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quinta-feira, 9 de maio de 2013

ALIMENTOS ENTRE EX-CONJUGES CESSAÇÃO ÓNUS DA PROVA NECESSIDADE DE ALIMENTOS ALTERAÇÃO DAS POSSIBILIDADES ECONÓMICAS DO OBRIGADO ALTERAÇÃO DAS NECESSIDADES DO ALIMENTADO MANUTENÇÃO DO PADRÃO DE VIDA - Acórdão do Tribunal da Relação do Porto - 15.04.2013


Acórdãos TRP
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
7367/06.5TBVNG-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS QUERIDO
Descritores: ALIMENTOS ENTRE EX-CONJUGES
CESSAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
NECESSIDADE DE ALIMENTOS
ALTERAÇÃO DAS POSSIBILIDADES ECONÓMICAS DO OBRIGADO
ALTERAÇÃO DAS NECESSIDADES DO ALIMENTADO
MANUTENÇÃO DO PADRÃO DE VIDA

Nº do Documento: RP201304157367/06.5TBVNG-A.P1
Data do Acordão: 15-04-2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1

Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA.
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO.
Área Temática: .

Sumário: I- O ónus da prova da necessidade do alimentando incumbe-lhe integralmente quando requer a prestação alimentar, ou seja, quando é autor na acção de alimentos.
II- No entanto, tendo o obrigado à prestação, lançado mão do meio processual específico – processo (especial) para a cessação ou alteração de alimentos – previsto no artigo 1121.º do Código de Processo Civil -, sobre ele recai o ónus de alegar e provar que se alteraram as circunstâncias em que celebrou o acordo de alimentos definitivos, homologado por sentença.
III- Tendo o autor acordado com a ré a prestação de alimentos em vigor, ao pretender a sua cessação ou, subsidiariamente, a sua redução, sobre ele incumbirá a prova de que se alteraram as suas possibilidades económicas ou as necessidades da ré, ou que esta passou a estar em condições de prover ao seu sustento sem qualquer auxílio do autor.
Reclamações:

Decisão Texto Integral:
Processo n.º 7367/06.5TBVNG-A.P1

Sumário do acórdão:
I. A regra que passou a ter consagração legal no n.º 1 do artigo 2016.º, do Código Civil, com a redacção introduzida pela Lei nº 61/2008, de 31 de Outubro, vigente a partir de 30 de Novembro de 2008, no sentido de que cada cônjuge deve prover à sua subsistência, não constitui novidade, sendo pacificamente aceite pela doutrina desde a Reforma de 1977, que consagrou, por imperativo da Constituição, o princípio da igualdade dos cônjuges, proclamado no artigo 1671.º do mesmo código.
II. Sempre se entendeu que a medida dos alimentos deveria ser definida com base nas seguintes condições: necessidade do alimentando; possibilidade do obrigado; e possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência.
III. Na eventualidade de o ex-cônjuge não conseguir prover à sua subsistência, se o outro cônjuge reunir condições económicas, deverá ser decretada a pensão alimentar, quantificada de acordo com os critérios objectivos enunciados no n.º 1 do artigo 2016.º-A, do Código Civil, não esquecendo dois outros factores: o ex-cônjuge credor não tem o direito de exigir a manutenção do padrão de vida de que beneficiou na constância do matrimónio (n.º 3 do art. 2016.º-A); por razões manifestas de equidade, pode ser negado o direito a alimentos (n.º 3 do art. 2016.º).
IV. O ónus da prova da necessidade do alimentando incumbe-lhe integralmente quando requer a prestação alimentar, ou seja, quando é autor na acção de alimentos.
V. No entanto, tendo o obrigado à prestação, lançado mão do meio processual específico – processo (especial) para a cessação ou alteração de alimentos – previsto no artigo 1121.º do Código de Processo Civil -, sobre ele recai o ónus de alegar e provar que se alteraram as circunstâncias em que celebrou o acordo de alimentos definitivos, homologado por sentença.
VI. Tendo o autor acordado com a ré a prestação de alimentos em vigor, ao pretender a sua cessação ou, subsidiariamente, a sua redução, sobre ele incumbirá a prova de que se alteraram as suas possibilidades económicas ou as necessidades da ré, ou que esta passou a estar em condições de prover ao seu sustento sem qualquer auxílio do autor.
Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório
B..... intentou a presente acção no Tribunal de Família e Menores de Vila Nova de Gaia, visando, nomeadamente[1], a cessação de alimentos definitivos, contra C....., formulando os seguintes pedidos:
«[…] deve a presente acção ser julgada provada e procedente e a Ré condenada a:
a) ver anulados os acordos quanto à prestação de alimentos ao ex-cônjuge e quanto à utilização e destino da casa de morada de família;
b) com a consequente restituição de tudo o que foi prestado; […]
Em caso de assim não ser entendido, pede subsidiariamente:
d) reconhecer que, depois do divórcio, cada cônjuge deve prover à sua subsistência e decretada a extinção da obrigação de alimentos por deles não necessitar ou por razões de manifesta equidade;
e) pagar ao Autor metade do equivalente ao valor que a vivenda do casal possa dar de rendimento em arrendamento, durante o tempo em que a mesma seja fruída e habitada pela Ré (com exclusão do Autor).
E também por mera cautela, em caso de assim não ser entendido, pede ainda subsidiariamente:
f) na redução significativa da pensão de alimentos e na obrigação da Ré pagar ao Autor uma importância a fixar equitativamente pelo uso em seu proveito exclusivo da vivenda pertencente ao casal».
Como fundamento da sua pretensão, alegou em síntese o autor: quando efectuou os acordos sobre a atribuição da casa de morada de família e a prestação alimentar encontrava-se em “estado depressivo dum distúrbio bipolar”, doença mental com início há cerca de dez anos incapaz de entender os acordos que celebrava; à data dos acordos auferia € 1.306,36, auferindo actualmente € 1.213,19; a ré é estilista e vive desafogadamente.
Por despacho de 8.04.2011 (fls. 15), foi determinada a notificação do autor para esclarecer se pretendia ver declarada a nulidade da sentença homologatória dos acordos, uma vez que tal acção deveria correr em separado e nos Juízos Cíveis.
Através do requerimento de fls. 23, veio o autor declarar que mantinha integralmente as pretensões formuladas, requerendo: “se for entendido que o tribunal competente será o Juízo Cível desta comarca, deverá o processo ser remetido para o tribunal competente”.
No despacho de 24.05.2011 (fls. 26), foi declarada a incompetência material do Tribunal de Família e Menores de Vila Nova de Gaia “para apreciar o pedido principal deduzido pelo Requerente a fls. 38”, tendo sido declarada “legalmente inadmissível a remessa dos autos para o Tribunal competente”.
O autor conformou-se com o referido despacho, e através do requerimento de fls. 31 veio “requerer então que o processo prossiga para apreciar apenas o pedido subsidiário para cessação da prestação de alimentos”.
Foi determinada a citação da ré para, querendo, deduzir oposição[2].
A ré veio impugnar a factualidade alegada na petição, afirmando que se mantém a sua situação económica e que apenas aufere o valor anual de € 455,00.
