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quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

ACÓRDÃO N.º 89/2012 - Tribunal Constitucional - Inconstitucionalidade no Regulamento Nacional de Estágio da Ordem dos Advogados

ACÓRDÃO N.º 89/2012
Processo n.º 652/11
Plenário
Relator: Conselheira Catarina Sarmento e Castro



Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional


I – Relatório

1. Requerente e objeto do pedido

O Provedor de Justiça apresentou ao Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 281.º, n.º 2, alínea d), da Constituição da República Portuguesa, um pedido de apreciação e declaração, com força obrigatória geral, da inconstitucionalidade das normas constantes dos n.os 3 e 4 do artigo 24.º, 2.ª parte do n.º 2 do artigo 36.º e 2.ª parte do n.º 5 do artigo 42.º, todos do Regulamento Nacional de Estágio da Ordem dos Advogados (Regulamento n.º 52-A/2005, de 1 de agosto), na redação que lhes foi conferida pela Deliberação n.º 3333-A/2009, do Conselho Geral da Ordem dos Advogados, publicada no Diário da República, II Série, n.º 242, de 16 de dezembro.

O teor das normas impugnadas é o seguinte:

Artigo 24.º
Testes de repetição
1­ — […]
2­ — […]
3 — A fase de formação inicial só pode ser repetida uma vez.
4 — O advogado estagiário que não passe à fase complementar, na sequência da repetição da fase de formação inicial, ficará impedido de se reinscrever em novo curso de estágio pelo período de três anos.

Artigo 36.º
Repetição da fase de formação complementar
1 — […]
2 — A fase de formação complementar apenas pode ser repetida uma vez e, no caso de se verificar a falta de aproveitamento depois desta repetição, o advogado estagiário fica impedido de se inscrever em novo curso de estágio pelo período de três anos, cancelando-se de imediato a sua inscrição.
3 — […]

Artigo 42.º
Efeitos da classificação negativa na prova oral

1­ — […]
2­ — […]
3 — […]
4 — […]
5 — Verificando-se nova reprovação é cancelada a inscrição, ficando o advogado estagiário impedido de se inscrever em novo curso de estágio pelo período de três anos.



2. Fundamentos do Pedido

O Provedor de Justiça fundamentou o seu pedido de declaração da inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, nos seguintes termos:

1. As normas em causa foram aditadas ao Regulamento Nacional de Estágio da Ordem dos Advogados, publicado como Regulamento n.º 52-A/2005, de 1 de agosto, pelo artigo 2.º da Deliberação n.º 3333-A/2009, de 16 de dezembro, do Conselho Geral da Ordem dos Advogados.
2. O estágio para acesso à profissão de advogado, nos termos atuais do Regulamento, compreende uma fase de formação inicial e uma fase de formação complementar (artigo 2.º, n.º 1).
3. A avaliação da primeira, permitindo o acesso à segunda, é feita através de uma prova de aferição (artigo 22.º).
4. A avaliação da fase de formação complementar é essencialmente efetuada por um exame (artigo 33.º), composto por uma prova escrita (artigo 34.º) e por uma prova oral (artigo 39.º).
5. O artigo 24.º, n.º 1, do Regulamento, determina que, em caso de falta reiterada à prova de aferição ou de obtenção de classificação negativa nesta, o advogado estagiário fica obrigado a nova inscrição em curso de estágio, o primeiro que se iniciar após tal ato, como preceitua o n.º 2 do mesmo artigo.
6. O n.º 3 do artigo 24.º estabelece que “a fase de formação inicial só pode ser repetida uma vez”, o que, sem mais e conjugadamente com a obrigação de reinscrição, só permitiria, em si mesmo, a interpretação de que tal reinscrição apenas poderia ocorrer uma vez, tornando-se definitiva a exclusão do acesso ao estágio (e consequentemente à profissão de advogado) em caso de dupla situação de não aproveitamento na prova de aferição (por falta reiterada ou por classificação negativa).
7. Esta conclusão, embora limitada no tempo, é confirmada pelo teor do n.º 4 do mesmo artigo, ao estipular que, após a referida repetição da fase de formação inicial e se não obtiver classificação que permitisse a prossecução do estágio, fica impedido o cidadão em causa de “se reinscrever em curso de estágio (e portanto de aceder à profissão) pelo período de três anos”.
8. O artigo 36.º do Regulamento incide, por sua vez, sobre o tratamento a dar ao advogado estagiário que não obtenha classificação positiva na prova escrita que ocorre no final da fase de formação complementar, vinculando-o, no seu n.º 1, à repetição desta fase.
9. Admitindo a parte inicial do n.º 2 do mesmo artigo 36.º a repetição da fase de formação complementar por uma só vez (mas aqui sem alcance idêntico à determinação do artigo 24.º, n.º 3), a parte final deste número estabelece, em caso de falta de aproveitamento, proibição similar à acima referenciada, “impedindo o cidadão de se inscrever em novo curso de estágio pelo período de três anos”.
10. Por fim, o artigo 42.º rege sobre as situações de falta de aproveitamento na prova oral a que se refere o artigo 39.º, possibilitando a sua repetição (n.º 1) e, em caso de não aprovação, a repetição, por uma só vez, em condições similares ao previsto no artigo 36.º, da fase de formação complementar.
11. No final desta nova fase de formação complementar e em caso de reprovação na respetiva prova oral (e sua eventual reiteração), determina o artigo 42.º, n.º 5, uma vez mais, que fica o “advogado estagiário impedido de se inscrever em novo curso de estágio pelo período de três anos”.
12. O banimento da possibilidade de frequência de novo estágio, mesmo que por apenas três anos, é uma medida absolutamente inovatória face ao quadro legal referente à inscrição na Ordem dos Advogados e, concomitantemente, no acesso à profissão de advogado.
13. Substantivamente, não se distinguem os efeitos desta solução da aplicação de uma sanção disciplinar de suspensão, esta tendo os seus trâmites, orgânicos, formais e materiais, devidamente acautelados na lei.
14. Não pode igualmente duvidar-se que a aplicação de qualquer das normas impugnadas restringe a liberdade de escolha da profissão, prevista no artigo 47.º, da Constituição, posto que pelo período de três anos.
15. O artigo 187.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei n.º 15/2005, de 05 de janeiro, determina que “podem requerer a sua inscrição como advogados estagiários os licenciados em Direito por cursos universitários nacionais ou estrangeiros oficialmente reconhecidos ou equiparados”.
16. Por outro lado, o Estatuto elenca, no respetivo artigo 181.º, alíneas a) a e), as restrições ao direito de inscrição passíveis de serem aplicadas e regulamentadas pela Ordem, designadamente não podendo ser inscritos os que não possuam idoneidade moral para o exercício da profissão, os que não estejam no pleno gozo dos direitos civis, os declarados incapazes de administrar as suas pessoas e bens por sentença transitada em julgado, os que estejam em situação de incompatibilidade ou inibição do exercício da advocacia, bem como magistrados e funcionários que, mediante processo disciplinar, hajam sido demitidos, aposentados ou colocados na inatividade por falta de idoneidade moral.
17. Não há nas normas legais, designadamente nas estatutárias citadas que enquadram a inscrição na Ordem dos Advogados, qualquer disposição que limite, ainda que apenas temporariamente, o direito de quem, preenchendo os requisitos ali mencionados, pretenda aceder à profissão de advogado, através do cumprimento do respetivo estágio.
18. Mesmo que o pudesse fazer, nada nas normas legais pertinentes apoia a introdução, e por via regulamentar, de solução como a que, para cada caso, consta das normas que aqui se impugnam, sendo tal solução inovatória face às referidas normas legais.
19. O artigo 188.º, n.º 6, do Estatuto apenas confere competência ao Conselho Geral para regulamentar “o modelo concreto de formação inicial e complementar durante o estágio, estrutura orgânica dos serviços de formação e respetivas competências, sistema de avaliação contínua, regime de acolhimento e integração no modelo de estágio de formação externa facultada por outras instituições e a organização e realização dos exames finais de avaliação e agregação”, não se podendo aqui incluir, ainda que tal fosse legítimo, a previsão de um período de inadmissibilidade do ingresso em estágio e, consequentemente, do acesso à profissão.
20. A ordem pode recusar o pedido de inscrição de um candidato apenas com base no conjunto de razões expressamente enunciadas na lei, não lhe sendo lícito aditar novos fundamentos, assim estabelecendo restrições à liberdade de profissão.
21. Posto que com limitação no tempo, a recusa de inscrição, com base na não aprovação, nas condições determinadas, em curso de estágio anterior, não consta, como resulta acima dito, desse elenco normativamente estabelecido por ato do Governo devidamente dotado de credencial parlamentar para o efeito.
22. Deste modo, as normas impugnadas surgem como inovatórias, adicionalmente restritivas do acesso à formação (na Ordem dos Advogados), logo de acesso ao exercício da profissão (de advogado), estando, como se sabe, este dependente daquele.
23. Estas normas foram aprovadas por via de regulamento, em violação da reserva de lei formal imposta pelo artigo 18.º, n.º 2 e 3, da Constituição.
24. A impossibilidade de inscrição em novo estágio pelo período de três anos limita, durante esse período, a liberdade de escolha de cada cidadão nas condições previstas, eliminando a possibilidade de opção pelo acesso à profissão de advogado.
25. Assim sendo, estamos perante uma verdadeira restrição à liberdade de escolha de profissão, garantida pelo artigo 47.º, n.º 1, da Constituição, que determina que “todos têm o direito de escolher livremente a profissão ou o género de trabalho, salvas as restrições legais impostas pelo interesse coletivo ou inerentes à sua própria capacidade”.
26. A liberdade de escolha da profissão faz parte do elenco dos direitos, liberdades e garantias cuja restrição só pode, nos termos do artigo 18.º, n.os 2 e 3, do texto constitucional, ser operada por via de lei formal, isto é, lei da Assembleia da República ou decreto-lei do Governo.
27. Assumindo natureza regulamentar e não legal, são as normas impugnadas formalmente inconstitucionais.
28. Tem aqui inteira aplicação a fundamentação invocada em requerimento que oportunamente se dirigiu ao Tribunal Constitucional a respeito de outra norma do Regulamento e que deu origem ao Acórdão n.º 3/11.
29. Assim para além de se estar perante uma violação do regime formal dos direitos, liberdades e garantias, designadamente a imposição constitucional, ínsita nos n.os 2 e 3 do artigo 18.º da lei Fundamental, de que eventuais restrições se façam por lei em sentido formal, está igualmente em causa a reserva de competência que, por via do seu artigo 165.º, n.º 1, alínea b), estabelece a Constituição em favor da Assembleia da República ou do Governo se por esta autorizado.
30. A aprovação, pelo Conselho Geral da Ordem dos Advogados, do regime consubstanciado nas normas dos artigos 24.º, n.os 3 e 4, 36.º, n.º 2, 2.ª parte, e 42.º, n.º 5, 2.ª parte, contraria igualmente a reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República.
31. São, assim, tais normas também organicamente inconstitucionais, por violação do artigo 165.º, n.º 1, alínea b), da Lei Fundamental”.


