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quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

REQUERIMENTO DE ABERTURA DE INSTRUÇÃO SUBSTITUIÇÃO - Acórdão do Tribunal da Relação do Porto - 06/02/2013


Acórdãos TRP
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
281/11.4GAALJ.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ARTUR OLIVEIRA
Descritores: REQUERIMENTO DE ABERTURA DE INSTRUÇÃO
SUBSTITUIÇÃO

Nº do Documento: RP20130206281/11.4GAALJ.P1
Data do Acordão: 06-02-2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1

Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .

Sumário: O requerimento de abertura de instrução pode ser substituído por outro conquanto que seja apresentado dentro do prazo de abertura da instrução.
Reclamações:

Decisão Texto Integral: O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO – SECÇÃO CRIMINAL (QUARTA)
- no processo n.º 281/11.4GAALJ.P1
- com os juízes Artur Oliveira [relator] e José Piedade,
- após conferência, profere, em 6 de fevereiro de 2013, o seguinte
Acórdão
I - RELATÓRIO
1. Nos Autos de Instrução n.º 281/11.4GAALJ, do Tribunal Judicial da Comarca de Alijó, em que é assistente B… e é arguido C…, a Exma. juíza de instrução criminal proferiu o seguinte despacho [fls. 90-92]:
«(…) Não se conformando com o arquivamento formulado nos autos, veio a assistente B…, a fls. 49-57, requerer abertura de instrução a fim de que, a final seja proferido despacho a pronunciar o arguido C… pela prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelo artigo 204º, nº2, al. e), do CP.
Posteriormente, por requerimento de fls. 70-80, veio a assistente apresentar “aperfeiçoamento do requerimento de abertura de instrução apresentado em juízo em 16 de Janeiro último”.
Vejamos.
O fim da instrução é a de comprovação judicial da decisão da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento (artigo 286º, nº1, do CPP), isto é, da comprovação da existência de indícios suficientes de se ter verificado o crime e de quem foi o seu agente (artigo 283º, nº1, do CPP).
No caso concreto, porém, quanto ao requerimento de abertura instrução deduzido pelo assistente, exige a lei especiais particularidades.
Com efeito, nesse caso, para além das de facto e de direito de discordância relativamente à acusação ou não acusação, bem assim, como sempre que disso for caso, a indicação dos actos de instrução que o requerente pretende que juiz leve a cabo, dos meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito e dos factos que, através de uns e outros, se espera provar, deverá ainda o requerimento do assistente atender ao preceituado nas alíneas b) e c) do nº3 do artigo 283º do CPP (cf. artigo 287º, nº2, do mesmo diploma legal).
A remissão das normas relativas à instrução quando requerida pelo assistente para os preceitos acabados de mencionar conduzem à conclusão de que o requerimento de abertura de instrução do assistente deverá configurar, ademais uma verdadeira acusação, assim fixando o objecto doravante, sendo que no âmbito da mesma deverão constar factos que fundamentem a aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação de que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada, bem assim como a indicação das disposições legais aplicáveis.
Em processo penal vigora o princípio da vinculação temática. Isto é, o juiz de instrução está limitado pela factualidade relativamente à qual se pediu a instrução. Se esta não existe, legalmente não pode existir instrução. Não pode o juiz suprir essa falta.
Oficiosamente o juiz só pode suprir as nulidades e as irregularidades nos termos dos arts. 119º e ss. do C. P. Penal. Mas não pode, de todo, substituir-se aos participantes processuais e praticar os actos que só a eles pertencem e podem praticar.
Aceitar o contrário seria inverter os deveres processuais. Estar-se-ia a determinar ao juiz a dedução de factos que só ao assistente compete.
Só relativamente a factos há instrução, e esta apenas e só sobre eles se debruça, tendo em vista uma decisão judicial de comprovação da decisão de deduzir deduzir acusação ou de arquivar o inquérito -arts. 286º, nº 1 e 287º nº 1 do C. P. Penal.
Vertendo ao caso concreto, constata-se que no, RAI apresentado pela assistente a fls. 49-57, esta se limita a expor as razões de discordância com o arquivamento, não descrevendo quaisquer factos indiciadores, modo e circunstâncias, que preencham os elementos objectivos e subjectivos do crime de furto qualificado pelo qual pretende ver pronunciado o C…, à semelhança de uma verdadeira acusação.
O juiz só pode decidir sobre factos, sendo a decisão o resultado ou corolário de um conjunto de factos. Partindo-se de factos, como premissas, tira-se uma conclusão: a decisão "stricto sensu".
Foi o que o legislador quis e pretendeu ao regulamentar tal matéria nos termos dos normativos referidos.
O assistente tem de alegar os factos que hão-de ser atendidos para a decisão e, consequentemente, para as diligências de investigação, atento o princípio da acusação da suficiência, da legalidade, da objectividade e do contraditório.
Não havendo alegação de factos, presumindo-se, teriam estes de resultar da decisão a qual, assim, seria nula, por alteração substancial dos factos (cf. artigo 309º, nº1, do CPP).
O juiz não acusa, pronuncia, o que é muito diferente.
Assim, entendendo que outra interpretação não é possível face aos normativos constantes dos artigos 287º, nº 1 e 2, 283º, nº 3, al. b) e c), 307º, nº 1 e 309º, nº 1, todos do CPP, e pelos princípios da acusação, do contraditório e da vinculação temática que norteiam o processo penal, sempre haveria que determinar, ao abrigo do disposto no artigo 287º, nº3, do CPP, a rejeição do requerimento de abertura de instrução de fls. 49-57, por legalmente impossível.
Vejamos, todavia, se é de admitir o já supra referido articulado de “aperfeiçoamento” do RAI.
Ora, neste âmbito, refira-se como pacífico que, nesta sede, não pode o tribunal efectuar qualquer convite ao assistente a aperfeiçoar o seu requerimento, não apenas por tal hipótese não encontrar cobertura na lei processual penal, mas também porque tal violaria os princípio da imparcialidade e eventuais garantias de defesa, perigando, aliás, a estrutura acusatória do processo e o princípio do contraditório (neste sentido, vd. Acórdãos da Relação do Porto de 14.01.2004, de 31.03.2004, de 05.05.2004, de 16.06.2004, de 23.06.2004, de 15.12.2004 e de 05.01.2005, todos consultados em www.dgsi.pt. e Acórdão de Fixação de Jurisprudência de 12.05.2005, publicado no Diário da República – I Série -A, de 04.11.2005; solução que não contende de todo com os princípios constitucionalmente consagrados; cf. Acórdão do Tribunal Constitucional nº27/2001, de 30 de Janeiro de 2001, consultado em www.tribunalconstitucional.pt.)
Nessa conformidade, entendemos nós que, não podendo o tribunal dirigir ao assistente qualquer convite ao aperfeiçoamento do RAI, por maioria de razão também não poderá admitir um articulado de aperfeiçoamento espontaneamente apresentado por aquele, sob pena total de subversão de todos os princípios supra elencados.
Assim, e nesta conformidade, e pelos motivos expostos considero também legalmente inadmissível o aperfeiçoamento de fls. 70 e ss. apresentado pelo assistente ao seu RAI de fls. 49-57, assim o rejeitando nos mesmos termos. Custas pela assistente, fixando-se a taxa de justiça em 1 UC (artigo 8º, nº2, do RCP).
Notifique.
(…)»
2. Inconformado, a assistente recorre, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões [fls. 101-104]:
«1 - A assistente concorda com a primeira parte da decisão proferida pelo meritíssimo juiz a quo, isto é, concorda que o RAI, tal qual foi apresentado a fls. 49 a 57 não obedece ao figurino legal. E tanto concorda que disso de dando conta, o veio aperfeiçoar a folhas 70 e seguintes.
2 – O que não aceita a assistente é a não admissão, pelo tribunal recorrido, do requerimento de aperfeiçoamento. É que tal requerimento deveria ter sido admitido, assim sendo admitida a própria Instrução.
3 – Isto porque a assistente apresentou espontaneamente (sem qualquer convite para o efeito portanto) um requerimento de aperfeiçoamento do requerimento de abertura de instrução, nele dando cumprimento a todos os requisitos exigidos pelo artigo 287º do CPP (e outros para as quais este remete).
4 – E fê-lo dentro do prazo de que dispunha para apresentação em juízo do próprio RAI “tout court”.
5 – E este aperfeiçoamento, reitera-se espontâneo e tempestivo, não viola os princípios da imparcialidade e eventuais garantias de defesa nem periga a estrutura acusatória do processo e o princípio do contraditório.
6 – Violar-se-iam tais princípios (designadamente o da estrutura acusatória do processo penal consagrado no artigo 32º, nº 5 da Constituição da República Portuguesa) se o tribunal tivesse convidado a assistente a apresentar novo requerimento para abertura de instrução (ou aperfeiçoamento do inicialmente apresentado). E sobretudo se o tivesse feito findo o prazo legal para abertura de instrução. Porque tal consubstanciaria o exercício pelo juiz de instrução de uma faculdade inquisitória e de exercício de ação penal que no atual quadro legal processual não lhe assiste. Nada disso acontece no caso em recurso.
7 – As decisões dos tribunais superiores citadas pelo meritíssimo juiz a quo foram proferidas a despeito de situações diferentes da dos presentes autos. O que nelas estava em causa, muito sinteticamente, era saber se o Tribunal poderia, de per si, dirigir ao assistente qualquer convite ao aperfeiçoamento do RAI que não obedecesse a todo o figurino legal. Em neles foi decidido que não. E bem. Porque aí sim, se tal acontecesse, o Tribunal violaria os princípios da imparcialidade e eventuais garantias de defesa.
8 – Mas o caso dos autos é, como se deixou dito, diferente. A assistente apresentou espontaneamente um requerimento de aperfeiçoamento do RAI. E fê-lo em tempo em que poderia ter apresentado o próprio RAI, isto é, dentro do prazo de que legalmente dispunha para requerer a abertura de instrução.
9 – A assistente (ainda na qualidade de mera denunciante e ofendida) foi notificada em 19 de dezembro de 2011 (carta postal simples depositada na sua caixa de correio a 14 de Dezembro) do despacho do Ministério Público que determinou o arquivamento dos autos. Poderia pois requerer a abertura de instrução em qualquer momento até ao dia 23 de janeiro de 2012. E aperfeiçoou (espontaneamente) o seu requerimento, conformando-o aos legais requisitos, em 18 do mesmo mês e ano. Sem qualquer convite para o efeito.
10 – Denegando a abertura de instrução, pelas razões aduzidas, o tribunal recorrido violou, a um só tempo, os artigos 286º, nº 1 e 287º, nº 2, ambos do Código do Processo Penal.
Pelo exposto, deve ser dado provimento ao recurso e, em consequência, ser a decisão recorrida revogada, e em seu lugar outra produzida, admitindo a abertura de instrução nos moldes requeridos no RAI de folhas 49- 57 aperfeiçoado no requerimento de folhas 70-80.
Decidindo assim, Vªs Exªs farão, como sempre, acostumada JUSTIÇA!
(…)»
3. Na resposta, o Ministério Público refuta os argumentos da motivação de recurso, pugnando pela manutenção do decidido [fls. 109-120].
4. Neste Tribunal, o Exmo. Procurador-geral Adjunto realça que a “repetição da apresentação de um requerimento, ainda que de abertura de instrução, dentro do prazo que é concedido pela lei para o fazer, constitui ainda um direito de quem o subscreve e não contende com qualquer direito adquirido pela parte contrária, no caso, pelo arguido.” Como tal, e uma vez que “[N]enhuma disposição legal impede esta reposição de um requerimento que o seu autor acha imperfeito ou que deva melhorar, desde que cumpra o prazo estabelecido para o fazer”, emite parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso [fls. 128, vº].
5. Colhidos os vistos, realizou-se a conferência.
II – FUNDAMENTAÇÃO
6. Face às conclusões formuladas, que delimitam o objeto do recurso, importa decidir se é legal a substituição do requerimento para abertura da instrução [RAI] no decurso do prazo processual estabelecido.
7. O despacho recorrido refere que o tribunal não pode dirigir ao assistente convite ao aperfeiçoamento do RAI e, por maioria de razão, também não poderá admitir um articulado de aperfeiçoamento espontaneamente apresentado por aquele [ver supra]. O recorrente, por seu lado, salienta que o segundo requerimento foi apresentado ainda dentro do prazo concedido para requerer a abertura da instrução, pelo que não vê razões para a sua rejeição.
8. O recorrente tem razão: se o prazo estava a correr, nenhuma expetativa se podia ter consolidado, junto do arguido, quanto aos termos em que a assistente havia requerido o pedido de abertura da instrução.
9. Na verdade, a assistente foi notificada do despacho de arquivamento do inquérito por carta datada de 13 de dezembro de 2011 [fls. 44]. O prazo de 20 dias concedido para requerer a abertura da instrução [artigo 287.º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal] esgotava-se, pois, a 20 de janeiro de 2012. No dia 16 de janeiro, a assistente deu entrada do RAI [fls. 49]. E dois dias depois [18 de janeiro], apresenta uma nova versão do mesmo [fls. 63]. Portanto, ainda dentro do prazo.
10. Se a apresentação é feita enquanto decorre o prazo concedido por lei, não há qualquer razão (legal ou lógica) que impeça a admissão do requerimento.
11. Prazo – é um lapso de tempo dentro do qual deve ser exercido um direito, cumprida uma obrigação, praticado determinado ato ou produzido um efeito jurídico. A lei não estabelece qualquer efeito cominativo que, na sequência da apresentação do requerimento, proíba o apresentante de o corrigir, dentro do prazo processual estipulado. Com efeito, não faria sentido que, estando ainda em curso o prazo, o apresentante se visse impedido de aperfeiçoar ou melhorar o RAI por si apresentado. Por razões lógicas, mas também por razões substantivas: se o prazo ainda não se esgotou, a substituição do RAI apresentado não contende com qualquer direito (ou expetativa) do arguido ou do assistente [consoante a abertura da instrução seja requerida pelo assistente ou pelo arguido].
12. Não há, portanto, qualquer efeito processual, automático e imediato, que vincule o apresentante ao conteúdo do requerimento, podendo este ser substituído por outro desde que apresentado (ainda) no prazo legal estabelecido. O despacho recorrido é, assim, ilegal. E deve ser substituído por outro que, não ocorrendo uma nova causa, aprecie o RAI apresentado a 18 de janeiro [fls. 63 e ss.].
A responsabilidade pela taxa de justiça
Sem tributação – face à procedência do recurso [artigo 513.º, n.º 1, a contrario, do Cód. Proc. Penal].
III – DISPOSITIVO
Pelo exposto, os Juízes acordam em:
● Conceder provimento ao recurso interposto pela assistente B…, revogando o despacho recorrido que deve ser substituído por outro que, não ocorrendo outra causa, aprecie o requerimento para abertura da instrução apresentado em substituição do anterior.
Sem tributação.
[Elaborado e revisto pelo relator – em grafia conforme ao Acordo Ortográfico de 1990]

Porto, 6 de fevereiro de 2013
Artur Manuel da Silva Oliveira
José Joaquim Aniceto Piedade

http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/d1d5ce625d24df5380257583004ee7d7/c7d1443034210e0380257b19003f0e44?OpenDocument

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

CRÉDITO LABORAL CONTRATO INVÁLIDO PRESCRIÇÃO - Acórdão do Tribunal da Relação do Porto - 28/01/2013


Acórdãos TRP
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
419/10.9TTLMG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA JOSÉ COSTA PINTO
Descritores: CRÉDITO LABORAL
CONTRATO INVÁLIDO
PRESCRIÇÃO

Nº do Documento: RP20130128419/10.9TTLMG.P1
Data do Acordão: 28-01-2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1

Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .

Sumário: I – Para efeitos de pressuposto processual da legitimidade, a noção de parte “em sentido formal” tem preponderância sobre a noção de parte “em sentido material”, não havendo que aguardar pela prova produzida para se aferir se a parte relativamente à qual é questionada a sua legitimidade é, ou não, efectivamente, sujeito da relação material controvertida.
II – O art. 381.º, n.º 1, do Código do Trabalho de 2003 tem um amplo campo de aplicação, não coincidente com as consequências jurídicas legalmente definidas para o despedimento ilícito, nele se incluindo todos os demais direitos que decorrem da prestação do trabalho ou que passaram a ser imediatamente exigíveis por força da cessação ou violação do contrato.
III – A noção de “crédito” abrange ainda, na especificidade do direito laboral, todos os direitos do trabalhador que se constituam por força do vínculo contratual a que se dirigir a prescrição, ainda que sem expressão pecuniária imediata.
IV – Os direitos que se reportem a efeitos jurídicos decorrentes da execução de relações laborais fundadas em contratos inválidos mostram-se abrangidos pelo regime de prescrição do artigo 381º, n.º 1, do Código do Trabalho.
Reclamações:

Decisão Texto Integral: Processo n.º 419/10.9 TTLMG.P1
4.ª Secção

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
II
1. Relatório
1.1. B… intentou em 1 de Outubro de 2010 a presente acção declarativa de condenação com processo comum contra C…., S.A. pedindo que se declare a nulidade do termo aposto nos diversos contratos de trabalho celebrados directamente com a R. e nos contratos de trabalho temporário invocados nos autos e, em consequência, que o autor seja reintegrado ao serviço da ré por contrato de trabalho por tempo indeterminado.
Alegou para tanto, em síntese: que desde 2003 que os C… têm vindo a celebrar contratos de trabalho a termo certo com o autor apondo motivos para justificar a contratação precária sabendo que tais motivos são falsos; que a relação laboral entre os C… e o autor foi-se mantendo sempre constante desde 2003 até 2010, sendo certo que os únicos períodos de interrupção se devem a um comportamento dos C… para evitar as restrições legais da contratação a termo; que na senda de fugir às limitações legais de contratar a termo os C… obrigaram o autor a trabalhar nas exactas funções que vinha desempenhando mas desta vez através de empresas exteriores, nomeadamente, empresas de trabalho temporário; que os C… sempre criaram em si a expectativa de ser admitido como trabalhador efectivo o que originou que o autor se sujeitasse aos sucessivos contratos a termo, e que, face a este enquadramento, deve ser integrado como trabalhador efectivo na estrutura dos C…, considerando-se nulos todos os contratos a termo celebrados.
Realizada a audiência de partes e não tendo havido conciliação foi ordenada a notificação da R. para contestar, o que esta fez, sustentando desde logo a prescrição dos direitos peticionados e a sua ilegitimidade quanto aos contratos celebrados com a D…, Lda. e com a E…, Lda. Defende ainda a validade dos contratos a termo que celebrou com o A. e pede, a final, a procedência das excepções e a improcedência total do pedido com a consequente absolvição.
O A. apresentou resposta à contestação nos termos de fls. 79 e ss.
Foi proferido despacho saneador (fls. 85 e ss.) em que foi relegado para momento ulterior o conhecimento da excepção da prescrição de créditos, bem como o conhecimento da excepção da ilegitimidade passiva da R. quanto aos contratos celebrados de Abril de 2007 a Julho de 2010. Foi dispensada a fixação de matéria de facto assente, bem como a organização de base instrutória e fixado o valor da acção em € 30.001,00.
Posteriormente, o autor suscitou o incidente da intervenção provocada, como associada da ré, da C1…, Lda., que interveio na qualidade de empresa utilizadora nos contrato de trabalho temporário invocados nos autos.
Tal intervenção foi admitida por despacho de 2011.12.12, por se considerar existir dúvida sobre o verdadeiro sujeito passivo da relação jurídica material controvertida.
Após a audiência de partes, a C1… contestou a acção argumentando ser parte ilegítima uma vez que é pessoa colectiva distinta da 1.ª R., embora mantenha com a mesma relações de grupo, e nenhum dos contratos invocados pelo A. foram consigo celebrados mas com a 1.ª R. ou com empresas de trabalho temporário, figurando a contestante apenas como utilizadora. Alega ainda que, relativamente a estes contratos de trabalho temporário celebrado com o autor em que a interveniente foi empresa utilizadora, o motivo neles aposto é verdadeiro, sendo lícita a celebração e cessação dos mesmos, pelo que deve ser absolvida.
A A. respondeu a esta contestação nos termos de fls. 147 e ss.
Foi proferido novo despacho saneador, em que, para além do já decidido no anterior, se relegou para a decisão final o conhecimento das excepções da prescrição de créditos e da ilegitimidade passiva suscitadas pela interveniente C1…, Lda.
Realizada a audiência de julgamento, foi a final proferido despacho a decidir a matéria de facto em litígio (fls. 171 e ss.), que não foi objecto de reclamação e o Mmo. Juiz a quo proferiu em 2012.04.11 sentença, que terminou com o seguinte dispositivo:
«Pelo exposto, julgo procedente a invocada excepção de ilegitimidade passiva da ré C1…, SA., e determino a sua absolvição da instância.
Julgo procedente por verificada a excepção peremptória de prescrição, invocada pela ré C…, SA., assim se determinando a sua absolvição do pedido.
[…].»
1.2. O A., inconformado, interpôs o recurso documentado a fls. 211 e ss. e formulou, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões:
“1 - A discordância dos RR./recorrentes, manifestada por via do presente recurso, vai contra a decisão proferida pelo Tribunal Recorrido que declarou procedente a invocada excepção de ilegitimidade passiva da R. C1..., S.A. e determinou a sua absolvição da instância e julgou procedente por verificada a excepção peremptória de prescrição invocada pela R. C..., S.A..
2 - Por considerar erradamente julgados os pontos 17, 55, 57, 60, 64, 65 da matéria de facto controvertida e constante da decisão da matéria de facto, o Recorrente visa a impugnação da matéria de facto e a consequente alteração das respostas dada na douta decisão ora em crise.
3— Ora, tendo ocorrido a gravação dos depoimentos prestados, “ a Relação reaprecia as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações de recorrente e recorrido..”, como dispõe o no. 2 do art. 712 do CPC.
4 — Não obstante o principio da livre apreciação da prova, em casos excepcionais, o Tribunal da Relação pode, alterar a matéria de facto fixada na instância “a quo”, como vem sendo jurisprudência firme deste Tribunal, citando-se a título de exemplo o sumário deste aresto:
5- Por aplicação do disposto no art. 712 n°. 1 als. a) e b) do CPC, o apelante pede a este Venerando Tribunal da Relação a alteração da decisão de facto decretada em 1ª instãncia incidente sobre os mencionados pontos.
6- De acordo com a prova aduzida o quesito 17 deve ser dado como provado e assim ser dado como assente que a Ré C... tinha conhecimento de que o A. não se encontrava numa situação de desemprego de longa duração.
7- Aos pontos n°s 60, 64° e 65°, da matéria de facto deve ser dada a consagração de factos provados, nos termos que dos mesmos constam, ou seja, no que na expectativa de novas contratações por parte da R. C... o A. aguardou ser contactado pelos C... ou até pelas empresas por ela constituídas ou contratadas para a distribuição de correspondência; Desde o início dos acordos escritos, Julho de 2003, que o A. ficou com a convicção que iria ser integrado nos quadros de pessoal dos C...; O A. concordou com todos os acordos escritos na expectativa de que iria ser posteriormente admitido como trabalhador efectivo dos C....
8- O mesmo se defende quanto aos pontos 55 e 57 da matéria de facto controvertida, que igualmente deverão ser dados como integralmente provados no sentido de ficar assente, que durante a vigência dos referidos contratos de trabalho temporário o A. desempenhou as funções de carteiro nos mesmos moldes e condições em que desenvolveu a sua actividade para a R. C...; Executando os giros de serviço definidos pela R. C....
9- Dos autos extraem-se 7 contratos de trabalho a termo celebrados entre o A. e a R. C... expresso, com as seguintes durações: contrato com inicio a 11.07.2003 e término a 10.10.2003; contrato com início a 17.05.2004 e término a 10.11.2004; contrato com inicio a 03.02.2005 e término a 02.08.2005; contrato com início a 18.08.2005 e téermino a 17.10.2005; contrato com início a _.10.2005 e término a 31.12.2005; contrato com início a 10.05.2006 e término a 10.11.2006; contrato (adenda) com início a 16.08.2006 e término a 31.08.2006.
10- Retira-se ainda que entre A. e C1... (enquanto utilizadora) foram celebrados os seguintes contratos de trabalho temporário: contrato com inicio a 01.04.2007 e término a 26.06.2007; contrato com início a 05.07.2007 e término a 26.09.2007; contrato com inicio a 26.04.2008 e término a 26.09.2008; contrato com início a 29.09.2008 e término a 3 1.10.2008,
11- No entender no Recorrente não assiste qualquer razão ao tribunal Recorrido quanto à decidida ilegitimidade passiva da 2ª R. — C1..., SA., desde logo, esclarece-se que, ao contrário do que vem vertido na douta sentença condenatória, o A. não celebrou um único contrato de trabalho com esta R. , mas sim 4 (quatro) contratos de trabalho temporário em que a citada R. foi utilizadora dos serviços do A.
12- Da matéria de facto apurada e na que, eventualmente, vier a ser alterada em razão da invocada impugnação retira-se que o recurso ao invocado tipo de contratação foi o esquema criado pela 1ª R. C..., SA, em ordem a receber a actividade que o A. sempre e de uma forma mais ou menos contínua lhe foi prestando.
13- Independentemente da validade dos contratos em questão, sobre a qual a seguir nos pronunciaremos, verifica-se uma estreita conexão destes contratos e o fim com os mesmos visado, com os contratos celebrados com os C....
14— Nos temos do art. 26 n° 3 do CPC “são considerados titulares do interesse relevante para o efeito de legitimidade os sujeitos da relação controvertida tal como é configurada pelo Autor “.
15 - Contrariamente ao decidido o A. fundamentou a presente acção (e, posteriormente, através do incidente de intervenção provocada da R. C1...), no facto de ter havido por parte da 1° R. um recurso sucessivo a contratos de trabalho a termo e, posteriormente, por via da 28 R., a contratos de trabalho temporário, o que revelando a intenção de defraudar a lei, determina a sua vinculação à R. C... desde 11.07.2003 (data de inicio de vigência do primeiro contrato), por contrato sem termo.
16- A celebração sucessiva dos invocados contratos determinou a conversão automática da relação jurídica em contrato sem termo, colocaria sempre a questão final de qual a entidade empregadora do Recorrente, a 1ª R. C..., SA ou a aqui designada 2ª R. C1..., então apenas sua utilizadora.
17- Nestas situações ilícitas não esclarece a lei qual a entidade relativamente à qual deve considerar-se feita a conversão do contrato, impondo-se ao intérprete o ónus de cumprir tal lacuna.
18— Apesar de conhecer a polémica doutrinal sobre o tema, entende o Recorrente que o contrato em mérito apenas pode consolidar-se com a 1° R. C..., sendo certo que tal opção não poderá afastar nesta fase a legitimidade passiva da 2ª R. C1....
19— Para análise da presente questão importará ainda ter conta que nos contratos de trabalho temporário é a empresa utilizadora que desenvolve a actividade que o trabalhador desempenha e não a empresa de trabalho temporário.
20 A respeito do contrato de trabalho temporário, diz Maria Regina Redinha, in Relação Laboral Fragmentada, Estudo sobre o Trabalho Temporário, 1995, pág. 223 “o utilizador acha-se numa posição idêntica à do empregador colhendo o beneficio directo da execução do trabalho e condividindo os poderes patronais”. Nesse mesmo sentido o Ac. RP de 18.09.2006, disponível em www.dgsi,pt, onde se lê: ‘face á falta ou nulidade de motivo em ambos os contratos o trabalhador escolhe a empresa que pretende ser a sua entidade empregadora”.
21- Pelas razões invocadas a 2” R. C1... tem legitimidade passiva para a presente demanda, devendo, neste mesmo enquadramento, ser a 1ª R. igualmente parte legítima nos contratos assinados após 01.04.2007.
22- De igual modo, não assiste razão ao Mmo Juiz a quo quanto à decidida excepção da prescrição invocada pela R. C.... SA..
23— Para uma correcta apreciação desta questão e antes de mais considerandos, impõe-se analisar qual o concreto pedido formulado pelo A. na presente acção.
24- Ora, o A./Recorrente visa a declaração de nulidade e de ineficácia dos termos apostos nos diversos contratos de trabalho, a termo ou temporários, invocados nos autos celebrados com as RR. e em consequência de tal pedido pretende o A. ser reintegrado ao serviço da R. C1... por contrato de trabalho por tempo indeterminado.
25 - Como resulta claro do pedido, o A Recorrente não pretende reclamar qualquer direito/crédito laboral relativo a todos os contratos celebrados.
26 Ao invocar a celebração de tais contratos, o recorrente fé-lo para demonstrar que não só o primeiro contrato era nulo (c/ início a 11.07.2003), como do sucessivo recurso aos demais contratos sucessivos apenas a R. C... apenas visou defraudar a Lei que regulamenta o contrato de trabalho a termo e o contrato de trabalho temporário.
27- Sendo tais contratos de trabalho também nulos, deve o A./Recorrente desde Julho de 2003 ser considerado trabalhador permanente da 1ª R. ou, subsidiariamente, trabalhador permanente da 2ª R..
28- Já nos termos quer do n°. 1 do art. 38 da LCT, quer do n°. 1 do art. 382 do CT “todos os créditos resultantes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, quer pertencentes à entidade patronal, quer pertencentes ao trabalhador, extinguem-se por prescrição, decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho”. Ora tendo a acção sido proposta a 02 de Outubro de 2010 (não tendo o A. provado os invocados contactos com as RR. após a celebração do último contrato de trabalho temporário), os eventuais créditos do A. Recorrente já estavam prescritos à data da propositura da acção.
29- Tal prescrição de créditos em nada interfere com a invocada existência de um contrato sem termo, que não é abrangida pela prescrição dos eventuais créditos deles resultantes.
30 - Veja-se, nesse sentido, o Acórdão da Relação do Porto de 04.12.2006, disponível em www.dgsi.pt, proferido no processo 0614440, onde a este respeito se ensina: “Nada obsta a que tais contratos fossem levados em consideração para outros efeitos, que não os créditos, nomeadamente como elementos de prova adjuvantes para ajuizar da real intenção das RR./Recorridas, aquando da sua celebração”
31- Não tendo o A./Recorrente peticionado quaisquer créditos emergentes de tais contratos, não podia o Mmo Juiz a quo ter concluído — como o fez — que entrada a acção tinha ocorrido a prescrição relativamente a todos os contratos invocados nos autos.
32— Da sentença recorrida retira-se ainda e sem necessidade de grandes considerandos, a nulidade dos termos apostos nos contratos de trabalho celebrado entre A. e a R. C..., SA, bem assim a nulidade dos contratos de trabalho temporários celebrados com a 2ª R. C1....
33 — Desde logo, constatou o Tribunal a quo não existir em qualquer contrato a termo o anexo com o nome dos funcionários em férias que o A. ia alegadamente substituir, com excepção do contrato de fis. 29 que incorpora tais nomes.
34- Tendo o A./recorrente invocado que os motivos identificados nos contratos não correspondiam à verdade, isto é, que não existia substituição de trabalhadores em férias ou aqueles que vinham identificados não se encontravam no efectivo gozo de férias, competia ao empregador, no caso a R. — C..., SA provar que tal motivo correspondia à verdade - nesse sentido cfr. Ac, RP de 07.05.2012, in www.dgsj,pt.
35-. Ainda que tal não bastasse, o que não se concebe, não ficou demonstrado nos autos qualquer aumento excepcional da actividade que implicasse para a 1ª R. o recurso à contratação a termo.
36- Igual raciocínio se faça elativamente aos contratos de trabalho temporário mencionados nos autos, ou seja, não tendo a 2° R. demonstrado a verificação dos motivos descritos em cada um desses contratos os mesmos vêm afectada a sua validade.
37- Aliás, impõe-se dizer que com a Lei 18/2001 de 03,07, o fenómeno da sucessiva contratação, por via da celebração de contratos de trabalho temporário, passou a ser atingida com o vício da nulidade, pelo que, ainda que fossem verdadeiros os motivos invocados em tais contratos, passaram desde então a ser feridos de nulidade por celebrados contra a lei, nos termos do art. 294° do CC.
38- Resta, por isso, concluir que todos os contratos inseridos na invocada cadeia de sucessividade, ainda que intercalada, são nulos e absolvidos pelo primeiro contrato, que, em conjunto, integram um contrato por tempo indeterminado (vide citado Ac RP de 04.12.2006).
39-A celebração dos invocados 11 contratos de trabalho, ainda que intercalados, consubstancia uma situação de emprego precário por um longo período (mais de 5 anos).
40 - Num sistema jurídico-constituicional em que a estabilidade no emprego constitui um direito fimdamental dos trabalhadores os desvios ao princípio geral da duração indeterminada do contrato de trabalho, na medida em que contrariam a perdurabilidade da relação laboral, hão-de, forçosamente, revestir um carácter excepcional sob pena da inversão da ordem de valores. Neste quadro impõe-se graduar as excepções de modo a que a postergação da regra não se acentue para além dos limites objectivamente justificáveis ou adequadamente necessários”, Maria Regina Rendinha ob. cit. Pág. 138.
41 - Perante a constatação de que a celebração sucessiva dos contratos invocados nos autos, que no discernir do recorrente determinou a conversão automática da relação jurídica em contrato sem termo, seguindo o entendimento sufragado no Ac. RP de 18.09.2006, em caso de falta ou nulidade de motivo nos contratos, o trabalhador deverá escolher a empresa que pretende que seja a sua entidade empregadora.
42- Para hipótese de ser conferida ao A. tal faculdade desde já o A. Recorrente escolhe a 1ª R. C..., SA como sua entidade empregadora, à qual deve ser integrado para exercer as funções de carteiro.
43- Assim não tendo decidido violou a douta decisão em crise, entre outras, as disposições conjugadas dos artigos 140º; 381°; 382 do CT ; 26° do CPC 294° do C.C.art. 53º do CRP.
NESTES TERMOS Deve ser julgado procedente a Apelação e, em consequência, ser revogada a douta decisão recorrida por outra que, em sua substituição, julgue a acção totalmente procedente, declarando nula e sem qualquer efeito a aposição do termo nos contratos de trabalho a termo e dos contratos de trabalho temporário celebrados entre o Autor e as Rés e, em consequência, ser o A./recorrente reintegrado na 1ª Ré C..., SA., assim, se fazendo JUSTIÇA!”
1.3. Respondeu a R. recorrida C1…, SA. (a fls. 245 e ss.), pugnando pela improcedência do recurso e manutenção da sentença recorrida.
1.4. Também a recorrida C…, SA. apresentou contra-alegações, defendendo a manutenção da sentença (fls. 262 e ss.).
1.5. O recurso foi admitido por despacho de fls. 269, com efeito devolutivo, bem como admitidas as contra-alegações apresentadas e julgado verificado o justo impedimento invocado pela recorrida C…, SA.
1.6. Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se no sentido de que o acórdão a proferir deve ser no sentido da continuidade da sentença, improcedendo o recurso. Apenas o A. se pronunciou sobre este Parecer, reiterando quanto alegou no requerimento de interposição de recurso.
Colhidos os “vistos” e realizada a Conferência, cumpre decidir.
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2. Objecto do recurso
Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões da recorrente – artigo 684.º, n.º 3 do Código de Processo Civil aplicável “ex vi” do art. 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho – as questões que incumbe enfrentar são as seguintes:
1.ª – da impugnação da decisão de facto no que diz respeito aos quesitos 17, 55, 57, 60, 64 e 65, formulados a fls. 174 e ss. e que obtiveram do tribunal a quo a resposta de não provados [conclusões 2.ª a 8.ª];
2.ª – da legitimidade passiva da recorrida C1…, SA. [conclusões 9.ª a 21.ª];
3.ª – da prescrição ou caducidade dos direitos peticionados [conclusões 22.ª a 31.ª];
4.ª – da nulidade dos termos apostos aos contratos de trabalho a termo celebrados e da nulidade dos contratos de trabalho temporário, bem como do estabelecimento de um contrato de trabalho sem termo [conclusões 32.ª a 43.ª].
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3. Fundamentação de facto
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Os factos materiais relevantes para a decisão da causa foram fixados pela sentença recorrida nos seguintes termos:
«[...]
1º A ré C…, dedica-se à distribuição, separação e entrega de correspondência.
2º O A. entrou ao serviço dos C… em 11 de Julho de 2003, por acordo escrito denominado “contrato de trabalho a termo certo”, por três meses, celebrado no mesmo dia, documento de fls. 19 cujo teor ora se dá por reproduzido.
3º O acordo escrito referido em 2º previa que o autor desempenhasse as funções de carteiro no CDP de ….
4º O acordo escrito referido em 2º prevê na cláusula 4ª “a fim de suprir necessidades transitórias de serviço, por motivo de substituição de férias conforme escala anexa”.
5º A ré obrigou-se a pagar uma retribuição de € 559,80 mensais.
6º Os C… não juntaram ao acordo referido em 2º, qualquer escala de férias dos seus trabalhadores.
7º Por carta datada de 25 de Setembro de 2003 os C… comunicaram ao autor que o acordo escrito referido em 2º não seria renovado.
8º Por acordo escrito denominado “contrato de trabalho a termo certo”, celebrado entre o autor e a ré em 17 de Maio de 2004 o autor obrigou-se a prestar aos C… a sua actividade profissional, desempenhando as funções de carteiro no CDP de …, documento de fls.21 cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido.
9º A ré obrigou-se a pagar ao autor uma retribuição mensal no valor de € 559,80.
10º O contrato referido em 8º previa um prazo de duração de 6 meses.
11º O contrato referido em 8º previa na cláusula 4ª “para contratação de trabalhador desempregado de longa duração em virtude do trabalhador procurar emprego efectivo adequado à sua formação e expectativas profissionais estando disponível para contratação a termo, noutras actividades, por um período que se estima em seis meses”.
12º Através de carta datada de 8 de Outubro de 2004 a ré comunicou ao autor a intenção de não renovar o contrato de trabalho, cujo termo ocorria a 16 de Novembro de 2004.
13º Por acordo escrito denominado “contrato de trabalho a termo certo”, celebrado entre o autor e a ré em 3 de Fevereiro de 2005, o autor obrigou-se a prestar aos C… a sua actividade profissional, desempenhando as funções de carteiro no CDP de …, documento de fls. 23 cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido.
14º A ré obrigou-se ao pagamento da retribuição mensal no valor de € 573,40.
15º A cláusula 4ª do contrato referido em 14º prevê “o contrato é celebrado (…) pelo prazo de seis meses, com inicio em 3 de Fevereiro de 2005 e termino em 2 de Agosto de 2005, para contratação de trabalhador à procura do 1º emprego efectivo adequado à sua formação e expectativas profissionais, estando disponível para contratação a termo, por um período que se estima em seis meses”.
16º Através de carta datada de 6 de Julho de 2005 a ré comunicou ao autor a intenção de não renovar o contrato de trabalho, cujo termo ocorria a 2 de Agosto de 2005.
17º Por acordo escrito denominado “contrato de trabalho a termo certo”, celebrado entre o autor e a ré em 18 de Agosto de 2005, o autor obrigou-se a prestar aos C… a sua actividade profissional, desempenhando as funções de carteiro no CDP de …, documento de fls. 25 cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido.
18º A ré obrigou-se ao pagamento da retribuição mensal no valor de € 590,60.
19º A cláusula 4ª do contrato referido em 19º prevê “o contrato é celebrado (…) pelo prazo de dois meses, prazo que se prevê necessário à satisfação das necessidades temporárias de serviço por motivo de substituição dos trabalhadores na situação de férias, conforme escala anexa, parte integrante deste contrato”.
20º A ré C… não juntou ao contrato a escala anexa nem dela deu conhecimento ao autor.
21º Por carta datada de 8 de Setembro de 2005 a ré informou o autor que o contrato terminava em 17 de Outubro de 2005 e que o mesmo não seria renovado.
22º Por acordo escrito denominado “contrato de trabalho a termo certo”, celebrado entre o autor e a ré em 18 de Outubro de 2005, o autor obrigou-se a prestar aos C… a sua actividade profissional, desempenhando as funções de carteiro no CDP de …, documento de fls. 27 cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido.
23º A ré obrigou-se ao pagamento da retribuição mensal no valor de € 590,60.
24º A cláusula 4ª do contrato referido em 25º prevê “o contrato é celebrado (…) pelo prazo de 65 dias, prazo que se prevê necessário à satisfação das necessidades temporárias de serviço por motivo de substituição dos trabalhadores na situação de férias, conforme escala anexa, parte integrante deste contrato”.
25º A ré C… não juntou ao contrato a escala anexa nem dela deu conhecimento ao autor.
26º Por acordo escrito denominado “contrato de trabalho a termo certo”, celebrado entre o autor e a ré em 10 de Maio de 2006, o autor obrigou-se a prestar aos C… a sua actividade profissional, desempenhando as funções de carteiro no CDP de …, documento de fls. 29 cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido.
27º A ré obrigou-se ao pagamento da retribuição mensal no valor de € 385,26?
28º A cláusula 3ª do contrato referido em 29º prevê “o contratante fica sujeito a um período normal de trabalho com a duração semanal de 25 horas, máximo diário de 5 horas (…)”?
29º A cláusula 4ª do mesmo contrato prevê “o contrato é celebrado ao abrigo do n.º 1 e 2, alínea a) do artigo 129º, pelo prazo de 6 meses, prazo que se prevê necessário a satisfação das necessidades a seguir referidas, com inicio em 10.05.2006 e termino em 09.11.2006, a fim de substituir os seguintes trabalhadores em férias:
a)F… (10/05/06 a 31 /05/06)
b)G… (01/06/06 a 30/06/06)
c) H… (01/07/2006 a 31/07/2006)
d) I… (01/08/06 a 31/08/06)
e) J… (01/09/06 a 30/09/06)
f) G… (01/10/06 a 09/11/06).
30º Na cláusula 7.ª do mencionado contrato passou a constar que “as partes manifestam a intenção de não renovar o presente contrato, considerando-se o presente contrato, considerando-se, desde já realizado o pré-aviso exigido no artigo 140.º, da Lei 99/2003 de 27 de Agosto”.
31º Através de documento escrito a que chamaram, “adenda”, fls. 30 cujo teor ora se dá por reproduzido, celebrada a 17 de Agosto de 2006, as partes quiseram consignar que a prestação de trabalho por parte do A. passaria também a abranger o período de férias de K…, de 16 de Agosto de 2006 a 31 de Agosto de 2006.
32º O autor desempenhou as funções de carteiro recebendo ordens da ré durante os períodos de tempo previstos nos contratos que se referenciaram anteriormente, recebendo o respectivo salário.
33º Competia ao autor proceder à distribuição, separação e entrega de correspondência.
34º Através de acordo escrito intitulado “contrato de trabalho a termo incerto”, constante de fls. 31 e cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido, celebrado a 01 de Abril de 2007, o autor recrutado através da empresa de trabalho temporário, denominada “D… Lda”, para exercer para a ré C… as mesmas funções de carteiro no C.D.P de ….
35º O contrato em questão teve início a 01/04/2007 e destinou-se a vigorar “pelo tempo em que fosse atribuído à empresa pelos C1… o serviço de distribuição do C.D.P.” – cláusula 1ª.
36º Como contrapartida do seu trabalho o autor passou a auferir a retribuição mensal de € 403.00, acrescido de subsídio de refeição em uso na empresa.
37º O horário de trabalho semanal a que o A. ficou sujeito foi de 40 horas de segunda a sexta-feira.
38.º Consta da cláusula sexta do referido acordo que “o presente contrato de trabalho caducará mediante a comunicação, pela primeira à segunda outorgante, da cessão do facto referido na segunda parte da cláusula primeira e da respectiva caducidade, com a antecedência de sete, trinta o sessenta dias conforme o contrato haja durado até seis de seis a vinte e quatro meses, ou por período superior”.
39.º Por carta datada de 18/06/2007 e enviada ao A. a citada empresa “D…, Lda”, comunicou ao A. que “o contrato celebrado terminaria no dia 26/06/2007[1], data a partir da qual cessavam os seus serviços nesta empresa”.
40º Mais invocou, que a cessação do contrato era devida ao facto dos serviços solicitados pelos C1… à empresa, terem cessado na zona de ….
41º Decorridos oito dias, por acordo escrito denominado “contrato de trabalho temporário”, constante de fls. 34 e cujo teor ora se dá por reproduzido, celebrado a 05/07/2007, o A. Foi novamente contactado, desta vez pela empresa de trabalho temporário designada “E…”, para exercer as suas funções de carteiro (categoria profissional distribuidor), no C.D.P ….
42º O Contrato de trabalho tinha como termino o dia 26/09/2007 e foi motivado por “acréscimo excepcional de actividade da empresa - devido a contrato que a C1… celebrou com o seu cliente C…”.
43º A retribuição mensal foi calculada tendo por referência o vencimento base ilíquido de 303.75 €, o valor hora ilíquido 2,34€; a 130 horas/mês.
44º A 26/04/2008 a já mencionada empresa de trabalho temporário “E…”, celebrou com o autor um novo acordo escrito denominado “contrato de trabalho temporário”, constante de fls. 35 e cujo teor se dá por reproduzido, com termo a 26/09/2008, para o exercício das mesmas funções de carteiro no C.D.P. de ….
45º O motivo de contratação invocado, foi uma vez mais “o acréscimo excepcional de actividade da empresa - devido ao contrato de prestação de serviços temporário entre C1… e C…, no âmbito da qual a primeira se obriga a prestar à C… serviços de recolha e distribuição diários de envios postais na área de distribuição do código postal referido na cláusula primeira”.
46º A retribuição mensal agora acordada teve como referência o vencimento base ilíquido de 436,45€; o valor hora ilíquido de 2.88€ e 151.67 horas/mês.
47º Três dias depois, em 29/09/2008, a mesma empresa acordou novamente por escrito com o autor, através do documento constante de fls. 36, intitulado “contrato de trabalho temporário” e cujo teor ora se dá por reproduzido, o exercício das mesmas funções de carteiro no C.D.P de …, até ao dia 31/10/2008.
48º Consta do referido documento que o motivo da contratação seria a “execução de tarefa ocasional e serviço determinado precisamente definido e não duradouro - devido à satisfação de necessidades temporárias do primeiro contratante, motivadas pela execução de serviço determinado, precisamente definido e não duradouro, em virtude de um contrato de prestação de serviços temporários entre a C1… e os C… no âmbito da qual o primeiro se obriga a prestar ao C… serviços de recolha e distribuição diários de envios postais na área de distribuição Código Postal” - cláusula 1.ª”.
49º O autor desempenhou as funções de carteiro nos termos acordados nos aludidos “contratos de trabalho temporário”.
50º Usando farda profissional própria atribuída pela ré C… e com a sua identificação, em particular, com a referência “C…” aposta.
51º Em cada CDP da ré C… existe uma rotatividade de giros.
52º Em virtude da maior dificuldade de realização de um determinado giro, num período em que o trabalhador que o está a fazer vai de férias, é alocado a esse mesmo giro um outro trabalhador da ré, mais experiente, e não um trabalhador contratado a termo.
53º Entre a ré C… e a ré C1… foi celebrado, em 30 de Março de 2007, um acordo escrito denominado “contrato de prestação de serviço de distribuição”, documento constante de fls. 64 e seguintes e cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido”, mediante o qual a C1… se comprometeu a prestar serviços aos C… de recolha e distribuição diária de correspondências – cláusula 1ª.
54º Consta do documento referido em 53º[2] que a duração do contrato seria de 6 meses.
55º Posteriormente, os C… e os C1… acordaram por escrito, documento a que atribuíram o nome de “adenda” que o referido contrato se manteria em vigor até 31 de Outubro de 2008.
56º A ré C1… tem como objecto social a “prestação de serviço de recolha, tratamento, transporte e distribuição de documentos, mercadorias e outros envios postais” (…).
57º A ré C1… apenas se dedicou à actividade de serviço postal universal durante a vigência do contrato referido em 53º[3].
[...]».
Embora tenha sido impugnada a decisão de facto no que diz respeito aos quesitos 17, 55, 57, 60, 64 e 65, cujo conteúdo factual se mostra transcrito nas conclusões 6.ª, 7.ª e 8.ª das alegações do recorrente, uma vez que o conhecimento da impugnação poderá ficar prejudicado pela procedência das questões relativas às excepções dilatória e peremptória também em causa no recurso, com as quais não contendem os factos em crise no recurso da matéria de facto, apreciar-se-ão em primeiro lugar tais excepções.
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4. Fundamentação de direito
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4.1. Da legitimidade passiva da C1…, Lda.
Invoca o recorrente que entre o A. e a C1… (enquanto utilizadora) foram celebrados quatro contratos de trabalho temporário entre Abril de 2007 e Outubro de 2008 e que da matéria de facto apurada se retira que o recurso ao invocado tipo de contratação foi o esquema criado pela C…, SA, em ordem a receber a actividade que o A. sempre lhe foi prestando de uma forma mais ou menos contínua, havendo uma estreita conexão destes contratos com os contratos anteriores celebrados com os C….
Invoca, ainda, que fundamentou a presente acção (e, posteriormente, o incidente de intervenção provocada da R. C1…), no facto de ter havido por parte da 1ª R. um recurso sucessivo a contratos de trabalho a termo e, posteriormente, por via da 2ª R., a contratos de trabalho temporário, o que revela a intenção de defraudar a lei e determina a sua vinculação à R. C… por contrato sem termo desde 11 de Julho de 2003, data de inicio de vigência do primeiro contrato, colocando-se a final a questão de qual a entidade empregadora do Recorrente, a 1ª R. C…, SA ou a 2ª R. C1…, então apenas sua utilizadora, já que nos contratos de trabalho temporário assinados após 01 de Abril de 2007 é a empresa utilizadora que desenvolve a actividade que o trabalhador desempenha e não a empresa de trabalho temporário.
A sentença recorrida decidiu ser esta R. parte ilegítima e absolveu-a da instância por considerar não ter resultado minimamente provada a versão do autor de que o contrato a termo celebrado com a ré C1… era apenas um artifício jurídico para evitar o excesso de contratação a termo por parte da ré C…, sendo o interesse da C1… em contradizer a versão do autor semelhante ao interesse das demais empresas de trabalho temporária, externas à relação laboral ocorrida entre o autor e a ré C….
Embora concordemos com as considerações doutrinárias referenciadas na sentença recorrida quando afirma que o que releva para aquilatar da legitimidade como pressuposto processual, não é a relação material controvertida em si, mas sim a posição em que o Autor se coloca perante esta, deste modo se dispensando a legitimidade substantiva e que a legitimidade é um problema da posição das partes perante a relação jurídica controvertida, tal como é configurada pelo Autor, e não de procedência do pedido, citando Miguel Teixeira de Sousa[4], não podemos acompanhar a solução do tribunal a quo quanto à falta de legitimidade passiva da R. C1….
Na verdade, com a redacção conferida ao artigo 26.º, n.º 3 do Código de Processo Civil pelo Decreto-Lei n.° 329-A/95 de 12 de Dezembro, que optou claramente pela posição doutrinária defendida pelo Prof. Barbosa de Magalhães (em oposição ao Prof. Alberto dos Reis) no sentido de que a legitimidade deve assentar na relação material controvertida tal como é configurada pelo autor, a noção de parte “em sentido formal” ganhou preponderância sobre a noção de parte “em sentido material”, não havendo que aguardar pela prova produzida para se aferir se a parte relativamente à qual é questionada a sua legitimidade é, ou não, efectivamente, sujeito da relação material controvertida.
Basta, para tanto, aferir do que, a propósito alega o autor, sendo irrelevante que se prove – ou deixe de provar, como ocorreu in casu – a sua versão.
A causa de pedir invocada pelo ora recorrente na sua petição inicial é integrada, além do mais, por quatro contratos de trabalho temporário que celebrou para prestar o seu trabalho à C1…, enquanto entidade utilizadora, contratos que o A. pondera a par de outros contratos a termo directamente celebrados com a primitiva R. e que entende serem relevantes para configurar o estabelecimento de um contrato de trabalho sem termo com esta.
Ulteriormente, o A. justificou o chamamento da C1… com a circunstância de a primitiva R. – com quem celebrara anteriormente vários contratos de trabalho a termo e a quem entendia encontrar-se vinculado sem termo – ter invocado na contestação a sua ilegitimidade quanto aos contratos de trabalho temporário em que figurava como utilizadora a C1….
A R. C1… foi chamada à acção por força deste incidente suscitado pelo ora recorrente, o qual foi admitido com invocação do disposto no artigo 325.º, n.º 1 e 31.º-B, n.º 2 do Código de Processo Civil, por se considerar no despacho respectivo que existe dúvida sobre o verdadeiro sujeito passivo da relação jurídica material controvertida (sobre quem é a entidade empregadora), e por se considerar que esta dúvida terá que ser vista do ponto de vista do autor (vide o despacho de 2012.12.12).
Ora, perante os termos do n.º 3 do artigo 26.º do Código de Processo Civil, é hoje inequívoco que o legislador possibilita que se mantenham em juízo, como partes com legitimidade processual, pessoas que podem vir a ser absolvidas do pedido precisamente por serem terceiros relativamente à relação jurídica material que é objecto da acção.
Paradigmática desta orientação legislativa é exactamente a hipótese de pluralidade subjectiva subsidiária expressamente consagrada pela reforma de 1995/1996 no art. 31º-B do CPC para os casos de “dúvida fundamentada sobre os sujeitos da relação controvertida”, hipótese em que o litígio se desenvolve com pessoas a quem é reconhecida legitimidade processual e que, em princípio, não são todas sujeitos da relação material controvertida (ou seja, são terceiras em relação a esta), podendo alguma, ou algumas delas, ser absolvida do pedido.
Cremos, pois, que no despacho saneador em que se relegou o conhecimento desta excepção para a sentença final, e nesta mesma sentença, se confundiu o conceito geral de legitimidade – enquanto pressuposto processual cuja observância é necessária para que o juiz se possa pronunciar sobre o mérito da acção, julgando-a procedente ou improcedente – com as condições da acção, ou seja, com os requisitos que interessam ao mérito da causa.
Perante as dúvidas suscitadas quanto ao sujeito da relação material controvertida, as quais foram adensadas pela contestação da primeira R. que invocou até a sua ilegitimidade quanto aos contratos em que a C1… foi utilizadora, tornou-se ainda mais claro que esta última sociedade, em face dos factos alegados na acção, poderia vir a ser considerada entidade empregadora do A., sendo certo que, por assumir esta qualidade em tais contratos, a C1… podia, em abstracto, vir a considerar-se vinculada ao trabalhador através de contrato de trabalho sem termo (cfr. vg. os artigos 11.º, n.º 4 e 16.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.° 358/89, de 17 de Outubro e os artigos 19.º, n.º3, 20.º, n.º 4, 23.º e 25.º, n.º 4 da Lei n.º 19/2007, de 22 de Maio, sucessivamente aplicáveis aos contratos de trabalho temporário celebrados pelo recorrente).

