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segunda-feira, 6 de maio de 2013

RECURSO DE REVISÃO CASO JULGADO NOVOS FACTOS NOVOS MEIOS DE PROVA ESCUTAS TELEFÓNICAS - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça - 03.04.2013


Acórdãos STJ
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
157/05.4JELSB-N.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: MAIA COSTA
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
CASO JULGADO
NOVOS FACTOS
NOVOS MEIOS DE PROVA
ESCUTAS TELEFÓNICAS
NULIDADE
PROIBIÇÃO DE PROVA
FALSIDADE
INCONCILIABILIDADE DE DECISÕES
REVISÃO E CONFIRMAÇÃO DE SENTENÇA PENAL ESTRANGEIRA
SOBERANIA NACIONAL

Data do Acordão: 03-04-2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1

Meio Processual: RECURSO DE REVISÃO
Decisão: NEGADA A REVISÃO
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL PENAL - PROVA - RELAÇÕES COM AUTORIDADES ESTRANGEIRAS / REVISÃO E CONFIRMAÇÃO DA SENTENÇA PENAL ESTRANGEIRA - RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 126º, NºS 1 A 3, 234.º, N.º1 E N.º3, 449.º, N.º1, ALS. A), C), D), E), 456.º.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 29.º, N.º6.
Legislação Estrangeira:
LOPJ ESPANHOLA: - ARTIGO 11.º.
Referências Internacionais:
Jurisprudência Estrangeira:
SENTENÇA DA AUDIÊNCIA NACIONAL DE ESPANHA – Nº 16/11, DE 16.5.2011, PROFERIDA NO PROC. Nº 59/09

Sumário :

I -O recurso extraordinário de revisão constitui um direito fundamental dos “cidadãos injustamente condenados”, conforme dispõe o art. 29.º, n.º 6, da CRP. No conflito frontal entre o valor da certeza e da segurança jurídicas, assegurado pelo caso julgado, e as exigências da verdade material e da justiça, valor esse que é condição fundamental da paz jurídica comunitária que todo o sistema judiciário prossegue, e as exigências da verdade material e da justiça, que são também pressuposto e condição de aceitação e legitimidade das decisões jurisdicionais, o recurso de revisão pretende encontrar um ponto de equilíbrio, uma solução de concordância prática que concilie até onde é possível esses valores essencialmente contraditórios.
II - Na lei processual penal, esse equilíbrio é conseguido a partir do reconhecimento de que o caso julgado terá de ceder, em casos excecionais e taxativamente enumerados, perante os interesses da verdade e da justiça.
III -Segundo a recorrente, uma sentença da Audiência Nacional de Espanha considerou nulas as escutas telefónicas que estiveram na origem da investigação feita pelas autoridades policiais portuguesas e que foram elemento determinantes para a sua condenação nestes autos. É com base nessa anulação das escutas pelo tribunal espanhol que a recorrente invoca a verificação do pressuposto da al. a) do n.º 1 do art. 449.º do CPP (falsidade dos meios de prova), do pressuposto da al. e) do mesmo artigo (utilização de meios de prova proibidos – as escutas), do pressuposto da al. c) do mesmo artigo (inconciliabilidade entre os factos da sentença condenatória e os da sentença espanhola), e ainda do pressuposto da al. d) ainda do mesmo artigo (novos meios de prova).
IV - A sentença da Audiência Nacional de Espanha, enquanto sentença emanada de outra jurisdição nacional, não tem eficácia em Portugal. Na verdade, o princípio da soberania do Estado Português opõe-se ao reconhecimento de uma sentença proferida por um outro Estado, sem que previamente seja revista e confirmada pelos tribunais portugueses. É o que está expressamente consagrado, em processo penal, no art. 234.°, n.º 1, do CPP.
V - Não sendo essa decisão relevante na jurisdição nacional, não tem cabimento falar na utilização de meios de prova proibidos. Aliás, a anulação das escutas no processo que decorreu perante a Audiência Nacional de Espanha resultou da aplicação da lei nacional, concretamente do art. 11.º da LOPJ espanhola. E lembre-se que a questão da invalidade das escutas foi suscitada neste processo pela recorrente, antes e depois do julgamento, sendo julgada improcedente. Não tem também fundamento falar na “falsidade” dos meios de prova da decisão condenatória, até porque a falsidade é um conceito diferente do de proibição de prova. Também não é possível invocar inconciliabilidade entre os factos da sentença dos autos e os de uma sentença estrangeira sem validade na nossa ordem jurídica.
VI -A sentença da Audiência Nacional de Espanha pode apenas relevar, nos termos do n.º 3 do art. 234.º do CPP, como “meio de prova” para efeitos da al. d) do n.º 1 do art. 449.º do CPP. Contudo, essa decisão não contém quaisquer factos novos, porque nada se provou naquele julgamento, constituindo apenas a pronúncia sobre matéria de direito (validade das escutas efectuadas em Espanha) realizada à luz do direito processual espanhol.
VI - Aliás, a condenação da recorrente não se baseou apenas em escutas telefónicas, antes num complexo de meios de prova que incluiu prova testemunhal e documental, buscas e revistas, para além das referidas escutas. Não se verifica, também, o requisito de revisão da sentença previsto na al. d) do n.º 1 do art. 449.º do CPP.


Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


I. Relatório

AA, com os sinais dos autos, vem interpor recurso extraordinário de revisão, ao abrigo do art. 449º, nº 1, a), c), d) e e), do Código de Processo Penal (CPP), do acórdão da 2ª Vara Criminal de Lisboa de 5.3.2010, que a condenou, pela prática de um crime de tráfico agravado de estupefacientes, p. e p. pelos arts. 21º e 24º, c), do DL 15/93, de 22-1, na pena de 11 anos de prisão, pena essa reduzida para 9 anos de prisão, por decisão deste Supremo Tribunal de Justiça de 5.5.2011, transitada em julgado.

Alega o seguinte:

1º A arguida encontra-se presa no Estabelecimento Prisional de Tires desde o pretérito dia 25/07/2011, no âmbito do douto Acórdão Condenatório proferido pela 2ª Vara Criminal de Lisboa no Nuipc 157/05.4JELSB, que aplicou à aqui recorrente, pena de prisão efetiva de 11 anos pela prática de um crime de tráfico agravado de estupefacientes p. e p. pelos n° 1 do artº 21 e al. c) do art° 24 do DL 15/93 de 22 de Janeiro, com referencia à tabela B a ele anexa.

2º Posteriormente, por douta decisão condenatória do STJ, que transitou em julgado em 23-05-2011, a arguida viu reduzida a sua pena para 9 anos de prisão efetiva – cfr certidão do Acórdão proferido pela 5ª Secção do STJ que se junta como Doc. N.° 1, que aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos.

3º Pelo que peticiona a revisão do referido Acórdão condenatório transitado em julgado com o propósito da reposição da verdade e da realização da justiça, com o intuito de fazer prevalecer o princípio da justiça material sobre a certeza e segurança do direito, a que o caso julgado dá caução, com a dignidade constitucional que lhe é conferida pelo n° 6 do art.° 29 da Lei Fundamental.

4º O que faz, com os seguintes fundamentos:

A. Uma outra sentença transitada em julgado tiver considerado falsos meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão - al. a) do n.° 1 do art° 449 do CPP.

