Acerca de mim

A minha foto
Porto, Porto, Portugal
Rua de Santos Pousada, 441, DE Telefone: 225191703; Fax: 225191701; E-mail: cabecaisdecarvalho@gmail.com

terça-feira, 7 de maio de 2013

CONTRATO DE CRÉDITO AO CONSUMO RESERVA DE PROPRIEDADE VALOR DO VEÍCULO - Acórdão do Tribunal da Relação do Porto - 18.04.2013


Acórdãos TRP
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
173/11.7TBMDB-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FREITAS VIEIRA
Descritores: CONTRATO DE CRÉDITO AO CONSUMO
RESERVA DE PROPRIEDADE
VALOR DO VEÍCULO

Nº do Documento: RP20130418173/11.7TBMDB-A.P1
Data do Acordão: 18-04-2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1

Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: ALTERADA.
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO.
Área Temática: .

Sumário: I - A estipulação de reserva de propriedade a favor do financiador não é reconduzível à situação prevista no artº 409º, nº1, do CC.
II – o credor, por força do contrato de mútuo celebrado, tem antes de mais o direito ao cumprimento através da entrega da quantia mutuada acrescida dos juros convencionados e os juros moratórios que forem devidos, e não através da entrega do qualquer outra prestação, nomeadamente da entrega do bem cuja aquisição aquele crédito visou financiar, mesmo que haja sido clausulada a reserva de propriedade sobre esse bem.
III – Neste contexto, intentada pelo financiador ação executiva para cobrança coativa do valor mutuado em dívida, se a penhora incidir sobre o bem sobre o qual recaiu reserva de propriedade, a ação executiva nunca poderá prosseguir para as fases de concurso de credores e da venda, sem que este promova e comprove a inscrição, no registo automóvel, da extinção da referida reserva. Se a penhora incide sobre outro qualquer bem do executado, a reserva de domínio extingue-se pelo pagamento e a propriedade transfere-se para o comprador, por se ter verificado o evento de que dependia a sua cessação.
IV – Inexiste por isso fundamento para deduzir à quantia exequenda, o valor do veículo sobre que incide a reserva de propriedade a favor do financiador.
Reclamações:

Decisão Texto Integral:
APELAÇÃO Nº 173/11.7TBMDB-A.P1
Tribunal Judicial de Mondim de Basto
Secção Única

ACORDAM NA SECÇÃO CIVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

B...... veio por apenso aos autos de execução que lhe moveu a Exequente - C...... - Instituição Financeira de Crédito, S.A., deduzir OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO alegando essencialmente que o título de crédito dado à execução havia sido preenchido em desconformidade com o pacto de preenchimento, uma vez que ao valor nele inscrito como estando em dívida haveria que deduzir o valor do veículo (que constituiu o objeto do contrato de financiamento).

A Exequente - C...... - Instituição Financeira de Crédito, S.A., contestou por sua vez, impugnando o alegado, sustentando a conformidade do título com o pacto de preenchimento, e a que nunca o veículo referido pelo opoente. lhe foi entregue, pelo que não poderia o seu valor ser deduzido no valor em dívida.

Prosseguindo os autos para julgamento foi proferida sentença na qual se considerou que o executado, aqui oponente, não tinha logrado demonstrar que o veículo se encontrava na disponibilidade da exequente para o efeito, e que, perante a resolução do contrato, incumbia aos executados proceder à entrega imediata do veículo à exequente para que a mesma pudesse considerar o seu valor para efeitos do apuramento da quantia em dívida da responsabilidade dos executados e subsequente preenchimento da livrança, e que, sem a disponibilidade fáctica do veículo, a exequente tinha o direito de exigir o valor do mesmo na data do incumprimento nos termos do citado artigo 291º, nº1 aplicável por remissão do artigo 433º ambos do Código Civil. Com esse fundamento teve como improcedente a oposição deduzida, e condenou o oponente como litigante de má-fé no pagamento da multa de 3,5 (três e meia) UC.