3. Resposta do órgão autor das normas

Notificado, nos termos e para os efeitos dos artigos 54.º e 55.º, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), para se pronunciar, querendo, sobre o pedido, o Conselho Geral da Ordem dos Advogados veio responder, através do seu Presidente, no sentido de ser negado provimento ao pedido formulado pelo Provedor de Justiça, o que fez sob invocação dos seguintes fundamentos:
“1. […]
2. A inconstitucionalidade destas normas resultaria, no entender do requerente, de ser limitado, por um período de três anos, o exercício da liberdade de escolha da profissão de advogado e de tal limitação não constar, de forma expressa, das normas contidas no Estatuto da Ordem dos Advogados.
3. E, sendo assim e ainda no entender do Requerente, o Conselho Geral, no exercício do poder regulamentar que lhe é conferido pelo Estatuto da Ordem dos Advogados, teria ido além de tal poder regulamentar criando uma limitação temporária ao exercício da liberdade de escolha da profissão não prevista no Estatuto da Ordem dos Advogados, pelo que as normas em questão enfermariam de inconstitucionalidade, já que se trata de matéria de direitos liberdades e garantias que se encontra na reserva relativa da competência da Assembleia da República, conforme decorre do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição.
[…]
4. Em primeiro lugar […], as normas em causa não impedem o exercício da liberdade de escolha da profissão de advogado, dado que o interessado que reprovou uma vez e que, tendo repetido, voltou a reprovar, exerceu o direito de se inscrever, como advogado estagiário, e pode sempre voltar a inscrever-se para realizar novo estágio e aceder, caso obtenha aprovação, à profissão de advogado.
5. Mas porque reprovou, duas vezes seguidas, tem de aguardar o decurso de um período de três anos, para repetir uma terceira vez a fase inicial ou todo o período de estágio.
6. Ou seja, as normas em causa não impedem a liberdade de escolha de profissão, dado que os interessados que já foram admitidos na Ordem, como advogados estagiários, podem sempre aceder à realização de novos estágios, por cada intervalo de 3 anos subsequente às 2 vezes seguidas em que tiverem reprovado.
7. Mas pretendem sim a regular utilização dos serviços de estágio, por parte dos advogados estagiários que já demonstraram, por duas vezes sucessivas, que não possuíam os conhecimentos necessários e suficientes para serem inscritos, como advogados.
8. Pois os serviços de estágio na Ordem dos Advogados têm custos e envolvem dispêndios de meios humanos e materiais, sendo, portanto, legítimo e adequado que os respetivos acesso e utilização sejam regulados, de forma a prevenir e a evitar a sua utilização temerária e abusiva, por parte de quem já revelou não possuir conhecimentos suficientes.
9. Sendo, por isso, razoável e proporcional o impedimento temporário estabelecido, nas normas em causa do Regulamento Nacional de Estágio, no sentido de os advogados estagiários que já os utilizaram e reprovaram, em duas vezes seguidas, só os poderem vir a utilizar novamente, após o decurso de um período de 3 anos, por cada situação em que tiverem reprovado as tais 2 vezes.
10. Na verdade, não faz sentido que os advogados estagiários destinatários das normas em causa usem de tais serviços de estágio, de forma repetida e sistemática e sem quaisquer restrições, quando já deram mostras, em duas ocasiões sucessivas, de que não possuem os conhecimentos e capacidades bastantes para acederem à profissão de advogado.
11. Impondo-se, por isso, que, nesse período de três anos em que ficam impedidos de se inscrever em novo curso de estágio, façam a preparação que entendam necessária para suprir a falta de conhecimentos e de capacidades que, em provas públicas, demonstraram, em duas ocasiões sucessivas, não possuírem.
12. Está assim bom de ver que as normas em causa não impedem a escolha de profissão, pois visam apenas regular o acesso e a utilização dos serviços de estágio da Ordem dos Advogados, por parte de quem já teve duas oportunidades para demonstrar que possui os necessários conhecimentos e capacidades para o exercício da profissão de advogado e, nessas duas oportunidades, demonstrou não os possuir.
13. A menos que se entenda que um interessado que, de facto, já deu mostras, em duas vezes seguidas, de não possuir os conhecimentos e capacidades para ser inscrito como advogado, pode usar os serviços de estágio da Ordem dos Advogados, sem qualquer restrição e de forma temerariamente repetitiva e “ad infinitum”.
14. O que redundaria na utilização dos serviços de estágio da Ordem dos Advogados, de forma não adequada e proporcionada, pois embora o interessado pague taxas, certamente ninguém considerará que os € 150 que o mesmo paga para a inscrição, como advogado estagiário, e os € 700 que paga até à prova de aferição e depois os € 650 que paga até ao exame final num total de € 1.500, cobrem todos os gastos e despesas com o período de estágio, que é de 6 meses, na fase inicial, e de 18 meses, na fase complementar.
15. Até porque se as taxas pagas pelos advogados estagiários fossem economicamente rentáveis e lucrativas para a Ordem dos Advogados e se, nessa circunstância, o Conselho Geral quisesse fazer um “negócio” com o estágio, então o mais vantajoso seria permitir que os advogados estagiários que reprovaram 2 vezes seguidas pudessem repetir, com caráter imediato e sem qualquer restrição temporal, o ou os períodos de estágio em que antes não obtiveram aprovação em 2 vezes consecutivas.
16. Pois quanto menos tempo mediasse entre as repetições do estágio, mais receitas a Ordem dos Advogados poderia arrecadar, através das taxas pagas pelos advogados estagiários que tivessem de repetir o respetivo estágio.
17. Porém, a Ordem dos Advogados e, no caso em apreço, o respetivo Conselho Geral, não têm essa visão mercantilista do estágio, cabendo-lhes, ao invés e como associação pública que é, o dever e a responsabilidade, de que não abdicam, de verificarem se quem pretende exercer a profissão de advogado possui ou não os necessários conhecimentos e capacidades.
18. Pois, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 184.º do Estatuto da Ordem dos Advogados […] “O pleno e autónomo exercício da advocacia depende de um tirocínio sob orientação da Ordem dos Advogados, destinado a habilitar e certificar publicamente que o candidato, licenciado em Direito, obteve formação técnico-profissional e deontológica adequada ao início da atividade e cumpriu com os demais requisitos impostos pelo presente Estatuto e regulamentos para a aquisição do título de Advogado”.
19. Isto é, a Ordem dos Advogados, ao atribuir a um cidadão cédula de advogado, está a certificar publicamente que o cidadão em causa e que já é possuidor de uma licenciatura em direito, também possui os necessários conhecimentos técnico-profissionais e deontológicos para ser advogado e que, por isso, os demais cidadãos que venham a recorrer aos seus serviços poderão confiar nas respetivas competência e capacidades, pois o mesmo está apto e qualificado para praticar os atos próprios da profissão de advogado.
20. E o cumprimento de tal dever, por parte da Ordem dos Advogados, torna-se ainda mais premente e indeclinável quanto é certo que o período das licenciaturas em direito passou de 5 para 3 anos e que algumas faculdades, como é do conhecimento público, têm conferido diplomas, sobretudo de licenciatura, mais por razões de índole económica e para arrecadarem receitas do que propriamente pelo saber e preparação científica das pessoas a quem atribuem os respetivos diplomas.
21. O que tem contribuído para que os licenciados em direito que não conseguem entrar noutras profissões jurídicas, por falta de conhecimentos e capacidades necessários, recorram aos serviços de estágio da Ordem dos Advogados, como última “instância” de quem nada mais pode escolher, como se a profissão de advogado devesse ser o reduto para quem não possui os necessários conhecimentos e capacidades para o exercício das demais profissões jurídicas.
22. Ora, a Ordem dos Advogados que, após o Acórdão n.º 3/2011 do Tribunal Constitucional, ficou impedida de verificar “ab initio” se os candidatos a estágio com licenciaturas de 3 anos possuem ou não conhecimentos jurídicos suficientes para nele ingressarem, ao invés do que sucede no acesso aos tirocínios de outras profissões jurídicas, designadamente às de magistrado judicial e do Ministério Público, não deve ser impedida de regular o acesso ao estágio, por parte de quem, encontrando-se já inscrito como advogado estagiário, teve acesso à respetiva frequência e repetição e, numa das respetivas fases, reprovou por duas vezes seguidas.
23. Desde logo, porque as normas do Regulamento Nacional de Estágio que são postas em crise no pedido de declaração de inconstitucionalidade não têm como destinatários os cidadãos candidatos à profissão de advogado, como o Requerente pretende acentuar e realçar, no artigo 8.º da respetiva petição, mas sim advogados estagiários, isto é, cidadãos que já tiveram a oportunidade e possibilidade de se inscrever e ingressar na Ordem dos Advogados, para realizarem o estágio legalmente exigido para o exercício da profissão de advogado.
24. E tal poder de regular o acesso e a utilização dos serviços de estágio da Ordem dos Advogados, por parte dos advogados estagiários, está, expressa e indubitavelmente, atribuído ao Conselho Geral, pelo disposto no n.º 2 do artigo 184.º, em conjugação com o estabelecido na alínea g) do n.º 1 do artigo 45.º, ambos do Estatuto da Ordem dos Advogados, cujos teores se transcrevem: “O acesso ao estágio, o ensino dos conhecimentos de natureza técnico-profissional e deontológica e o inerente sistema de avaliação são assegurados pelos serviços de estágio da Ordem dos Advogados, nos termos dos regulamentos aprovados em Conselho Geral” [artigo 184.º, n.º 2]; “Compete ao Conselho Geral: Elaborar e aprovar os regulamentos de inscrição dos advogados portugueses, o regulamento de registo e inscrição dos advogados provenientes de outros Estados, o regulamento de inscrição dos advogados estagiários, o regulamento de estágio, da formação contínua e da formação especializada, com inerente atribuição do título de advogado especialista, o regulamento de inscrição de juristas de reconhecido mérito, mestres e outros doutores em direito, o regulamento sobre os fundos dos clientes, o regulamento da dispensa de sigilo profissional, o regulamento do trajo e insígnia profissional e o juramento a prestar pelos novos advogados” [artigo 45.º, alínea g)].
25. Pois decorre, expressamente, do n.º 2, do artigo 184.º do Estatuto da Ordem dos Advogados que o acesso ao estágio depende de regulamento aprovado em Conselho Geral.
26. Ora, sem querer questionar o já decidido no Acórdão n.º 3/2011 do Tribunal Constitucional, afigura-se que, nos poderes de regulamentação do Conselho Geral sobre o acesso ao estágio, por parte dos advogados estagiários que já demonstraram, em duas oportunidades sucessivas, não possuir os necessários conhecimentos e capacidades para o exercício da profissão de advogado, está compreendido o poder de estabelecer um período de espera de 3 anos para o interessado poder voltar a recorrer, de novo, aos serviços de estágio da Ordem dos Advogados, de forma a prevenir que quem não possui conhecimentos necessários e bastantes não venha a usar de tais serviços, por mero capricho e de forma temerária e abusiva, com os inevitáveis gastos em meios humanos e materiais que essa conduta implica.
27. Tal poder regulamentar encontra ainda justificação e fundamento na competência que é atribuída ao Conselho Geral, na alínea d) do n.º 1 do artigo 45.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, cujo teor se transcreve: “Deliberar sobre todos os assuntos que respeitem ao exercício da profissão, aos interesses dos advogados e à gestão da Ordem dos Advogados que não estejam especialmente cometidos a outros órgãos da Ordem, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 32.º”.
28. Com efeito, não se porá em dúvida que a utilização dos serviços de estágio da Ordem dos Advogados por parte de quem já a eles recorreu e não obteve sucesso de forma reiterada, é matéria que também implica e tem repercussões na respetiva gestão económica e financeira e que, por isso, importa regular de forma a prevenir e a evitar a respetiva utilização repetitiva e temerária, por parte de quem, repete-se, já deu mostras em 2 vezes seguidas que não possuía os necessários conhecimentos e capacidades.
29. O impedimento consistente em, durante 3 anos, os advogados estagiários reprovados 2 vezes seguidas não se poderem inscrever em novo estágio, também não corresponde à aplicação de uma sanção disciplinar de suspensão, como o Requerente afirma no artigo 13.º da petição.
30. Dado que, como resulta, expressamente, das próprias normas que o consagram, as razões de tal impedimento temporário radicam em falta de conhecimentos suficientes e bastantes do advogado estagiário que foi apurada em provas públicas, por 2 vezes seguidas, nada permitindo vislumbrar no escopo das normas em causa a aplicação de uma sanção disciplina “encapotada”, como, salvo o devido respeito, o Requerente infundadamente sugere e sustenta.
31. Mas é razoável e proporcional, para, por um lado, permitir a gestão criteriosa e racional dos recursos da Ordem dos Advogados afetos aos serviços de estágio que compete ao Conselho Geral regular e administrar e, por outro, para prevenir e evitar que esses mesmos serviços sejam acedidos e usados, de forma repetitivamente temerária e abusiva por parte de quem já demonstrou, por 2 vezes seguidas, que não possuía os necessários conhecimentos e capacidades para vir a ser inscrito, como advogado”.


4. Memorando

Apresentado e discutido o memorando a que se refere o artigo 63.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, e fixada a orientação do Tribunal, cumpre decidir de harmonia com o que então se determinou.