É pois evidente o interesse em contradizer C1… nos termos prescritos no n.ºs 1 e 3 do artigo 26.º do Código de Processo Civil, aplicável “ex vi” do art. 1.º, n.º 2 al. a) do Código de Processo do Trabalho.
E não devia a mesma ter sido absolvida da instância em sede de sentença com fundamento na falta do pressuposto processual da legitimidade [artigos 288º, nº 1, alínea d), 493º, nº 2, e 494º, alínea e), do Código de Processo Civil], o que em nada contende com a eventualidade de no termo do pleito a mesma vir a ser absolvida do pedido.
Procede, nesta parte, o recurso.
*
4.2. Da prescrição ou caducidade dos direitos peticionados
Desde o primeiro articulado que apresentaram na acção que ambas as RR. invocam a prescrição ou a caducidade dos direitos que o A. pretende fazer valer através da presente acção.
A R. C… invoca a prescrição, embora a fundamente no artigo 435.º, n.º 2 do Código do Trabalho de 2003 e venha a concluir que os direitos peticionados se encontravam extintos por caducidade à data da propositura da acção pelo decurso do prazo de um ano.
E a R C1… invoca que à data da propositura da acção se encontravam prescritos os créditos emergentes das relações laborais invocadas na petição inicial nos termos do artigo 381.º do Código do Trabalho e, caso assim se não entenda, alega que aquela data já havia caducado o direito de acção nos termos do artigo 435.º, n.º 2 do mesmo diploma.
A sentença da primeira instância, aplicando a esta problemática o Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto – aplicabilidade que não foi questionada no recurso – e discorrendo sobre a caducidade do direito de acção tal como a mesma se mostra prevista no art,. 435.º do Código do Trabalho de 2003, veio a considerar “verificada a excepção peremptória da prescrição dos créditos laborais peticionados” e a absolver do pedido a R. C…, S.A..
Contra este decisão se rebelou o recorrente invocando, em suma, que no pedido formulado não pretende reclamar qualquer “direito/crédito laboral” relativo a todos os contratos celebrados, pois visa a declaração de nulidade dos termos apostos nos diversos contratos de trabalho, a termo ou temporários, invocados nos autos e, em consequência de tal pedido, ser considerado trabalhador permanente. Alega, também, que invocou a celebração de tais contratos para demonstrar que o primeiro com início em Julho de 2003 era nulo e que com o recurso aos demais contratos sucessivos a R. visou defraudar a lei e sustenta que deve, desde Julho de 2003, ser considerado trabalhador permanente da 1ª R. ou, subsidiariamente, da 2ª R.
Vejamos.
O pedido formulado pelo ora recorrente na petição inicial que apresentou na presente acção é o de declaração de nulidade dos termos apostos nos diversos contratos de trabalho a termo e de trabalho temporário invocados nos autos e, em consequência, a reintegração ao serviço da R. por contrato de trabalho por tempo indeterminado.
À luz do que dispunha o art. 38.º da Lei do Contrato de Trabalho aprovada pelo Decreto-Lei n.° 49 408, de 24 de Novembro de 1969 (LCT), constituía entendimento jurisprudencial uniforme o de que a noção de “crédito” ali utilizada não se circunscreve às “prestações pecuniárias”, nem corresponde ao sentido técnico-jurídico que lhe poderia ser atribuído no quadro do direito das obrigações, abrangendo ainda, na especificidade do direito laboral, todos os seus direitos pessoais que se constituam na esfera jurídica do trabalhador por força do vínculo contratual a que se dirigir a prescrição.
O prazo de prescrição ali previsto tinha em vista, assim, todos os créditos emergentes do vínculo laboral, por virtude da sua violação ou cessação, abrangendo todo o tipo de direitos sobre os quais exista contencioso entre as partes, incluindo os próprios direitos que derivassem de um despedimento ilícito, quer a respectiva acção de impugnação visasse o pagamento das importâncias correspondentes ao valor das retribuições que o trabalhador deixou de auferir, quer se destinasse a obter a reintegração do mesmo no seu posto de trabalho ou a indemnização substitutiva[5].
O Código do Trabalho de 2003, ao estabelecer, no artigo 435.º, n.º 2, um prazo para a propositura da acção de impugnação do despedimento sem fazer qualquer alusão à prescrição, quis significar, por aplicação do disposto no artigo 298.º, n.º 2, do Código Civil, que tal prazo deve ter-se como de caducidade, por ele se encontrando abrangidos todos os efeitos da ilicitude, isto é, todos os direitos que decorrem do despedimento ilícito e podem ser efectivados por via dessa forma de acção. Como se escreveu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2007-02-07[6], o artigo 435º, n.º 2, do Código do Trabalho, ao estabelecer um prazo de caducidade para a acção de impugnação de despedimento, abrange todos os efeitos da ilicitude e exclui, quanto a eles, a aplicação do prazo prescricional do artigo 381º, n.º 1, do mesmo diploma, que se reporta apenas aos créditos que decorrem da prestação do trabalho ou que passaram a ser imediatamente exigíveis por força da cessação ou violação do contrato. Segundo este acórdão, a previsão de uma norma que define um prazo de caducidade para a impugnação judicial da decisão de despedimento [como é o caso do agora art. 388.º, n.º 2 do Código do Trabalho de 2009] afasta a aplicação de um prazo prescricional em relação aos efeitos de direito que se pretendem obter com a impugnação judicial.
Quanto ao art. 381.º, n.º 1, do Código do Trabalho de 2003 [agora art. 337.º, n.º 1], tem um amplo campo de aplicação – não coincidente com as consequências jurídicas legalmente definidas para o despedimento ilícito –, reportando-se a expressão "créditos resultantes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação" a todos os demais direitos que decorrem da prestação do trabalho ou que passaram a ser imediatamente exigíveis por força da cessação ou violação do contrato.
E deve continuar a entender-se que a noção de “crédito” ali utilizada não corresponde ao sentido técnico-jurídico que lhe poderia ser atribuído no quadro do direito das obrigações de “prestação pecuniária”, abrangendo ainda, na especificidade do direito laboral, todos os seus direitos pessoais que se constituam na esfera jurídica do trabalhador por força do vínculo contratual a que se dirigir a prescrição, ainda que sem expressão pecuniária imediata.
Neste contexto, e perspectivando os pedidos formulados pelo ora recorrente, bem como os seus fundamentos, torna-se a nosso ver evidente que o mesmo ancora a sua pretensão na nulidade dos contratos de trabalho a termo e de trabalho temporário que entre 2003 e 2008 foi firmando (primeiro com a R. e depois empresas de trabalho temporário) para prestar trabalho em benefício da 1.ª R. e é seu desiderato extrair da celebração e execução de tais contratos em desconformidade com os preceitos que regulam aquelas duas modalidades contratuais, a conclusão de que se firmou com a 1.ª R. um contrato de trabalho por tempo indeterminado. Por isso pede a condenação desta a reconhecer a nulidade dos referidos contratos e pede a consequente reintegração ao serviço da mesma por contrato de trabalho por tempo indeterminado.
Ainda que a reintegração seja uma consequência geralmente associada à ilicitude do despedimento, cremos que no caso sub judice não se mostra perspectivada nesses termos. O pedido de reintegração formulado se funda na verificação de um despedimento ilícito, mas constitui uma consequência natural do estabelecimento anterior de um contrato de trabalho por tempo indeterminado em consequência da celebração e execução de sucessivos vínculos contratuais inválidos.
Assim, os direitos reclamados na acção, visto que se reportam a efeitos jurídicos decorrentes da execução de relações laborais fundadas em contratos inválidos, mostram-se abrangidos pelo regime de prescrição do artigo 381º, n.º 1, do Código do Trabalho.
E não logra aplicação o prazo de caducidade previsto no artigo 435º, n.º 2, do mesmo Código.
Nos termos do referido artigo 381º, n.º 1:
«Todos os créditos resultantes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, pertencentes ao empregador ou ao trabalhador, extinguem-se por prescrição, decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.»
Resulta dos factos provados que o primeiro contrato de trabalho a termo teve o seu início em 11 de Julho de 2003 (facto 2.º) e que o último contrato teve o seu fim no dia 31 de Outubro de 2008 (factos 47.º e 55.º).
Depois deste contrato, nada mais ficou provado demonstrativo de que se mantivesse a prestação de trabalho do A. em benefício da R., sendo certo que o próprio autor alega no artigo 63º da petição inicial que no final de tal contrato “a ré quis fazer crer ao autor que a sua integração em contrato de trabalho por tempo indeterminado estava totalmente afastada e que a contratação a termo apenas poderia ocorrer após o decurso de 12 meses”. A alegação (não provada – vide a resposta ao quesito 63.º, não impugnada no recurso) de que existiram contactos no mês de Julho de 2010 com vista a uma contratação durante o mês de Agosto de 2010 não integra a existência de qualquer relação laboral cujo hipotético termo pudesse ser perspectivado como um novo termo inicial para a contagem do prazo de prescrição.
Ou seja, o último contrato de trabalho temporário celebrado entre as partes cessou no dia 31 de Outubro de 2008, cessando aí a relação factual de trabalho, pelo que o prazo prescricional começou a correr no dia seguinte: 1 de Novembro de 2008.
Nos termos do n.º do artigo 323.º, n.º 1 do Código Civil, “[a] prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito (…)”.
A presente acção entrou em juízo em 1 de Outubro de 2010 (fls. 40), a 1.ª R. foi citada em 13 de Outubro de 2010 (fls. 41) e a 2.ª R. interveniente foi citada no dia 23 de Dezembro de 2011 (fls. 121).
Uma vez que, em conformidade com o exposto, os direitos reclamados na acção se mostram abrangidos pelo regime de prescrição do artigo 381º, n.º 1, do Código do Trabalho e as citações das recorridas foram efectuadas muito depois do ano que se seguiu ao dia subsequente ao termo do último contrato ao abrigo do qual o A. exerceu as suas funções em benefício das RR. (a primeira como beneficiária dos serviços prestados pela segunda e a segunda como empresa utilizadora), impõe-se concluir que no momento em que qualquer das recorridas foi citada já se havia esgotado aquele prazo prescricional[7].
Pelo que improcedem, nesta parte, as conclusões do recurso, devendo absolver-se ambas as RR. dos pedidos formulados por verificação da excepção peremptória da prescrição.
*
4.3. Em consequência da solução dada à excepção da prescrição, mostra-se prejudicado o conhecimento das restantes questões suscitadas no recurso, relacionadas com a impugnação da matéria de facto necessária a aferir das invocadas nulidades contratuais e do estabelecimento de um contrato de trabalho por tempo indeterminado – cfr o artigo 660.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no 1.º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo do Trabalho.
*
4.4. Porque ficou vencido no recurso que interpôs, incumbe ao recorrente o pagamento das custas respectivas (artigo 446.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil), não se autonomizando a vertente do recurso relativa à legitimidade da R. interveniente em que foi acolhida a sua pretensão, uma vez que a alteração verificada não teve qualquer influência no resultado final do mérito da acção.
*
5. Decisão
Em face do exposto, na parcial procedência do recurso:
5.1. julga-se a R. C1…, Lda. parte legítima;
5.2. julga-se procedente a arguida excepção da prescrição dos direitos que o recorrente pretende fazer valer através da presente acção e absolvem-se as RR. C…, S.A. e C1…, Lda. do pedido.
Custas a cargo do recorrente.
Nos termos do artigo 713.º, n.º 7, do Código de Processo Civil, na redacção do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, anexa-se o sumário do presente acórdão.