5º Grande parte da fundamentação do Acórdão condenatório referido no artigo anterior - bem como do teor do Despacho de Acusação, da Decisão Instrutória, do douto Acórdão Condenatório proferido em 1ª Instância e do Tribunal da Relação de Lisboa - cingiu-se nas interceções das escutas telefónicas aos arguidos, nomeadamente à arguida.

6º Acontece que, e conforme será exaustivamente explicitado e fundamentado no presente recurso, a investigação criminal desencadeada pelo MP coadjuvado pela PJ - que teve as escutas telefónicas como meio de prova fundamental - teve a sua origem e incidiu-se na investigação criminal desenvolvida pelas autoridades espanholas sobre determinados indivíduos de nacionalidade espanhola que foram constituídos arguidos e, posteriormente, absolvidos pelas instâncias espanholas pela prática dos factos pelos quais todos os arguidos julgados em Portugal no âmbito dos presentes autos, foram condenados.

7º Com efeito, os indivíduos espanhóis identificados no douto Ac. Condenatório do STJ, no seu ponto 1 dos factos provados - BB, CC, DD e EE - foram absolvidos do processo, P.O. 59/09 pela douta Sentença n.° 16/11, datada de 16/05/2011 e transitada em julgado em 14/07/2011 e proferida pela Secção Segunda da Sala de Direito Penal da Audiência Nacional - que se junta com a sua certidão como Doc. n° 2, que aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos e respetiva tradução certificada que se junta como Doc. n.° 3.

8º Pelo facto, da douta Sentença espanhola, transitada em julgado, ter considerado nulas as escutas telefónicas que estiveram na origem da investigação portuguesa e que foram determinantes para a decisão condenatória do Acórdão do STJ, cuja revisão se pretende pelo presente recurso.

9° Entendeu, a douta Sentença espanhola, que o início das investigações e o que determinou a vinculação dos arguidos espanhóis ao processo foi o ofício policial original com data de 11 de Abril de 2005, cujo signatário é o agente FF.

10° Pela Jurisprudência e Doutrina mencionada na douta sentença - cujo teor remetemos para os Docs. n.° 2 e 3 - a Audiência Nacional entendeu que o oficio original: "é insuficiente a todos os níveis, e como consequência, o auto também, sendo que neste apenas se regista que as escutas telefónicas são necessárias para determinar os factos relatados. O ofício não relaciona um mínimo de atividade policial prévia, desenvolvimentos, investigações, etc. que poderiam converter-se em dados objetivos, que justificassem a limitação do direito fundamenta. Com base nestes argumentos o tribunal entende que concorre o pressuposto no art.° 11 da LOPJ, encontrando-nos ante uma prova ilícita obtida em violação de um direito fundamental, e por isso não se pode admitir como prova, devendo-se declarar nulo o auto habilitante por falta de justificação suficiente, por falta de dados objetivos e indícios no ofício peticionário."

11° Consequentemente, concluiu a Audiência Nacional: “declarada a nulidade das escutas telefónicas iniciais, as quais originaram as subsequentes, natural e juridicamente conectadas, não podem estas ser validades como provas de acusação, ou seja, o resultado das escutas, nem a sua documentação, nem as declarações que os agentes policiais que nelas participaram prestaram sobre as mesmas e seu resultados".

12° Analisada a questão da conexão ou independência das investigações criminais dos dois países, a douta sentença espanhola "depreendeu que ambas as polícias seguiam a mesma linha de investigação e que grande parte da informação que obtiveram os policias portugueses foi em consequência das escutas telefónicas que se realizavam em Espanha, de tal forma que parece clara a conexão de antijuridicidade existente entre a prova ilícita e todas as obtidas com a posterior investigação".

13° Mais concluiu: "As fontes de informação, nunca explicitadas nos ofícios, que puderam prover a investigação portuguesa, também estariam viciadas como consequência da informação que lhes foi transmitida pela polícia espanhola, a qual provinham das escutas telefónicas cuja nulidade se decretou. Esta argumentação, deve ser extensível à totalidade dos ofícios posteriores solicitando novas escutas, e a prorrogação das já autorizadas, e por isso a todas as provas de acusação''.

14° Pelo que deduzimos, no nosso modesto entendimento, que as escutas telefónicas consideradas nulas, e dessa maneira inutilizáveis, foram determinantes para a decisão sobre a matéria de facto do Ac. Condenatório, pois foram o alicerce das escutas telefónicas levadas a cabo pelas autoridades portuguesas sobre a arguida AA, invocadas na fundamentação da decisão do referido Acórdão do STJ. Ora,

15° O teor da referida sentença espanhola é corroborado por diversos documentos juntos aos presentes autos, onde são enumeradas as referências à influência da investigação criminal espanhola que protagonizou na investigação levada a cabo em solo nacional pelo MP, coadjuvado pela PJ, que foram decisivas na condenação da arguida AA, aqui recorrente.

16° A primeira folha dos autos é exemplo taxativo da linha de orientação das autoridades judiciárias portuguesas - segundo informação da Diretoria Nacional da PJ, datada de 30/04/2005 - que se junta como Doc. n.° 4.

17° Nos termos da informação prestada em 17/05/2005, a fls. 64 a 66 do 1º volume dos autos, o mencionado OPC refere que os autos de interceção telefónica iniciaram-se com informação proveniente das autoridades espanhola, dando conta que 2 indivíduos espanhóis se encontravam em contacto com portugueses a fim de introduzirem uma grande quantidade de produto estupefaciente na Europa a partir da América do Sul - cfr. teor da informação que se junta como Doc. n.° 5.

18° No documento mencionado no artigo anterior e fruto das informações prestadas pela congénere espanhola, a PJ obtém o contacto móvel utilizado pela arguida AA - ... - bem como o seu endereço eletrónico - ....

19° O que determinou o MP a requerer a interceção das comunicações desses contactos e a sua aplicação por despacho do JIC do TCIC - nos termos do n.° 1 do art° 187 do CPP.

20° Tendo sido alargado o âmbito das interceções das escutas telefónicas ao telemóvel - ... - da aqui recorrente, por informação transmitida pelas autoridades espanholas - cfr documento, datado de 23/11/2005, de fls. 1103 do 5º volume dos autos, que se junta como Doc. n.° 6.

21° Que posteriormente, se estendeu ao telemóvel ...; ... e ... (estes dois últimos telemóveis espanhóis) da arguida AA, uma vez mais por informação fornecida pelas autoridades espanholas – cfr. documento de fls. 1564 do 6º volume dos autos, que se junta como Doc. n.° 7.

22° Por diversas ocasiões, a PJ reporta os seus relatórios ao MP, em obediência ao n.° 3 do art.° 188 do CPP, evidenciando as informações prestadas pelas autoridades espanholas, no que toca à prática dos mesmos factos, como base na investigação criminal desencadeada em solo português e que foram determinantes na fase do Inquérito e consequente condenação da arguida AA em 1ª Instância, na Relação e, por último, no STJ.