O opoente, não conformado com o decidido, interpõe agora recurso para este Tribunal da Relação, alegando e formulando em síntese as seguintes CONCLUSÔES:
A-) Impunha-se apurar qual o valor do veículo e se o mesmo está ou não na disponibilidade da recorrida, que atenta a sua qualidade de proprietária, tem o direito e, mesmo o dever, de, por todos os meios, recuperar o veículo em causa;
B-) Ao não ter diligenciado no sentido de obter os referidos elementos, indispensáveis, para a boa decisão da causa, o Tribunal “a quo”, proferiu decisão que obviamente tem que falecer;
C-) Sem os elementos referidos, não se consegue determinar qual o valor em dívida e, daí, o montante que o recorrente terá que liquidar à recorrida;
D-) A douta sentença recorrida deve ser declarada nula e ser ordenada a baixa dos autos à 1ª Instância, para que esta apure a factualidade referida, para posterior decisão sobre a questão de fundo;
E-) O que motivou a oposição, foi precisamente não ter sido descontado no valor em divida, o valor do veículo automóvel, que face à resolução do contrato de crédito celebrado com a recorrida, a executada e o recorrente, regressa necessariamente à dominialidade da recorrida;
F-) Atenta a reserva de propriedade, o veículo nunca foi e nem é propriedade da executada, pelo que se torna necessário que a recorrida desconte ao valor em dívida o montante relativo ao valor do veículo;
G-) A douta sentença sempre terá que ser revogada nesta parte e deduzido à quantia exequenda o valor do veículo que pertence à recorrida;
H-) A douta decisão recorrida deve ser revogada nesta parte, em que condenou o recorrente como litigante de má-fé, uma vez que se demonstrou que ao valor inscrito na livrança não foi deduzido o veículo que é propriedade da recorrida, tendo sido esta e não outra a questão que motivou a oposição à execução,
I-) A Douta sentença recorrida, violou entre outras, as normas constantes dos artigos 45º, nº 1 e 46º nº 1 alínea d) e nº 2, 266º, 266º-A, 456º, nºs 1 e 2 alínea a), 465º, alíneas a) e c do C.P.C., 77º § 2 da LULL, 291º, nº 1342º, nº 2, 433º do Código Civil.
Nestes termos e nos melhores de direito, a suprir por Vªs Exªs, Venerandos Desembargadores, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado, com as legais consequências.

Não houve contra-alegações.

Neste Tribunal da relação, as questões a apreciar, em face do recurso interposto, e das respetivas conclusões, reconduzem-se às seguintes:
I - Se, num contrato de crédito ao consumo, pretendendo o financiador obter o pagamento da quantia mutuada e ainda em dívida, deverá deduzir o valor do veículo sobre o qual foi clausulada reserva de propriedade a favor daquele.
II - da litigância de má-fé:

A matéria de facto a considerar é aquele que foi tida como assente na sentença recorrida, para a qual, nessa parte, se remete, em harmonia com o disposto no artº 713º/6) do CPC.

Entre exequente C......, a 1ª executada ( D...... Unipessoal Lda.) foi celebrado o "contrato de crédito" n.º603792, que teve por objeto a viatura de marca Jaguar, modelo X-Type, matrícula ..-..-XH, no qual o 2º executado, e oponente, B......, declarou: “aceito(amos) ser avalista(s) do Cliente(s) deste empréstimo e de ter sido informado(s) por este do montante da dívida a contrair, bem como das cláusulas deste contrato, que declaro(amos) conhecer e aceitar, avalizando, para o efeito a Livrança de Caução em branco anexa ao contrato, podendo a C...... – Instituição Financeira de Crédito, SA, em caso de incumprimento do Cliente, proceder à cobrança dos montantes em dívida e à execução cambiária no caso de incumprimento, para o que expressamente dou/damos o meu/nosso acordo a que a C...... a preencha, designadamente no que se refere à data de vencimento, local de pagamento e aos valores, até ao limite das responsabilidades assumidas pelo Cliente perante a C......, por força do presente contrato, e em dívida, na data de vencimento, acrescidos de todos e quaisquer encargos com a selagem dos títulos”.
Nas "condições gerais" do referido contrato consta que o empréstimo concedido se destina à aquisição dos bens indicados nas "condições particulares" do mesmo contrato, e nas condições ali referidas, ou seja, destinava-se o valor mutuado ( €35.500,00+encargos) à aquisição do veículo automóvel ali referido, ficando a exequente autorizada a entregar o montante mutuado ao fornecedor desse veículo - cláusulas 1ª e 2ª).

Por outro lado, vem dado como assente, sem que tenha sido impugnado, que se encontra inscrita a favor da exequente reserva de propriedade do veículo referido em B) (cfr. ref.ª 114214 dos autos de execução).

Estamos assim perante um contrato de crédito ao consumo, à data da sua celebração regulamentado nos termos do Dl n.º 359/91, de 21 de Setembro, e que atualmente encontra a sua regulamentação legal no Decreto-Lei n.º 133/2009, de 2 de Junho, que transpôs para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 2008/48/CE, do Parlamento e do Conselho, de 23 de Abril, relativa a contratos de crédito aos consumidores.
De acordo com o que se encontra dado como assente nos autos, foi convencionado, como garantia do bom pagamento do capital mutuado, a reserva de propriedade sobre o veículo automóvel cuja aquisição foi financiada pelo crédito concedido.