Notificados as partes para a conferência prevista no n.º 3 do artigo 1121.º, do CPC, não foi possível o acordo.
Dispensada a realização da audiência preliminar, foi proferido despacho saneador, com definição da factualidade assente e organização da base instrutória.
Realizada a audiência de julgamento, foi decidida a matéria de facto, sem reclamações, após o que foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
«Pelo exposto, julgo a acção parcialmente procedente e, em consequência, reduz-se a pensão de alimentos a prestar pelo Autor à Ré para o montante mensal de € 180.00 (cento e oitenta euros), a liquidar nos moldes já estabelecidos.
A alteração aos alimentos é devida desde a data da propositura da acção (2006º, do CC) – 24.03.2011».
Na parte anterior ao dispositivo da sentença, consignou a M.ª Juíza:
«Improcedem os restantes pedidos formulados pelo Autor, não só porque não se enquadram no objecto da presente acção de cessação/alteração da pensão de alimentos, já que o que se pretende é a alteração dos termos do acordo celebrado pelo ex-casal relativo à utilização ou uso da casa de morada de família, mas também porque não resultou comprovada matéria factual que sustente tais pretensões».
Não se conformou o autor, e interpôs o presente recurso de apelação, apresentando alegações que termina com as seguintes conclusões:
1ª – O princípio constitucional de igualdade entre homens e mulheres impõe que após o divórcio, cada um providencie pelo seu auto-sustento.
2ª – Como defende Clóvis Beviláqua (in "Direito de Família", São Paulo, 1956) «Todo o indivíduo adulto e são deve trabalhar para o próprio sustento. O instituto dos alimentos foi criado para socorrer necessitados, não para fomentar a ociosidade ou favorecer o parasitismo».
3ª – Hoje, as mulheres como os homens exercem, em igualdade de condições, as mais variadas profissões, de tal sorte que, para que receba pensão alimentícia do ex-marido, a prova da necessidade há-de ser robusta.
4ª – Só são devidos alimentos em determinados casos de necessidade, com duração temporária e certa, apenas para que o alimentário tenha tempo de providenciar a sua independência financeira — a pensão de alimentos tem caracter excepcional e temporária e assenta numa forte necessidade (incapacidade laboral, doença ou idade).
5ª – Não é admissível que uma pessoa saudável, com idade produtiva e vivendo com liberdade irrestrita, queira se manter beneficiária de pensão alimentícia vitalícia do ex-cônjuge só porque com ele foi casada.
6ª – O artigo 2016º, do Código Civil, na redacção que foi introduzida pela Lei nº 61/2008, de 31 de Outubro, consagra o princípio segundo o qual os cônjuges devem prover à sua própria subsistência depois do divórcio. Trata-se de uma norma interpretativa que adequou tal preceito legal aos princípios constitucionais e que acolhe os "Princípios do Direito da Família Europeu Relativos a Divórcio e Alimentos entre ex-cônjuges".
7ª – A situação social e financeira do Autor e da Ré alterou-se após o divórcio em 2006.
8ª – Em 2006, o Autor embora muito doente do foro psiquiátrico, era trabalhador no activo, auferindo € 1.545,00.
9ª – Em 2011, quando propôs esta acção, o Autor está declarado incapaz para o trabalho e aufere uma pensão de invalidez de € 1213,19 (a ser reduzida pela política vigente de austeridade) e tem novas despesas que não tinha: compra de medicação diária, teve de ser acolhido pela mãe octogenária, tem de contribuir com € 500,00 mensais e suportar despesas com vestuário, higiene e deslocações, pagar uma pensão ao filho menor de € 205,00 e as demais despesas corrrentes, notórias e do conhecimento geral, para qualquer adulto.
10º – A Ré é uma pessoa saudável e activa, que cria e confecciona para vender peças de roupa, é detentora da marca D…. "E….." (registada em 2007 como consta na internet e no CD junto aos autos), publicitada na Internet (com preços, contactos para encomendas, incluindo de vendedores) com vídeos de desfiles de roupas e fotografias (com modelos humanos), tendo realizado desfiles de moda de roupa criada e produzida pela Ré em Espinho, Matosinhos, Braga e Aveiro — além disso habita gratuitamente a vivenda de morada de família que, se arrendada, atingiria os € 600,00.
11ª – A Ré tem saúde, idade produtiva, qualificações profissionais para poder prover à sua subsistência — no vídeo ‘Viagem ao centro da... marca de moda E….. a Ré é entrevistada no seu atelier de confecção, com as peças penduradas nos expositores — trabalhar é obrigação ou dever, não é passatempo.
12ª – Ao obrigar o Autor, doente e incapaz para o trabalho, a pagar uma pensão de alimentos vitalícia de € 180,00 à ex-cônjuge que tem mais saúde, capacidade produtiva e possibilidade de angariar o seu autosustento, a douta sentença discriminou injustificadamente o marido e violou o princípio da igualdade entre homem e mulher e o dever de cada um prover à sua subsistência após o divórcio.
13ª – E, mesmo que assim não fosse, nos termos do nº 2 do artigo 2016º, por razões de manifesta equidade, deve ser negado à recorrida o direito a alimentos.
14ª – Foram violados entre outros, os artigos 13º, 36º/3 da Constituição e 2016º do Código Civil.
A autora não apresentou resposta às alegações de recurso.