23° São disso exemplo:

a) O relatório da PJ, de fls. 2446 do 8° Volume dos autos - onde refere que a atividade da organização (composta pelos arguidos julgados em Portugal e Espanha) "encontra-se profundamente documentada nos autos, conforme resumos de interceção telefónica, relatos de vigilâncias, fotografias das mesmas e informações provenientes da nossa congénere espanhola” - que agora se junta como Doc. n.° 8, que aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos.

b) O relatório da PJ, datado de 26/07/2006, de fls. 2757 a 2760 do 8° volume dos autos - com a mesma referência, que agora se junta como Doc. n.° 9 que se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos.

c) O relatório da PJ, de fls. 3088 a 3090 do 10° volume dos autos - com o mesmo conteúdo que se junta como Doc. n.° 10 que se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos.

d) A informação, a fls. 2756 do 10° volume dos autos, fornecida pelas autoridades espanholas sobre o encontro mantido em Portugal no dia 19/07/2006 entre os arguidos espanhóis - EE, DD - e alguns portugueses, como a aqui recorrente - que se junta como Doc. n.° 11.

e) O relatório intercalar da PJ, a fls. 4124 a 4131 do 15° volume dos autos - onde refere que "teve início a presente investigação em 30/04/2005 com informação proveniente das autoridades espanholas que dava conta que uma organização criminosa sediada naquele país por HH e II, encontrava-se em contactos com um grupo nacional com vista à importação de elevada quantidade de cocaína. Apurou-se que como elementos preponderantes em Portugal figuravam JJ, LL e a arguida AA" - que se junta como Doc. n.° 12 que aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos.

f) O relatório da PJ, de fls. 4451 a 4454 do 17° volume dos autos - dando conta que "os elementos apuradas pela presente investigação e a desenvolvida pela nossa congénere espanhola permitiram apurar que dos mesmos resultou a entrega do capital necessário aos trâmites alfandegários por parte dos suspeitos espanhóis aos portugueses" - que aqui se junta como Doc. n.° 13.

24° Não menos importante, é o teor da Decisão Instrutória proferida pelo TCIC, a fls. 6291 a 6456 do 24° volume dos autos, onde, uma vez mais, é esclarecedora a influência predominante da investigação criminal espanhola na condenação da arguida AA - que se junta como Doc. n.° 14 que aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos.

25° Na douta decisão, o JIC do TCIC afirma de forma concisa: "As Autoridades Espanholas remeteram, entretanto, as declarações dos arguidos detidos em Espanha, juntamente com a sua resenha fotográfica, que deu origem ao Apenso G; foram igualmente remetidas cópias de todo o processo que lá decorre, o qual foi junto ao presente inquérito como Apenso F.".

26° Mais refere a douta decisão instrutória, transcrições do relatório final do processo espanhol." Da análise ao processo enviado pelas Autoridades Espanholas, ressaltam os seguintes factos.

27° Factos esses que são transcritos na íntegra a fls. 20 a 22 da douta decisão do agora Doc. n.° 14 do presente recurso, que resultam, essencialmente, das transcrições das escutas telefónicas efetuadas pelas autoridades espanholas que contém conversações que não só envolvem a aqui recorrente, como outros arguidos portugueses todos condenados - cujo teor remetemos para a Decisão Instrutória.

28° O depoimento na Audiência Nacional em Espanha da já mencionada testemunha FF - Agente da Policia Nacional - signatário do oficio policial original que deu o inicio à investigação em Espanha com data de 11 de Abril de 2005 (antes da portuguesa que se iniciara em 30/04/2005 – cfr. Doc. n.° 4 do presente recurso), confirmou que “depois do inicio das investigações surgiram alguns indivíduos, hoje arguidos neste processo, e começaram investigações em Portugal com base num contacto da polícia espanhola para investigar um encontro suspeito".

29° Mais referiu a testemunha "expressamente, que quanto à informação do encontro suspeito que se produziu em Portugal, a polícia espanhola forneceu a mesma à polícia portuguesa, e esta encarregou-se de investigar as reuniões em Portugal. Declarou que informavam a polícia portuguesa das reuniões que aí aconteciam com base nos dados obtidos a partir das conversas telefónicas escutadas e por vezes diligenciadas".

30° Para posteriormente, aprofundar que "posteriormente ao ofício policial inicial se produziu um encontro entre o denominado "HH" e outra pessoa em Portugal, perante a qual se contactou agentes de Lisboa para a acompanhar; e para mais declara que dois meses depois dois dos investigados reuniram-se com o português "JJ" em Portugal e "falaram com os portugueses para que se investigue a reunião" - referindo-se à informação do já mencionado Doc.° 4 do presente recurso.

31° Citando a Sentença espanhola, junto ao presente recurso como Doc. n.° 2 e sua tradução como Doc. n.° 3, a propósito do depoimento da testemunha FF: "é precisamente através desta reunião que a polícia portuguesa teve conhecimento da existência dos arguidos neste processo".

32º Os mesmos arguidos que a Justiça Portuguesa, no já mencionado Ac. Condenatório do STJ (Doc. n.° 1 do presente recurso) deu como provado a sua conexão com os arguidos portugueses quanto ao transporte de estupefacientes por via marítima no contentor n.° HLXU6767157, proveniente da Venezuela, apreendidos no porto de Lisboa no dia 22/12/2007.

33° Dos autos acima identificados, surge a mesma informação descrita que a testemunha FF depôs na Audiência de Julgamento em Espanha, a fls. 2289 a 2292 do 8º volume, que contém resumos de escutas telefónicas intercetadas aos contactos da arguida AA - que aqui se junta como Doc. n.° 15 e que aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos e a sua tradução como Doc. n.° 16. Ora,

34° De acordo com Paulo Pinto de Albuquerque, a causa prevista na al. a) do n.° 1 do art.° 449 do CPP , que agora se discute "supõe que os provas foram julgadas falsas por uma sentença transitada em julgado” - in Comentário do Código de Processo Penal, 4ª edição atualizada, de Paulo Pinto de Albuquerque, nota 20 da pág. 1212.

35° Nesse sentido, dispõe o Ac. do STJ, proferido pela 3ª Secção no Processo n.° 107/09.9GAFFR-B.S1, que "só considera relevante para a revisão a falsidade de meios de prova quando a falsidade tenha sido declarada por outra sentença transitada em julgado”.

36° Pelo exposto, verifica-se preenchido o ora fundamento pelo qual se peticiona a presente revisão do Ac. Condenatório do STJ.

B. Se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n° 1 a 3 do art.° 126 do CPP

37° Por tudo o que se logrou afirmar no ponto A) do presente recurso, as interceções telefónicas realizadas aos contactos móveis e ao correio eletrónico da arguida AA, no nosso modesto entendimento, tratam-se de provas proibidas nos termos do n.° 3 do art.º 126 do CPP, revestindo-se de nulidade.

38° Que não podiam, desse modo, serem utilizadas e acatadas na douta decisão condenatória do acórdão do STJ, que agora se pede a sua revisão.

39° Uma vez que as escutas telefónicas ordenadas pelo MP aos contactos da aqui recorrente AA, bem como dos outros coarguidos, terem sido desencadeadas com base nas escutas telefónicas ordenadas pelas autoridades espanholas aos arguidos espanhóis julgados em Espanha e aos arguidos portugueses julgados e condenados em Portugal, nomeadamente a arguida AA - que, como vimos, foram declaradas nulas. Ora,

40° As escutas telefónicas espanholas originaram as subsequentes - as escutas portuguesas - que estão naturalmente e juridicamente conectadas, que não podiam, nem podem, as escutas telefónicas nacionais serem validadas como prova, o que acarreta a nulidade de toda a prova posteriormente recolhida, devida ao chamado efeito à distância, já que foi obtida a partir de provas proibidas.