I - Neste contexto, a 1ª questão que o opoente, ora recorrente, suscita resume-se a saber se, pretendendo o exequente obter o pagamento da quantia mutuada ainda em dívida - pelo qual o opoente se responsabilizou como avalista - deverá deduzir o valor do veículo cuja aquisição foi financiada com a quantia mutuada, e em relação ao qual foi constituída reserva de propriedade a favor do financiador.
Sustentando esse entendimento o recorrente argumenta que, existindo reserva de propriedade do veículo a favor da exequente/financiadora, o veículo em causa lhe pertencia. Trata-se de afirmação que não tem fundamento legal.
Antes de mais deve salientar-se que não está em causa, em face dos termos do recurso interposto, avaliar da validade ou não da cláusula de reserva de propriedade a favor do terceiro financiador, matéria que subsiste controvertida apesar do AUJ nº 10/2008, do Supremo Tribunal de Justiça, publicado no DR 222 SÉRIE I de 2008-11-14[1]. No entanto, no âmbito da controvérsia gerada, resulta incontornável a conclusão de que a reserva de propriedade quando convencionada a favor do financiador, não é reconduzível à situação prevista no artº 409º, nº1, do CC. Trata-se de conclusão que resulta evidente quando se atenta em que a situação ali prevista, se reporta aos casos em que, quem "reserva" a propriedade da coisa vendida é o alienante, ou seja, quem detém a propriedade da coisa vendida, e que por essa via, e como garantia do cumprimento pela outra parte, das obrigações que para ela decorrem do contrato de alienação, mantém (reserva) na sua esfera jurídica o direito de propriedade da coisa alienada, excecionando assim a regra, consagrada no artº 408º do CC, da eficácia translativa dos contratos reais (quod effetum), diferindo para momento posterior - o momento em que se complete o cumprimento das obrigações da outra parte - aquele efeito translativo próprio do contrato de compra e venda. Diferentemente, o financiador que beneficia de uma cláusula de reserva de propriedade nunca teve o direito de propriedade sobre o bem em causa, limitando-se a financiar a sua aquisição pelo devedor. Não pode assim dizer-se que mantém (reserva) para si o direito de propriedade nos termos previstos no referido artº 409º, nº1, do CC. Tem assim de concluir-se que nestes casos se está perante uma realidade que, muito embora tendo o nomem juris da reserva de propriedade, não se identifica com a figura prevista no artº 409º e ss, do CC.
Assim que não possa o recorrente, partindo da identidade de designação, concluir sem mais que, o financiador teria em relação à coisa, a mesma posição em que se encontra o alienante mencionado no artº 409º/1) do CC, ou seja a de proprietário da coisa. Como é evidente - e o recorrente/opoente não pode ignorar - a recorrida/exequente nunca adquiriu o veículo em questão através do contrato de compra e venda celebrado com o fornecedor e proprietário do veículo, sendo este adquirido nesse contrato pela sociedade 2ª executada. A única intervenção que a recorrida/exequente teve nesse contrato foi, enquanto entidade financiadora, a de, em substituição da adquirente do veículo, pagar ao fornecedor e proprietário do veículo o respetivo preço.
Por outro lado, a estipulação, no contrato de mútuo celebrado, da cláusula de reserva de propriedade a favor do financiador não alienante, não tem igualmente esse efeito, ao contrário do que parece ser o entendimento do recorrente. Com efeito sendo embora a figura da reserva de propriedade a favor do financiador em si mesmo anómala - não sendo proprietário do veículo, não se concebe facilmente como possa o financiador reservar (manter) a propriedade do mesmo - a sua admissibilidade decorre, por um lado do princípio da liberdade contratual e da relação de estreita conexão entre o contrato de compra e venda e o contrato de mútuo celebrado para financiar aquela compra, sendo nítida a interdependência de interesses entre o triângulo de sujeitos contratuais, o que por sua vez legitimaria que, no âmbito da intangibilidade da liberdade negocial das partes (artigo 405º do C Civil), fosse acordado que a reserva de propriedade tutelasse, não já diretamente o interesse da vendedora, através da restituição do veículo, mas, outrossim, estivesse apta a garantir o direito de crédito da financiadora que com aquela colabora [2].
Aceitando-se a admissibilidade daquela cláusula de reserva de propriedade a favor do financiador[3], as soluções encontradas para o seu enquadramento jurídico têm sido diversas, evidenciando a dificuldade de encontrar no ordenamento jurídico, lugar para um instrumento que a prática financeira, sem preocupações de rigor, adaptou à figura existente de reserva de propriedade. Tais soluções vão desde o recurso à figura da sub-rogação [4], à a sua recondução a um direito real de garantia [5], até à sua identificação com a figura do negócio fiduciário [6].
Em qualquer caso na reserva de propriedade a favor do financiador, estaremos perante uma figura em que avulta a natureza de garantia de crédito que, não podendo ser qualificada como uma verdadeira garantia real das obrigações, se destina a conferir ao credor uma posição jurídica que lhe permite realizar, à custa do valor da coisa, o respectivo crédito. Essa garantia, reportando-se à reserva de propriedade, assenta no facto de as partes terem acordado expressamente que a transferência da propriedade para o comprador só se dará, não com o recebimento do valor correspondente ao preço pelo vendedor, como ocorreria numa compra e venda normal, mas com o pagamento da totalidade da dívida ao financiador, que nesse acordo foi sub-rogado nos direitos do vendedor.
Assim configurada aquela garantia, dela resulta que o credor, por força do contrato de mútuo celebrado, tem antes de mais o direito ao cumprimento através da entrega da quantia mutuada acrescida dos juros convencionados e os juros moratórios que forem devidos, estando o devedor obrigado perante o mutuante ao cumprimento nos termos resultantes do contrato de crédito que subscreveu, ao pagamento da quantia mutuada e juros de mora, e não através da entrega do qualquer outra prestação, nomeadamente da entrega do bem cuja aquisição aquele crédito visou financiar, mesmo que haja sido clausulada a reserva de propriedade a favor do credor. Aliás, no caso do contrato de mútuo a que os presentes autos se referem, as partes sublinharam isso mesmo ao clausular - cláusula 9ª-b) das "Condições Gerais" do contrato de crédito - que a subscrição da garantia de reserva de propriedade não implicava novação do crédito de que é titular. Por isso que, em caso de incumprimento, o financiador, mesmo beneficiando de reserva de propriedade a seu favor, tem o direito de exigir o pagamento coercivo da quantia mutuada em dívida, acrescida dos juros que forem devidos. E se, no âmbito da ação executiva que intentar para o efeito, nomear à penhora o bem sobre o qual recai a reserva de propriedade, a posição assim assumida envolverá renúncia aquela cláusula de reserva de propriedade, ou pelo menos, como se refere no AUJ nº 10/2008, do Supremo Tribunal de Justiça, atrás referido, a ação executiva nunca poderá prosseguir para as fases de concurso de credores e da venda, sem que este promova e comprove a inscrição, no registo automóvel, da extinção da referida reserva. Se a penhora incide sobre outro qualquer bem do executado, a cláusula de reserva de propriedade manter-se-á até à receção, pelo credor, da totalidade da quantia a que tem direito [7]. Uma vez recebido esse valor, a reserva de domínio extingue-se pelo pagamento e a propriedade transfere-se para o comprador, por se ter verificado o evento de que dependia a sua cessação.
Assim que, em face do exposto, inexiste o perigo de o executado ter que pagar duas vezes, argumento que é esgrimido pelo recorrente para, sustentar que, à quantia exequenda, correspondente aos valores em dívida do mútuo concedido, se imporia descontar o valor do veículo sobre que incide a reserva de propriedade a favor do financiador, improcedendo por isso o recurso nessa parte.
II da litigância de má-fé:
Na reforma processual introduzida pelo DL 329-B/95 de 12.12 houve uma substancial ampliação do dever de boa-fé processual, alargando-se o tipo de comportamentos que podem integrar má-fé processual, quer substancial, quer instrumental, e tanto na vertente subjetiva como na objetiva.
A condenação por litigância de má-fé pode agora fundar-se em negligência grave, para além da situação de dolo já anteriormente prevista. exige-se dolo ou grave negligência, e não culpa lato sensu.
Na sentença recorrida concluiu-se que a atuação processual do opoente é subsumível à previsão da alínea a) do nº 2 do artº 456º do CPC.
Dispõe o referido normativo que litiga de má-fé quem, com dolo ou negligência grave “Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar”. Refere-se esta alínea à má-fé material ou substancial, aquela que se refere à relação jurídica material. A parte, não tendo razão, atua no sentido de conseguir uma decisão injusta ou realizar um objetivo que se afasta da função processual
Na apreciação da má-fé material terá de haver uma apreciação casuística, de forma que, sancionando-se a litigância cuja falta de fundamento a parte não poderia ignorar, porque contrária a alei expressa ou sentido normativo pacificamente aceite, não seja posto em causa o direito de defesa enquanto um dos princípios fundamentais do nosso direito processual civil, com garantia constitucional.
No caso da sentença recorrida, considerou-se que o opoente, ora recorrente, não podia ignorar que a 1ª executada não havia entregado o veículo em causa, ou pelo menos deveria ter diligenciado por averiguar tal facto antes de deduzir a oposição que deduziu, oposição que assim se revelaria desprovida do fundamento em que assenta.
Crê-se no entanto que, tendo o credor optado pela cobrança coactiva do valor em dívida, através de ação executiva, não estava em causa a entrega ou não do veículo, como aliás se sublinhou anteriormente.
Por outro lado, a argumentação jurídica sustentada, ainda que a nosso ver infundada, é em parte resultado dos termos equívocos e pouco rigorosos do enquadramento legal em causa, que, como se viu, suscita ainda hoje opiniões divergentes.
Conclui-se como tal não ser de manter nessa parte a sentença recorrida.