II – Fundamentação

5. Enquadramento

5.1. Em conformidade com o disposto no artigo 184.º do EOA (aprovado pela Lei n.º 15/2005, de 26 de janeiro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20 de novembro, e pela Lei n.º 12/2010, de 25 de junho), o pleno e autónomo exercício da advocacia depende dum tirocínio sob orientação da Ordem dos Advogados, destinado a habilitar e certificar publicamente que o candidato, licenciado em Direito, obteve formação técnico-profissional e deontológica adequada (n.º 1), cabendo aos serviços de estágio da Ordem dos Advogados assegurar, através de regulamento a aprovar pelo respetivo Conselho Geral, o acesso ao estágio, o ensino dos conhecimentos de natureza técnico-profissional e deontológica e o inerente sistema de avaliação (n.º 2).
Tal regulamento é o Regulamento Nacional de Estágio da Ordem dos Advogados (Regulamento n.º 52-A/2005, de 1 de agosto), publicado no Diário da República, 2.ª série, de 1 de agosto de 2005, com as alterações constantes da Declaração de Retificação n.º 1379/2005, de 17 de agosto, com as alterações introduzidas pelo artigo 69.º do Regulamento n.º 232/2007, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 4 de setembro de 2007, da Deliberação n.º 1898-A/2007, publicada no Diário da República, 2.ª série, de 24 de setembro de 2007, da Deliberação n.º 2280/2008, publicada no Diário da República, 2.ª série, de 19 de agosto de 2008, e da Deliberação n.º 3333-A/2009, publicada no Diário da República, 2.ª Série, de 16 de dezembro de 2009.
É a constitucionalidade de certas alterações introduzidas ao Regulamento Nacional de Estágio da Ordem dos Advogados (RNE) através desta última Deliberação que é posta em causa pelo pedido formulado nos presentes autos.

5.2. No âmbito da vigência do Regulamento n.º 52-A/2005, de 1 de agosto, com as alterações constantes da Declaração de Retificação n.º 1379/2005, de 17 de agosto, bem como das introduzidas pelo artigo 69.º do Regulamento n.º 232/2007, da Deliberação n.º 1898-A/2007, publicada no Diário da República, 2.ª série, de 24 de setembro de 2007, e da Deliberação n.º 2280/2008, publicada no Diário da República, 2.ª série, de 19 de agosto de 2008, o estágio de advocacia tinha a duração de 30 meses, compreendendo uma fase de formação inicial e outra de formação complementar.
A fase de formação inicial, destinada a garantir a iniciação aos aspetos técnicos e deontológicos inerentes à profissão de advogado, consistia no acompanhamento do escritório do patrono, a par do estudo das matérias constantes do programa de estágio e participação facultativa em sessões de formação disponibilizadas pelos centros de estágio.
A avaliação da primeira fase de estágio era efetuada através duma prova de aferição, constituída por três testes escritos, cuja elaboração, classificação e correção cabia aos centros de estágio (artigo 20.º, n.º 1).
Os advogados estagiários que obtivessem nota positiva em cada um dos referidos testes seriam admitidos à fase de formação complementar (artigo 22.º).
Já os advogados estagiários que faltassem justificadamente a algum dos exames escritos integrados na prova de aferição ou em algum deles fossem classificados com nota negativa, poderiam realizar novo teste escrito na área ou áreas a que houvessem faltado ou em que houvessem obtido classificação insuficiente, por uma única vez (artigo 23.º, n.º 1), implicando a falta injustificada a repetição da fase inicial do estágio (artigo 23.º, n.º 2).
Os advogados estagiários sujeitos à realização do teste de repetição que neste obtivessem classificação igual ou superior a 10 valores obteriam o direito de passagem à fase de formação complementar (artigo 24.º, n.º 1), enquanto a falta, ainda que justificada, ao teste de repetição, bem como a desistência ou obtenção de classificação negativa, implicaria uma nova inscrição no curso de estágio e consequente repetição de todos os testes da prova de aferição, sendo os advogados estagiários em tais condições integrados pelos centros de estágio no primeiro curso a iniciar após tal reinscrição (artigo 24.º, n.os 2, 3 e 4).

Visando o aprofundamento das exigências práticas da profissão, a fase de formação complementar intensificava o contacto pessoal do advogado estagiário com o funcionamento dos escritórios de advocacia, dos tribunais e outros serviços relacionados com o exercício da atividade profissional.
No termo da fase de formação complementar, o advogado estagiário apresentaria requerimento para admissão ao exame final de avaliação e agregação, sendo este composto por uma prova escrita e outra subsequente prova oral.
O advogado estagiário que obtivesse na prova escrita classificação inferior a 10 valores seria admitido a repetir esta prova, por uma só vez (artigo 35.º). Na hipótese de voltar a não alcançar nota positiva na repetição da prova escrita, o advogado estagiário ficaria obrigado a reiniciar a fase de formação complementar.
Obtendo na prova escrita classificação igual ou superior a 10 valores, o advogado estagiário acederia à prova oral (artigo 38.º), a realizar perante um júri composto por três membros (artigo 40.º, n.º 1), encarregue de atribuir ao candidato, em função da prova oral e demais elementos de avaliação constantes do respetivo processo individual de advogado estagiário, a classificação final de Não aprovado e Aprovado por maioria de votos dos seus membros (artigo 41.º, n.º 1).
No caso de reprovação na prova oral, esta poderia ser repetida, a requerimento do interessado, por uma só vez. (artigo 42.º, n.º 1).
Não sendo requerida a repetição da prova oral ou, tendo esta sido realizada, ocorresse nova insuficiência, o advogado estagiário repetiria a fase de formação complementar, mediante requerimento, sob pena de suspensão automática da inscrição (artigo 42.º, n.º 1).


5.3. Com as alterações introduzidas através da Deliberação n.º 3333-A/2009, a duração da fase de estágio foi encurtada para 24 meses, mantendo-se em 6 meses a duração da fase de formação inicial e diminuindo-se para 18 meses o período da fase de formação complementar (artigo 2.º, n.º 1).
A prova de aferição, a realizar no final da fase de formação inicial, passou a ser organizada pela Comissão Nacional de Avaliação.
A admissão à fase de formação complementar manteve-se privativa dos advogados estagiários que obtenham aprovação na prova de aferição, aprovação essa agora indexada ao somatório dos três testes escritos que a compõem (artigo 22.º).
A obtenção duma classificação negativa na prova de aferição passa a ter a consequência prevista para a falta, ainda que justificada, ao teste de repetição: ambos os casos implicam uma nova inscrição no curso de estágio, com consequente repetição de todos os testes que compõem a prova de aferição (artigo 24.º, n.º 1), sendo os advogados estagiários integrados pelos centros de estágio no primeiro curso que tiver início após a respetiva reinscrição (artigo 24.º, n.º 2).
Posto que a fase de formação inicial deixa de poder ser repetida por mais do que uma vez (artigo 24.º, n.º 3), os advogados estagiários que, uma vez reinscritos no estágio, não passem à fase de formação complementar na sequência da repetição da fase de formação inicial – seja pela obtenção de classificação negativa na prova de aferição, seja pela falta, ainda que justificada, à repetição dos testes escritos na área ou áreas a que houverem faltado antes –, ficarão impedidos de se reinscreverem em novo curso de estágio pelo período de três anos (artigo 24.º, n.º 4).
Uma vez que a fase de formação inicial representa o primeiro dos módulos que integram o estágio de advocacia, a prescrição da impossibilidade da sua repetição por mais do que uma vez (artigo 24.º, n.º 3) resulta, em si mesma, na impossibilidade de reinicio do estágio de advocacia nos mesmos termos. Deste ponto de vista, a norma constante do n.º 4 do artigo 24.º limita-se à explicitação da consequência já indiretamente produzida por aquela prescrição, definindo-lhe ainda um âmbito temporal de vigência pelo período de três anos.

A fase de formação complementar manteve as finalidades e os conteúdos anteriormente fixados (artigo 2.º, n.os 3 e 4), embora a tutela da prática profissional do advogado estagiário contemple agora, a par do respetivo patrono e dos centros de estágio, a intervenção da Comissão Nacional de Estágio e Formação (artigo 25.º).
Em consequência da unificação dos dois regimes anteriormente contemplados, o exame de avaliação e agregação será sempre realizado no termo do período do estágio (art. 32º, n.º 2), permanecendo constituído por uma prova escrita e por uma subsequente prova oral nos termos acima referidos (art. 33.º).
No respeitante à avaliação da prova escrita, o advogado estagiário que obtiver classificação inferior a 10 valores mantém a faculdade de repetir esta prova, por uma só vez.
Na hipótese de voltar a não alcançar nota positiva na repetição da prova escrita, o advogado estagiário continua obrigado a reiniciar a fase de formação complementar (artigo 36.º, n.º 1), com a novidade de que a repetição da fase de formação complementar não pode agora ocorrer por mais do que uma vez (artigo 36.º, n.º 2, 1.ª parte).
A impossibilidade de repetição da fase de formação complementar por mais do que uma vez não significa, no entanto, o reinicio obrigatório do estágio de advocacia através da renovação da fase inicial: na hipótese de, no termo da repetição da fase complementar, voltar a verificar-se falta de aproveitamento, o advogado estagiário fica impedido de se inscrever em novo curso de estágio pelo período de três anos, cancelando-se de imediato a sua inscrição (artigo 36.º, n.º 2).
Embora ainda necessária, a obtenção de classificação igual ou superior a 10 valores na prova escrita deixa de ser condição suficiente para o acesso à prova oral na medida em que esta passa agora a supor a cumulativa obtenção de nota positiva no teste de deontologia profissional (artigo 38.º).
Do ponto de vista do significado das alterações introduzidas pela Deliberação n.º 3333-A/2009, a novidade maior diz uma vez mais respeito aos efeitos da classificação obtida na prova oral: em caso de reprovação na prova oral, o advogado estagiário mantém a faculdade de proceder à respetiva repetição, por uma só vez, com consequente prorrogação do estágio pelo tempo necessário (artigo 42.º, n.º 1); na hipótese de não ser requerida a repetição da prova oral ou, sendo esta realizada, ocorrer nova reprovação, o advogado estagiário conserva o direito de repetir a fase de formação complementar (artigo 42.º, n.º 3); em caso de repetição da fase complementar e verificando-se nova reprovação na prova oral, o advogado estagiário mantém a possibilidade de repetir esta prova por uma só vez, o que, embora decorresse já da aplicação não excecionada da regra anterior, se encontra agora previsto expressamente (artigo 42.º, n.º 4); verificando-se nova reprovação na prova oral, o advogado estagiário perde o direito a reiniciar a fase de formação complementar tal como decorria do regime anterior, sendo cancelada a sua inscrição e ficando o mesmo impedido de se inscrever em novo curso de estágio pelo período de três anos (artigo 42.º, n.º 5).

6. O problema de constitucionalidade

6.1. Tal como se encontra configurado pelo Requerente, o problema de constitucionalidade a resolver no âmbito dos presentes autos consiste em verificar se constitui uma violação da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República definida pela alínea b), do n.º 1, do artigo 165.º, da Constituição, a aprovação, por via regulamentar, das normas que eliminam a faculdade de inscrição no curso de advogado estagiário pelo período de três anos em consequência da: i) obtenção de classificação negativa na prova de aferição realizada no âmbito da repetição da fase de formação inicial ou falta reiterada ao teste escrito que a integra (artigo 24.º, n.os 3 e 4); ii) verificação de falta de aproveitamento no âmbito da repetição da fase de formação complementar (artigo 36.º, n.º 2, 2.ª parte); e iii) reprovação na prova oral de repetição realizada no âmbito da repetição da fase de formação complementar (artigo 42.º, n.º 5, 2.ª parte).
Não estando em causa a conformidade constitucional do regime introduzido pela Deliberação n.º 3333-A/2009 sob um ponto de vista diverso daquele que resulta da relação entre o efeito produzido pelas normas impugnadas e a competência para a sua emanação segundo as regras de produção jurídica estabelecidas na Constituição, a solução do problema colocado não supõe a aferição do grau de adequação entre a estatuição controvertida e os respetivos pressupostos de facto de acordo com um juízo de proporcionalidade, nem tão pouco é afetável pela solução a que fossemos conduzidos em resultado dessa aferição.
Trata-se apenas de saber se a consequência prescrita pelas normas impugnadas, consistindo na suspensão do direito à (re)inscrição no curso de estágio de advocacia pelo período de três anos, pode ser estabelecida por via regulamentar perante o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º, da Constituição.