41° Pelo exposto, devem as escutas telefónicas, que foram determinadas para a condenação da arguida AA, serem declaradas nulas, por clara violação do n.° 3 do art.° 126 do CPP, e da inviolabilidade da reserva da intimidade da vida provada e da privacidade das comunicações, consagradas nos n.° 8 do art.º 32 e n.° 1 e 4 do art.° 34, ambos da Lei Fundamental.

C. Os factos que serviram de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação – al. c) do n.° 1 do art.° 449 do CPP.

42° No douto Acórdão do STJ, junto ao presente recurso como Doc. n.° 1, subsistem determinados factos que serviram de fundamento para a condenação da aqui recorrente que revelam conexão com os arguidos espanhóis, que, conforme já afirmado, foram absolvidos em Espanha pela prática dos mesmos factos que a arguida AA foi condenada pelas instâncias judiciais portuguesas.

43° Foi considerado como provado pela 5ª Secção do STJ a ligação "pessoal" e "direta" entre a arguida AA com os arguidos espanhóis - devidamente identificados no art.° 7 do recurso sub judice - aos quais a Jurisprudência portuguesa designou-os por "compradores espanhóis", com a finalidade de adquirir uma determinada quantidade de cocaína na Venezuela, transportando-a por via marítima, dissimulado em mercadoria lícita, para Portugal, e daqui para Espanha, destinado aos tais "compradores espanhóis".

44° Segundo um plano delineado e concebido pela aqui recorrente, juntamente com o coarguido MM, ao qual aderiram os restantes coarguidos condenados pelas instâncias nacionais - nos termos dos factos 1 e 158 dos factos provados do douto Ac. Condenatório do Doc. n.° 1 do presente recurso.

45° Com a contrapartida dos autores nacionais do plano idealizado - AA e MM - obterem uma vantagem patrimonial por parte dos tais "compradores espanhóis" numa quantia monetária não inferior a 500.000,00 (quinhentos mil euros), pelo transporte da cocaína para a posse deles.

46° Quantia que seria distribuída, embora de forma não apurada, entre a aqui recorrente e o coarguido MM, os quais entregariam uma determinada parte aos restantes arguidos portugueses - de acordo com os factos 2, 147 a 149 e 155 a 157 dos factos provados pelo douto Ac. Condenatório do STJ.

47° Mais considerou o STJ fundamental para a condenação da arguida, que a aqui recorrente AA, juntamente com o coarguido MM reuniu-se, pelo menos, por 4 ocasiões com os arguidos espanhóis com a finalidade de acertar com eles todos os pormenores do transporte da cocaína e da importação do contentor n.° HLXU6767157, apreendido em 22/12/2007 - 20° facto dado como provado no douto Ac. condenatório.

1) Em 25 de Outubro de 2007, a arguida, juntamente com o coarguido MM, encontrou-se com EE em Elvas - 21° facto dado como provado.

2) Em 14 de Novembro de 2007, a arguida, novamente junto com o coarguido MM, voltou a encontrar-se com EE em Elvas, onde se procedeu à troca, entre eles, de documentação e de objetos diversos - factos 33 e 34 dos factos dados como provados.

3) Em 26 de Novembro de 2007, a aqui recorrente encontrou-se com os irmãos NN e Francisco Criado - facto 39 dos factos provados.

4) Mais tarde, voltou a encontrar-se com os irmãos referidos em 3), em Castelo Branco - facto 49 dos factos provados.

48° O douto Ac. Condenatório do STJ deu igualmente como provado que a arguida AA diligenciou junto dos representantes dos compradores espanhóis para que lhe fosse entregue dinheiro suficiente para procederem ao pagamento dos custos de transporte e outras despesas efetuadas - 18° facto dos factos provados, e

49° Que esteve em contacto telefónico com EE e Francisco Criado, utilizadores, respetivamente, dos números 34913241375 e 34913063337, ambos da rede de Espanha, tratando de assuntos relacionados com a chegada da quantia de cocaína apreendido no dia 22 de Dezembro de 2007 e seu posterior armazenamento, utilizando expressões como "coisa", "isso", "duas coisas", para se referirem à cocaína - 78° e 79° dos factos dados como provados. Ou seja,

50° O Acórdão Condenatório do STJ, junto ao presente recurso como Doc. n.° 1, pelo qual a arguida cumpre pena de prisão efetiva de 9 anos no Estabelecimento Prisional de Tires, deu como provado uma ligação estreita, através:

■ De recíprocas trocas de informação;

■ Acordarem modos de atuação;

■ Encontros e outras diligências.

51° Entre a aqui recorrente - AA - juntamente com outros coarguidos portugueses, com os arguidos espanhóis julgados e absolvidos pelas Audiência Nacional de Espanha, aos quais os tribunais nacionais apelidaram de "compradores espanhóis", tendo em vista o plano delineado e concordado entre todos os intervenientes, conforme já explicitado. Ora,

52° Acontece que a já mencionada Sentença n.° 16/11, proferida pela Secção Segunda da Sala de Direito Penal da Audiência Nacional, no âmbito do processo P.O. 59/09 - que se junta no presente recurso, a certidão como Doc. n.° 2 e sua tradução como Doc. n.° 3 - considerou como facto provado que os arguidos DD, BB, CC, EE (os tais "compradores espanhóis" no 1º facto dos factos provados pelo Ac. Condenatório do STJ) não tivessem qualquer relação com a operação levada a cabo pela Polícia Judiciária portuguesa, no dia 22 de Dezembro de 2007, que consistiu na busca de um contentor em cujo interior junto a caixas de polvo congelado se apreenderam 200 caixas em cujo interior havia 1290.803 quilos de cocaína com uma pureza de 16% - de acordo com o primeiro dos factos provados.

53° Concluindo, no primeiro dos fundamentos jurídicos, quanto às questões prévias, que pelas questões discutidas na douta sentença espanhola, "não ficou acreditada a relação entre os arguidos e a apreensão da substância psicotrópica em Portugal''. Ora,

54° Na nossa modesta opinião, da oposição dos factos provados pela douta Sentença n.° 16/11, proferida pela Secção Segunda da Sala de Direito Penal da Audiência Nacional - em Espanha, com os dados como provados pelo douto Ac. Condenatório do STJ dos presentes autos (transitado em julgado em 23/05/2011) e do qual se pede a sua revisão, resultam graves e notórias dúvidas sobre a justiça da condenação da aqui recorrente AA.

55° "Essas dúvidas, porém, porque graves têm de ser de molde a pôr em causa, de forma séria, a condenação de determinada pessoa, que não a simples medida da pena imposta" - o que parece ser o caso - nesse sentido o Acórdão de 26-04-2012, da 5ª Secção do STJ, Processo n.° 614/093TDLSB-A.S1. Porque,

56° E salvo respeito por opinião contrária, se um acórdão do STJ, transitado em julgado deu como provado a ligação/conexão entre os arguidos espanhóis julgados e absolvidos em Espanha -"compradores espanhóis" - com a arguida AA quanto ao plano delineado e acordado entre todos, com a finalidade de transportar uma determinada quantia de cocaína, desde a Venezuela para Portugal e, posteriormente, para a Espanha, por via marítima, dissimulada em mercadoria lícita, que culminou com a apreensão do contentor n.° HLXU6767157, vindo da Venezuela, no porto de Lisboa, que continha polvo congelado e cocaína em 236 caixas - conforme exaustivamente descrito no presente recurso -, sérias, graves e contundentes dúvidas, e não apenas razoáveis, surgem quanto à justiça da condenação da aqui recorrente AA, quanto à imputação do crime pelo qual cumpre pena no EP de Tires e à determinação da sua pena de prisão efetiva de 9 anos - quando subsiste uma sentença da Audiência Nacional de Espanha, transitada em julgado, a dar como provado o contrário da fundamentação do referido Ac. Condenatório do STJ, do qual se pede a sua revisão - nesse sentido, Paulo Pinto de Albuquerque, 4ª edição do Comentário ao Código de Processo Penal, notas 14 e 15 de pág. 1209.