Sumariando- artº 713º/6) do CPC:
I - A estipulação de reserva de propriedade a favor do financiador não é reconduzível à situação prevista no artº 409º, nº1, do CC.
II – o credor, por força do contrato de mútuo celebrado, tem antes de mais o direito ao cumprimento através da entrega da quantia mutuada acrescida dos juros convencionados e os juros moratórios que forem devidos, e não através da entrega do qualquer outra prestação, nomeadamente da entrega do bem cuja aquisição aquele crédito visou financiar, mesmo que haja sido clausulada a reserva de propriedade sobre esse bem.
III – Neste contexto, intentada pelo financiador ação executiva para cobrança coativa do valor mutuado em dívida, se a penhora incidir sobre o bem sobre o qual recaiu reserva de propriedade, a ação executiva nunca poderá prosseguir para as fases de concurso de credores e da venda, sem que este promova e comprove a inscrição, no registo automóvel, da extinção da referida reserva. Se a penhora incide sobre outro qualquer bem do executado, a reserva de domínio extingue-se pelo pagamento e a propriedade transfere-se para o comprador, por se ter verificado o evento de que dependia a sua cessação.
IV – Inexiste por isso fundamento para deduzir à quantia exequenda, o valor do veículo sobre que incide a reserva de propriedade a favor do financiador.