6.2. Ainda que no plano da conformação das condições positivas de acesso ao estágio de advocacia, as alterações ao Regulamento Nacional de Estágios introduzidas através do artigo 2.º da Deliberação n.º 3333-A/2009, aprovada pelo Conselho Geral da Ordem dos Advogados sob invocação do disposto no artigo 45.º, n.º 1, alínea g), do respetivo Estatuto, foram já consideradas por este Tribunal.
Estando então em causa o pedido de declaração, com força obrigatória geral, da inconstitucionalidade da norma constante dos n.os 1 e 2 do artigo 9.º-A, do Regulamento Nacional de Estágios, na redação aprovada pela Deliberação n.º 3333-A/2009, de 16 de dezembro – que determinava, como condição de acesso ao estágio de advocacia, a realização de um exame prévio de ingresso pelos candidatos que houvessem obtido a sua licenciatura após o Processo de Bolonha – o Tribunal, através do Acórdão n.º 3/2011 (Diário da República, II Série, de 25.01.2011), concluiu que o Conselho Geral da Ordem dos Advogados, invocando o disposto no artigo 45.º, n.º 1, alínea g), do Estatuto da Ordem dos Advogados (doravante EOA) – que lhe atribui o poder de elaborar e aprovar o regulamento de inscrição dos advogados estagiá­rios –, criara por via regulamentar autónoma, ao aprovar aquele exame, uma nova condição de acesso ao estágio de advocacia e, por consequência, ao exercício da profissão de advogado.
Considerando que o efeito assim produzido consistia numa afetação do núcleo essencial do direito à livre escolha da profissão assegurado pelo artigo 47.º, n.º 1, da Constituição e, por via disso, sob reserva relativa de lei parlamentar, o Tribunal declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma impugnada com fundamento na violação do disposto no artigo 165.º, n.º 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa.
No sentido em que as normas aqui impugnadas dizem respeito, não à conformação positiva das condições objetivas de acesso ao estágio de advocacia, mas à delimitação negativa dos respetivos pressupostos subjetivos, o problema suscitado no âmbito dos presentes autos não coincide substantivamente com aquele que foi objeto do Acórdão n.º 3/2011.
Todavia, do ponto de vista da estrutura do juízo de conformidade constitucional dos aspetos do regime de acesso ao estágio agora em questão a matriz analítica é essencialmente idêntica: trata-se também aqui de saber se, ao excluir do universo dos titulares do direito à inscrição no estágio de advocacia aqueles que, sendo embora licenciados em Direito por cursos universitários nacionais ou estrangeiros oficialmente reconhecidos ou equiparados (cfr. artigo 187.º do EOA), hajam decaído já na frequência do estágio de advocacia em razão da verificação, nos três anos precedentes, de uma de três possíveis ocorrências – i) obtenção de classificação negativa na prova de aferição realizada no âmbito da repetição da fase de formação inicial ou falta reiterada ao teste escrito que a integra (artigo 24.º, n.os 3 e 4); ii) verificação de falta de aproveitamento no âmbito da repetição da fase de formação complementar (artigo 36.º, n.º 2, 2.ª parte); ou iii) reprovação na prova oral de repetição realizada no âmbito da repetição da fase de formação complementar (artigo 42.º, n.º 5, 2.ª parte) – o Conselho Geral da Ordem dos Advogados emanou normas restritivas do direito à livre escolha da profissão e, por isso, sob reserva relativa de lei parlamentar nos termos das disposições conjugadas dos artigos 47.º, n.º 1, e 165.º, n.º 1, alínea b), da Constituição.


7. A validade constitucional das normas impugnadas

7.1. O Estatuto da Ordem dos Advogados foi, como se sabe, aprovado pelo Decreto Lei n.º 84/84, de 16 de março, tendo tal aprovação na sua génese a ideia de que a particular relevância assumida pela advocacia no processo de realização e administração da justiça impõe a intervenção do Estado na fixação normativa dos pressupostos e regras de qualificação para o exercício da profissão e que tal intervenção, podendo efetivar-se à partida quer através da direta regulamentação e tutela da profissão, quer por meio da definição de parâmetros legais de caráter geral, confinando-se aos interessados a disciplina e defesa da sua profissão, deveria seguir esta segunda alternativa, assim se concretizando “na Ordem dos Advogados (...) o princípio da descentralização institucional que aproxima a Administração dos cidadãos”, articulando “harmoniosamente interesses profissionais dos advogados com o interesse público da justiça" (cfr. Preâmbulo do Decreto Lei n.º 84/84, de 16 de março).
Ao invés de intervir diretamente na regulamentação da profissão e disciplina do seu exercício, o Estado optou por reconhecer nesse domínio esquemas de representação e autorregulamentação corporativa, devolvendo a uma organização associativa dos profissionais em causa – a Ordem dos Advogados – a definição e o controlo da observância das regras relativas à correspondente atividade e investindo-a dos poderes de autoridade necessários para o efeito (cfr. Acórdão n.º 497/89, in Diário da República, II Série, de 01.02.1990).
Conforme se escreveu no Acórdão n.º 3/2011, já referido, considerou-se, com efeito, que “a melhor maneira de proceder à supervisão do exercício duma atividade profissional privada, fundamental para a boa administração da justiça, era entregar essa função à associação representativa dos interesses dos advoga­dos, confiando-se que a prossecução desses interesses conduziria à realização dos desígnios públicos neste domínio (vide sobre a história da Ordem dos Advogados em Portugal, Alberto Sousa Lamy, em A Ordem dos Advogados Portugueses – História, órgãos, funções, ed. de 1984, da Ordem dos Advogados, e sobre a atribuição a esta instituição de poderes de direção e disciplina da advocacia desde 1926, Augusto Lopes Cardoso, em Da associação dos advogados de Lisboa à Ordem dos Advogados – Subsídios históricos e doutrinais para o estudo da natureza jurídica da Ordem dos Advogados, separata da Revista da Ordem dos Advogados, Ano 48, I, abril de 1988, e Rogério Ehrhardt Soares, em A Ordem dos Advogados uma corporação pública, na RLJ, Ano 124.º, p. 161 e segs.)”.
Enquanto ordem profissional, a Ordem dos Advogados pode, assim, definir-se como uma associação pública instituída por lei e constituída pelos membros da profissão respetiva com o fim de, por devolução de poderes do Estado, regular e disciplinar o exercício da advocacia, no respeito pelos respetivos princípios deontológicos (neste sentido, vide Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, V.I, 3.ª edição, pág. 460).
O modelo organizatório assente na devolução a uma ordem profissional da função de controlo do acesso à profissão, regulamentação do respetivo código deontológico e exercício do poder disciplinar sobre os seus membros pressupõe necessariamente a imposição legal do ónus de inscrição como condição da possibilidade de exercício da atividade.
Na medida em que de outro modo se frustraria a tutela do interesse público prosseguido através dos esquemas de autorregulamentação profissional assentes na constituição de associações públicas, a obrigatoriedade de inscrição, em si mesma, não oferece dúvidas de constitucionalidade (cfr. Acórdão n.º 281/99, in Diário da República, II Série, de 24.10.1991) mesmo perante a dimensão negativa da liberdade de associação consagrada no artigo 46.º, n.º 3 da Lei Fundamental, resultando tal legitimidade do seu estatuto de elemento indissociável da própria viabilidade institucional do modelo de supervisão corporativa do exercício da correspondente atividade.

7.2. Inserido no capítulo dos direitos, liberdades e garantias pessoais, o artigo 47.º, n.º 1, da Constituição assegura que todos têm o direito de escolher livremente a profissão ou o género de trabalho, salvas as restrições legais impostas pelo interesse coletivo ou inerentes à sua própria capacidade
Para além da faculdade de escolher livremente a profissão desejada, a liberdade de escolha de profissão tem, na sua dimensão positiva, vários níveis de realização, nestes se incluindo, a par, entre outros, da obtenção das habilitações necessárias ao exercício da profissão, o momento do ingresso na atividade profissional.
Considerada a especial natureza ou relevo social de certas atividades profissionais, aquele ingresso pode encontrar-se sujeito a determinadas restrições de índole subjetiva (expressamente admitidas pelo art. 47.º, n.º 1, in fine, da Constituição), integrando estas o “estatuto mais ou menos publicamente condicionado ou vinculado” (J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Anotada, Volume I, 4.ª Edição, pág. 656) a que tais profissões foram legalmente submetidas com o objetivo de assegurar que, tal como é do interesse público, o respetivo exercício ocorra segundo padrões de qualidade e idoneidade.
Tais restrições, todavia, quando se traduzam na fixação de requisitos subjetivos de acesso e tenham por isso o efeito de delimitar positiva e/ou negativamente o universo das pessoas que podem exercer determinada profissão, não poderão deixar de afetar a zona nuclear do direito à livre escolha da profissão, o que determina que a sua previsão se encontre reservada à lei parlamentar ou a diploma governamental devidamente autorizado nos termos do artigo 165.º, n.º 1, alínea b), da Constituição (cfr. Acórdão n.º 3/2011).
Daqui resulta que, embora a inscrição nas ordens profissionais seja condição do exercício da profissão, estas não podem estabelecer, por via autónoma e independente, restrições ao exercício profissional: a inscrição constitui um direito daquele que se encontre nas condições normativamente pré-fixadas e estas, por dizerem respeito à modelação da liberdade de escolha da profissão, encontram-se sob reserva relativa de lei parlamentar nos termos que conjugadamente resultam dos artigos 47.º, n.º 1, e 165.º, n.º 1, alínea b), da Constituição.
Tendo por objeto de regulação os direitos, liberdades e garantias, a reserva relativa de lei parlamentar estabelecida na alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º, da Constituição, é, além do mais, materialmente absoluta no sentido em que toda a densificação do regime se encontra reservada à Assembleia da República ou ao Governo sob autorização desta.

7.3. Da conformação legal do regime de acesso ao exercício da atividade profissional de advogado resulta que este se encontra dependente da inscrição na Ordem dos Advogados (artigo 61.º, do EOA) e esta, em regra, dum tirocínio sob orientação da Ordem dos Advogados, destinado a habilitar e certificar publicamente que o candidato, licenciado em Direito, obteve formação técnico-profissional e deontológica adequada ao início da atividade e cumpriu com os demais requisitos impostos pelo presente Estatuto e regulamentos para a aquisição do título de Advogado (artigo 184.º, n.º 1).
Não se verificando qualquer uma das situações de dispensa legalmente estabelecidas – nos termos dos artigos 192.º e segs. do EOA, encontram-se dispensados de tirocínio, podendo inscrever-se imediata­mente como advogados, os doutores em Ciências Jurídicas, com efetivo exercício de docência, os antigos magistrados com exercício profissional por período igual ou superior ao do estágio, que possuam boa classificação, juristas de reconhecido mérito, mestres e doutores em Direito, cujo título seja reconhecido em Portugal, e advogados estrangeiros -, o estágio de advocacia é de realização obrigatória, constituindo uma condição necessária para a inscrição na Ordem dos Advogados e, consequentemente, para o exercício habilitado da respetiva profissão.
De acordo com o regime fixado no Estatuto da Ordem dos Advogados, podem requerer a sua inscrição como advogados estagiários os licenciados em Direito por cursos universitários nacionais ou estrangeiros oficialmente reconhecidos ou equiparados (artigo 187.º do EOA).
Encontram-se, todavia, impedidos de se inscrever aqueles que, não obstante satisfazerem tal condição: a) não possuam idoneidade moral para o exercício da profissão, o que se presume em relação aos condenados por crime gravemente desonroso; b) não estejam no pleno gozo dos direitos civis; c) hajam sido declarados incapazes de administrar as suas pessoas e bens por sentença transitada em julgado; d) se encontrem em situação de incompatibilidade ou inibição do exercício da advocacia; e e) os magistrados e funcionários que, mediante processo disciplinar, hajam sido demitidos, aposentados ou colocados na inatividade por falta de idoneidade moral (cfr. artigo 181.º).
Da conjugação das normas constantes dos artigos 187.º e 181.º do Estatuto da Ordem dos Advogados resulta que o universo dos sujeitos habilitados a aceder ao estágio de advocacia se encontra delimitado por lei tanto positiva como negativamente, relacionando-se o pressuposto positivo com a exigência de determinada qualificação académica e o requisito negativo com a presunção de inidoneidade ou inaptidão associada à verificação de uma das circunstâncias taxativamente previstas e tipificadas para o efeito.
O problema de constitucionalidade suscitado pelo conjunto das normas impugnadas situa-se no plano da delimitação negativa do universo dos titulares da faculdade de aceder ao estágio de advocacia e, consequentemente, do direito de exercício da correspondente profissão.
Tratar-se-á concretamente de verificar se, através das normas impugnadas, o Conselho Geral da Ordem dos Advogados procedeu a uma ampliação inovadora do elenco, estatutariamente definido, das causas de restrição daquela faculdade e, na hipótese afirmativa, se tal ampliação é constitucionalmente legítima perante o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º, da Lei Fundamental.