57° Pelo que, é a oposição existente entre os factos provados na sentença criminal condenatória e os “factos dados como provados noutra sentença" - nesse caso, a citada sentença espanhola - que legitima o recurso de revisão com fundamento na alínea em questão - in Paulo Pinto de Albuquerque, 4ª edição do Comentário do Código de Processo Penal, pág. 1207, nota 8.

58° Sem que a única condição essencial para se interpor recurso extraordinário de revisão de sentença pela al. c) do n.° 1 do art.º 449 do CPP, "é a de que a outra sentença - in casu, a sentença espanhola – já tenha transitado em julgado, pois só então se pode verdadeiramente considerar que estão provados factos inconciliáveis com os factos que serviram de fundamento à condenação" - in nota 9, pág. 1207, da 4ª edição do Comentário do Código de Processo Penal de Paulo Pinto de Albuquerque.

D. Novos meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação – al. d) do n.° 1 do art.° 449 do CPP.

59° Por tudo o que se declarou no ponto anterior do presente recurso, dá-se por aqui integralmente reproduzido todo o seu conteúdo para os efeitos legais da al. d) do n.° 1 do art.º 449 do CPP.

60° Reforçando que a Sentença n ° 16/11, proferida pela Secção Segunda da Sala de Direito Penal da Audiência Nacional, no âmbito do processo P.O. 59/09, transitou em julgado em 14/07/2011, isto é, após o trânsito em julgado do douto Ac. Condenatório do STJ (23-05-2011).

61° Apresentando-se, no presente recurso, como um novo meio de prova, com novos factos - neste caso, prova documental!

62° Conforme dispõe o já mencionado Acórdão da 3ª Secção do STJ, de 24-10-2012, Processo 107/09.9GAPFR-B.S1, "o fundamento de revisão de sentença da alínea d) do n.° 1 do artigo 449, novos factos ou meios de prova, implica o aparecimento de novos factos ou meios de prova, ou seja, como expressamente consta do texto legal, a descoberta de factos ou meios de prova relevantes para o pedido de revisão terão ser processualmente novos, isto é, meios de prova que não foram produzidos ou considerados no julgamento".

63° Mais acrescentou o douto Ac. - "A novidade, como se decidiu no acórdão deste Supremo Tribunal de 8 de Maio de 2011, proferido no Processo n.° 140/05.0JELSB-N.S1, refere-se ao meio de prova, seja pessoal, documental ou outro, e não ao resultado da produção da prova." Ora,

64° No que toca aos presentes autos, a douta Sentença espanhola n.° 16/11, é um meio de prova documental, que não foi produzido ou considerado no julgamento em 1ª instância na 5ª Vara Criminal de Lisboa, estando presente uma novidade total.

65° Pelo que o legislador, perante essa novidade total, possibilita a quebra do valor do caso julgado do douto Acórdão Condenatório e a admissibilidade da sua revisão. Contudo,

66º O conceito de "novidade" dos factos ou dos meios de prova, não se esgota pelo facto de terem sido apenas descobertos após julgamento, e dessa forma, não terem sido produzidos ou considerados pelos tribunais nas suas decisões.

67° Segundo a jurisprudência atualmente dominante no STJ, "factos novos e novos meios de prova" são aqueles que não puderam ser apresentados e apreciados ao tempo do julgamento, quer por serem desconhecidos dos sujeitos processuais, quer por não poderem ter sido apresentados a tempo de serem submetidos à apreciação do julgador - nesse sentido, o Ac. da 5ª Secção do STJ, de 26-04-2012, no Processo n.° 614/09.3TDLSB-A.S1; Acórdão de 7-10-2009, Proc. n.° 8523/06.1TDLSB-E.S1 da 3ª Secção; Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 376/2000, de 13-07-2000, entre muitos outros.

68° Na doutrina mais recente Paulo Pinto Albuquerque afina pelo mesmo diapasão - Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora 4ª edição atualizada, pág. 1207.

69° No que aos autos dizem respeito, a arguida AA não teve possibilidade de apresentar o novo meio de prova documental - a douta sentença espanhola - antes do trânsito em julgado, porque não só não tinha conhecimento da referida sentença como - e uma vez que transitou em julgado em momento posterior ao transito em julgado do douto acórdão condenatório do STJ, conforme já enunciado - não lhe era possível apresentá-la aos presentes autos e, dessa forma, ser considerada e apreciada pela 5ª Vara Criminal de Lisboa, pelo Tribunal da Relação de Lisboa e STJ.

70º Com diz Paulo Pinto de Albuquerque no seu Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora 4ª edição atualizada, pág. 1207, "a lei não permite que a inércia voluntária do arguido em fazer actuar os meios ordinários de defesa seja compensada pela atribuição de meios extraordinários de defesa".

71° Como vimos, não se tratou de inércia ou omissão por parte da aqui recorrente AA, mas sim de um desconhecimento da douta sentença espanhola e da impossibilitada do referido meio de prova documental ter sido submetido e, dessa forma, apreciado, pela justiça portuguesa até ao seu trânsito em julgado.

72° Pelo já citado Ac. da 5ª Secção do STJ, de 26-04-2012, no processo n.° 614/09.3TDLSB-A.S1 - Acórdão proferido no processo n.° 330/04.5/AFTM-B.S1, da 5ª Secção do STJ, a douta sentença espanhola que se junta como Doc. n.° 2 e a sua tradução, como Doc. n.° 3, assumindo como uma novo meio de prova - neste caso, documental - conhecido da arguida AA, "será invocável em sede de recurso de revisão, desde que seja dada uma explicação suficiente, para a omissão, antes da sua apresentação. Por outras palavras, a recorrente terá que justificar essa omissão, explicando porque é que não pôde apresentar este novo meio de prova, agora novo para o tribunal". E,

73° Mesmo que a douta sentença espanhola fosse conhecida pela aqui recorrente no momento do julgamento, a arguida AA justificou - conforme o art.° 69 e 71 do presente recurso - suficientemente, na nossa modesta opinião, a sua não apresentação, explicando porque é que não pôde apresentá-la em juízo até ao seu trânsito em julgado - nesse sentido, os Acórdãos de 17.04.2008, processo n.° 4840/07 da 3ª Secção do STJ; de 07.10.09, processo n.° 8623/06.1TDLSB-K.S1 da 3ª Secção do STJ; de 17.12.2009, processo n.º 330/04.2JAPTM-B.S1 da 5ª Secção do STJ, entre outros. Todavia,

74° Não basta que seja invocada a Sentença n.° 16/11, proferida pela Secção Segunda da Sala de Direito Penal da Audiência Nacional, no âmbito do processo P.O. 59/09 como novo meio de prova processual.