II. Do mérito do recurso
1. Definição do objecto do recurso
O objecto dos recursos, delimitado pelas conclusões das alegações (artigos 684.º, n.º 3 e 685.º-A n.ºs 1 e 3 do CPC), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 660º, nº 2, in fine), consubstancia-se numa única questão: saber se, face à factualidade provada, se encontram reunidos os pressupostos para a requerida cessação ou alteração da prestação alimentar.

2. Fundamento de facto
Provou-se a seguinte factualidade relevante, não impugnada:
1. Por sentença transitada em julgado, datada de 30 de Novembro de 2006, foi decretado o divórcio entre o A. e a R. e homologados os acordos celebrados quanto à prestação de alimentos, nos termos do qual o A. se obrigou a pagar à R. a prestação de alimentos de € 375.00/mês e quanto à atribuição da casa de morada de família, ficando esta destinada à R. (fls. 20 a 31 do mencionado processo, que aqui se dão por integralmente reproduzidas).
2. O A. à data da celebração dos acordos mencionados em A) auferia mensalmente pela baixa médica a pensão de € 1.545.00.
3. O Autor presentemente recebe uma pensão de invalidez no valor mensal de € 1.213.19.
4. O A. necessita de fazer medicação diária.
5. O A. despende quantia não concretamente apurada, mas que se situa entre os € 50.00 e os € 100.00, na aquisição de medicamentos.
6. O Autor contribui com a quantia mensal de € 500.00 para as despesas do agregado da respectiva progenitora, com quem vive.
7. O A. suporta também despesas com vestuário, higiene e deslocações.
8. O Autor paga uma pensão de alimentos ao filho menor F….., no valor mensal de € 205.00.
9. A R. é uma pessoa saudável embora sofra de bronquite asmática e é uma pessoa activa.
10. A R. cria e confecciona para vender peças de roupa.
11. A R. é detentora da marca D…. “E….”, publicitada na Internet com vídeos de desfiles de roupas e fotografias de apresentação de pelo menos duas colecções, Primavera/Verão de 2008 e Outono/Inverno, desconhecendo-se de que ano.
12. Em datas não concretamente apuradas realizaram-se desfiles de moda de roupa criada e produzida pela Ré em Espinho, Matosinhos, Braga e Aveiro.
13. A Ré conduz habitualmente um BMW.
14. A Ré, juntamente com os seus dois filhos, ocupa gratuitamente o imóvel que foi a casa de morada de família do dissolvido casal, constituída por 5 assoalhadas, cave, rés-do-chão e andar, com garagem e logradouro.
15. O imóvel a que se refere o ponto anterior se fosse arrendado a respectiva renda atingiria aproximadamente os € 600.00.
16. A Ré no ano de 2010 declarou rendimentos anuais de € 455.00.
17. É o pai da Ré que suporta as despesas referentes a IMI e saneamento do imóvel identificado em 14.
18. Em virtude do insucesso da marca E…., a ré fabrica algumas peças de vestuário destinadas a cantores amigos do filho mais velho.
19. O BMW referido em 13. encontra-se em mau estado de conservação.
20. A Ré apenas utiliza este veículo para deslocações curtas devido ao elevado consumo de gasolina.
21. A Ré tem a seu cargo um filho menor, sendo que o filho mais velho, já maior de idade, também integra o seu agregado familiar.
22. A Ré sofre de bronquite asmática.
23. E necessita de adquirir com frequência inaladores.