Porto, 28 de Janeiro de 2013
Maria José Pais de Sousa da Costa Pinto
António José da Ascensão Ramos
Eduardo Petersen Silva
________________
[1] Diz-se na sentença “2006” por evidente lapso que vem já da petição inicial (artigo 45.º), resulta do próprio conteúdo do facto (já que a referência a 2006 é incompatível com a primeira data nele assinalada) e é confirmado pela análise da carta documentada a fls. 33, a que o mesmo se reporta e onde se mostra inscrita a data de “2007”. Colmata-se, pois, tal lapso, fazendo prevalecer o conteúdo do documento – cfr. o artigo 659.º, n.º 3 do Código de Processo Civil.
[2] Diz-se na sentença “68º” por evidente lapso, como facilmente se constata do confronto entre os quesitos formulados e a respostas dadas aos mesmos (vide fls. 170 e ss.), dos quais resulta que o ponto 53.º da matéria de facto elencada na sentença corresponde à resposta dada ao quesito 68.º. Colmata-se aqui tal lapso por uma questão de coerência interna da decisão e para uma melhor compreensão da mesma.
[3] Reitera-se o conteúdo da nota anterior
[4] In “Sobre a legitimidade processual”, in BMJ n.º 331/46), quando aí escreve que “a legitimidade da parte pressupõe assim uma relação formal independente da apreciação do mérito da causa, da parte processual com o objecto adjectivo: a legitimidade processual é aferida pela posição naturalmente decorrente ou legalmente configurada da parte adjectiva perante a situação subjectiva constante do objecto processual. Como o objecto do processo é a função processual requerida para uma individualizada pretensão processual e como o Réu está tematicamente vinculado ao objecto adjectivo definido pelo Autor, a legitimidade adjectiva implica uma conexão das partes com o objecto adjectivo configurado pelo Autor”.
[5] Vide, entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2006.02.21, Processo n.º 3482/05, da 4.ª Secção, de 2008.09.24, Processo n.º 1159/08, da 4.ª Secção e de 2009.03.04, Processo n.º 1689/08, da 4.ª Secção, todos sumariados in www.stj.pt.
[6] Recurso n.º 3317/06 - 4.ª Secção, in www.dgsi.pt.
[7] Deve dizer-se que a solução dada ao presente recurso em nada contende com o Acórdão da Relação do Porto de 2006.12.04 (processo 0614440), invocado pela recorrente, já que na situação sobre que o mesmo se debruça a cessação do último dos vários contratos celebrados ocorreu em Abril de 2005 e a acção foi intentada três meses depois, em Julho do mesmo ano, pelo que se não colocou ali a questão da prescrição, A afirmação nele contida de que nada obsta a que anteriores contratos sejam “levados em consideração para outros efeitos, que não os créditos, nomeadamente como elementos de prova adjuvantes para ajuizar da real intenção das RR./Recorridas, aquando da sua celebração” – com que concordamos – nada tem a ver com esta questão.
_________________
Nos termos do artigo 713.º, n.º 7, do Código de Processo Civil, na redacção do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, lavra-se o sumário do antecedente acórdão nos seguintes termos:
I – Para efeitos de pressuposto processual da legitimidade, a noção de parte “em sentido formal” tem preponderância sobre a noção de parte “em sentido material”, não havendo que aguardar pela prova produzida para se aferir se a parte relativamente à qual é questionada a sua legitimidade é, ou não, efectivamente, sujeito da relação material controvertida.
II – O art. 381.º, n.º 1, do Código do Trabalho de 2003 tem um amplo campo de aplicação, não coincidente com as consequências jurídicas legalmente definidas para o despedimento ilícito, nele se incluindo todos os demais direitos que decorrem da prestação do trabalho ou que passaram a ser imediatamente exigíveis por força da cessação ou violação do contrato.
III – A noção de “crédito” abrange ainda, na especificidade do direito laboral, todos os direitos do trabalhador que se constituam por força do vínculo contratual a que se dirigir a prescrição, ainda que sem expressão pecuniária imediata.
IV – Os direitos que se reportem a efeitos jurídicos decorrentes da execução de relações laborais fundadas em contratos inválidos mostram-se abrangidos pelo regime de prescrição do artigo 381º, n.º 1, do Código do Trabalho.

Maria José Pais de Sousa da Costa Pinto
http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/d1d5ce625d24df5380257583004ee7d7/b3a98b5d6615033980257b0c0044084c?OpenDocument

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

NOTA DE CULPA PROCESSO DISCIPLINAR DECISÃO DISCIPLINAR - Acórdão do Tribunal da Relação do Porto - 21/05/2012


Acórdãos TRP
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1212/09.7TTGMR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANTÓNIO JOSÉ RAMOS
Descritores: NOTA DE CULPA
PROCESSO DISCIPLINAR
DECISÃO DISCIPLINAR

Nº do Documento: RP201205211212/09.7TTGMR.P1
Data do Acordão: 21-05-2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1

Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .

Sumário: I - O empregador não é obrigado a indicar, na nota de culpa, as normas jurídicas violadas pelo trabalhador.
II - Se a decisão de despedimento deu como provado um facto que não constava da nota de culpa, a consequência não é a invalidade do procedimento disciplinar mas sim a de que tal facto não pode ser atendido pelo tribunal na apreciação da justa causa.
Reclamações:

Decisão Texto Integral: Recurso de Apelação: nº 1212/09.7TTGMR.P1 Reg. Nº 187
Relator: António José Ascensão Ramos
1º Adjunto: Des. Eduardo Petersen Silva
2º Adjunto: Des. José Carlos Machado da Silva
Recorrente: B...
Recorrido: C…

Acordam os Juízes que compõem a Secção Social deste Tribunal da Relação do Porto:

1. B…., casada, residente na Rua …, n.º …, freguesia de …, Guimarães, deduziu contra C…, com sede no …, ….-… Guimarães, a presente acção declarativa, emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum, pedindo que a acção seja julgada procedente, por provada, declarando-se a ilicitude do despedimento da Autora e consequente nulidade e, em consequência, a Ré condenada a pagar a quantia de € 19.490,00 (dezanove mil, quatrocentos e noventa euros) acrescida de juros vencidos e vincendos à taxa legal até integral e efectivo pagamento e de todas as quantias legais e peticionadas até ao trânsito em julgado da presente acção.
Para o efeito alegou, em suma, que trabalhou desde 4 de Janeiro de 1988 exclusivamente sob as ordens, direcção e autoridade da Ré até 18 de Setembro de 2009, sob a categoria profissional de auxiliar de limpeza, auferindo à data da cessação do contrato de trabalho a retribuição mensal de € 530,00.
Por comunicação de 18 de Setembro de 2009, a Ré despediu a Autora. No entanto, o processo disciplinar que lhe foi instaurado é ilícito (por a nota de culpa não conter as normas legais violadas), para além de inválido (por a nota de culpa não conter a intenção de proceder ao seu despedimento) e, também, desprovido de justa causa (por serem falsos os imputados factos justificativos e mesmo que fossem verdadeiros, por si só, não justificariam a sanção máxima aplicada).
Opta pela indemnização, em substituição da reintegração, que deve ser fixada no máximo (45 dias de retribuição base por cada ano der antiguidade). Tem direito a receber as retribuições intercalares, bem como uma indemnização por danos não patrimoniais sofridos que não deve ser inferior a € 2 000,00.
___________________
2. Frustrada a audiência de partes a Ré apresentou contestação pugnando pela improcedência da acção, refutando a invalidade do processo disciplinar (alegando que a falta de normas legais na nota de culpa não constitui causa de invalidação daquele e que a nota de culpa contém a intenção de proceder ao despedimento que é sinónimo de demissão) e reiterou a existência da justa causa invocada (alegando que, para além da ocorrência dos factos imputados à autora, ficou destruída a relação de confiança o que impossibilitou a manutenção desse vínculo laboral).
___________________
3. Procedeu-se a julgamento após a que o Tribunal respondeu à matéria de facto sem reclamações.
___________________
4. Foi proferida sentença, cuja parte decisória tem o seguinte conteúdo:
«Pelo exposto, julgo a presente acção não provada e improcedente nos termos sobreditos e, em consequência:
I – Declaro a validade e licitude do despedimento da autora, B…, levado a cabo pela ré, “C…”;
II – Absolvo a ré de tudo o peticionado pela autora.
*
Custas a cargo da autora, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário.
Registe e notifique»
___________________
5. Inconformada com o assim decidido a Autora interpôs o presente recurso de apelação, tendo formulado as seguintes conclusões:
PRIMEIRA
Na realização da audiência de julgamento não ficou provado, que:
- todos os demais da Petição Inicial, nomeadamente:
a) Para entrar no refeitório, a Autora usou uma chave que encontrou na casa de banho dos meninos? (artigo 19º ponto 1 da Petição Inicial)
b) A Autora não pretendia retirar qualquer bem de dentro do frigorífico? (artigo 19º ponto 2 da Petição Inicial)
c) A Autora trazia consigo apenas somente um saco plástico destinado a trazer as suas peças de fruta? (artigo 19º ponto 2 da Petição Inicial)
d) A Autora não leu o relatório junto à nota de culpa? (artigo 19º ponto 4 da Petição Inicial) e) A Autora foi coagida, sob ameaça de processo-crime a assinar a carta de rescisão de contrato de trabalho? (artigo 19º n.º 5 da Petição Inicial)
f) No documento anexo à nota de culpa, aquando da assinatura do mesmo por parte da autora, não constava do mesmo, o seguinte texto: “quando de momento a colaboradora da D…, E… a apanhou na hora do acto com 3 sacas vazias na sua posse”? (artigo 29º da Petição Inicial)
g) À hora de saída habitual da instituição por parte da Autora, encontram-se pessoas na mesma? (artigo 30º da Petição Inicial)
h) Os rendimentos auferidos pela Autora e marido, são suficientes para o seu sustento, tendo a necessidade de roubar alimentos? (artigo 31º da Petição Inicial)
i) Após os factos da nota de culpa, a Autora não tinha condições de continuar a trabalhar para a Ré? (artigos 34º e 35º da Petição Inicial)
j) Com a sua conduta, a Ré procedeu a desobediência ilegítima às ordens dadas por responsáveis hierarquicamente superiores? (artigo 37º da Petição Inicial);
k) Com a sua conduta, a Ré não causou a lesão de interesses patrimoniais sérios da empresa? (artigo 37º da Petição Inicial);
l) Com a sua conduta, a Ré praticou no âmbito da empresa, de violências físicas, injúrias ou outras ofensas punidas por lei sobre trabalhador da empresa, elemento dos corpos sociais ou empregador individual não pertencente a estes, seus delegados ou representantes? (artigo 37º da Petição Inicial);
m) Com a sua conduta, a Ré não respeitou e tratou o empregador, os superiores hierárquicos, os companheiros de trabalho e as pessoas que se relacionem com a empresa, com urbanidade e probidade? (artigo 40º da Petição Inicial);
n) Com a sua conduta, a Ré não guardou lealdade ao empregador, nomeadamente não negociando por conta própria ou alheia em concorrência com ele, nem divulgando informações referentes à sua organização, métodos de produção ou negócios? (artigo 40º da Petição Inicial);
o) Com a sua conduta, a Ré não promoveu ou executou os actos tendentes à melhoria da produtividade da empresa? (artigo 40º da Petição Inicial);
p) Em face do processo disciplinar, a Autora foi apontada a dedo e gozada nas ruas de Guimarães por quem conhece o caso? (artigo 56º da Petição Inicial);
q) Em face do supra referido, a Autora sentiu enorme vergonha e humilhação? (artigo 56º da Petição Inicial);
SEGUNDA
Existiu erro clamoroso na apreciação da prova porque, conforme se demonstrará, as provas revelam claramente um sentido manifestamente contrário à decisão proferida acerca da matéria de facto, devendo os factos dados como não provados terem sido dados como provados.
TERCEIRA
Pelo contrário, e, pelo supra exposto, a resposta aos seguintes factos dados como provados, deveria ter sido bem diversa, deveriam os mesmos ser considerados como não provados, ou não provados na sua totalidade, pelo Tribunal a quo.
(…)
2 - No exercício dessas funções, incumbia à autora a limpeza das instalações da ré – com excepção da cozinha e do refeitório – e, no final do dia, a colocação dos sacos do lixo nos contentores junto a um dos parques de estacionamento da ré nas traseiras.
3 - A autora tinha como horário de trabalho de 2ª a 6ª feira das 11 às 20 horas, com intervalo de 1 hora para almoço, e era a última funcionária a sair das instalações da ré.
4 - A ré tinha jardim-de-infância, Atl e cantina (com cozinha, refeitório e despensa) de apoio aos mesmos.
5 - A empresa “D…, Ldª” estava encarregada do fornecimento, gestão e limpeza dessa cantina que encerrava pelas 17 horas e era fechada à chave pela funcionária desta empresa (E…), estando essa chave a seu cargo.
6 - Para além dessa, havia uma outra chave a cargo da F… que exercia funções de coordenação e superintendência dos serviços da ré.
7 - Desde há alguns meses que vinham desaparecendo produtos alimentares dessa cantina (tais como rissóis, iogurtes e gelados), mesmo depois de a ré ter mudado a fechadura dessa porta e mandado fazer duas chaves novas.
8 - A “D…” não chegou a debitar à ré o valor desses produtos.
9 - Para tentar descobrir o sucedido, foi combinado entre a ré e essa empresa que a funcionária dessa (E…), depois de terminada a jornada de trabalho (às 17h) e de abandonadas aquelas instalações, regressasse às mesmas através de uma outra porta e se escondesse, munida de uma máquina fotográfica, no interior da despensa do refeitório situada neste.
10 - No dia 13 de Julho de 2009 e cerca de dois dias úteis anteriores, essa funcionária assim procedeu.
11 - Por volta das 19 horas desse dia, a autora, munida de três sacos plásticos e de uma chave (cuja proveniência e autenticidade não foi possível apurar), abriu a porta da cantina que se encontrava fechada, introduziu-se no seu interior, fechou a porta com o trinco, voltou aguardar a chave consigo e, sem accionar as luzes desse compartimento, dirigiu-se ao frigorífico que abriu e colocou as mãos e parte dos braços no seu interior.
12 - Nesse preciso momento, a autora foi fotografada por aquela funcionária da “D…”, nos termos constantes de fl. 71 - cujo teor aqui se dá por reproduzido.
13 – De seguida e com os aludidos sacos vazios, a autora foi interpelada por aquela e, a seu pedido, entregou-lhe a aludida chave.
14 - Entretanto, foi chamada ao local e uma vez chegada, a encarregada dessa empresa (G…), na presença da autora, redigiu, leu à autora e deu a assinar à mesma, que assinou, o documento constante de fl. 23/72 – cujo teor aqui se dá por reproduzido.
15 - A autora sabia que não estava autorizada a abrir a porta daquele local fechado à chave nem a introduzir-se e permanecer no seu interior e muito menos a abrir o frigorífico e a mexer no seu interior.
16 - A autora pretendia retirar produtos alimentares ali guardados, para o que trouxera consigo do exterior tais sacos, e só não o fez devido ao descrito nos itens 12 e 13.
17 - A autora sabia que, àquela hora, apenas se encontrava na ré uma auxiliar educativa (H…) que estava no parque infantil exterior com crianças à espera que os pais chegassem (sendo até às 19h. e 30m. o horário para o efeito).
18 - Nesse mesmo dia, a autora foi ter com o director da ré (I…), declarando-se envergonhada pelo sucedido.
(…)
21 - No dia 15 de Julho de 2009, no seu gabinete, o director da ré apresentou já, previamente, redigido um documento à autora e esta assinou-o, segundo o qual a mesma rescindia o contrato de trabalho com efeito a partir de 14/8/2009 – conforme consta de fls.
74, e, cujo teor integral aqui se dá por reproduzido.
22 - Nessa ocasião e antes de assinar, aquele propôs à autora como sendo melhor (para o seu futuro e bom nome) a própria despedir-se, assinando aquele documento, do que sujeitar-se a uma queixa pela ré e a autora pediu-lhe que fosse dado o fundo de desemprego.
23 - No dia 16 de Julho de 2009, a ré recebeu uma carta da autora segundo a qual esta considerava nulo e sem efeito o documento que assinara no dia anterior, conforme consta de fls. 75 e 76 cujo teor aqui se dá por reproduzido.
24 - Por despacho datado de 20 de Julho de 2009, a ré mandou dar início ao processo disciplinar, que se iniciou por despacho datado do dia 23 desse mês, seguido de nota de culpa, resposta à nota de culpa e diligências instrutórias e que culminou com a decisão de despedimento da autora, recebida por esta no dia 21 de Setembro de 2009, conforme consta de fls. 77 a 119 e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
(…)
QUARTA
O processo disciplinar instaurado à Recorrente violou entre outros os artigos artigo 381º, alínea c) e 382º, alínea a) da Lei 7/2009, de 12/2.
QUINTA
Na nota de culpa deveria a entidade patronal na nota de culpa invocar as normas legais violadas pela Autora, e, que fundamentariam a possível sanção, mas nada fez, nem nada indicou, tendo somente invocado tais normas jurídicas na nota de punição.
SEXTA
“Em processo disciplinar laboral a acusação deve ser formulada através de factos precisos e concretos, enunciando, com precisão, todas as circunstâncias conhecidas de modo, lugar e tempo dos factos imputados ao arguido, com referência aos preceitos legais infringidos. A acusação que não obedeça a tais requisitos e contenha imputações vagas ou genéricas ou meros juízos de valor sobre factos não discriminados, ou não possibilite ao arguido compreender o verdadeiro relevo das faltas, consubstancia falta de audiência do arguido que constitui nulidade insuprível, torna ilegal o processo disciplinar e anulável a decisão punitiva.” – Acordão STJ. De 24/10/1980, Processo n.º 151, BMJ, 300º-263)
SÉTIMA
Mais, para além da ausência dos preceitos legais infringidos na nota de culpa, e, o seu uso na nota de punição, bem como de outros factos e comentários ausentes da nota de culpa, claramente se traduz na invalidade e consequente ilicitude do processo disciplinar, e, necessariamente na ilicitude do despedimento.
OITAVA
Os factos dados como provados 7º e 22º, são ilógicos perante a experiencia normal da vida, pelo que nunca deveriam ter sido dados como provados.
NONA
Espontaneamente a testemunha E…, refere que a Autora meteu as mãos no frigorífico, tirou-as, fechou a porta, e, depois é que foi surpreendida pela testemunha, ou seja, a Autora não tinha a intenção de retirar nenhum produto do frigorifico, senão ao retirar as mãos retirava também os produtos, pelo que, a alínea b) dos factos não provados (artigo 19º ponto 2 da Petição Inicial), e, supra referido, deveria ter sido dado como provado, e, bem assim, o facto provado n.º 16, nunca o deveria ser.
DÉCIMA
A Autora não leu o documento junto com a nota de culpa, quando o assinou, bem como o seu estado, apesar da leitura não lhe permitia compreender o sentido e alcance do mesmo, assim, a alínea d) dos factos não provados (artigo 19º ponto 4 da Petição Inicial), e, supra referido, deveria ter sido dado como provado.
DÉCIMA – PRIMEIRA
A lei é particularmente exigente na configuração da justa causa para despedimento. Assim, para que surja uma situação de justa causa para este efeito é necessário que estejam preenchidos os requisitos cumulativos previstos no código do trabalho, nomeadamente:
- um comportamento ilícito, grave, em si mesmo ou pelas suas consequências, e, culposo do trabalhador; (elemento subjectivo)
- a impossibilidade prática e imediata de subsistência do vinculo laboral; (elemento objectivo)
- a verificação de um nexo de causalidade entre os dois elementos anteriores;
Não se verifica o cumprimento dos requisitos, aliás, “a gravidade do comportamento deve ser apreciada em termos objectivos e concretos, relativamente à empresa, e não com base naquilo que o empresário subjectivamente considere como tal.
Assim, a gravidade deve ser apreciada em face das circunstâncias que rodeiam a conduta do trabalhador, dentro do ambiente próprio da empresa” – (A. MOTTA VEIGA, Direito do Trabalho, 2º vol. 1987, pag. 218)
DÉCIMA-SEGUNDA
A Recorrente não violou as normas do artigo 351º n.º 1 e alíneas a), e) e i) no n.º 2 do mesmo artigo 351º, nem violou os princípios previstos nas alíneas a), f) e h) do n.º 1 do artigo 128º, da Lei 7/2009
DÉCIMA-TERCEIRA
À Recorrida cabia o ónus da prova dos motivos do despedimento, o que não logrou.
DÉCIMA-QUARTA
O despedimento da Autora pela Ré, foi ilegal e ilícito, e, não respeitou os mínimos direitos de defesa daquela, para além dos factos apurados não serem suficientes para a aplicação da sanção máxima disciplinar.
___________________
6. A recorrida apresentou contra-alegações, alegando que o recurso deve improceder, uma vez que não se verifica qualquer erro na apreciação da prova, o processo disciplinar é válido e os factos que a recorrente praticou constituem justa causa para o seu despedimento.
___________________
7. O Ex.º Sr. Procurador-Geral Adjunto, nesta Relação, emitiu douto parecer no sentido de que a apelação não merece provimento.
___________________
8. Foram colhidos os vistos legais.
___________________
II – Questões a Decidir
Como é sabido o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da recorrente, nos termos do disposto nos artigos 684º, nº 3, e 685º-A, nº 1, do Código de Processo Civil (na redacção introduzida pelo DL 303/2007, de 24.08), aplicáveis ex vi do disposto nos artigos 1º, nº 2, al. a), e 87º do Código de Processo do Trabalho, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso (artigo 660º, nº 2). Assim, dentro desse âmbito, deve o tribunal resolver todas as questões que as partes submetam à sua apreciação, exceptuadas as que venham a ficar prejudicadas pela solução entretanto dada a outras (art. 660.º, n.º 2, do CPC), com a ressalva de que o dever de resolver todas as questões suscitadas pelas partes, este normativo, não se confunde nem compreende o dever de responder a todos os “argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes”, os quais, independentemente da sua respeitabilidade, nenhum vínculo comportam para o tribunal, como resulta do disposto no art. 664.º do Código de Processo Civil[1].
De modo que, tendo em conta os princípios antes enunciados e o teor das conclusões formuladas pela apelante, as questões a decidir são as seguintes:
1. Alteração da matéria de facto;
2. Invalidade do procedimento disciplinar;
2. I(licitude) do despedimento.
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III – FUNDAMENTOS
1-Factos que a decisão recorrida considerou como provados:
1 - Desde 1 ou 4 de Janeiro de 1988 que a autora trabalhava como auxiliar de limpeza, sob as ordens, direcção e fiscalização da ré e mediante retribuição mensal, ultimamente, no valor ilíquido de € 530.
2 - No exercício dessas funções, incumbia à autora a limpeza das instalações da ré – com excepção da cozinha e do refeitório – e, no final do dia, a colocação dos sacos do lixo nos contentores junto a um dos parques de estacionamento da ré nas traseiras.
3 - A autora tinha como horário de trabalho de 2ª a 6ª feira das 11 às 20 horas, com intervalo de 1 hora para almoço, e era a última funcionária a sair das instalações da ré.
4 - A ré tinha jardim-de-infância, Atl e cantina (com cozinha, refeitório e despensa) de apoio aos mesmos.
5 - A empresa “D…, Ldª” estava encarregada do fornecimento, gestão e limpeza dessa cantina que encerrava pelas 17 horas e era fechada à chave pela funcionária desta empresa (E…), estando essa chave a seu cargo.
6 - Para além dessa, havia uma outra chave a cargo da F… que exercia funções de coordenação e superintendência dos serviços da ré.
7 - Desde há alguns meses que vinham desaparecendo produtos alimentares dessa cantina (tais como rissóis, iogurtes e gelados), mesmo depois de a ré ter mudado a fechadura dessa porta e mandado fazer duas chaves novas.
8 - A “D…” não chegou a debitar à ré o valor desses produtos.
9 - Para tentar descobrir o sucedido, foi combinado entre a ré e essa empresa que a funcionária dessa (E…), depois de terminada a jornada de trabalho (às 17h) e de abandonadas aquelas instalações, regressasse às mesmas através de uma outra porta e se escondesse, munida de uma máquina fotográfica, no interior da despensa do refeitório situada neste.
10 - No dia 13 de Julho de 2009 e cerca de dois dias úteis anteriores, essa funcionária assim procedeu.
11 - Por volta das 19 horas desse dia, a autora, munida de três sacos plásticos e de uma chave (cuja proveniência e autenticidade não foi possível apurar), abriu a porta da cantina que se encontrava fechada, introduziu-se no seu interior, fechou a porta com o trinco, voltou a guardar a chave consigo e, sem accionar as luzes desse compartimento, dirigiu-se ao frigorífico que abriu e colocou as mãos e parte dos braços no seu interior.
12 - Nesse preciso momento, a autora foi fotografada por aquela funcionária da “D…”, nos termos constantes de fl. 71 - cujo teor aqui se dá por reproduzido.
13 – De seguida e com os aludidos sacos vazios, a autora foi interpelada por aquela e, a seu pedido, entregou-lhe a aludida chave.
14 - Entretanto, foi chamada ao local e uma vez chegada, a encarregada dessa empresa (G…), na presença da autora, redigiu, leu à autora e deu a assinar à mesma, que assinou, o documento constante de fl. 23/72 – cujo teor aqui se dá por reproduzido.
15 - A autora sabia que não estava autorizada a abrir a porta daquele local fechado à chave nem a introduzir-se e permanecer no seu interior e muito menos a abrir o frigorífico e a mexer no seu interior.
16 - A autora pretendia retirar produtos alimentares ali guardados, para o que trouxera consigo do exterior tais sacos, e só não o fez devido ao descrito nos itens 12 e 13.
17 - A autora sabia que, àquela hora, apenas se encontrava na ré uma auxiliar educativa (H…) que estava no parque infantil exterior com crianças à espera que os pais chegassem (sendo até às 19h.e 30m. o horário para o efeito).
18 - Nesse mesmo dia, a autora foi ter com o director da ré (I…), declarando-se envergonhada pelo sucedido.
19 - De seguida, a autora abandonou o local na viatura do seu marido que, conforme era hábito (diário), se encontrava à sua espera com o carro estacionado num dos (dois) parques de estacionamento da ré.
20 - No dia 14 de Julho de 2009, nas instalações da ré, quando a autora se propunha trabalhar, foi-lhe comunicada, por escrito, que então recebeu, a suspensão preventiva do exercício das suas funções, sem prejuízo do pagamento da retribuição – cfr. o documento de fl. 73 cujo teor aqui se dá por reproduzido.
21 - No dia 15 de Julho de 2009, no seu gabinete, o director da ré apresentou já, previamente, redigido um documento à autora e esta assinou-o, segundo o qual a mesma rescindia o contrato de trabalho com efeito a partir de 14/8/2009 – conforme consta de fls. 74 e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido.
22 - Nessa ocasião e antes de assinar, aquele propôs à autora como sendo melhor (para o seu futuro e bom nome) a própria despedir-se, assinando aquele documento, do que sujeitar-se a uma queixa pela ré e a autora pediu-lhe que fosse dado o fundo de desemprego.
23 - No dia 16 de Julho de 2009, a ré recebeu uma carta da autora segundo a qual esta considerava nulo e sem efeito o documento que assinara no dia anterior, conforme consta de fls. 75 e 76 cujo teor aqui se dá por reproduzido.
24 - Por despacho datado de 20 de Julho de 2009, a ré mandou dar início ao processo disciplinar, que se iniciou por despacho datado do dia 23 desse mês, seguido de nota de culpa, resposta à nota de culpa e diligências instrutórias e que culminou com a decisão de despedimento da autora, recebida por esta no dia 21 de Setembro de 2009, conforme consta de fls. 77 a 119 e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
25 - A autora não tinha antecedentes disciplinares.
___________________
Porque têm interesse para a decisão e se encontram provados por documentos aditam-se os seguintes factos:
26 – A nota de culpa referida no ponto antecedente tem o seguinte conteúdo:
(…)
«Um) – De no dia treze deste mês de Julho, pelas dezanove horas, fora do horário de funcionamento da cozinha e do refeitório do C…, quando esses locais estavam fechados à chave, ter neles penetrado usando para o efeito uma chave falsa;
Dois) – De nessa altura ter aberto o frigorifico com o intuito de dele retirar produtos alimentares aí guardados, para o que trouxera consigo do exterior diversos sacos;
Três) – De só não ter consumado o furto, depois de abrir o frigorifico e ter as mãos no seu interior, por ter sido interpelada pela Senhora Dona E…, empregada do refeitório da firma D…, que se tinha encerrado nesse local para apanhar em flagrante a pessoa ou pessoas que anteriormente tinham furtado produtos do frigorífico;
Quatro) – De ter assinado, em sinal de concordância, o relatório-participação redigido pouco depois pela encarregada da firma D…, Senhora Dona G…, onde se referem os factos a que se reportam os anteriores artigos desta acusação;
Cinco) De ter reconhecido a sua culpa ao ter solicitado a sua exoneração, assinando um documento nesse sentido, documento que mais tarde considerou nulo e de nenhum efeito.
Milita em seu favor o facto de nunca ter sido punida disciplinarmente e ainda o facto de ter reconhecido a sua culpa, embora essa confissão não tenha qualquer relevância para a descoberta da verdade, dado que a arguida foi apanhada numa situação de «flagrante delito».
Às infracções disciplinares acima articuladas corresponderá a pena disciplinar de demissão, pois os cactos imputados à arguida, a serem dados como provados, tornam absolutamente inviável a manutenção do vínculo laboral que liga a arguida ao C…, como entidade empregadora.
(…)»
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2. Feita esta enumeração, e delimitado como está o objecto do recurso pelas conclusões das alegações da recorrente, passaremos a apreciar as questões a decidir.
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2.1. Da primeira Questão. Alteração da matéria de facto

2.2. Critério geral de reapreciação das provas em 2ª instância.

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2.3. Atentemos agora sobre se o processo disciplinar é ou não inválido.

2.3.1. Regime jurídico aplicável ao caso.
O despedimento da Autora ocorreu em 21 de Setembro de 2009. Assim sendo todas as questões suscitadas terão de ser apreciadas e resolvidas à luz do Código do Trabalho de 2009[2] – cf. art. 7.º, n.º 1 da Lei 7/2009 de 12/02.
___________________
2.3.2. Alega a Recorrente que o processo disciplinar é inválido, porque:
a) - Violou entre outros os artigos artigo 381º, alínea c) e 382º, alínea a) da Lei 7/2009, de 12/2, uma vez que na nota de culpa deveria a entidade patronal invocar as normas legais violadas pela Autora, e, que fundamentariam a possível sanção, mas nada fez, nem nada indicou, tendo somente invocado tais normas jurídicas na nota de punição.
b) - Da decisão final, consta factos e matéria da qual a Recorrente não foi notificada na nota de culpa, o que necessariamente, culmina com invalidade do processo disciplinar e respectiva ilicitude do mesmo.
Vejamos:
2.3.3. Falta de indicação das normas legais violadas pela Autora na nota de culpa.

Diz a Recorrente que o processo disciplinar é inválido, porque violou os artigos artigo 381º, alínea c) e 382º, alínea a) da Lei 7/2009, de 12/2, uma vez que na nota de culpa deveria a entidade patronal invocar as normas legais violadas pela Autora, e, que fundamentariam a possível sanção, mas nada fez, nem nada indicou, tendo somente invocado tais normas jurídicas na nota de punição.

A sentença recorrida sobre o assunto referiu que «analisando o teor do escrito da nota de culpa dele consta, suficientemente, descrita a factualidade imputada à autora/trabalhadora – conforme exige o art. 353º, nº 1, do C.T., o qual nada refere sobre a necessidade de citação de normas legais e tão pouco o art. 382º, nº 2, al. a), do C.T. prevê tal.»