75° Pela al. d) do n.° 1 do art.° 449 do CPP, é necessário que esse novo meio de prova, por si só ou conjugado com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

76° Por tudo o que foi dito no ponto C) do presente recurso, em particular dos artigos 43 a 56, os quais se dão aqui integralmente reproduzidos, da conjugação entre a douta sentença espanhola com o Ac. Condenatório do STJ, subsistem graves, e não apenas razoáveis, dúvidas que fazem pôr em causa, de forma séria, a condenação da aqui recorrente AA. Pois,

77° Se o douto Ac. Condenatório do STJ, deu como provado:

a) A ligação "pessoal" e "direta" entre a arguida AA com os arguidos espanhóis - "compradores espanhóis” - mediante um plano concebido pela aqui recorrente e o coarguido MM, de forma a transportar, por via marítima, dissimulada em mercadoria lícita, uma quantidade de cocaína no contentor HLXU6767157, apreendida no porto de Lisboa em 22/12/2007 – cfr. n.° 1 e 158 dos factos provados do douto acórdão, e

b) Como contrapartida desse plano, o facto da arguida AA, receber dos tais "compradores espanhóis", uma quantia não inferior a 500.000,00 (quinhentos mil euros), com o coarguido MM – cfr. factos n.° 2, 147 a 149 e 155 a 157 dos factos dados como provados do douto acórdão.

78° Graves e sérias dúvidas surgem quanto à condenação da aqui recorrente, quando um novo meio de prova - a douta Sentença n.° 16/11, proferida pela Secção Segunda da Sala de Direito Penal da Audiência Nacional, no âmbito do processo – P.O. 59/09 - deu como provado a não ligação entre os arguidos espanhóis com a operação levada a cabo pela Polícia Judiciária portuguesa, no dia 22/12/2007, que consistiu na busca de um contentor em cujo interior junto a caixas de polvo congelado se apreenderam 200 caixas em cujo interior havia uma determinada quantidade de cocaína. Ou seja,

79° Toda a envolvência entre os "compradores espanhóis" julgados em Espanha e os arguidos portugueses, no que tange ao transporte de uma quantidade de cocaína apreendida no porto de Lisboa em 22/12/2007, dada como provada pelo douto acórdão do qual se pede a sua revisão é totalmente contrariada por um novo meio de prova - a douta sentença espanhola.

80° Por todo o exposto, consideramos o presente recurso extraordinário de revisão, com a dignidade constitucional que lhe é conferida pelo n.° 6 do art.° 29 da Constituição da República Portuguesa, o meio processual especialmente vocacionado para reagir contra os clamorosos e intoleráveis erros judiciários mencionados que, no nosso modesto entendimento, indiciam com uma probabilidade muito séria a injustiça da condenação da arguida, aqui recorrente AA.

Nestes termos e nos melhores de Direito e como o sempre Mui douto Suprimento de V.Exas, vem a arguida requer que se dignem conceder o presente recurso extraordinário de Revisão, pela subsistência de dúvidas graves sobre a justiça da condenação da arguida AA pelo disposto pelas als. a), c) e d) do n.° 1 do art.º 449 do CPP, a fim de,

1) Em função da gravidade da dúvida sobre a condenação e pelo facto da arguida se encontrar a cumprir pena de prisão, ser suspensa a execução da respetiva pena de prisão efetiva de 9 anos e, consequentemente, aplicar a medida de coação de obrigação de permanecer na sua habitação - nos termos dos n.° 2 e 3 do art.º 457 do CPP,

2) Absolver a arguida e, dessa forma, anular a decisão que por este meio se pede a sua revisão, ou

3) Subsidiariamente, caso VEXAS entenderem não anular a decisão condenatória do STJ, atenuar substancialmente a execução da pena de prisão efetiva de 9 anos, em virtude dos fundamentos das als. c) e d) do art° 449 do CPP, a Sentença n.° 16/11, proferida pela Secção Segunda da Sala de Direito Penal da Audiência Nacional, no âmbito do processo P.O. 59/09 ter dado como provado a não ligação da aqui recorrente com os arguidos espanhóis, e dessa forma surgir graves e sérias dúvidas quanto ao facto dos arguidos espanhóis terem prometido entregar à arguida um montante nunca inferior a 500.000,00 (Quinhentos mil euros), pelo transporte da quantia de cocaína apreendida no porto de Lisboa - facto esse determinante para ser condenada pelo crime de tráfico de estupefacientes de forma agravada.


Foi prestada a seguinte informação, nos termos do art. 454º do CPP:


Não se vislumbra em que medida a decisão proferida no P.O. 59/09 datada de 16/05/2011 e transitada em julgado em 14/07/2011 – sentença espanhola da 2ª Secção da Sala de Direito Penal da Audiência Nacional, possa colidir com a decisão proferida nestes autos, designadamente no tocante à arguida AA.

A presente decisão não assentou apenas em escutas e sobre a validade destas já foi proferida decisão na qual se aferiu dos seus requisitos face à lei portuguesa.

Assim sendo, e sem necessidade de proceder a quaisquer diligências, determino a remessa do presente apenso ao STJ.


Neste Supremo Tribunal, a sra. Procuradora-Geral Adjunta emitiu o seguinte parecer, ao abrigo do art. 455º, nº 1, do CPP:


A arguida AA vem interpor recurso extraordinário de revisão do acórdão condenatório proferido na 2ª Vara Criminal de Lisboa transitado em 23/5/2011, após recursos ordinários para o Tribunal da Relação de Lisboa e Supremo Tribunal de Justiça e em que foi condenado por autoria de um crime de tráfico de estupefaciente agravado (artºs 21º e 24º al. a) do dec.lei 15/93) na pena de 9 anos de prisão, defendendo a admissibilidade da revisão porque uma sentença proferida na Audiência Nacional em Espanha suscita graves dúvidas sobre a justiça da sua condenação conforme dispõem as als. a) c) e d) do nº 1 do artº 449º do CPP.

A arguida/recorrente AA na sua motivação tenta demonstrar e defender que esta sentença que absolveu os arguidos espanhóis e que são referidos também no acórdão que a condenou, integrará quatro dos fundamentos previstos no nº 1 do artº 449º do CPP, para a admissibilidade da revisão.

A sentença espanhola, transitada em julgado, considerou nulas as escutas telefónicas que também em Portugal foram determinantes para a decisão condenatória, por isso, para a arguida/recorrente, pode integrar o fundamento p. na al. a) do nº 1, Uma outra sentença transitada em julgado tiver considerado falsos meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão.

Considerou também que as escutas telefónicas espanholas que originaram as subsequentes escutas portuguesas se poderão integrar nos fundamentos p. na al. e) do nº 1, “Se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos nºs 1 a 3 do artº 126º”.

E ainda os factos dados como provados no acórdão condenatório quando envolvem os arguidos espanhóis que eram os compradores da cocaína mas que foram julgados e absolvidos, são inconciliáveis por estarem em oposição com a sentença espanhola, suscitando graves dúvidas previstas na al. c), “Os factos que servirem de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação”.

Por fim também tenta defender que a sentença nº 16/11, do p. 59/09, além de ter transitado depois do acórdão condenatório português também constituiu um facto novo que não foi possível apresentar pela arguida antes do seu trânsito, integrando por isso a fundamentação da al. d), “Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação”.

No entanto parece-nos que a muito bem fundamentada sentença proferida em Madrid, eventualmente apenas poderia integrar o fundamento da descoberta de prova proibida que tivesse servido de fundamento à condenação (al. e) do nº 1 do artº 449º) se, tal como a sentença realça, se pudesse vir a considerar que na condenação tivessem sido utilizadas provas abrangidas no nº 3 do artº 126º do CPP, que atempadamente não tivessem sido conhecidas.