3. Fundamento de direito
Nos termos do n.º 1 do artigo 2003.º do Código Civil[3] «[p]or alimentos entende-se tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário», integrando o n.º 2, neste conceito “a instrução e educação do alimentado no caso de este ser menor”.
O artigo 2004.º define a medida dos alimentos, determinando que os mesmos serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los, e que na sua fixação concreta se atenderá à possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência.
Estão vinculados à prestação de alimentos o cônjuge e o ex-cônjuge, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2009.º do Código Civil.
Referindo-se especificamente ao divórcio e separação judicial de pessoas e bens, preceitua o artigo 2016.º[4], no n.º 1, que cada cônjuge deve prover à sua subsistência, depois do divórcio, e no n.º 3, que por razões manifestas de equidade, o direito a alimentos pode ser negado.
Finalmente, o n.º 1 do artigo 2016.º-A define critérios objectivos para a definição do montante da prestação alimentar na sequência do divórcio ou da separação de bens: «Na fixação do montante dos alimentos deve o tribunal tomar em conta a duração do casamento, a colaboração prestada à economia do casal, a idade e estado de saúde dos cônjuges, as suas qualificações profissionais e possibilidades de emprego, o tempo que terão de dedicar, eventualmente, à criação de filhos comuns, os seus rendimentos e proventos, um novo casamento ou união de facto e, de modo geral, todas as circunstâncias que influam sobre as necessidades do cônjuge que recebe os alimentos e as possibilidades do que os presta».
Nos termos do n.º 3 do normativo citado, o cônjuge credor não tem o direito de exigir a manutenção do padrão de vida de que beneficiou na constância do matrimónio.
Na sua petição, o autor enfatiza o facto de o n.º 1 do artigo 2016.º impor a regra segundo a qual cada cônjuge deve prover à sua subsistência, depois do divórcio, alegando na conclusão 1.ª, que “o princípio constitucional de igualdade entre homens e mulheres impõe que após o divórcio, cada um providencie pelo seu auto-sustento”.
Com, o devido respeito, trata-se de uma conclusão precipitada.
O princípio da igualdade, como reiteradamente vem afirmando o Tribunal Constitucional, também se concretiza no tratamento de forma diferente, de realidades diferentes, ou seja, proibindo que se tratem por igual situações desiguais.
A este propósito, se rescreveu no acórdão do Tribunal Constitucional de 6.06.1990[5]: «o princípio constitucional da igualdade não pode ser entendido de forma absoluta, em termos tais que impeça o legislador de estabelecer uma disciplina diferente quando diversas forem as situações que as disposições normativas visam regular. O princípio da igualdade, entendido como limite objectivo da discricionariedade legislativa, não veda à lei a realização de distinções. Proíbe-lhe, antes, a adopção de medidas que estabeleçam distinções discriminatórias, ou seja, desigualdades de tratamento materialmente infundadas, sem qualquer fundamento razoável (…) ou sem qualquer justificação objectiva e racional. Numa expressão sintética, o princípio da igualdade, enquanto princípio vinculativo da lei, traduz-se na ideia geral de proibição do arbítrio»[6].
Verificando-se a necessidade de um dos ex-cônjuges de alimentos para a sua sobrevivência, e a possibilidade de o outro os poder prestar, nenhum princípio constitucional obstará à fixação de uma pensão a favor do mais desfavorecido.
Voltando à regra prevista no n.º 1 do artigo 2016.º, verifica-se que não constitui novidade, já que era pacificamente aceite pela doutrina (antes da entrada em vigor da Lei nº 61/2008, de 31 de Outubro), desde a Reforma de 1977, que consagrou, por imperativo da Constituição, o princípio da igualdade dos cônjuges, proclamado no artigo 1671.º, onde se preceitua que o casamento se baseia na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges e que a direcção da família pertence a ambos.
A doutrina tradicional define a medida dos alimentos com base nas seguintes condições: 1.º necessidade do alimentando; 2.º possibilidade do obrigado; 3.º possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência[7].
O terceiro pressuposto enunciado tem subjacente o princípio que o legislador veio proclamar na redacção que introduziu no n.º 1 do artigo 2016.º através da Lei n.º 61/2008, de 31 de Outubro, segundo a qual cada cônjuge deve prover à sua subsistência, depois do divórcio.
Em suma, só na eventualidade de o ex-cônjuge não conseguir prover à sua subsistência, e se o outro cônjuge reunir condições económicas, deverá ser decretada a pensão alimentar, quantificada de acordo com os critérios objectivos enunciados no n.º 1 do artigo 2016.º-A, não esquecendo dois outros factores: o ex-cônjuge credor não tem o direito de exigir a manutenção do padrão de vida de que beneficiou na constância do matrimónio (n.º 3 do art. 2016.º-A); por razões manifestas de equidade, pode ser negado o direito a alimentos (n.º 3 do art. 2016.º).
É tempo de regressar à situação concreta que se nos depara nos autos.