7.4. Às restrições subjetivas do direito de inscrição constantes do artigo 181.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, as alterações ao Regulamento Nacional de Estágios, introduzidas através do artigo 2.º da Deliberação n.º 3333-A/2009, fizeram acrescer uma nova categoria: a dos licenciados em Direito por cursos universitários nacionais ou estrangeiros oficialmente reconhecidos ou equiparados que hajam decaído na frequência do estágio de advocacia em razão da verificação, nos anos três anos precedentes, de uma de três possíveis ocorrências – i) obtenção de classificação negativa na prova de aferição realizada no âmbito da repetição da fase de formação inicial ou falta reiterada ao teste escrito (artigo 24.º, n.os 3 e 4); ii) verificação de falta de aproveitamento no âmbito da repetição da fase de formação complementar (artigo 36.º, n.º 2, 2.ª parte); ou iii) reprovação na prova oral de repetição realizada no âmbito da repetição da fase de formação complementar (artigo 42.º, n.º 5, 2.ª parte).
Em qualquer uma das três modalidades que comporta, a categoria assim instituída não se encontra diretamente contemplada na lei estatutária, e não é reconduzível, dum ponto de vista normativo, ao âmbito material de qualquer uma das situações-tipo hipotizadas no artigo 181.º do Estatuto.
Não se trata, com efeito, da mera regulamentação complementar de aspetos relativos a uma classe de licenciados em Direito excluída já pela lei estatutária – como seria, por exemplo, em caso de simples explicitação das características determinativas de tal exclusão quanto ao seu alcance ou processo de verificação –, nem mesmo da ampliação do âmbito subjetivo duma das classes já tipificadas em consequência daquilo que poderia representar ainda o resultado de uma interpretação extensiva da fattispecie correspondente.
Trata-se, outrossim, da ampliação do próprio elenco previsto no artigo 181.º do Estatuto através da instituição duma categoria autónoma e independente das demais, resultante da associação ex novo duma presunção, ainda que temporalmente limitada, de inaptidão para o exercício da profissão ao decaimento em frequência prévia do estágio de advocacia quando determinado por uma das três ocorrências já referidas.
Daqui resulta que, sob invocação do disposto no artigo 45.º, n.º 1, alínea g), do EOA, que lhe atribui o poder de elaborar e aprovar o regulamento de inscrição dos advogados estagiá­rios, o Conselho Geral da Ordem dos Advogados criou na realidade novos pressupostos negativos de admissão, redefinindo com isso a conformação estatutária do âmbito subjetivo do regime jurídico de acesso ao estágio de advocacia e, considerado o caráter em regra obrigatório do tirocínio, ao próprio exercício habilitado da profissão.
É certo que, conforme notado no Acórdão n.º 3/2011, “a lei, no EOA [alíneas g) e h), do artigo 45.º], atribuiu à Ordem dos Advogados o poder de autorregular-se, emitindo regulamentos sobre aspetos da sua vida interna, numa demonstração de descentralização normativa e aproximação dos instrumentos reguladores às instâncias reguladas, uma vez que, como nota Vital Moreira, “o regulador e os regulados são uma e a mesma coisa” (In “Autorregulação profissional e administração pública”, pág. 130, da ed. de 1997, da Almedina), tendo as normas emitidas pela Ordem como destinatários os seus associados”.
Todavia, segundo aí se escreveu também, “esse poder nunca poderá ser utilizado para invadir o núcleo duro do direito à livre escolha de uma profissão que abrange a definição das condições essenciais subjetivas de acesso ao exercício da respetiva atividade. Essa é uma matéria que pertence às políticas primárias da comunidade nacional, pelo que só a Assembleia da República, ou o Governo por ela autorizado, tem competência para legislar nesse domínio”.

Em suma: as normas regulamentares editadas pelo Conselho Geral da Ordem dos Advogados eliminam a faculdade de inscrição no curso de advogado estagiário pelo período de três anos em consequência da: i) obtenção de classificação negativa na prova de aferição realizada no âmbito da repetição da fase de formação inicial ou falta reiterada ao teste escrito que a integra (artigo 24.º, n.os 3 e 4); ii) verificação de falta de aproveitamento no âmbito da repetição da fase de formação complementar (artigo 36.º, n.º 2, 2.ª parte); e iii) reprovação na prova oral de repetição realizada no âmbito da repetição da fase de formação complementar (artigo 42.º, n.º 5, 2.ª parte).
Assim, estas normas, ao suspenderem temporariamente a faculdade de acesso ao estágio de advocacia a uma categoria de licenciados em Direito integrada no universo dos sujeitos candidatáveis à inscrição naquela associação tal como este se encontra configurado na lei estatutária, comprimem inovatoriamente projeções nucleares do direito à livre escolha de uma profissão, razão pela qual só poderiam constar de lei da Assembleia da República ou de decreto-lei emitido ao abrigo de uma lei de autorização­ legislativa [cfr. artigo 165.º, n.º 1, alínea b), e artigo 47.º, n.º 1, da Constituição] e, não, como se verifica suceder, de Regulamento emitido por aquele Conselho, ainda que ao abrigo da previsão da alínea g) do n.º 1 do artigo 45.º do respetivo Estatuto.
Deverá concluir-se, assim, pela ­inconstitucionalidade das normas constantes dos n.os 3 e 4 do artigo 24.º; 2.ª parte do n.º 2 do artigo 36.º e 2.ª parte do n.º 5 do artigo 42.º, todos do Regulamento Nacional de Estágio da Ordem dos Advogados (Regulamento n.º 52-A/2005, de 1 de agosto), na redação que lhes foi conferida pela Deliberação n.º 3333-A/2009, de 16 de dezembro, do Conselho Geral da Ordem dos Advogados.

III – Decisão

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas constantes dos n.os 3 e 4 do artigo 24.º, 2.ª parte do n.º 2 do artigo 36.º e 2.ª parte do n.º 5 do artigo 42.º, todos do Regulamento Nacional de Estágio da Ordem dos Advogados (Regulamento n.º 52-A/2005, de 1 de agosto), na redação que lhes foi conferida pela Deliberação n.º 3333-A/2009, de 16 de dezembro, do Conselho Geral da Ordem dos Advogados, por violação das disposições conjugadas dos artigos 47.º, n.º 1, e 165.º, n.º 1, alínea b), da Constituição.
Lisboa, 15 de fevereiro de 2012.- Catarina Sarmento e Castro – Joaquim de Sousa Ribeiro – Vítor Gomes – Maria Lúcia Amaral – J. Cunha Barbosa - Maria João Antunes – Carlos Fernandes Cadilha – Gil Galvão – João Cura Mariano – Ana Maria Guerra Martins – Carlos Pamplona de Oliveira : vencido. Voto pela não inconstitucionalidade das normas impugnadas, essencialmente pelas razões expostas no ponto 2. da declaração de voto que anexei ao acórdão n.º 3/2011. – Rui Manuel Moura Ramos.


http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20120089.html

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

REGULAÇÃO DO PODER PATERNAL TRIBUNAL COMPETENTE ACÇÃO DE DIVÓRCIO APENSAÇÃO DE PROCESSOS - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa - 14/02/2012


Acórdãos TRL
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3900/11.9TBALM-B.L1-1
Relator: ANTÓNIO SANTOS
Descritores: REGULAÇÃO DO PODER PATERNAL
TRIBUNAL COMPETENTE
ACÇÃO DE DIVÓRCIO
APENSAÇÃO DE PROCESSOS

Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 14-02-2012
Votação: MAIORIA COM * DEC VOT E * VOT VENC
Texto Integral: S

Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE

Sumário: I - Na sequência da alteração introduzida pela Lei nº 133/99, de 28/8, na OTM, passou o respectivo artº 154º, nº4, a determinar que , estando pendente acção de divórcio ou de separação judicial litigiosos, as providências tutelares cíveis relativas à regulação do exercício do poder paternal correm por apenso àquela acção.
II - Para o efeito da actuação da referida norma de competência por conexão, apenas se exige que exista uma acção de divórcio pendente, sendo indiferente que aquando da instauração da acção de regulação do exercício do poder paternal já se encontrasse ela - a acção de divórcio - pendente.
III - Ao exigir-se em sede interpretativa ( e para efeitos do disposto na citada disposição legal), que a acção de divórcio tenha sido instaurada previamente à acção de regulação do exercício do poder paternal, tal conduz a uma diminuição ( ou uma interpretação restritiva sem fundamento pertinente que a suporte) do campo de aplicação da disposição em causa, o que contraria o princípio atinente à interpretação de normas jurídicas, segundo o qual " ubi lex non distinguit, nec nos destinguere debemus".
(Elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:

Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 1ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
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1.Relatório.
Correndo termos no 1º Juízo de Família e Menores do Tribunal de Comarca e de Família e Menores de Almada uma acção de Regulação das Responsabilidades Parentais, sendo nela requerente A , e requerido B, e tendo a Exmª Juiz titular dos autos a informação de que, à data ( a 9/9/2011) ,corria termos no Tribunal de Família e Menores do Porto, no 3° juízo, lª secção, a acção do divórcio da requerente e requerido dos autos , e invocando o disposto no artº 154º,nº4, da OTM, foi então proferida decisão judicial que, declarando o Tribunal de Família e Menores de Almada territorialmente incompetente, determinou a remessa dos autos ao Tribunal de Família e Menores do Porto.
Recordando, é do seguinte teor a referida decisão de 9/9/2011 :
“ De acordo com o disposto no art. 154°, 4 OTM os presentes autos de regulação das responsabilidades parentais correm por apenso ao processo de divórcio dos progenitores que esteja pendente.
Estando a correr termos no Tribunal de Família e Menores do Porto, 3° juízo, 1ª secção, a acção dos divórcio dos progenitores dos menores destes autos, sob o n° 1421/11.9TMPRT, de acordo com a referida regra de competência por conexão, declaro este Tribunal de Família e Menores de Almada territorialmente incompetente e, consequentemente, determino a remessa dos autos, após trânsito desta decisão, ao Tribunal de Família e Menores do Porto, 3° juízo, l ª secção, por ser este o competente, devendo ser apensados ao referido processo de divórcio.
Custas pela requerente.
Fica sem efeito a diligência agendada. Notifique “.
1.1. - Desta decisão, porque inconformada, apelou então a requerente A , alegando e formulando na respectiva peça recursória as seguintes conclusões:
1. Não tem aplicação a regra do artigo 154º, nº4 ,da OTM da presente lide, uma vez que a acção de regulação do exercício das responsabilidades parentais foi instaurada em data anterior à do divórcio, logo esta não estava ainda pendente, não existindo pressuposto da sua aplicação a sua pendência.
2. Acrescendo que mesmo para a acção de divórcio litigioso que corre termos no Tribunal de Comarca do Porto subsistem dúvidas acerca da sua competência, uma vez que como foro do autor nos termos do artigo 75º do Código de Processo Civil, não está provado que o Recorrido reside no Porto, já que a Recorrente pôde apurar junto da DGRN que o pedido de alteração de morada entregue a 04/07/2011 foi cancelado dois dias depois, em 06/07/2011, não sendo aquele Tribunal o competente para julgar o divórcio.
3. Por outro lado, a circunstância de haver sido intentada posteriormente a acção de divórcio não implica, necessariamente, a apensação do processo de regulação das responsabilidades parentais, porquanto já se fixara a competência deste, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente ao momento da instauração do processo, de acordo com o que dispõe o artigo 155º, nº 6 da OTM, pois de outra forma estar-se-ia perante um desaforamento ilegal.
4. A matéria da proibição do desaforamento deixou de constar no Código de Processo Civil passando a ser regulada pela LOFTJ (artigo 19º da Lei nº 38/87 e artigo 23º da Lei n.º 3/99 de 13/01), sendo que o artigo 22º da LOFTJ consagra, como regra, que a competência dos tribunais se fixa no momento em que o processo ingressa no tribunal, "no momento em que a acção se propõe, sendo indiferentes as modificações de facto e de direito que ocorram posteriormente, excepto se for suprimido o órgão a que a causa estava afecta ou lhe for atribuída competência de que inicialmente carecesse para o conhecimento da causa”
5. Como corolário, desde princípio o artigo 23.º da LOFTJ postula expressamente a proibição do desaforamento, ou seja, a deslocação da causa por determinação judicial do tribunal competente para outro, ressalvando porém, "os casos especialmente previstos na lei". Entre estes casos especialmente previstos na lei, destacam-se precisamente os de conexão prevista no artigo 275º do CPC, sendo a norma do nº4 do artigo 154º da OTM uma manifestação concretização, adaptada aos processos de jurisdição de menores.
6. O Recorrido através desta forma sub-repticiamente terá cometido fraude à lei, uma vez que terá intencionalmente visado o desaforamento dos autos do Tribunal de Comarca e de Família e Menores de Almada com vista a dificultar à progenitora, aqui Recorrente, a continuação do litígio de regulação do exercício das responsabilidades parentais no tribunal primariamente escolhido como o da residência dos menores, uma vez que, ambos, se encontravam com a Recorrente à data da apresentação da presente acção, nos termos do artigo 155º, nº 1 da OTM.
7. Considerando-se que para efeitos de desaforamento a fraude à lei consubstanciar-­se-á quando os interessados na aplicação de um determinado foro "criem" um elemento de conexão aparente que a verificar-se tornaria competente um outro foro mais favorável aos seus intentos.
8. Pelo que não é pelo facto de ser intentada uma acção de divórcio sem consentimento do outro cônjuge num qualquer outro tribunal que uma acção tutelar cível já a correr num tribunal diferente seja só por isso para aí remetida, já que a inferir-se que essa apensação e consequente competência abrangeria os casos em que no momento da instauração dos procedimentos tutelares não esteja pendente qualquer acção de divórcio litigioso, conduziria a resultados práticos inaceitáveis, com manifesto e evidente prejuízo para os interesses dos menores, com as consequentes e injustificadas delongas processuais, nomeadamente nos casos em que estejam agendados diligências ou mesmo o julgamento e no decurso destes, tomar-se conhecimento daquela acção, estes não se concluiriam para posterior remessa a outro tribunal que, por sua vez, iria de novo agendar esse julgamento, ou seja, arrastar-se o processo por mais tempo.
9. Assim, a apensação de uma acção de regulação das responsabilidades parentais a uma acção de divórcio litigioso poderá e deverá verificar-se desde que esta última seja pendente e que com essa apensação não se lesem expectativas reais de celeridade processual prejudicando com isso os interesses dos menores envolvidos, ou pior ainda utilizar-se como mero expediente dilatório com vista a impedir que se realize a justiça desejada.
10. Pelo que pretende a Recorrente que se declare o Tribunal de Comarca e de Família e Menores de Almada como o territorialmente competente para conhecer da presente lide e revogue a decisão proferida pelo tribunal.
11. E, igualmente, que declare a manutenção da data agendada pelo Tribunal a quo para a realização da Conferência de Pais nos termos do artigo 175.2 da OTM para o próximo 09-11-2011, ou se proceda ao agendamento da conferência com carácter de urgência.
Termos em que deverá ser revogado o douto despacho proferido e declare a manutenção da data agendada pelo Tribunal a quo para a realização da Conferência de Pais nos termos do artigo 175º da OTM para o próximo 09-11-2011, ou se proceda ao agendamento da conferência com carácter de urgência.
ASSIM SE CUMPRIRÁ O DIREITO E SERÁ FEITA JUSTIÇA!
O requerido contra-alegou, sustentando o acerto da decisão apelada, a qual, assim, deverá manter-se.
*
1.2 - Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo que , estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (cfr. artºs. 684º nº 3 e 685º-A, nº 1, do Cód. de Proc. Civil ), a questão a apreciar e decidir é tão só a seguinte :
- Saber se, para que possa funcionar a regra de conexão a que alude o nº 4, do artº 154º da OTM (que obriga à apensação à acção de divórcio, da acção relativa à regulação do exercício do poder paternal ) , exige-se que , aquando da instauração da acção de regulação do exercício do poder paternal, já se encontrar pendente e ainda a correr termos a acção de divórcio.
*
2.- Fundamentação.
2.1. De facto.
Os factos a considerar no âmbito da presente apelação são os referidos em sede de relatório do presente acórdão, sendo ainda de atender ( porque, embora tal não resulte da certidão dos presentes autos , relativamente a tal matéria existe concordância das “partes”) à circunstância de, aquando da propositura pelo apelado da acção de divórcio no Tribunal de Família e Menores do Porto, já se encontrava pendente e a correr termos ( no 1º Juízo de Família e Menores do Tribunal de Comarca e de Família e Menores de Almada) a acção de Regulação das Responsabilidades Parentais .
2.2. - De Direito.
Como resulta do relatório e conclusões da apelante acima mencionados, a questão que é trazida a este tribunal prende-se com a interpretação do art. 154.º, nº 4, da OTM, na redacção que a este dispositivo foi conferida pela Lei nº 133/1999, de 28 de Agosto, importando designadamente apurar se a competência por conexão nele estabelecida ( entre a acção de Regulação de Poder Paternal de um menor e a acção de Divórcio dos respectivos pais ) exige , para poder actuar, que aquando da instauração da acção de regulação do exercício das responsabilidades parentais , já se encontrar pendente a acção de divórcio.
É que, sufragando tal entendimento e perspectiva, aduz a apelante que, a assim não se entender, e resultando do artigo 22º da LOFTJ , que a competência dos tribunais se fixa no momento em que o processo ingressa no tribunal, "no momento em que a acção se propõe, sendo indiferentes as modificações de facto e de direito que ocorram posteriormente, excepto se for suprimido o órgão a que a causa estava afecta ou lhe for atribuída competência de que inicialmente carecesse para o conhecimento da causa” , tal conduzirá em rigor a um desaforamento ilegal.
Vejamos.
Sendo a acção a correr termos no 1º Juízo de Família e Menores do Tribunal de Comarca e de Família e Menores de Almada uma acção tutelar cível ( cfr. art.146º, alínea d), da OTM ), em sede de competência territorial rege o artº 155º, nº1, da OTM, sendo competente, em princípio, o tribunal da residência do menor no momento em que o processo foi instaurado, e sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorrerem posteriormente ao momento da instauração do processo ( cfr. nº 6, do artº 155º).
Porém, sob a epígrafe de “ Competência por conexão “, relativamente a tal matéria importa atentar ao disposto no artº 154º, da OTM, rezando ele que :
“ 1- Se forem instaurados sucessivamente processo tutelar cível e processo de protecção ou tutelar educativo relativamente ao mesmo menor, é competente para conhecer de todos eles o tribunal do processo que tiver sido instaurado em primeiro lugar.
2 - No caso previsto no número anterior os processos correm por apenso.
3. (…)
4 - Estando pendente acção de divórcio ou de separação judicial litigiosos, as providências tutelares cíveis relativas à regulação do exercício do poder paternal, à prestação de alimentos e à inibição do poder paternal correm por apenso àquela acção.
5 - A incompetência territorial não impede a observância do disposto nos n°s 1 e 4.
Recordando, anteriormente à actual redacção do citado artº 154º da OTM [ (1) introduzida pela Lei nº 133/99, de 28/8, e dispondo então o respectivo nº 1, que “ quando a providência for conexa com a acção que se encontre a correr termos em tribunal de família, é este tribunal o competente para conhecer dela “ ] , e na sequência já então da existência de diversas/diferentes interpretações sobre quais os necessários pressupostos básicos para que a conexão pudesse operar, proferiu o STJ o assento nº 6/79, de 24/7/1979, publicado no DR nº 242/79, Série I, de 19/10/1979, decidindo que “ Em caso de divórcio ou separação judicial de pessoas e bens decretados por um tribunal de família, a este compete a regulação consequente do exercício do poder paternal”.
Não obstante, porque tal assento foi tirado tendo como “pano de fundo” ainda assim a legislação anterior à entrada em vigor do DL nº 314/78, de 27 de Outubro [ os artigos 39.º, n.º 1, da Organização Tutelar de Menores, 2.º, n.º 1, alínea f), do Decreto n.º 8/72, de 7 de Janeiro, e 1412.º, n.º 2, do Código de Processo Civil ], cedo deixou de ser invocado, não pondo termo às divergências interpretativas então existentes (2), persistindo assim , depois dele, e relativamente ao disposto no nº1, do artº 154º da OTM , diversos entendimentos, sendo um deles aquele que considerava que a apensação da acção de regulação do exercício do poder paternal apenas podia e deveria ocorrer quando, ao instaurar-se o processo de regulação do poder parental, já a acção de divórcio se encontrava pendente.
Surgindo em 1999 a Lei nº 133, de 28/8, e com ela uma nova redacção do artº 154º, da OTM, importa não olvidar que, não desconhecendo certamente o legislador as divergências até então existentes no tocante aos pressupostos da competência por conexão, e tendo presente o disposto no artº 9º, nºs 1 e 2 , do CC, forçoso é reconhecer, desde logo e em sede de interpretação, que não resulta do texto da nova redacção do artº 154º ( maxime do seu nº4 ) que, para efeitos de apensação da acção de regulação do exercício do poder paternal à acção de divórcio, deva necessariamente esta última ter sido intentada em primeiro lugar, apenas exigindo o legislador que esteja pendente, ou seja, a correr termos.
Ao invés, se olharmos agora para o nº1, da mesma disposição legal, vemos já que nela tal preocupação do legislador já se encontra presente ( e expressamente, apesar do disposto no artº 275º,nº2, do CPC e 161º, da OTM) , pois que, rezando tal dispositivo que “ Se forem instaurados sucessivamente processo tutelar cível e processo de protecção ou tutelar educativo relativamente ao mesmo menor, é competente para conhecer de todos eles o tribunal do processo que tiver sido instaurado em primeiro lugar“, tal equivale a dizer que a acção a apensar é necessariamente posterior .
Tal constatação, por si só, aconselha a não sufragar o entendimento da apelante ( o de que a aplicação do art. 154.º, nº 4, da OTM, na redacção que a este dispositivo foi conferida pela Lei nº 133/1999, de 28 de Agosto, pressupõe/exige que aquando da instauração da acção de regulação do exercício das responsabilidades parentais já se encontra pendente a acção de divórcio), pois que, ademais e ao diminuir, e sem fundamento forte bastante, o campo de aplicação da disposição em causa, vai contra o antigo princípio latino atinente à interpretação de normas jurídicas, segundo o qual "ubi lex non distinguit, nec nos destinguere debemus".
Acresce que, porque de alguma forma a interpretação da apelante restringe o campo de aplicação do nº4, do artº 154º, da OTM, importa outrossim recordar que uma interpretação restritiva do texto da lei , apenas faz sentido quando (3): 1º se entendido de um modo geral, vem a contradizer outro texto de lei ; 2º se a lei contém em si uma contradição íntima ( é o chamado argumento ad absurdum) ; 3º se o principio aplicado sem restrições, ultrapassa o fim para que foi ordenado.
Porém, não apenas qualquer uma das referidas situações, em rigor, não se verifica in casu, como outrossim e bem a propósito refere ainda Francesco Ferrara (4) que “(…) se um principio foi estabelecido a favor de certas pessoas, não pode retorcer-se em prejuízo delas, por interpretação restritiva das suas expressões demasiado gerais “.
Ora, não olvidando que toda a OTM tem compreensivelmente como princípio enformador máximo a defesa dos interesses e direitos dos menores , e socorrendo-nos ainda do douto argumentário do TRP (5), é precisamente o interesse ( e não apenas o geográfico, a que alude o nº1, do artº 155º da OTM ) dos menores que afasta/desaconselha uma interpretação restritiva, considerando que “o Tribunal que mais bem colocado se encontra para a defesa dos direitos dos menores é aquele que tenha ou possa ter maior conhecimento do ambiente familiar em que foram criados os menores, quer pela vivência do drama que os articulados do divórcio já por si são susceptíveis de proporcionar, quer pelos trâmites desse próprio processo, que começa com uma tentativa de conciliação - art. 1407.º do CPC-, que, em caso de êxito, poderá vir a resultar:
- na cessação do processo de Regulação do exercício do Poder Paternal, por conciliação dos cônjuges art. 1407.º-2, 1.ª parte do CPC e 1774.º do CC;
- no acordo obrigatório a respeito da regulação do exercício do Poder Paternal a que terá de chegar-se no caso de conversão do divórcio litigioso em divórcio por mútuo consentimento – art. 1419.º do CPC e 1775.º-3 do CC- , e para cuja tentativa de conversão pode ajudar sobremaneira o conhecimento dos factos já apurados ou as diligências em curso no processo de regulação, evitando duplicidade de processos;
- no conhecimento mais aprofundado das condições do casal, seus problemas, dramas e vicissitudes, que, em caso de Sentença a decretar o divórcio, permitirá ao Juiz regular com dados mais seguros o respectivo exercício, pois que mais bem colocado para decidir esse exercício uma vez conhecidas as razões que levaram ao divórcio e o grau de culpabilidade de um ou de ambos os membros do casal, no desfecho do processo- art. 1787.º do CC.” .
Na sequência do acabado de expor, tudo aconselha assim que, em sede de interpretação do disposto no artº 154º,nº4, da OTM, não se enverede por uma qualquer interpretação restritiva que diminua o respectivo campo de aplicação, frustrando-se assim o desiderato pretendido pelo legislador no âmbito das alterações introduzidas na OTM pela Lei nº 133/99, de 28 de Agosto, sendo apenas de exigir que exista uma acção de divórcio pendente, e quer seja esta última posterior ou anterior à acção de regulação do exercício do poder paternal.
Incidindo agora a nossa atenção sobre as conclusões da apelante vertidas nos respectivos itens 3 a 5, e como de resto até a apelante o reconhece, o próprio artº 23º da LOFTJ prevê e admite ( apesar do disposto no antecedente artº 22º ) a possibilidade de deslocação da causa do tribunal competente para outro, bastando que esteja ela especialmente prevista na lei .
E, precisamente uma das referida possibilidades que a lei estabelece e admite, é a que decorre da norma do artº 154º, da OTM, sob a epígrafe de competência por conexão, razão porque não procedem portanto as referidas conclusões da apelante, nada obstando a que, em cumprimento do estatuído no referido artº 154º,nº4, se determine a apensação de uma acção de regulação do exercício do poder paternal a uma acção de divórcio pendente, é certo, mas todavia superveniente à acção de regulação do exercício do poder paternal.
Em conclusão, e não resultando [ trata-se de meras conclusões/afirmações da apelante e não ancoradas numa qualquer realidade concreta inquestionável , aquelas que constam das respectivas conclusões vertidas nos respectivos itens 6 a 9 ] dos autos que o apelado cometeu fraude à lei, designadamente ficcionando a respectiva residência em determinado local apenas com o único propósito de conseguir o desaforamento dos autos do Tribunal de Comarca e de Família e Menores de Almada , mais não fez o tribunal a quo que não aplicar a lei ( artº 154º, nº4, da OTM ) em obediência do disposto nos artºs 202º , nº1 e 203º, ambos da Constituição da República Portuguesa e,
sendo assim como é, em face do exposto e sem necessidade de mais considerações, deve a apelação de A improceder, impondo-se a manutenção da decisão recorrida.
*
3- (...)