De qualquer modo, segundo nos parece não se mostram preenchidos nenhum dos pressupostos que possam tornar admissível a revisão como tentaremos demonstrar.

1- O recurso extraordinário de revisão, direito também reconhecido constitucionalmente no nº 6 do artº 29º da Constituição, apresenta-se como um ensaio legislativo com vista ao estabelecimento do equilíbrio entre a imutabilidade da sentença decorrente do caso julgado e a necessidade de respeito pela verdade material (In Recursos em Processo Penal, Simas Santos e Leal Henriques, 163).

Os fundamentos de recurso de revisão p. no artº 449º nº 1 abrangem meios de prova que outra sentença tenha considerado falsos e tenham sido determinantes para a decisão (al. a)), desta oposição entre os fundamentos de duas sentenças que suscitem graves dúvidas (al. c)) ter servido de fundamento prova proibida (artº 126º nº 1 e 3) e a descoberta de novos factos ou meios de prova que per si ou combinados com os que constam na decisão, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação (al. d))”.

2- A sentença nº 16/2011 proferida em 16/5/2011, transitada em 14/7/2011, na Audiência Nacional de Madrid absolveu os arguidos EE, DD, OO, CC e BB da autoria de um crime contra a saúde pública de que haviam sido acusados.

Esta absolvição resultou da apreciação das questões prévias suscitadas pelos arguidos que solicitaram a nulidade das suas acções como consequência da violação do sigilo das comunicações, o qual podia determinar a nulidade de toda a actuação derivada de tais resoluções “por conexão de antijuridicidade” (fls. 104).

Depois de ser exposta a doutrina geral sobre o direito constitucional de segredo de comunicações (doutrina constitucional e jurisprudencial e do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos), foi feita no caso a análise do requisito inicial e básico de qualquer intervenção judicial em conversações telefónicas.

Desta análise resultou que o primeiro ofício que deu origem a toda a investigação “é insuficiente porque... ” “não relaciona um mínimo de actividade policial prévia, desenvolvimentos, investigações, etc, que poderiam converter-se em dados objectivos, que justificassem a limitação do direito fundamental. Com base nestes argumentos o tribunal entende que concorre o pressuposto no artº 11º da LOPJ, encontrando-nos ante uma prova ilícita obtida em violação de um direito fundamental, e por isso não se pode admitir como prova, devendo-se declarar nulo o auto habilitante por falta de justificação suficiente, por falta de dados objectivos e indícios no oficio peticionário”.

De seguida, depois de elaborado um resumo da prova, incluindo as declarações dos inspectores portugueses, foi entendido que ambas as polícias (espanhola e portuguesa) seguiam a mesma linha de investigação e que grande parte da informação que os portugueses obtiveram foi consequência das escutas espanholas e por isso pareceu ser clara a conexão de antijuridicidade existente entre a prova ilícita e toda a prova obtida em posterior investigação.

Daí que a investigação portuguesa, que teve a mesma fonte inicial espanhola, também estaria viciada devido à nulidade declarada (decretada) sendo extensível às novas escutas devidamente fundamentadas e consequentemente também todas as provas da acusação. E por isso concluíram “que não ficou acreditada a relação entre os arguidos e a apreensão da substância psicotrópica em Portugal” (fls. 120).

Embora os arguidos tivessem sido absolvidos, devido à nulidade decretada, também a mesma sentença não deixou de frisar que …nos autos existe suficiente material incriminatório para entender como envolvidos os arguidos … porque só o “alto cânon da garantia processual imposto pelo Tribunal Constitucional e pelo Supremo Tribunal explicam a absolvição” (fls. 121).

2.1 Alguma jurisprudência portuguesa já se pronunciou também sobre a nulidade (ilegalidade) de escutas iniciadas em factos anónimos ou informadores policiais ex. v. Ac. TRL de 24/11/2004, proc. 7166/2004-3 e indirectamente o Ac. do TRL de 20/6/2007, p. 2749/2007-3.

Mas a decisão proferida, apresentada e invocada não poderá servir de fundamento ao recurso de revisão quando a arguida/recorrente continua a tentar defender a nulidade das escutas telefónicas que já invocara quer na contestação apresentada para julgamento (fls. 6433 e sgts) quer em recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa e para o Supremo Tribunal de Justiça.

3.1 Embora a primeira arguição de nulidade viesse a ser conhecida pelo Mmº Juiz ainda antes do julgamento, nesse despacho foi julgada “improcedente a nulidade invocada” por ter sido considerado que todas as intercepções e gravações foram ordenados pelo JIC após p. do M.P. e ordenadas por despacho fundamentado, depois de ser tido em conta o crime em investigação, a dimensão do mesmo e por ter sido sempre ponderado o disposto nos artºs 18º nº 2 e 3 CRP (necessidade e proporcionalidade) e 187º nº 1 al. a) do CPP (fls. 6564).

A arguida AA, através do seu mandatário, foi notificada desta improcedência (fls. 6570) sem que tivesse reagido, deixando que transitasse em julgado, só tendo suscitado a nulidade no recurso interposto do acórdão condenatório final.

Por essa razão o Tribunal da Relação limitou-se a referir a decisão/despacho e o seu trânsito, e linear sinteticamente também considerou a inexistência da nulidade.

O Supremo Tribunal de Justiça em recurso não apreciou a arguição da nulidade então novamente invocada, reproduzindo o que o tribunal recorrido tinha dito, por não serem adiantados novos argumentos.

3.2 Assim quaisquer dos fundamentos que poderiam tornar admissível o recurso extraordinário de revisão, não se encontrarão preenchidos, nomeadamente o que poderia parecer aproximar-se mais do motivo invocado (prova proibida que serviu de fundamento à condenação).

3.3 É que quando foi proferida a decisão condenatória a arguida tinha tido conhecimento do indeferimento da arguição da nulidade, tendo-o deixado tornar definitivo.

Por isso a sentença proferida no tribunal em Madrid não é, não só um facto novo porque declarou nulas as primeiras escutas, nulidade esta extensiva às restantes escutas que até já estavam devidamente fundamentadas, como não é um facto inconciliável dado como provado noutra sentença nem um meio de prova determinante para a condenação da arguida que tenha sido considerado falso naquela sentença.

A declaração de nulidade não é um meio de prova, mas uma maneira diferente de determinar os meios de prova (Ac. do STJ de 12/5/2010, p. 6319/01.6).

3.3.1. O facto para ser novo, além de não ter sido apreciado no processo, tem que ser referente à matéria de facto fixada na sentença condenatória e não ao meio como foi obtido tal facto e por isso a sentença que declarou a nulidade das escutas espanholas não suscita sérias dúvidas da justiça da condenação da arguida, pois não faz resultar como muito provável que a mesma não tenha cometido o crime e por isso dever ser absolvida oportunamente (neste sentido Ac. do STJ de 27/5/2010, p. 29/06.5GFEVR, 3ª sec. e de 11/2/2009, p. 4215/04, 3ª sec, entre outros).

3.3.2 Por outro lado para se poder verificar um falso meio de prova, (al. a) do nº 1 do artº 449º) além de ser necessária uma outra sentença transitada em julgado ter declarado como tal um meio de prova, também tem de ser apresentada uma verdadeira prova obtida por um meio falso.