A primeira questão que se coloca, antes da operação de integração da factualidade provada nas normas e critérios legais enunciados, tem a ver com o ónus da prova.
A quem incumbirá este pesado encargo?
Não restam dúvidas de que a prova das necessidades do alimentando incumbe a quem requer a prestação alimentar,[8] ou seja, ao autor na acção de alimentos.
Convém, no entanto, não esquecer que na situação em apreço o autor (obrigado à prestação) lançou mão de um meio processual específico – processo (especial) para a cessação ou alteração de alimentos – previsto no artigo 1121.º do Código de Processo Civil, pelo que sobre ele recai o ónus de alegar e provar que se alteraram as circunstâncias em que celebrou o acordo de alimentos definitivos, homologado por sentença.
Tendo acordado com a ré a prestação de alimentos em vigor, ao pretender a sua cessação ou, subsidiariamente, a sua redução, sobre o autor incumbirá a prova de que se alteraram as possibilidades económicas do autor ou as necessidades da ré, ou que esta passou a estar em condições de prover ao seu sustento sem o auxílio do autor.
No sentido apontado, lapidarmente decidiu a Relação de Coimbra em acórdão de 13.04.1999[10], parcialmente sumariado nestes termos: «Neste tipo de acções é o autor que, de acordo com o disposto no nº 1 do art.º 342 do Código Civil, incumbe a prova de que, por circunstâncias a ele atinentes, não pode continuar a prestar os alimentos, ou que o alimentando, por suas circunstâncias, não carece de continuar a recebê-los».
Analisando a factualidade provada, concluímos que:
a) o autor nada provou relativamente à alteração de rendimentos (e, consequentemente, das necessidades) da ré;
b) no que respeita à alteração dos seus rendimentos, o autor apenas provou que à data da celebração da celebração do acordo auferia mensalmente pela baixa médica a pensão de € 1.545.00, e que actualmente recebe uma pensão de invalidez no valor mensal de € 1.213.19.
É certo que o autor provou que despende quantia não concretamente apurada, mas que se situa entre os € 50.00 e os € 100.00, na aquisição de medicamentos (facto 5), que contribui com a quantia mensal de € 500.00 para as despesas do agregado da respectiva progenitora, com quem vive (facto 6), e que paga uma pensão de alimentos ao filho menor F….., no valor mensal de € 205.00 (facto 8).
No entanto, o autor não provou, não alegou, sequer, que tais despesas não existiam no momento da celebração do acordo de alimentos definitivos[11].
Na sentença recorrida, a M.ª Juíza, depois de concluir pela ausência de prova relativamente aos alegados rendimentos da ré, considerou relevante apenas a redução do rendimento do autor, e, estritamente com base nessa redução, reduziu a prestação alimentar, de € 375,00 para € 180,00.
Vejamos os fundamentos aduzidos na sentença:
«Concluindo, não se poderá considerar que os factos provados demonstrem uma disponibilidade económica por parte da Ré, ou seja, não podemos retirar dos mesmos, sem mais, que a Ré tem rendimentos suficientes para se auto-sustentar.
Não pode, pois, proceder o pedido por esta via.
Todavia, como atrás evidenciamos, alega e comprova ainda o Autor uma diminuição dos seus rendimentos, de € 1.545.00 para € 1.213.19.
Constitui ainda uma evidência que a Ré iniciou uma actividade laboral, a de estilista de roupa, tendo criado e registado uma marca própria, actividade da qual poderá obter algum rendimento.
Mas tal rendimento - o provado - verificamos que o mesmo é diminuto para fazer face às despesas correntes da Ré.
Daí que este Tribunal, em face da matéria fixada, considere que o A. deve manter a sua obrigação de prestação de alimentos, que foi homologada por sentença, no processo de divórcio, embora considere que a mesma deve ser reduzida para um valor mais consentâneo com as necessidades da Ré e as possibilidades do Autor, ou seja de € 180.00.
Reduz-se assim a prestação alimentar devida à Ré, para € 200.00 Euros por mês, quantia que se afigura suficiente e adequada para que a mesma faça face às suas estritas necessidades vitais».
Verifica-se uma manifesta contradição na parte final da fundamentação da sentença, considerando que num parágrafo se refere a redução da prestação para o montante de € 180,00 e logo no parágrafo seguinte se considera adequada a pensão no montante de € 180,00:
«… embora considere que a mesma deve ser reduzida para um valor mais consentâneo com as necessidades da Ré e as possibilidades do Autor, ou seja de € 180.00.
Reduz-se assim a prestação alimentar devida à Ré, para € 200.00 Euros por mês, quantia que se afigura suficiente e adequada para que a mesma faça face às suas estritas necessidades vitais»
Face ao dispositivo da sentença, não podem, no entanto, restar dúvidas, de que a M.ª Juíza ao dizer € 200,00, pretendia dizer € 180,00[12].
Face à prova produzida, estamos de acordo com a redução (com a qual a ré se conformou).
Tal redução respeita a regra do ónus da prova e os princípios enunciados supra, que regem em matéria de quantificação da prestação alimentar.
De todo o exposto decorre a total improcedência do recurso, naufragando a pretensão do recorrente.