***
4.- Decisão.
Pelo exposto acordam os Juízes na 1ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa , na sequência dos fundamentos expostos , em não conceder provimento à apelação e, consequentemente, mantêm a decisão recorrida.
Custas pela apelante.
***
(1) O DL nº 314/78, de 27 de Outubro, entrou em vigor a 31/7/1978.
(2) Cfr. Ac. do TRL de 16/4/85, in BMJ, 353, pág. 504.
(3) Cfr. Francesco Ferrara, in Interpretação e Aplicação das Leis, traduzido por Manuel de Andrade ( in Ensaio Sobre a teoria da Interpretação das Leis) , 4ª Edição, 1987, 149 .
(4) Ibidem, pág. 150.
(5) In Ac. de 23/11/2004, disponível in www.dgsi.pt .
***

Lisboa, 14 de Fevereiro de 2012

António Santos (Relator)
Eurico José Marques dos Reis ( 1º Adjunto) (*) vencido
Ana Maria Fernandes Grácio ( 2º Adjunto)

(*) DECLARAÇÃO DE VOTO
No processo n.º 3900/11.9TBALM-B.L1 - visto n.º 05/2012(1) -, voto vencido com os seguintes fundamentos:
a) em primeira linha e como argumento principal, é primordial nunca esquecer que os processos de regulação das responsabilidades parentais são processos de jurisdição voluntária (art.º 150º da OTM) e, como tal, para usar as palavras do Legislador, nas providências a tomar (ou seja, na sua tramitação e julgamento), o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adoptar em cada caso a solução que julgue mais conveniente(art.º 1410º do CPC);
b) vivendo-se actualmente, que não apenas em Portugal, tempos de anomia generalizada (ou seja, de completa indiferença pelos Valores Éticos e pelas próprias normas legais), é intolerável que se permita que alguém impunemente se aproveite das deficiências de funcionamento do sistema judiciário ou de alguma falta de clareza da letra da Lei, para deixar de cumprir as obrigações que sobre ele ou ela impedem, especialmente se as mesmas tiverem a natureza que as responsabilidades parentais têm, em suma, que se aja em benefício do infractor;
c) existindo dúvidas quanto à actual morada do ora recorrido e situando-se a casa que foi a de morada da família na área de jurisdição do Tribunal de Almada – neste caso o Juízo de Família e Menores -, sendo nessa Comunidade que os menores, filhos do casal, residiram até recentemente (existindo até alegações de que os mesmos foram feitos transportar pelo pai, para o Porto, contra a vontade inequívoca da mãe) e sendo aí que ainda moravam quando a acção em que foi lavrada a decisão recorrida, independentemente do ambíguo texto do n.º 4 do art.º 154º da OTM (“Estando pendente”), a protecção dos menores contra abruptas alterações do meio social em que estavam habituados a viver e a conviver com os outros, impõe, a meu ver, que se atribua a competência ao Tribunal da área geográfica em que o microcosmos social dos menores se formou (princípio da proximidade);
d) considerando os critérios de interpretação enunciados nos três números do art.º 9º do Código Civil, a interpretação daquela expressão “Estando pendente” que constitui a solução mais acertada, à luz dos sólidos e perenes princípios éticos e sociais consagrados nesses pilares de sabedoria que são os artºs 334º e 335º do Código Civil – destacando aqui, sem menosprezo dos demais, o princípio da boa fé -, é a proposta pela apelante, a saber: o comando normativo ínsito no n.º 4 do art.º 154º da OTM pressupõe que, no momento da instauração da acção para regulação das responsabilidades parentais, esteja já pendente a acção de divórcio;
e) ao invés do sustentado pela opinião que fez vencimento, entendo que, pela agudeza, por vezes até a violência, no mínimo emocional, dos conflitos que constituem o objecto das acções de divórcio, com os inerentes enquistamentos e entrincheiramentos de posição por parte de cada um dos litigantes, os processos em que, com maior abrangência e serenidade podem ser tratados os problemas de regulação do exercício das responsabilidades parentais, são exactamente os autos como aqueles em que foi proferida a decisão recorrida.
E, por estas razões, teria revogado a decisão recorrida e determinado o prosseguimento da tramitação autónoma da acção intentada no Tribunal (Juízo) de Família e Menores de Almada.

Lisboa, 14 de Fevereiro de 2012

Eurico José Marques dos Reis

http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/e6e1f17fa82712ff80257583004e3ddc/ed31d639323ec3eb802579b1003f994a?OpenDocument

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

RESPONSABILIDADES PARENTAIS INTERESSE DO MENOR GUARDA DO PAI MEDIDA DOS ALIMENTOS - Acórdão do Tribunal da Relação do Porto - 31-01-2012


Acórdãos TRP
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
57/05.8TMMTS-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RAMOS LOPES
Descritores: RESPONSABILIDADES PARENTAIS
INTERESSE DO MENOR
GUARDA DO PAI
MEDIDA DOS ALIMENTOS

Nº do Documento: RP2012013157/05.8TMMTS-A.P1
Data do Acordão: 31-01-2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1

Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA.
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .

Sumário: I - A atendibilidade da preferência revelada pelos menores quanto ao progenitor com o qual pretendem residir radica na ponderação de que, geralmente, tal preferência coincidirá com o critério norteador da decisão (com o interesse do menor)
II - Não se verificando tal coincidência entre o interesse o do menor e a sua declarada preferência, esta não se apresentará como decisiva.
III - Na decisão ou escolha do progenitor com quem o menor deve residir não podem ser valorizados exclusivamente aspectos ou vertentes puramente emocionais, afectivas ou sentimentais, devendo ponderar-se conjugadamente todas as vertentes do desenvolvimento do menor.
IV - Não releva, quanto à obrigação de alimentos devidos a filho menor, apreciar se o progenitor com quem o menor reside tem capacidade económica para suportar, integralmente, o sustento do menor, antes importando apreciar se o progenitor com o menor não reside tem capacidade para prestar alimentos ao seu filho, pois se assim for de concluir, deve a prestação ser estabelecida no montante proporcionado a tal possibilidade.
V - Tem de considerar-se que uma progenitora que aufere proventos mensais de 524,52€ tem condições para prestar alimentos ao seu filho menor, prestes a completar 14 anos, ao qual não são conhecidas necessidades especiais.
Reclamações:

Decisão Texto Integral: Apelação nº 57/05.8TMMTS-A.P1
Relator: João Ramos Lopes
Adjuntos: Desembargadora Maria de Jesus Pereira
Desembargador Henrique Araújo
*
Acordam no Tribunal da Relação do Porto.
RELATÓRIO
*
Recorrente: B….
Recorrido: C….
Tribunal de Família e Menores de Matosinhos.
*
C…, residente no Porto, requereu a alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais relativamente ao seu filho D…, pretendendo que a residência deste seja fixada junto de si, alegando, sumariamente, que de acordo com a regulação das responsabilidades parentais judicialmente determinada o D… reside alternadamente com ambos os progenitores, em períodos quinzenais, regime que se vem demonstrando prejudicial aos seus interesses, gerando grande alteração no seu ritmo de vida, pois que o mesmo relaxa os seus deveres e obrigações escolares, tendo um número excessivo de faltas injustificadas nos períodos em que está com a progenitora. Sustenta a pretensão de que o menor veja fixada residência junto de si invocando que os irmãos mais velhos do D… tiveram um percurso idêntico, passando a ter aproveitamento escolar a partir do momento em que fixaram residência consigo (requerente).

Deduziu oposição a tal pretensão a progenitora requerida, B…, residente em Matosinhos, impugnando os factos alegados e designadamente que o requerente acompanhe devidamente o percurso escolar do D…, mais alegando que o requerente deixa o menor entregue à empregada ou sozinho em casa. Concluiu pedindo que a residência do D… seja fixada junto de si.