3.3.3 No entanto o que a arguida/recorrente apresenta é uma decisão proferida num país vizinho que conheceu de um vício quanto a um dos meios de prova sem o ter declarado falso (neste sentido, Ac. do STJ de 14/5/2009, p. 613/01.3JDLSB.L1.S1) quando no acórdão condenatório da arguida a obtenção da prova através de escutas já havia sido apreciada previamente e julgada improcedente.

3.3.4 Finalmente e como já referimos, não se poderá integrar o mesmo argumento no fundamento da prova proibida da al. e) do nº 1 do artº 449º do CPP porque a “descoberta” da prova proibida não se verificou depois do trânsito em julgado da decisão condenatória, quando a mesma poderia ter sido invocada/recorrida como tal desde que a arguida AA teve conhecimento da “informação” que originou as primeiras escutas e por isso arguiu a sua nulidade.

A garantia constitucional da vida privada dos cidadãos nas telecomunicações que também está prevista no nº 3 do artº 126º do CPP poderia conduzir à prova proibida por ser nula, ficou afastada de ser conhecida em recurso de revisão, por ter sido apreciada/decidida antes do acórdão condenatório.

Assim e por tudo isto somos do parecer que não havendo qualquer fundamento para o recurso de revisão, sendo de indeferir, deverá ser negado provimento ao recurso da sentença interposto pela arguida AA.


Colhidos os vistos, cumpre decidir.


II. Fundamentação


1. O recurso extraordinário de revisão constitui um direito fundamental dos “cidadãos injustamente condenados”, conforme dispõe o art. 29º, nº 6, da Constituição. No conflito frontal entre o valor da certeza e da segurança jurídicas, assegurado pelo caso julgado, valor esse que é condição fundamental da paz jurídica comunitária que todo o sistema judiciário prossegue, e as exigências da verdade material e da justiça, que são também pressuposto e condição de aceitação e legitimidade das decisões jurisdicionais, o recurso de revisão pretende encontrar um ponto de equilíbrio, uma solução de concordância prática que concilie até onde é possível esses valores essencialmente contraditórios.

Na lei processual penal, esse equilíbrio é conseguido a partir do reconhecimento de que o caso julgado terá que ceder, em casos excecionais e taxativamente enumerados, perante os interesses da verdade e da justiça.

A recorrente invoca quatro fundamentos para a revisão da decisão condenatória:

a) Existência de uma sentença transitada em julgado considerando falsos meios de prova determinantes da condenação – al. a) do nº 1 do art. 449º;

b) Basear-se a condenação em provas proibidas, nos termos do art. 126º, nºs 1 a 3, do CPP – al. e) do nº 1 do art. 449º;

c) Inconciliabilidade entre os factos que serviram fundamento à condenação e os apurados noutra sentença e dessa oposição resultar graves dúvidas sobre a justiça da condenação – al. c) do nº 1 do art. 449º;

d) Novos meios de prova que suscitam graves dúvidas sobre a justiça da condenação – al. d) do nº 1 do art. 449º.

Há, no entanto, que desde já assinalar que a argumentação da recorrente parte de um equívoco fundamental, que inquina todo o recurso. Na verdade, invoca ela, como base de todo o seu argumentário, uma sentença da Audiência Nacional de Espanha – a sentença nº 16/11, de 16.5.2011, proferida no Proc. nº 59/09, transitada em julgado, cuja cópia juntou.

Segundo a recorrente, essa sentença considerou nulas as escutas telefónicas que estiveram na origem da investigação feita pelas autoridades policiais portuguesas e que foram elementos determinantes para a sua condenação nestes autos. É com base nessa anulação das escutas pelo tribunal espanhol que a recorrente invoca a verificação do pressuposto da al. a) do nº 1 do art. 449º do CPP (falsidade dos meios de prova), como do pressuposto da al. e) do mesmo artigo (utilização de meios de prova proibidos - as escutas), e ainda do pressuposto da al. c) do mesmo artigo (inconciliabilidade entre os factos da sentença condenatória e os da sentença espanhola), como ainda do pressuposto da al. d) ainda do mesmo artigo (novos meios de prova).

O equívoco básico da recorrente resulta de a sentença da Audiência Nacional de Espanha, enquanto sentença emanada de outra jurisdição nacional, não ter eficácia em Portugal. Na verdade, o princípio da soberania do Estado Português opõe-se ao reconhecimento de uma sentença proferida por um outro estado, sem que previamente seja revista e confirmada pelos tribunais portugueses. É o que está expressamente consagrado, em processo penal, no art. 234º, nº 1, do CPP.

Assim, aquela sentença do tribunal espanhol, não tendo sido revista pelos tribunais portugueses, não tem eficácia na nossa ordem jurídica.

Caem, assim, pela base os argumentos convocados pela recorrente, pois estes se apoiam exclusivamente na pronúncia contida nessa sentença estrangeira sobre a (in)validade das escutas.

Não sendo essa decisão relevante na jurisdição nacional, não tem cabimento falar na utilização de meios de prova proibidos. Aliás, a anulação das escutas no processo que decorreu perante a Audiência Nacional de Espanha resultou da aplicação da lei nacional, concretamente do art. 11º da LOPJ espanhola. E lembre-se que a questão da invalidade das escutas foi suscitada neste processo pela recorrente, antes e depois do julgamento, sendo julgada improcedente.

Não tem também fundamento falar na “falsidade” dos meios de prova da decisão condenatória, até porque a falsidade é um conceito diferente do de proibição de prova.

Também não é possível invocar inconciliabilidade entre os factos da sentença dos autos e os de uma sentença estrangeira sem validade na nossa ordem jurídica.

A sentença espanhola pode apenas relevar, nos termos do nº 3 do citado art. 234º do CPP, como “meio de prova”. Há, pois, que indagar se ela contém factos ou meios de prova novos, desconhecidos deste processo, que suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação – al. d) do nº 1 do art. 449º do CPP.

Analisada a sentença da Audiência Nacional constata-se de imediato que ela não contém quaisquer factos novos, simplesmente porque nada se provou naquele julgamento (fls. 51). O que a recorrente invoca como meio de prova ou facto novo é afinal a decisão jurídica de anulação das escutas telefónicas, e as decorrentes consequências a nível da matéria de facto.

Mas é evidente que a decisão, e respetiva fundamentação, que anulou as escutas telefónicas realizadas pelas autoridades espanholas não constitui um facto ou um meio de prova de novos factos, antes a pronúncia sobre matéria de direito (validade das escutas telefónicas efetuadas em Espanha), realizada, acentue-se, à luz do direito processual penal espanhol.

Aliás, a condenação da recorrente não se baseou apenas em escutas telefónicas, antes num complexo de meios de prova que incluiu prova testemunhal e documental, buscas e revistas, para além das referidas escutas.

Também não se verifica, pois, o requisito de revisão da sentença previsto na al. d) do nº 1 do art. 449º do CPP.

Em síntese, não existe fundamento para a revisão da condenação.

III. Decisão

Com base no exposto, nega-se a revisão, nos termos do art. 456º do CPP.

Vai a recorrente condenada em 3 (três) UC de taxa de justiça.


Lisboa, 3 de abril de 2013

Maia Costa (relator) **
Pires da Graça
Pereira Madeira

http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/d1b034fc95df7b3080257b4a003eb378?OpenDocument

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