 07P21, de 23 de Maio de 2007, Processo 07P1498, de 3 de Julho de 2008, Processo 08P1312, em www. dgsi.pt.
[3] - Cfr. Acs. TC nº 1165/96, de 19-11, BMJ, 461, pg. 93; do STJ, de 23-10-08, Proc. nº 08P2869, in www.dgsi.pt; Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, 1993, pgs. 107 a 114; Simas Santos/Leal Henriques, Código de Processo Penal Anotado, vol. I, 3ª ed., pgs. 874 a 879 – citando vários AA. -; e Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 10ª ed., pg. 322 a 323.
[4] - Cfr. Tribunal Constitucional in www.tribunalconstitucional.pt/acordaos.
[5] - Importa salientar que, há quem defenda, que os interesses comunitários na boa administração da justiça ou na pureza da advocacia, está num segundo plano, dado que em primeira instância, o que importaria seria a protecção do bem individual encarnado na pretensão jurídico-processual do titular da causa.
[6] - Tendo o sr. Juiz “a quo” entendido que só neste caso existiria nexo de causalidade entre a conduta do arguido e o prejuízo patrimonial.
[7] - Cfr. neste sentido Ac. do STJ de 05.02.2013, relatado pelo Cons. Hélder Roque e disponível em www.dgsi.pt/stj
[8] - Cfr. www.dgsi.pt/stj.
[9] - De notar que alguns títulos de crédito foram depois retirados ao arguido e entregues a outro Advogado para propositura das acções respectivas.
[10] - Neste sentido vidé Ac. do STJ de 28.09.1010, disponível in www.dgsi.pt/stj
[11] - Cfr. Ac. do STJ de 14.03.2013, disponível em www.dgsi.pt/stj.
[12] - Elaborado e revisto pelo relator, sendo da sua responsabilidade a não aplicação do acordo ortográfico.
http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/d1d5ce625d24df5380257583004ee7d7/53ef6b3e77de762f80257b90002979eb?OpenDocument

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