IV. Dispositivo
Com fundamento no exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar totalmente improcedente o recurso, ao qual negam provimento e, em consequência, em confirmar a douta sentença recorrida.
Custas do recurso pelo Apelante.
*
O presente acórdão compõe-se de catorze páginas e foi elaborado em processador de texto pelo relator, primeiro signatário.
*

Porto, 15 de Abril de 2013
Carlos Manuel Marques Querido
José Fonte Ramos
Ana Paula Pereira de Amorim
_____________________
[1] Como se constata da formulação do pedido e da tramitação subsequente, inicialmente o autor visava também a anulação dos acordos homologados em sede de processo de divórcio.
[2] Inverteu-se a ordem de tramitação prevista no n.º 3 do artigo 1121.º do CPC, considerando que se tratava de alimentos definitivos, pelo que a conferência realizada depois de a ré ter deduzido oposição deveria tê-lo sido antes.
[3] Diploma legal a que pertencem todos os restantes normativos a citar sem menção de origem.
[4] Na redacção introduzida pela Lei nº 61/2008, de 31 de Outubro, vigente a partir de 30 de Novembro de 2008, tal como o artigo 216.º-A.
[5] Acórdão n.º 188/90, proferido no Processo: n.º 597/88, acessível no site do Tribunal Constitucional: http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/.
[6] No mesmo sentido, vide o acórdão n.º 39/88 (Diário da República, I Série, de 3 de Março de 1988): «O princípio da igualdade não proíbe, pois, que a lei estabeleça distinções. Proíbe, isso sim, o arbítrio; ou seja: proíbe as diferenciações de tratamento sem fundamento material bastante, que o mesmo é dizer sem qualquer justificação razoável, segundo critérios de valor objectivo, constitucionalmente relevantes. Proíbe também que se tratem por igual situações essencialmente desiguais. E proíbe ainda a discriminação; ou seja: as diferenciações de tratamento fundadas em categorias meramente subjectivas, como são as indicadas, exemplificativamente, no n.º 2 do artigo 13.º».
[7] L.P. Moitinho de Almeida, Os alimentos no Código Civil 1966, Revista da Ordem dos Advogados, ano 28, 1968, pág. 96 e seguintes. Referindo um acórdão do STJ, de 10.12.1954 (BMJ, 46,540), refere o autor citado (ob. cit., pág. 101): “Já no direito anterior (…) se entendia que, na fixação dos alimentos à mulher, não podem ser alheias as possibilidades que ela tenha de angariar, por si própria, meios de subsistência, sendo irrelevante que não se sirva dessas possibilidades por não estar disposta a isso. Qualquer que seja a classe da mulher não pode esta considerar-se diminuída por ganhar a sua vida e prover, pelo seu esforço, a parte do seu sustento, em vez de receber essa parte do marido”.
[8] Nesse sentido, vide: Vaz Serra, Obrigação de Alimentos, in BMJ, 108, pág. 107 e 108; e acórdão do STJ, de 18.11.2004, proferido no Processo n.º 04B3524, acessível no site da DGSI.
[9] Circunstâncias essas que determinaram a sua vontade negocial, declarada no acordo homologado por sentença.
[10] Proferido no Processo n.º 46/99, acessível no site da DGSI.
[11] Tudo leva a crer que tais despesas já existiriam. Se não, vejamos: a despesa referente à pensão de alimentos a favor do filho do casal, existia, porque tal pensão foi judicialmente homologada; as despesas com saúde, presume-se que existiriam, considerando que o autor foi declarado incapaz por razões de saúde, mas no momento do acordo já se encontrava de baixa; a despesa do agregado familiar da progenitora, com quem vive, já existiriam no momento da celebração do acordo. Só em sede de recurso, na conclusão 9.ª, é que o autor vem alegar que “tem novas despesas que não tinha”.
[12] O que se retira, sem margem para dúvidas, do teor do dispositivo: «Pelo exposto, julgo a acção parcialmente procedente e, em consequência, reduz-se a pensão de alimentos a prestar pelo Autor à Ré para o montante mensal de € 180.00 (cento e oitenta euros), a liquidar nos moldes já estabelecidos»

http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/d1d5ce625d24df5380257583004ee7d7/9f1081c9d820628280257b5f0059a5ed?OpenDocument

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