O artigo 353º, nº 1 do CT, sob a epígrafe «Nota de culpa», dispõe que «no caso em que se verifique algum comportamento susceptível de constituir justa causa de despedimento, o empregador comunica, por escrito, ao trabalhador que o tenha praticado a intenção de proceder ao seu despedimento, juntando nota de culpa com a descrição circunstanciada dos factos que lhe são imputados».

Já a alínea c) do artigo 381º do mesmo diploma legal refere que o despedimento é ilícito se não for precedido do respectivo procedimento.

Por sua vez, o artigo 382º do CT, epigrafado de «Ilicitude de despedimento por facto imputável ao trabalhador», menciona:
«1 — O despedimento por facto imputável ao trabalhador é ainda ilícito se tiverem decorrido os prazos estabelecidos nos nºs 1 ou 2 do artigo 329.º, ou se o respectivo procedimento for inválido.
2 — O procedimento é inválido se:
a) Faltar a nota de culpa, ou se esta não for escrita ou não contiver a descrição circunstanciada dos factos imputados ao trabalhador;
b) Faltar a comunicação da intenção de despedimento junta à nota de culpa;
c) Não tiver sido respeitado o direito do trabalhador a consultar o processo ou a responder à nota de culpa ou, ainda, o prazo para resposta à nota de culpa;
d) A comunicação ao trabalhador da decisão de despedimento e dos seus fundamentos não for feita por escrito, ou não esteja elaborada nos termos do n.º 4 do artigo 357.º ou do n.º 2 do artigo 358.»

No entanto, deveremos ter em atenção que o artigo 14º, nº 1 da Lei nº 7/2009, de 12 de Fevereiro dispõe, que «os nºs 1, 3 e 4 do artigo 356.º, os artigos 358.º, 382.º, 387.º e 388.º, o n.º 2 do artigo 389.º e o n.º 1 do artigo 391.º entram em vigor na data de início de vigência da legislação que proceda à revisão do Código de Processo do Trabalho».

A aludida legislação que proceda à revisão do Código de Processo do Trabalho teve lugar com a publicação do Decreto-Lei n.º 295/2009, de 13 de Outubro, o qual entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 2010, conforme artigo 9º, nº 1.
Como os factos em apreço são anteriores a essa data, não podermos atender aos nºs 1, 3 e 4 do artigo 356.º, os artigos 358.º, 382.º, 387.º e 388.º, o n.º 2 do artigo 389.º e o n.º 1 do artigo 391º, que apenas em 1 de Janeiro de 2010 entraram em vigor. Teremos, pois, de atender ao Código do Trabalho de 2003, nomeadamente, ao seguinte normativo:
Artigo 430º
Despedimento por facto imputável ao trabalhador
1 - O despedimento por facto imputável ao trabalhador é ainda ilícito se tiverem decorrido os prazos de prescrição estabelecidos no artigo 372º ou se o respectivo procedimento for inválido.
2 - O procedimento só pode ser declarado inválido se:
a) Faltar a comunicação da intenção de despedimento junta à nota de culpa ou não tiver esta sido elaborada nos termos previstos no artigo 411º[3];
b) Não tiver sido respeitado o princípio do contraditório, nos termos enunciados nos artigos 413º, 414º e no nº 2 do artigo 418º;
c) A decisão de despedimento e os seus fundamentos não constarem de documento escrito, nos termos do artigo 415º ou do nº 3 do artigo 418º»

Significa isto que a invalidade do procedimento disciplinar previsto no Código do Trabalho de 2003 é similar à prevista no actual Código do trabalho de 2009. As diferenças são mínimas e sem qualquer influencia.

Assim, se atentarmos na nota de culpa que a entidade empregadora comunicou à trabalhadora verificamos que na mesma são imputados determinados factos, mas não se indica quais as normas jurídicas pela trabalhadora violadas. Entende a recorrente que tal omissão torna o procedimento disciplinar inválido. Será assim?
Dos normativos acima transcritos não resulta que tal omissão faça com que o procedimento disciplinar seja inválido e o despedimento seja ilícito. Na verdade, o despedimento foi precedido de procedimento disciplinar e a nota de culpa não falta, é escrita e contém a descrição circunstanciada dos factos imputados à trabalhadora.
Dos normativos acima citados não resulta a obrigação de o empregador ter de inserir na nota de culpa as normas jurídicas violadas pelos factos que nela imputa ao trabalhador. E também não existe, como dissemos, qualquer sanção para essa violação.
A nota de culpa tem algumas semelhanças com a acusação prevista no mundo processual penal. Ambas têm o papel fulcral de delimitar o thema ddecidendum, ou seja, é nelas que devem ser inseridos os factos concretos imputados ao arguido como forma de assegurar a plenitude da defesa, garantindo a este que apenas tem que defender-se dos factos acusados, e não de outros, e que apenas poderá ser «condenado» pelos factos constantes nas referidas peças.
No entanto, tendo em conta os valores que estão em jogo, a nota de culpa não reveste o rigor que a lei exige à acusação penal. Assim, ao contrário do que acontece com o Código do Trabalho, o Código de Processo Penal, sanciona como nulidade, a acusação onde não conste a indicação das disposições legais aplicáveis [artigo 283º, nº 3, alínea c)]. Tal omissão leva a que o juiz a considere manifestamente infundada e a rejeite – artigo 311º, nº 2, alínea a) e nº 3, alínea c).

Improcede, assim, esta questão.

2.3.4. Imputações na decisão final de despedimento de factos que não constavam na nota de culpa comunicada à trabalhadora.

Alega a recorrente que o procedimento é inválido e o despedimento ilícito, uma vez que decisão final, consta factos e matéria da qual a Recorrente não foi notificada na nota de culpa.
A recorrida, na resposta às alegações, refere que esta questão não foi suscitada pela recorrente no Tribunal a quo, e como tal, tratando-se de uma questão nova, não poderá ser conhecida pelo Tribunal de Recurso.

Efectivamente se compulsarmos os autos constatamos que apenas nas alegações de recurso a recorrente suscita esta questão, nunca antes a tendo invocado.

Vejamos:
O artigo 357º, nº 4 do CT dispõe que «na decisão são ponderadas as circunstâncias do caso, nomeadamente as referidas no n.º 3 do artigo 351.º, a adequação do despedimento à culpabilidade do trabalhador e os pareceres dos representantes dos trabalhadores, não podendo ser invocados factos não constantes da nota de culpa ou da resposta do trabalhador, salvo se atenuarem a responsabilidade».

Por sua vez, o artigo 98º -J do Código de Processo do Trabalho, sob a epígrafe «Articulado do empregador», dispõe no seu nº 1 que «O empregador apenas pode invocar factos e fundamentos constantes da decisão de despedimento comunicada ao trabalhador.»

Este normativo está de acordo com o que expressa o nº 3 do artigo 387º do Código do Trabalho que «[n]a acção de impugnação judicial do despedimento, o empregador apenas pode invocar factos e fundamentos constantes da decisão de despedimento comunicada ao trabalhador.»

No entanto, estes dois normativos referidos anteriormente, não são aplicáveis ao caso, como já tivemos oportunidade de dizer o artigo 14º, nº 1 da Lei nº 7/2009, de 12 de Fevereiro dispõe, que «os nºs 1, 3 e 4 do artigo 356.º, os artigos 358.º, 382.º, 387º e 388.º, o n.º 2 do artigo 389.º e o n.º 1 do artigo 391.º entram em vigor na data de início de vigência da legislação que proceda à revisão do Código de Processo do Trabalho». Por sua vez, o artigo 6º do DL n.º 295/2009, de 13 de Outubro, refere que «as normas do Código de Processo do Trabalho com a redacção dada pelo presente decreto -lei aplicam-se às acções que se iniciem após a sua entrada em vigor», que, como se sabe, apenas em 1 de Janeiro entrou em vigor (artigo 9º, nº 1).

Teremos, assim, de atender ao Código do Trabalho de 2003 que contem uma norma semelhante, mais precisamente o nº 3 do artigo 435º, no qual se refere que «na acção de impugnação do despedimento, o empregador apenas pode invocar factos e fundamentos constantes da decisão de despedimento comunicada ao trabalhador».
Daqui resulta que na acção de impugnação de despedimento[4] a entidade patronal apenas pode invocar factos constantes da decisão final do processo disciplinar e esta, por sua vez, deve conter-se sempre, em termos factuais, no âmbito da nota de culpa – artigo 357º, nº 4 do CT –, pois o trabalhador arguido, não pode ser surpreendido, no fim do processo disciplinar ou ao longo da acção de impugnação da acção de despedimento com factos novos, de que não foi acusado na nota de culpa e que nunca teve a possibilidade de se defender.
A invalidade que a recorrente agora suscita prende-se com a eventual inclusão, na decisão do despedimento, de factos, que não constavam na nota de culpa
As invalidades do procedimento disciplinar são taxativas, constando o respectivo elenco, como já mencionamos, do n.º 2 do art.º 430º, n.º 2, do Código do Trabalho.
No que diz respeito à decisão de despedimento, o facto de nela se ter dado, eventualmente, como provado um facto que não constava da nota de culpa só poderia acarretar a invalidade do processo disciplinar, caso se entendesse que tal configurava um caso de violação do princípio do contraditório, ou seja, do direito de defesa do autor (art.º 430.º, n.º 2, alínea b), do C.T.).
Ora, o princípio do contraditório traduz-se no direito de o trabalhador arguido responder à nota de culpa, deduzindo por escrito os elementos que considere relevantes para o esclarecimento dos factos que na nota de culpa lhe são imputados e da sua participação nos mesmos, e no direito de juntar documentos e solicitar as diligências probatórias que se mostrem pertinentes para o esclarecimento da verdade, que o empregador terá obrigatoriamente de realizar, salvo se, em despacho fundamentado, as considerar dilatórias ou impertinentes (artigos 413.º e 414.º do C.T.).
Assim, a violação de tal princípio tem de ser aferida em relação aos factos que na nota de culpa foram imputados à trabalhadora, sendo que relativamente a esses factos a autora exerceu cabalmente o seu direito de defesa.
O que sucede, quando na decisão de despedimento se invocam factos que não constavam da nota de culpa, é uma extrapolação dos factos da acusação, o que contraria o disposto no n.º 3 do art.º 415.º do C.T., a não ser que os factos em questão tenham sido referidos na defesa do trabalhador ou sirvam para atenuar ou diminuir a responsabilidade do trabalhador.
Mas, como inequivocamente decorre do disposto n.º 2 do art.º 430.º do C.T., a violação do disposto no n.º 3 do art.º 415.º não tem como consequência a invalidade do procedimento disciplinar inválido, uma vez que tal violação não consta do n.º 2 do art.º 430.º, nomeadamente da sua alínea b).
A consequência do desrespeito ou preterição do disposto no art.º 415.º, n.º 3, do C.T. não é a invalidade do procedimento disciplinar, mas sim a de aqueles factos não poderem ser atendidos pelo tribunal na apreciação da justa causa[5].

Por outro lado, perfilhamos o entendimento que esta situação é do conhecimento oficioso e, como tal, não depende da arguição do trabalhador afectado pela imputação de novos factos, razão pela qual, apesar de ser uma questão nova, este Tribunal não está impedido de a conhecer.

Contudo, sempre diremos que a ré não desrespeitou o disposto no art.º 415.º, n.º 3, do C.T. Na verdade, a Ré na decisão do despedimento diz de forma clara que «dão-se por demonstrados e assentes todos os facto da nota de culpa». É verdade, que no desenvolvimento e no enquadramento dos factos a Ré invoca determinados factos que não constam na nota de culpa, mas isso não implica que os tenha considerado como provados. Trata-se mais de um enquadramento enquadramento geral do caso e uma ponderação das circunstâncias do mesmo, face à defesa apresentada pela trabalhadora.
De qualquer forma, sempre diremos que se efectivamente se constatar que aquando da apreciação da justa causa do despedimento que se consideraram factos não constantes na nota de culpa a consequência é não considerar, nem valorar estes factos, na apreciação da (i)licitude do despedimento, com base no artigo 435º, nº 3 do Código do Trabalho.
___________________
2.4. Atentemos agora de averiguar se o despedimento é ilícito, por não exister justa causa para o mesmo.