TERMOS EM QUE ACORDAM NA SECÇÃO CIVEL DESTE TRIBUNAL DA RELAÇÃO EM JULGAR IMPROCEDENTE O RECURSO, CONFIRMANDO A SENTENÇA RECORRIDA NO QUE CONCERNE À IMPROCEDÊNCIA DA OPOSIÇÃO, REVOGANDO-A NO ENTANTO NO QUE CONCERNE À CONDENAÇÃO POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ.

CUSTAS PELO RECORRENTE.

Porto, 18 de Abril de 2013
Desembargador Evaristo J. Freitas Vieira (Relator)
Desembargadora Joana Salinas (em substituição do 1º Adjunto)
Desembargador Carlos Portela (2º Adjunto)
______________________________________
[1] No qual, com 8 votos de vencido, se procura uniformizar jurisprudência no sentido de que «A ação executiva na qual se penhorou um veículo automóvel, sobre o qual incide registo de reserva de propriedade a favor do exequente, não pode prosseguir para as fases de concurso de credores e da venda, sem que este promova e comprove a inscrição, no registo automóvel, da extinção da referida reserva.»
[2] Relação de Lisboa, acórdão de 28 de Março de 2006, (ISABEL SALGADO), in www.dgsi.pt.
[3] Ainda que não se desconheça a existência de posições que pura e simplesmente negam validade e eficácia a este tipo de cláusula de reserva de propriedade a favor do financiador - Entre outros, Gravato de Morais- "Contratos de Crédito Ao Consumo", 2007, págs. 298 e ss, e Paulo Ramos de Faria - A reserva de propriedade constituída a favor do financiador - in Julgar, nº 16.
[4] Isabel Menéres Campos- Algumas reflexões em torno da cláusula da Reserva de propriedade" - págs. 642/643
[5] Neste sentido o voto de vencido do conselheiro Sebastião Póvoas, no já referido AUJ nº 10/2008, do Supremo Tribunal de Justiça.
[6] Maria Isabel g Menéres Campos - Contributo para o estudo da reserva de propriedade
[7] LOBO XAVIER - A venda a prestações…”, cit., pág. 217. PEREIRA COELHO - renúncia abdicativa no direito civil, cit., págs. 8 e segs.,

http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/d1d5ce625d24df5380257583004ee7d7/f1b995af26c26f2080257b5f00308b83?OpenDocument

Pesquisar neste blogue