2.4.1. No elenco das sanções disciplinares (art. 328º) o despedimento é a mais gravosa.
O artigo 53º da Constituição da República Portuguesa consagra o princípio da estabilidade no emprego proibindo os despedimentos sem justa causa. Princípio este que cede quando a permanência do trabalhador na empresa ponha em causa a existência ou a eficácia da estrutura produtiva, fruto de um seu comportamento culposo ou ilícito.
Na aplicação das sanções disciplinares, face ao princípio da proporcionalidade consagrado no artigo 330º do Código do Trabalho, é necessário ponderar a gravidade da infracção e a culpa do infractor.
De acordo com o disposto no artigo 351º, nº 1, do C. T. constitui justa causa de despedimento “o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho”.
A definição de justa causa assenta assim num particular juízo de censura sobre um comportamento culposo do trabalhador, violador dos respectivos deveres laborais[6].
Entendido o despedimento como a pena de morte das sanções disciplinares, a sua aplicação só é legítima e válida quando a gravidade da falta cometida o justifica.
A gravidade calcula-se pela infracção em si, pelo grau de culpabilidade do trabalhador e pelas consequências em que ocorreu a sua prática.
A existência de justa causa pressupõe a verificação cumulativa de três requisitos:
1º – Um comportamento ilícito, culposo do trabalhador, violador dos deveres de conduta ou de valores inerentes à disciplina laboral, que seja grave em si mesma e nas suas consequências – é o elemento subjectivo da justa causa;
2º – a impossibilidade prática e imediata de subsistência do vínculo laboral – é o elemento objectivo da justa causa;
3º – a verificação de um nexo de causalidade entre os dois elementos anteriores, no sentido em que a impossibilidade de subsistência do contrato tem que decorrer, efectivamente, do comportamento do trabalhador outro, configurado na existência de nexo de causalidade entre aquele comportamento e esta impossibilidade.[7]
No que concerne ao primeiro dos elementos – o subjectivo – convém esclarecer, conforme refere Maria do Rosário Palma Ramalho,[8] “A exigência de ilicitude do comportamento do trabalhador não resulta expressamente do art. 351º, nº 1[9], mas constituiu um pressuposto geral do conceito de justa causa para despedimento[10], uma vez que, se a actuação for lícita, ele não incorre em infracção que possa justificar o despedimento.”
O acto ilícito e culposo há-de corresponder a uma violação grave, por parte do trabalhador, dos seus deveres contratuais (seja dos deveres principais, secundários ou acessórios), por acção ou omissão, não sendo necessário que essa violação ocorra no local de trabalho[11], podendo essa violação revestir qualquer uma das três modalidades de incumprimento das obrigações: o não cumprimento definitivo, a simples mora e o cumprimento defeituoso.
A culpa do trabalhador (a título de dolo ou negligência) há-de ser apreciada segundo um critério objectivo, isto é, pela diligência que um bom pai de família teria adoptado, em face das circunstâncias do caso (art.º 487.º, n.º 2, do C.C.), e não segundo os critérios subjectivos do empregador[12]. Neste contexto, também devem ser relevadas e valoradas as circunstâncias atenuantes e as causas de exclusão da culpa que possam ter existido[13], nomeadamente, o estado de necessidade desculpante, o erro, a falta de consciência da ilicitude do facto, a anomalia psíquica ou obediência desculpante[14].
Para que se verifique a justa causa, não é suficiente um qualquer incumprimento dos deveres contratuais, por parte do trabalhador. É necessário, ainda, que se trate de um comportamento que, pela sua gravidade[15] e consequências, leve a concluir que a subsistência da relação de trabalho se tornou imediata e praticamente impossível.
No entanto, a impossibilidade em questão não é uma impossibilidade de ordem material, correspondendo, antes, a uma situação de inexigibilidade reportada a um padrão essencialmente psicológico, qual seja o das condições mínimas de suporte de uma vinculação duradoura, implicando mais ou menos frequentes e intensos contactos entre os sujeitos[16], e que, na apreciação dessa inexigibilidade, há que atender, no quadro da gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses da entidade empregadora, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes (art.º 351.º, n.º 3, do CT), tudo à luz dos critérios de um bonus paterfamilias, ou seja, de um empregador normal, e não à luz da sensibilidade do real empregador.
O conceito de justa causa é assim um conceito indeterminado, pois não facultando uma ideia precisa quanto ao seu conteúdo, aponta para modelos de decisão a elaborar em concreto e, constituindo a mais grave das sanções disciplinares, visa o sancionamento da conduta do trabalhador que, pela sua gravidade objectiva e pela imputação subjectiva, torna impossível a subsistência das relações que o contrato de trabalho supõe[17].
A inexigibilidade há-de, pois, ser aferida através de um juízo de probabilidade, de prognose, sobre a viabilidade da relação de trabalho, sendo de concluir pela existência de justa causa quando, sopesando os interesses em presença, se verifique que a continuidade da vinculação representaria, objectivamente, uma insuportável e injusta imposição ao empregador, isto é, quando, nas circunstâncias concretas, a permanência do contrato e das relações (pessoais e patrimoniais) que ele supõe seriam de molde a ferir de modo desmesurado e violento a sensibilidade e a liberdade psicológica de uma pessoa normal colocada na posição do empregador[18].
Podemos, assim concluir, que a justa causa pressupõe sempre uma infracção por parte do trabalhador, ou seja, uma violação, deste, por acção ou omissão, de deveres legais ou contratuais, nestes se incluindo os deveres acessórios de conduta derivados da boa fé no cumprimento do contrato; e é sobre essa actuação ilícita que deve recair um juízo de censura ou de culpa e a posterior ponderação sobre a viabilidade de subsistência, ou não, do vínculo contratual.
A este propósito, a doutrina e a jurisprudência vêm sublinhando o papel da confiança no vínculo laboral, acentuando a forte componente fiduciária da respectiva relação.
Reiteradamente o Supremo Tribunal de Justiça tem mencionado que ao quebrar-se a confiança entre o empregador e o trabalhador, deixa de existir o suporte mínimo para a manutenção dessa relação: porque o contrato de trabalho assenta numa base de recíproca confiança entre as partes, se o comportamento do trabalhador de algum modo abala e destrói essa confiança, o empregador interioriza legitimamente a dúvida sobre a idoneidade futura da sua conduta[19].
No mesmo sentido temos Batista Machado[20] ao referir que […] o núcleo mais importante de violações do contrato, capazes de fornecer justa causa à resolução, é constituído por violações do princípio da leal colaboração imposto pelo ditame da boa fé. Em termos gerais, diz-se que se trata de uma quebra da “fider” ou da base de confiança do contrato (…). Esta é afectada quando se infringe o dever de leal colaboração, cujo respeito é necessário ao correcto implemento dos fins prático-económicos a que se subordina o contrato.
O mesmo acontece com Lobo Xavier ao salientar o relevo da confiança mútua, afirmando que integra justa causa, o […] comportamento que vulnera o pressuposto fiduciário do contrato[21].
___________________
2.4.3. Assim enquadrado o conceito geral de justa causa, importa apurar se a mesma se verificou no caso concreto.
A decisão recorrida entendeu que o comportamento da Autora/trabalhadora se enquadrava no conceito de justa causa para o despedimento, pelo que, considerou o despedimento lícito. Fundamentou a sua posição nos seguintes argumentos:
«… afigura-se indiscutível que a autora/trabalhadora violou, culposa e gravemente, este dever de fidelidade ou lealdade ou honestidade.
Pois, desde Janeiro de 1988, trabalhava como auxiliar de limpeza, mediante retribuição, sob as ordens, direcção e fiscalização da ré que tinha jardim de infância, Atl e cantina (com cozinha, refeitório e despensa) de apoio aos mesmos.
No exercício dessas funções, incumbia à autora a limpeza das instalações da ré – com excepção da cozinha e do refeitório e, no final do dia, a colocação dos sacos do lixo nos contentores junto a um dos parques de estacionamento da ré nas traseiras. Tendo como horário de trabalho, de 2ª a 6ª feira, das 11 às 20 horas com 1 hora de intervalo para almoço. E sendo a última funcionária a sair das instalações da ré.
Sendo que cabia à empresa “D…, Ldª” o fornecimento, gestão e limpeza dessa cantina que encerrava pelas 17 horas e era fechada à chave pela funcionária desta empresa (E…), estando essa chave a seu cargo.
E, para além dessa, havia uma outra chave a cargo da F… que exercia funções de coordenação e superintendência dos serviços da ré.
E como, desde há alguns meses, vinham desaparecendo produtos alimentares dessa cantina (tais como rissóis, iogurtes e gelados), mesmo depois de a ré ter mudado a fechadura dessa porta e mandado fazer duas chaves novas. Para tentar descobrir o sucedido, foi combinado entre a ré e essa empresa que a funcionária dessa (D…), depois de terminada a jornada de trabalho (às 17h) e de abandonadas aquelas instalações, regressasse às mesmas através de uma outra porta e se escondesse, munida de uma máquina fotográfica, no interior da despensa do refeitório situada neste. Então, no dia 13 de Julho de 2009 e cerca de dois dias úteis anteriores, essa funcionária assim procedeu.
Por volta das 19 horas desse dia 13/7/2009, a autora, munida de três sacos plásticos e de uma chave (cuja proveniência e autenticidade não foi possível apurar), abriu a porta da cantina que se encontrava fechada, introduziu-se no seu interior, fechou a porta com o trinco, voltou a guardar a chave consigo e, sem accionar as luzes desse compartimento, dirigiu-se ao frigorífico que abriu e colocou as mãos e parte dos braços no seu interior.
Nesse preciso momento, a autora foi fotografada por aquela funcionária da “D…”, nos termos constantes da foto de fl. 71 – cujo teor aqui se dá por reproduzido – . De seguida e com os aludidos sacos vazios, a autora foi interpelada por aquela e, a seu pedido, entregou-lhe a aludida chave. E, entretanto, chegou a (G…) encarregada dessa empresa, que havia sido chamada ao local e, na presença da autora, redigiu, leu e deu a assinar a esta, que assinou o documento constante de fl. 23/72 – cujo teor aqui se dá por reproduzido.
A autora sabia que não estava autorizada a abrir a porta daquele local fechado à chave nem a introduzir-se e permanecer no seu interior e muito menos a abrir o frigorífico e a mexer no seu interior. A autora (ao agir desta forma) pretendia retirar produtos alimentares ali guardados (em local da ré e para uso da ré), para o que trouxera consigo do exterior tais sacos, e só não o fez devido ao facto de ter sido surpreendida por aquela funcionária (nos termos acima descritos).
A autora sabia que, àquela hora, apenas se encontrava na ré uma auxiliar educativa (H…) que estava no parque infantil exterior com crianças à espera que os pais chegassem (sendo até às 19h. e 30m. o horário para o efeito).
E mais, àquela hora e naquele local, a autora estava no tempo de trabalho e no local de trabalho para o qual era remunerada, mas sem estar a prestar qualquer das actividades a que se obrigara, nem qualquer outra tarefa de que tivesse sido incumbida pela ré e/ou de que esta tivesse conhecimento e em proveito desta – descurando o dever de trabalhar e a sua inerente produtividade.
Por isso, aquela actuação da trabalhadora/autora, visando a subtracção ou apropriação de bens existentes na ré, que se a autora não fosse interrompida, naquele preciso momento, os teria integrado na sua esfera de poder, por forma a traze-los consigo nos sacos que levara para o efeito, constitui, objectivamente, uma lesão culposa do deveres de lealdade e honestidade – independentemente do respectivo valor pecuniário dos bens ali guardados e independentemente de não ter chegado a subtrair nenhum dos bens ali guardados por facto alheio à sua vontade e que interrompeu a sua actuação e motivação ou propósito que presidia à mesma, que era idónea a realizar tal propósito e que, de outra forma e salvo qualquer outra circunstância imprevisível, se teria consumado.
Por si só e objectivamente, tal actuação destrói ou elimina, como eliminou, a confiança depositada pela empresa/ré na trabalhadora/autora não só ao nível da obediência às regras de execução e inerente produtividade do seu trabalho, como ao nível da boa-fé contratual e também, e principalmente, ao nível da sua seriedade no seio da empresa – cfr. os arts. 126º, 128º, nº 1, als. e), f) e h) e 351º, nº 2, al. a), do C.T. em conjugação com o disposto nos arts.22º, 23º, nºs 1 e 2 e 203º, nºs 1 e 2, do Código Penal.
E, porque a autora/trabalhadora podia e devia ter agido de outro modo, esse comportamento merece censura ético-pessoal e compromete a relação de lealdade e confiança mútuas entre a trabalhadora e a empregadora - que constitui um valor absoluto, isto é, não admite meios termos nem se mede pelo valor dos bens envolvidos (os quais, repita-se, só não chegou a retirar e a trazer consigo para o exterior por facto alheio à sua vontade).
Mas, conforme já foi referido, para haver justa causa de despedimento, não basta que o trabalhador, culposamente, adopte um comportamento grave.
É também necessário que, tal comportamento, pela sua gravidade e consequências danosas, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
Note-se que estamos a tratar de uma forma de cessação do vínculo contratual laboral, levada a cabo, unilateramente, pela entidade patronal, no exercício do seu poder disciplinar que lhe permite reagir, internamente, de forma punitiva, perante uma infracção disciplinar praticada por um trabalhador, aplicando-lhe a sanção disciplinar máxima que é o seu despedimento imediato sem qualquer indemnização ou compensação.
Ora, esse poder (que é uma das manifestações ou desdobramentos do poder de autoridade e direcção da entidade patronal) de uma parte contratante poder reagir, por via punitiva interna, relativamente à outra parte contratante, não pode ser deixado ao livre arbítrio de um contraente querer libertar-se do outro.
A entidade patronal tem de apreciar aquela infracção disciplinar praticada pelo trabalhador, à luz da sua organização produtiva, da realidade das relações de trabalho, quer pessoais quer patrimoniais e das demais circunstâncias concretas e de entre o leque de sanções ao seu dispôr (quer as previstas no art. 328º, nº 1, do C.T., quer as previstas em instrumento de regulamentação colectiva nos termos do nº 2 desse mesmo preceito) só deve optar pela sanção ou pena disciplinar mais gravosa para o trabalhador infractor:
● se nenhuma das outras penas disciplinares for suficiente para reprimir tal conduta inadequada do trabalhador e levá-lo a proceder, doravante, de harmonia com as regras de disciplina da empresa, reintegrando-o no padrão de conduta visado, no âmbito da empresa e na permanência desse contrato;
● e se a continuidade dessa vinculação do trabalhador for inexigível por insuportável, desmesurada e violenta para o empregador, ferindo a sua sensibilidade e liberdade psicológica, apreciada à luz de um qualquer homem comum colocado na posição do empregador.
Só perante essa situação de impossibilidade prática (assim aferida por um juízo de prognose), o interesse e a urgência de desvinculação do empregador prevalece (e merece prevalecer) sobre o interesse de conservação do vínculo laboral do trabalhador infractor.
Sendo certo que, tal decisão drástica da entidade patronal está sujeita à sindicabilidade, accionada pelo trabalhador infractor, pela via reclamatória e pela via judicial – cfr. os arts. 329º, nº 7, e 387º, nº 1, do .C.T.
Voltando ao caso em apreço, constata-se que, à luz daquele quadro factual, não pode ser exigido à ré/empregadora que, doravante, confie na autora/trabalhadora.
Pois esta infracção disciplinar praticada pela autora, neste quadro circunstancial, não só comprometeu de forma irremediável a relação de confiança inerente à sua inserção na organização produtiva da ré e inerente às funções exercidas no seio da mesma, como também comprometeu, de forma irremediável, a manutenção e continuidade prática do seu vínculo jus-laboral à ré.
Note-se que se tratava de um espaço que não lhe incumbia limpar, que sabia estar fechado desde por volta das 17 horas, altura em que encerrava o refeitório e a cozinha e saiam as respectivas funcionárias e aguardou pelas 17 horas - porque sabia que, para além da própria autora, apenas se encontrava na ré, ou melhor no parque infantil exterior com crianças, uma outra funcionária -. E, muniu-se de uma chave, cuja autenticidade e proveniência não foi possível apurar, mas que não estava autorizada a deter e, muito menos, a usar para abrir a porta daquele espaço da ré que estava fechado à chave.
E depois de aberta a porta, introduziu-se no seu interior, mesmo sabendo que não estava autorizada a tal e, muito menos, dessa forma. E, uma vez aí dentro, a autora fechou a porta no trinco, voltou a guardar a chave consigo e não accionou as luzes do compartimento – tudo de forma a não denunciar a sua presença ilegítima nesse local e ninguém suspeitar de tal, o que poderia suceder se tivesse deixado a porta entreaberta e/ou a chave na fechadura do lado de fora da porta e/ou tivesse acendido a luz desse compartimento, que, mesmo sendo um final de tarde de Verão, seria susceptível de chamar a atenção pela comparativa escuridão dos demais espaços e sobretudo pelo facto de esse espaço estar encerrado desde o meio da tarde.
No interior da cantina, com as luzes apagadas e munida de 3 sacos plásticos que levara consigo, a autora dirigiu-se ao frigorífico que abriu e colocou as mão e parte dos braços no seu interior, como tão bem elucida a foto de fl. 71 - mesmo sabendo que não estava autorizada a abrir tal equipamento e muito menos a mexer no seu interior -. E foi neste preciso momento que a funcionária da D… (que levava a cabo a aludida vigilância, escondida na despensa dessa cantina, para descobrir a razão dos desaparecimentos que ali vinham ocorrendo), ao deparar-se com a presença da autora nos moldes acabados de descrever, tirou aquela foto, surpreendendo a autora e interpelando-a, com os aludidos sacos vazios – nos quais, precisamente, a autora tencionava guardar produtos alimentares que retirasse daquele frigorífico e só não o fez devido àquela actuação daquela funcionária. Ou seja, só por facto absolutamente alheio à sua vontade e imprevisível - e não porque assim o quisesse a autora ou porque se tivesse arrependido ou desistido ou sequer tivesse tentado desistir.
Assim, atento o modo de actuação e demais circunstâncias acima explanadas, a gravidade dessa actuação infraccional, a culpabilidade da autora, as funções que ela exercia ao longo de mais de 20 anos e das quais se aproveitou, não seria de exigir a esta empregadora, nem a qualquer outra que fosse colocada nestas mesmas circunstâncias, que, daí em diante, tolerasse a permanência daquela trabalhadora no seio da sua organização produtiva.
Caso contrário, seria ferir, de modo desmesurado e violento, a sua sensibilidade e a sua liberdade psicológica, perante o sentimento ou clima de desconfiança, contínuo ou permanente, relativamente a esta trabalhadora desonesta. Seria insustentável para a empregadora estar, no dia-a-dia, com receio permanente sobre as intenções, actuações e respectivas consequências daquela sua trabalhadora, de sentir a necessidade de vigiar a mesma trabalhadora que se assim procedeu num espaço que lhe estava vedado o acesso e fechado à chave, não só poderia voltar a fazer aí como noutros idênticos, como também e, principalmente, nos demais espaços da ré cujas instalações lhe cabia limpar e cujo acesso estava acessível e/ou facilitado – cfr. neste sentido o Ac. STJ de 15/11/1985, Rec. Nº 1128 em Ac. Dout. 291º-376; o Ac. STJ de 10/1/1986, Proc. Nº 1188. BMJ 353º-271; e o Ac. STJ de 3/4/1987, Ac. Dout. 307º- 1062 e BMJ 366º-425.
Assim, perante aquela situação, em que a ré/entidade patronal fez prevalecer o interesse da urgência da desvinculação contratual (em detrimento do interesse da conservação do vínculo contratual), impõe-se concluir que aquele interesse merece prevalecer sobre este, por haver justa causa de despedimento.
E, assim, sendo procedente a justa causa invocada pela ré/empregadora, estamos perante um despedimento lícito.»

2.4.4. Outro entendimento tem a recorrente para quem os factos não são suficientes para aplicação da sanção disciplinar máxima, pois nenhum comportamento delituoso ou susceptível de sanção foi apurado.

2.4.5. O artigo 126º do Código do Trabalho, sob a epígrafe «Deveres gerais das partes» refere no seu nº 1 que «[o] empregador e o trabalhador devem proceder de boa fé no exercício dos seus direitos e no cumprimento das respectivas obrigações.»

Por sua vez, o artigo 128º do mesmo diploma legal, sob a epígrafe «Deveres do trabalhador” refere:
«1 - Sem prejuízo de outras obrigações, o trabalhador deve:
a) Respeitar e tratar o empregador, os superiores hierárquicos, os companheiros de trabalho e as pessoas que se relacionem com a empresa, com urbanidade e probidade;
b) Comparecer ao serviço com assiduidade e pontualidade;
c) Realizar o trabalho com zelo e diligência;
d) Participar de modo diligente em acções de formação profissional que lhe sejam proporcionadas pelo empregador;
e) Cumprir as ordens e instruções do empregador respeitantes a execução ou disciplina do trabalho, bem como a segurança e saúde no trabalho, que não sejam contrárias aos seus direitos ou garantias;
f) Guardar lealdade ao empregador, nomeadamente não negociando por conta própria ou alheia em concorrência com ele, nem divulgando informações referentes à sua organização, métodos de produção ou negócios;
g) Velar pela conservação e boa utilização de bens relacionados com o trabalho que lhe forem confiados pelo empregador;
h) Promover ou executar os actos tendentes à melhoria da produtividade da empresa;
i) Cooperar para a melhoria da segurança e saúde no trabalho, nomeadamente por intermédio dos representantes dos trabalhadores eleitos para esse fim;
j) Cumprir as prescrições sobre segurança e saúde no trabalho que decorram de lei ou instrumento de regulamentação colectiva de trabalho.
2 – O dever de obediência respeita tanto a ordens ou instruções do empregador como de superior hierárquico do trabalhador, dentro dos poderes que por aquele lhe forem atribuídos.»

Assim, estando os deveres do trabalhador listados no artigo 128º, o incumprimento baseado no comportamento ilícito e culposo do trabalhador tanto pode proceder do desrespeito de deveres principais, como o dever de realizar o trabalho com zelo e diligência [alínea c)], de deveres secundários, como o dever de velar pela conservação e boa utilização de bens relacionados com o seu trabalho que lhe forma confiados pelo empregador [alínea g)], ou de deveres acessórios de conduta, deduzidos do princípio geral da boa fé no cumprimento das obrigações, acolhido no n.º 2 do artigo 762.º do Código Civil e reiterado no artigo 126º do Código do Trabalho, figurando, entre eles, o dever de guardar lealdade ao empregador, nomeadamente não negociando por conta própria ou alheia em concorrência com ele, nem divulgando informações referentes à sua organização, métodos de produção ou negócios [alínea f)], que são apenas afloramentos do dever de lealdade, como flui do termo «nomeadamente» aí utilizado.

Por sua vez, o artigo 351º do Código do Trabalho, sob a epígrafe “Noção de justa causa de despedimento”, dispõe:
«1 — Constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
2 — Constituem, nomeadamente, justa causa de despedimento os seguintes comportamentos do trabalhador:
a) Desobediência ilegítima às ordens dadas por responsáveis hierarquicamente superiores;
b) Violação de direitos e garantias de trabalhadores da empresa;
c) Provocação repetida de conflitos com trabalhadores da empresa;
d) Desinteresse repetido pelo cumprimento, com a diligência devida, de obrigações inerentes ao exercício do cargo ou posto de trabalho a que está afecto;
e) Lesão de interesses patrimoniais sérios da empresa;
f) Falsas declarações relativas à justificação de faltas;
g) Faltas não justificadas ao trabalho que determinem directamente prejuízos ou riscos graves para a empresa, ou cujo número atinja, em cada ano civil, cinco seguidas ou 10 interpoladas, independentemente de prejuízo ou risco;
h) Falta culposa de observância de regras de segurança e saúde no trabalho;
i) Prática, no âmbito da empresa, de violências físicas, injúrias ou outras ofensas punidas por lei sobre trabalhador da empresa, elemento dos corpos sociais ou empregador individual não pertencente a estes, seus delegados ou representantes;
j) Sequestro ou em geral crime contra a liberdade das pessoas referidas na alínea anterior;
l) Incumprimento ou oposição ao cumprimento de decisão judicial ou administrativa;
m) Reduções anormais de produtividade.
3 — Na apreciação da justa causa, deve atender -se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes.»

2.4.6. Relacionado com esta questão deram-se como provados os seguintes factos:
- Desde 1 ou 4 de Janeiro de 1988 que a autora trabalhava como auxiliar de limpeza, sob as ordens, direcção e fiscalização da ré e mediante retribuição mensal, ultimamente, no valor ilíquido de € 530.
- No exercício dessas funções, incumbia à autora a limpeza das instalações da ré – com excepção da cozinha e do refeitório – e, no final do dia, a colocação dos sacos do lixo nos contentores junto a um dos parques de estacionamento da ré nas traseiras.
- A autora tinha como horário de trabalho de 2ª a 6ª feira das 11 às 20 horas, com intervalo de 1 hora para almoço, e era a última funcionária a sair das instalações da ré.
- A ré tinha jardim-de-infância, Atl e cantina (com cozinha, refeitório e despensa) de apoio aos mesmos.
- A empresa “D…, Ldª” estava encarregada do fornecimento, gestão e limpeza dessa cantina que encerrava pelas 17 horas e era fechada à chave pela funcionária desta empresa (E…), estando essa chave a seu cargo.
- Para além dessa, havia uma outra chave a cargo da F… que exercia funções de coordenação e superintendência dos serviços da ré.
- Desde há alguns meses que vinham desaparecendo produtos alimentares dessa cantina (tais como rissóis, iogurtes e gelados), mesmo depois de a ré ter mudado a fechadura dessa porta e mandado fazer duas chaves novas.
- A “D…” não chegou a debitar à ré o valor desses produtos.
- Para tentar descobrir o sucedido, foi combinado entre a ré e essa empresa que a funcionária dessa (E…), depois de terminada a jornada de trabalho (às 17h) e de abandonadas aquelas instalações, regressasse às mesmas através de uma outra porta e se escondesse, munida de uma máquina fotográfica, no interior da despensa do refeitório situada neste.
- No dia 13 de Julho de 2009 e cerca de dois dias úteis anteriores, essa funcionária assim procedeu.
- Por volta das 19 horas desse dia, a autora, munida de três sacos plásticos e de uma chave (cuja proveniência e autenticidade não foi possível apurar), abriu a porta da cantina que se encontrava fechada, introduziu-se no seu interior, fechou a porta com o trinco, voltou a guardar a chave consigo e, sem accionar as luzes desse compartimento, dirigiu-se ao frigorífico que abriu e colocou as mãos e parte dos braços no seu interior.
- Nesse preciso momento, a autora foi fotografada por aquela funcionária da “D…”, nos termos constantes de fl. 71 - cujo teor aqui se dá por reproduzido.
– De seguida e com os aludidos sacos vazios, a autora foi interpelada por aquela e, a seu pedido, entregou-lhe a aludida chave.
- A autora sabia que não estava autorizada a abrir a porta daquele local fechado à chave nem a introduzir-se e permanecer no seu interior e muito menos a abrir o frigorífico e a mexer no seu interior.
- A autora pretendia retirar produtos alimentares ali guardados, para o que trouxera consigo do exterior tais sacos, e só não o fez devido ao descrito nos itens 12 e 13.
- Nesse mesmo dia, a autora foi ter com o director da ré (I…), declarando-se envergonhada pelo sucedido.
- A autora não tinha antecedentes disciplinares.

2.4.7. Perante estes factos não existem quaisquer dúvidas que a Autora violou os seus deveres laborais, a que estava adstrita.
Mas tal comportamento, pela sua gravidade e consequências, pôs em crise a relação de trabalho, tornando impossível a sua subsistência? A continuidade do vínculo laboral representa para a Recorrente, entidade patronal, uma insuportável e injusta imposição? No caso concreto a permanência do contrato e das relações (pessoais e patrimoniais) que ele supõe serão de molde a ferir de modo desmesurado e violento a sensibilidade e a liberdade psicológica de uma pessoa normal colocada na posição da entidade empregadora?
Se «na base da justa causa há-de estar um comportamento culposo do trabalhador, a verdade é que esse comportamento, por si só, não constitui a situação de justa causa»...«decisivo é averiguar se esse comportamento foi de tal forma grave que tenha por consequência tomar impossível a prossecução da relação de trabalho»[22].
Dos factos provados se pode concluir que a autora/trabalhadora se apoderou, ou melhor dito, tentou-se apoderar, ilegitimamente, (tentativa de furto) de bens que se encontravam no interior do frigorífico.
Estes factos importam por parte da trabalhadora a violação dos deveres de zelo e diligência da prestação de trabalho, bem como do dever de lealdade e confiança para com a sua entidade empregadora ( artigo 128º, nº 1, alíneas c), e), f) e g) do CT).
Serão estes factos suficientes para se chegar ao conceito de justa causa, ou seja, à impossibilidade de manutenção da relação de trabalho?
Como já se deixou exarado considera-se que a justa causa só pode ter-se por verificada quando não seja exigível ao empregador, ponderadas todas as circunstâncias que no caso relevem, a permanência do contrato.
A perda ou quebra de confiança resulta da gravidade do acto.
O dever de lealdade corresponde a uma obrigação acessória de conduta conexionada com a boa fé, que pode ter conteúdo positivo ou negativo.
Entre as obrigações de conteúdo negativo perfila-se a de não subtrair bens do empregador.
Subjacente ao dever de lealdade, está o valor absoluto da honestidade e, porque assim é, de nada releva o valor concreto da apropriação.
Como afirma Monteiro Fernandes[23], «em geral, o dever de fidelidade, de lealdade ou de “execução leal” tem o sentido de garantir que a actividade pela qual o trabalhador cumpre a sua obrigação representa de facto a utilidade visada, vedando-lhe comportamentos que apontem para a neutralização dessa utilidade ou que, autonomamente, determinem situações de “perigo”(-) para o interesse do empregador ou para a organização técnico-laboral da empresa(-)», sendo que, nos cargos de direcção ou de confiança, «a obrigação de lealdade constitui uma parcela essencial, e não apenas acessória, da posição jurídica do trabalhador», o que aponta no sentido de que «o dever geral de lealdade tem uma faceta subjectiva que decorre da sua estreita relação com a permanência de confiança entre as partes (nos casos em que este elemento pode considerar-se suporte essencial de celebração do contrato e da continuidade das relações que nele se fundam)» e que, encarado de um outro ângulo, «apresenta também uma faceta objectiva, que se reconduz à necessidade do ajustamento da conduta do trabalhador ao princípio da boa fé no cumprimento das obrigações ( art. 762º C.Civ)», com o sentido que lhe é sinalizado pelo art. 126º/1 CT», donde promana, «no que especialmente respeita ao trabalhador, o imperativo de uma certa adequação funcional — razão pela qual se lhe atribui um cariz marcadamente objectivo — da sua conduta à realização do interesse do empregador, na medida em que esse interesse esteja “no contrato”, isto é, tenha a sua satisfação dependente do cumprimento (e do modo do cumprimento) da obrigação assumida pela contraparte».
Refira-se que, na acção de impugnação do despedimento, o ónus probatório cabe ao trabalhador quanto à existência do contrato de trabalho e ao despedimento, recaindo sobre o empregador quanto à verificação da justa causa de despedimento (artigos 342º, nº 1 e 2, do Código Civil e 435º, nº 3 do CT de 2003).
O apurado comportamento da autora violou, grave e culposamente, o dever de lealdade previsto na alínea f) do n.º 1 do artigo 128º do Código do Trabalho, que se refere, como já se aludiu, «à necessidade do ajustamento da conduta do trabalhador ao princípio da boa fé no cumprimento das obrigações», relacionando-se com a ideia de boa fé as ideias de fidelidade, lealdade, honestidade e confiança na realização e cumprimento dos negócios jurídicos[24].
Além deste dever foram ainda violados, como já se referiu, deveres de zelo e diligência da prestação de trabalho ( artigo 128º, nº 1, alíneas c), f) e g) do CT).

Estamos perante comportamentos incorrectos da trabalhadora, de uma actuação desleal e desonesta, em si mesma, consubstanciando indiciariamente um ilícito criminal. Comportamento esse deveras grave e que, dada a sua natureza, é susceptível de pôr em causa a confiança que tem de existir entre as partes, pelo que constituem justa causa de despedimento. Na verdade, perante a gravidade destes factos não é exigível à entidade patronal que tenha uma relação de confiança laboral com a autora, sendo, assim, impossível a manutenção da relação laboral.
É assim lícito o despedimento, não tendo a autora direito a qualquer indemnização pelo seu despedimento, nem direito a qualquer compensação, uma vez que tais dependem da ilicitude do despedimento (artigo 429º).
Que confiança pode ter uma entidade patronal numa pessoa que se apoderou de bens seus?
É adequado e proporcional exigir à ré que suporte nos seus quadros uma pessoa como autor?
A resposta não pode deixar de ser negativa.
E não se diga que face às funções da autora, que não transparecem de uma especial uma máxima confiança, tal despedimento não se justifica. A honorabilidade, a confiança, a lealdade, o zelo e dignidade, têm de existir seja quaisquer que sejam as funções desempenhadas. Não é pelo facto de a autora ser auxiliar de limpeza que lhe deixam de ser exigíveis os deveres a que está por lei e contratualmente adstrita. A honestidade está implícita em toda a relação contratual, sob pena de se dar cobertura a todo o tipo de comportamentos menos éticos e lícitos.
E não se venha com o argumento do valor dos produtos – que até foram recuperados – uma vez que o que está em jogo é a relação de confiança que se quebrou com este comportamento. Essa quebra de confiança tanto existe no caso de a coisa ser de diminuto valor, como de valor elevado. O dever de lealdade é um dever absoluto. Não se é muito ou pouco honesto. Ou se é ou não se é.

Conforme se diz no Acórdão da Relação de Lisboa de 15/01/2003[25], “A perda de confiança entre as partes não depende da existência de concretos prejuízos, nem de culpa grave do trabalhador, mas da materialidade de um comportamento violador de um dever, aliado a um moderado grau de culpa.”

Por outro lado, reitera-se em seguimento do Acórdão da Relação de Lisboa de 23/10/2002, que “o furto de um bem pertencente à entidade patronal, mesmo de valor insignificante, quebra definitivamente a relação de confiança que deve existir entre os participantes numa relação laboral, não sendo exigível à entidade patronal que continue a manter o trabalhador ao seu serviço; No caso concreto, a antiguidade da trabalhadora na empresa não atenua a falta cometida; pelo contrário, o longo tempo de permanência ao serviço da empresa mais a obrigava ser um exemplo de honradez, já que a honestidade é um valor absoluto que não admite quebras; A gravidade da conduta da trabalhadora não pode ser afastada pelo bom comportamento anterior, pelo longo tempo de serviço ou pelo diminuto valor do bem”.
E conforme se diz no Acórdão do STJ de 18/04/2007, processo 06S4278, in www.dgsi.pt no domínio das infidelidades patrimoniais ou dos crimes patrimoniais (v.g. furtos), ainda que meramente tentados, a jurisprudência do STJ tem desvalorizado o facto de os bens de que o trabalhador se apropriou ou quis apropriar-se serem de diminuto valor e de o prejuízo patrimonial para o empregador ser diminuto ou não ter chegado a verificar-se.
Neste âmbito, continua aquele acórdão, tem entendido que a perda da confiança resultante da violação do dever de lealdade não está necessariamente dependente do valor dos bens ou da verificação de prejuízo significativo ou mesmo de prejuízo para a entidade empregadora[26].

Também a inexistência de antecedentes disciplinares não é só por si susceptível de afastar o juízo de impossibilidade da manutenção da relação laboral. Sem dúvida que em certas situações o passado deve ser atendido, no entanto estando perante determinados comportamentos de natureza grave, o mesmo não se pode afastar o tal o juízo de impossibilidade da manutenção da relação laboral.
Conforme se refere no Acórdão do STJ de 22 de Abril de 2009[27] «esse passado, porque susceptível de gerar no espírito do empregador uma reforçada expectativa de o Autor sempre adoptar comportamentos orientados por padrões de normalidade nas relações sociais e laborais, impunha-lhe um acrescido dever de se reger nas relações com os clientes e com a empregadora por tais padrões.
Ora, os factos dolosos que praticou não podem deixar de considerar-se idóneos a frustrar naturalmente aquela expectativa, pois se apresentam contrários aos padrões de conduta nela pressuposto, deste modo suscitando fortes dúvidas no espírito do empregador quanto à eventualidade de, no futuro, comportamentos semelhantes não virem a repetir-se.»

Como refere José Andrade Mesquita[28] as situações de furto traduzem uma violação frontal do dever de lealdade, mesmo que a coisa furtada tenha pouco valor. Este crime constitui, quase, sem excepção, justa causa de despedimento.

Como se diz no acórdão do STJ de 1/6/2000[29] «a relação de trabalho, sendo uma relação de vocação duradoura, necessita de confiança para subsistir e para se desenvolver normalmente. Valorando a importância deste pressuposto nas relações laborais, tem constituído jurisprudência pacífica entender-se o dever de honestidade como um valor absoluto, insusceptível de graduação na medida em que a sua violação, fazendo desaparecer a base de confiança em que o contexto de trabalho assenta, constitui falta grave que torna imediata e praticamente impossível a sua subsistência».

Inexistem, assim, razões para desvalorizar a conduta da Autora, quer sob o ponto de vista da sua ilicitude, quer da sua culpabilidade, em termos que pudessem afastar a verificação da justa causa de despedimento.
O comportamento da autora, violador do dever de lealdade na sua dimensão de honestidade para com a entidade empregadora, afrontou, de forma grave, o princípio da confiança que necessariamente subjaz à relação laboral.
Estamos perante condutas cuja gravidade só a sanção de despedimento se mostra adequada a repor o equilíbrio contratual que foi quebrado com a sua prática.
E por isso, seria absolutamente chocante e intolerável impor à entidade patronal a continuação da relação laboral, pelo que a única sanção adequada será a do despedimento imediato da autora.
Por isso, o despedimento da Autora é a única sanção adequada a repor o equilíbrio contratual, rompido pela sua conduta lamentável.
Sendo assim, os factos integram causa que justifica o despedimento, sendo o mesmo lícito, pelo que a autora não tem direito a ser reintegrada, nem tem direito à indemnização ou compensação que teria, caso o despedimento tivesse revestido a veste da ilicitude.
___________________
2.6. Pelas razões expostas, não há, assim, motivo para alterar o julgado, pelo que improcedem as conclusões da alegação do recurso, mantendo-se a sentença recorrida.
___________________
3. Vencida, é a recorrente responsável pelo pagamento das custas respectivas (artigo 446º, nºs 2 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo do apoio judiciário de que goze.
___________________
III. Decisão.
Em face do exposto, acordam os juízes que compõem esta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto, em julgar improcedente o recurso e consequentemente confirmar a sentença recorrida.
___________________
Condenam a recorrente no pagamento das custas, sem prejuízo do apoio judiciário de que goze [artigo 446º, nº 1 e 2 do CPC]
___________________
Anexa-se o sumário do Acórdão – artigo 713º, nº 7 do CPC.
___________________
(Processado e revisto com recurso a meios informáticos (artº 138º nº 5 do Código de Processo Civil).

Porto, 21 de Maio de 2012
António José da Ascensão Ramos
Eduardo Petersen Silva
José Carlos Dinis Machado da Silva
_______________
[1] Cfr. Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, p. 677-688; e Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 371/2008, consultável no respectivo sítio, bem como Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 11/10/2001 e 10/04/2008, respectivamente n.º 01A2507 e 08B877, in www.dgsi.pt e Acórdão da Relação do Porto de de 15/12/2005, processo n.º 0535648, in www.dgsi.pt.
[2] Doravante designado por CT.
[3] Ou seja, o empregador comunica, por escrito, ao trabalhador que tenha incorrido nas respectivas infracções a sua intenção de proceder ao despedimento, juntando nota de culpa com a descrição circunstanciada dos factos que lhe são imputados.
[4] Nessa acção, cabe, pois, à entidade empregadora o ónus de prova dos factos constantes da decisão de despedimento, integradores da respectiva justa causa, como factos constitutivos do direito do empregador a despedir o trabalhador.
[5] Vide, entre outros, os acórdãos de 19.3.2009, de 7.7.2010 e 22.09.2010, proferidos, respectivamente, nos processos 1686/08, 123/07.5TTBGC.P1e 236/07.3TTBGC.P1.S1., todos disponíveis in www.dgsi.pt.
[6] Guilherme Machado Dray, Justa Causa e Esfera Privada, Estudos do Instituto de Direito do trabalho, Vol. II, Justa causa de Despedimento, pág. 66.
[7] Cfr. Maria do Rosário Palma Ramalho, Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 3ª edição, pág. 899/900 e a jurisprudência aí mencionada na nota 239.
[8] In obr. Citada, pág. 900/901.
[9] Normativo do actual Código do Trabalho aprovado pela Lei nº 7/2009, de 12 de Fevereiro, cuja redacção é igual à do artigo 396º, nº 1 do CT de 2003 e aqui aplicável.
[10] No mesmo sentido o acórdão do STJ de 25/02/2009, processo 08S2461, www.dgsi.pt; Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, Abril 2002, p. 851-852 e António Menezes Cordeiro, Manual de Direito do Trabalho, 1994, pág. 820/821. Sobre o assunto ver ainda Nuno Abranches Pinto, Instituto Disciplinar Laboral, pág.71/75.
[11] Cfr. Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito do Trabalho, 2ª edição, pág. 481.
[12] António Menezes Cordeiro, obr. citada, pág. 821/822, Maria do Rosário Palma Ramalho, obr. citada, pág. 901.
[13] Maria do Rosário Palma Ramalho, obr. citada, pág. 901.
[14] Cfr. Nuno Abranches Pinto, Instituto Disciplinar Laboral, pág.76.
[15] Como diz Maria do Rosário Palma Ramalho, obr. citada, pág. 902, a gravidade pode ser reportada ao comportamento em si mesmo ou às consequências que dele decorram para o vínculo laboral.
[16] Cfr. Monteiro Fernandes, in Direito do Trabalho, 15.ª edição, p. 592/598.
[17] Cfr. António Menezes Cordeiro, ob. cit. pág. 819.
[18] Cfr. Monteiro Fernandes, obr. cit. pág. 595.
[19] Acórdãos do STJ de 30/09/2009, processo 09S623, e de 12/01/2011, processo 1104/08.7TTSTB.E1.S1, ambos in www.dgsi.pt.
[20] in R.L.J., 118º, 330 e ss.
[21] in “Da justa causa de despedimento no contrato de trabalho”, 1965, página 162
[22] Pedro Furtado Martins, Cessação do Contrato de Trabalho, p. 85.
[23] Direito do Trabalho, 15.ª edição, Almedina, pp. 245-248.
[24] cf. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. II, Coimbra Editora, 1968, p.
[25] Processo 7777/02, 4ª Secção, in http://www.pgdlisboa.pt/pgdl/.
[26] Vejam-se, nesse sentido, entre outros, os acórdãos de 1.4.1998, na Rev. n.º 30/98, de 10.2.1999, na Rev. n.º 289/98, de 31.10.2000, na Rev. n.º 20/00, de 20.12.2000, na Rev. n.º 64/00, de 12.12.2001, na Rev. n.º 4017/00, e de 2.10.2002, na Rev. n.º 4282/01, de 15.01.2003, na CJ/STJ, T.1-245, e de 20.04.2005, no Rec. n.º 3879/03.
[27] Processo nº 08S3083, in www.dgsi.pt.
[28] Direito do Trabalho, 2ª edição, 2004, pág. 556.
[29] Revista nº 324/99. 4ª Secção, in http://www.pgdlisboa.pt/pgdl/jurel/stj_mostra_doc.php?nid=852.
________________
SUMÁRIO – a que alude o artigo 713º, nº 7 do CPC.
I – De acordo com o disposto no artigo 430º do Código do Trabalho de 2003 o procedimento só pode ser declarado inválido se:
a) Faltar a comunicação da intenção de despedimento junta à nota de culpa ou não tiver esta sido elaborada nos termos previstos no artigo 411º;
b) Não tiver sido respeitado o princípio do contraditório, nos termos enunciados nos artigos 413º, 414º e no nº 2 do artigo 418º;
c) A decisão de despedimento e os seus fundamentos não constarem de documento escrito, nos termos b) Não tiver sido respeitado o princípio do contraditório, nos termos enunciados nos artigos 413º, 414º e no nº 2 do artigo 418º;
c) A decisão de despedimento e os seus fundamentos não constarem de documento escrito, nos termos do artigo 415º ou do nº 3 do artigo 418º».
II – Tal enumeração é taxativa.
III - Inexiste qualquer norma que imponha a obrigação de o empregador indicar na nota de culpa as normas jurídicas violadas pelo trabalhador com o seu comportamento.
IV – Como inexiste qualquer norma que sancione tal omissão, pelo que a sua falta nunca leva a que o procedimento disciplinar seja inválido.
V – Na acção de impugnação de despedimento a entidade patronal apenas pode invocar factos constantes da decisão final do processo disciplinar e esta, por sua vez, deve conter-se sempre, em termos factuais, no âmbito da nota de culpa – artigo 357º, nº 4 do CT –, pois o trabalhador arguido, não pode ser surpreendido, no fim do processo disciplinar ou ao longo da acção de impugnação da acção de despedimento com factos novos, de que não foi acusado na nota de culpa e que nunca teve a possibilidade de se defender.
VI – Se a decisão de despedimento deu, eventualmente, como provado um facto que não constava da nota de culpa só poderia acarretar a invalidade do processo disciplinar, caso se entendesse que tal configurava um caso de violação do princípio do contraditório, ou seja, do direito de defesa do autor (art.º 430.º, n.º 2, alínea b), do C.T.).
VII – Decorre do disposto n.º 2 do art.º 430.º do C.T., que a violação do disposto no n.º 3 do art.º 415.º não tem como consequência a invalidade do procedimento disciplinar inválido, uma vez que tal violação não consta do n.º 2 do art.º 430.º, nomeadamente da sua alínea b).
VIII – A consequência do desrespeito ou preterição do disposto no art.º 415.º, n.º 3, do C.T. não é a invalidade do procedimento disciplinar, mas sim a de aqueles factos não poderem ser atendidos pelo tribunal na apreciação da justa causa.
IX – A justa causa substrato do despedimento só pode ter-se por verificada quando não seja exigível ao empregador, ponderadas todas as circunstâncias que no caso relevem, a permanência do contrato.
X – Constitui justa causa do despedimento, que leva à quebra da relação de confiança, por violação do dever de lealdade na sua dimensão de honestidade para com a entidade empregadora, a trabalhador que sub-repticiamente se introduziu, fora de horas, na cantina, local que não tinha autorização para se introduzir, e tentou apropriar-se de produtos alimentares guardados no frigorifico, só não o tendo logrado por ter sido interpelada por uma outra trabalhador.

António José da Ascensão Ramos

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