Realizou-se conferência de progenitores (Julho de 2010), com a presença do D…, que afirmou, como causa para a sua falta de assiduidade, não gostar dos professores, adiantando pretender mudar de escola e ficar a viver com a mãe, por ter aí mais regras e atenção (em casa do pai fica mais tempo sozinho), referindo ainda que durante muito tempo ficava uma semana em casa de cada um dos seus pais, sistema ao qual gostava de voltar.
Nessa conferência, que resultou infrutífera, foi proferida decisão provisória (conforme a acordo dos pais, relativo ao período da pendência da acção) que determinou que o menor residisse por períodos semanais com cada um dos seus progenitores.
Juntos aos autos os solicitados relatórios sociais, produzidas, pelos progenitores, alegações e realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença que decidiu alterar o regime da regulação das responsabilidades parentais do D… nos seguintes termos:
- o D… passará a residir com o pai;
- as responsabilidades parentais relativas a questões de particular importância para a vida do filho são exercidas em comum por ambos os progenitores, salvo em caso de urgência manifesta, em que qualquer dos progenitores pode agir sozinho, devendo prestar informações logo que possível;
- o exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente do filho caberá ao pai ou à mãe quando com ele se encontrar temporariamente devendo porém respeitar as orientações educativas mais relevantes definidas pelo pai;
- o D… estará com a mãe em fins de semana no seguinte esquema:
- passará dois fins de semana seguidos com a mãe a que se segue um com o pai; novamente dois fins de semana seguidos com a mãe e um com o pai e assim sucessivamente,
- os fins de semana que o menor passa com a mãe iniciam à 6ª feira no final do período escolar, até 2ª feira no início do período escolar;
- na semana que antecede o fim de semana que passa com o pai, o D… estará com a mãe desde 4ª feira no final do período escolar, até 5ª feira no início do período escolar;
- o D… passa com o pai o Dia do Pai e o dia de aniversário do pai;
- o D… passa com a mãe o Dia da Mãe e o dia de aniversário da mãe;
- no dia de aniversário do D…, este deverá almoçar com um dos progenitores e jantar com o outro;
- todos os períodos de férias escolares serão igualmente repartidos entre os progenitores, por acordo entre ambos;
- caso não seja possível acordo noutro sentido, deverá ser seguido o seguinte esquema: nas férias escolares da Páscoa, o D… estará com a mãe durante a 1ª semana, sendo entregue ao pai no 1º dia da segunda semana, permanecendo com este até ao final das férias escolares e no ano seguinte caberá ao pai a 1ª semana, cabendo a segunda á mãe, assim se alternando sucessiva e anualmente; nas férias escolares do Natal o D… estará com o pai desde o 1º dia de férias escolares até 25 de Dezembro, data em que será entregue à mãe (até às 12 horas), ficando com esta até final das férias escolares e no ano seguinte caberá à mãe a primeira semana, cabendo a segunda ao pai, assim se alterando sucessiva e anualmente; nas férias escolares de verão cada um dos progenitores passará com o filho períodos de 15 dias separados entre si por um período de, pelo menos, outros 15 dias;
- até final de Maio de cada ano os progenitores devem acordar entre si os períodos de férias que passarão com o filho, consignando-se que em caso de falta de acordo nos anos pares prevalecerá a escolha da mãe e nos anos ímpares prevalecerá a escolha do pai;
- a título de alimentos devidos ao menor a mãe deverá contribuir com a quantia mensal de 75€ que remeterá ao pai, por qualquer meio idóneo de pagamento, até ao final de cada mês.

Inconformada com tal decisão, dela apelou a progenitora, terminando as suas alegações formulando as seguintes conclusões:
1ª- É manifestamente verdade que o D…, com 13 anos de idade, com o seu absentismo e desmotivação escolar demonstra que existem factores supervenientes que justificam que o regime até agora vigente seja alterado, pois que o mesmo se revelou contrário aos interesses e necessidades actuais do menor.
2ª- Tal regime é o que se exprime nos seguintes factos e circunstâncias:
i. O menor vive quinze dias com cada um dos pais; com a recorrente que reside em … e com o recorrido que vive na cidade do Porto;
ii. O menor está matriculado na Escola …, no Porto.
iii. O pai, aqui recorrido, é o seu encarregado de educação;
iv. O pai opõe-se a que o menor mude de escola para outra que fique junto da residência da mãe;
v. Não obstante a directora de turma, no 1º período, ter enviado informação referente às faltas do menor através da caderneta escolar e no final do 1º período (porque o D… teve mais de três negativas) tenha elaborado plano de recuperação e contactado o encarregado de educação para o assinar, a verdade é que apenas no final do 2º período escolar conseguiu contactar o encarregado de educação (que era o pai) através de carta registada.
vi. Nessa altura o pai do menor manifestou-se surpreso pelo número excessivo de faltas do filho.
vii. Há um relacionamento afectivo muito forte entre o D… e a mãe.
viii. Em conferência realizada a 27/07/2010 no âmbito destes autos o D… foi ouvido revelando que ‘preferia ficar a viver com a mãe, porque acha que em casa da mãe tem mais regras e atenção’; ‘acha que em casa do pai fica muito tempo sozinho’ (cfr. fls. 217, 8º parágrafo).
3ª- A alteração de tal regime, para que seja observado o interesse do menor, terá que implicar a remoção dos obstáculos à realização de tal interesse e, portanto, deverá ser alterado de forma a que o menor fique entregue à guarda e cuidados da mãe, relativamente à qual há um forte relacionamento afectivo recíproco e sob o acolhimento de quem o menor se sente mais protegido, com mais regras e destinatário de maior atenção (será irrelevante ou exagerado dizer-se mais feliz?)
4ª- Dos três filhos do casal o D… é o único que tem esse relacionamento afectivo que lhe traz felicidade, pelo que o exemplo dos restantes irmãos apenas assegura que é com o progenitor que melhor represente essa felicidade que os menores devem encontrar-se; aquilo que os irmãos mais velhos procuraram no pai é exactamente aquilo que o mais novo procura na mãe e que nela encontra.
5ª- O sentido da felicidade e a compreensão dos afectos não se encontram apenas na maturidade intelectual de um adulto; o menor D… pode não saber fazer uma tese justificativa das razões pelas quais faltava à escola, mas é suficientemente pessoa para saber junto de quem quer estar e das razões pelas quais explicita tal escolha, verbalizando-a.
6ª- O tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor (art.º 1906º, nº 7 do Código Civil).
7ª- A sentença recorrida regulou as responsabilidades parentais não de harmonia com os interesses do menor, mas apesar de tais interesses, violando o disposto no artigo 180º, nº 1 da OTM e 1906º, nºs 2 e 7 do Código Civil, pelo que deve ser revogada e substituída por decisão que revogando o regime de guarda conjunta que se revelou em concreto prejudicial aos interesses do menor, determine que o menor passe a residir com a mãe, aqui recorrente, mantendo-se no mais o regime fixado na sentença, reportando-se contudo à mãe o que na parte decisória da sentença se refere ao pai e inversamente, ordenando-se a baixa dos autos para que se amplie a matéria de facto com vista à fixação dos alimentos devidos ao menor, a cargo do pai, decorrentes da referida alteração da regulação das responsabilidades parentais.
Sem prescindir: quanto aos alimentos (caso se mantenha a decisão recorrida quanto ao regime de regulação das responsabilidades parentais nela consignado)
8ª- Os alimentos devem ser fixados tendo em conta as necessidades de quem deles carece e a capacidade de quem está obrigado à sua prestação (cfr. art.º 2004º, nº 1 do Código Civil).
9ª- Nos autos não se encontram provados factos que permitam saber nem as necessidades do menor, nem a capacidade económica de qualquer dos progenitores e, desde logo, a da mãe, sendo certo que dos poucos factos referentes à mãe, manifestamente não resulta a possibilidade desta de prestar alimentos para além dos que resultam das despesas com o menor nos períodos em que o terá consigo.
10ª- A decisão recorrida violou de forma manifesta o disposto no artigo 2004º, nº 1 do Código Civil, devendo ser revogada e substituída por outra que, no caso de se manter o regime de exercício das responsabilidades parentais fixado na sentença, limite os alimentos pela mãe devidos ao menor às despesas que esta já suporta quanto o tem consigo, porquanto não tem capacidade económica para prestar o valor acrescido de 75,00 euros mensais que lhe foi fixado.
11ª- Quando assim se não entenda, deverá ainda a sentença ser revogada e face à insuficiência da matéria de facto provada para determinar a capacidade económica dos progenitores e as necessidades do menor, ser ordenada a baixa dos autos à 1ª instância para que tal matéria seja ampliada com vista a permitir observar o que se dispõe no artigo 2004º, nº 1 do Código Civil e fixar os alimentos que sejam devidos.

Contra-alegaram o progenitor e o D. M. do M. P., ambos pugnando pela manutenção do decidido.
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Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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Objecto do recurso
Sabendo-se que o objecto do recurso é definido pelas conclusões no mesmo formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso, as questões decidendas consistem:
- em apreciar, em primeiro lugar, se o D… deve passar a residir com a progenitora (mantendo-se o regime fixado na sentença recorrida, reportando-se à progenitora o que na parte decisória se refere ao progenitor e vice-versa) e se deve ser ordenada a baixa dos autos em vista da ampliação da matéria de facto com vista à fixação de prestação alimentar a cargo do progenitor;
- caso se mantenha a decisão relativa à fixação da residência do D… junto do progenitor, apreciar se a prestação alimentar a cargo da apelante deve ser limitada às despesas por ela suportadas quando tem o menor consigo (ou se deve ser determinada a ampliação da matéria de facto em vista de se determinar da capacidade económica dos progenitores e das necessidades do menor).
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FUNDAMENTAÇÃO
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Fundamentação de facto

É a seguinte a matéria de facto dada como provada na sentença recorrida:
1º- O D… nasceu a 04 de Abril de 1998 e foi registado como filho do requerente e da requerida.
2º- As responsabilidades parentais referentes ao menor (e aos seus irmãos, na altura ainda também menores) foram inicialmente reguladas no âmbito do processo de divórcio por mútuo consentimento dos seus progenitores decretado a 26 de Maio de 2003 pela 1ª Conservatória do Registo Civil do Porto tendo ficado então determinado que os menores ficariam a residir com a mãe, tendo sido estabelecido um regime de visitas e alimentos a cargo do pai.
3º- Posteriormente, a requerimento do progenitor, foi intentada acção para alteração de tal regime e que terminou por acordo, judicialmente homologado a 23 de Novembro de 2006, nos termos do qual os dois filhos mais velhos ficariam a residir com o pai, ficando o menor D… em regime de guarda conjunta por períodos quinzenais.
4º- Relativamente aos filhos mais velhos o acordo supra aludido correspondeu à situação de facto já então existente uma vez que os menores se encontravam já de facto a residir com o pai.
5º- No ano lectivo 2009/2010 o D… passou a faltar frequentemente às aulas, por vezes em períodos de mais de uma semana seguida.
6º- Não obstante a directora de turma, no 1º período, ter enviado informação referente às faltas do menor através da caderneta escolar e no final do 1º período (porque o D… teve mais de três negativas) tenha elaborado plano de recuperação e contactado o encarregado de educação para o assinar, a verdade é que apenas no final do 2º período escolar conseguiu contactar o encarregado de educação (que era o pai) através de carta registada.
7º- Nessa altura o pai do menor manifestou-se surpreso pelo número excessivo de faltas do filho, situação que imputa à progenitora.
8º- Desde então o progenitor revela-se extremamente preocupado pela situação do filho, que denunciou à CPCJ, defendendo que a única forma de inverter o percurso do D… será ele passar a residir com carácter de permanência consigo, sem prejuízo de estar com a mãe nos períodos não lectivos.
9º- A progenitora atribui as faltas excessivas do filho à influência do grupo de pares.
10º- Entre Abril de 2010 e Julho do mesmo ano o D… passou a ficar permanentemente com a mãe, verbalizando que não queria estar com o pai.
11º- Nessa altura a progenitora tentou transferi-lo de escola para um estabelecimento perto da sua área de residência, tendo contado com a oposição do progenitor.
12º- Desde Julho de 2010 o menor tem permanecido uma semana com cada um dos progenitores
13º- O D… frequenta, pela 2ª vez, o 6º ano de escolaridade na Escola ….
14º- No actual ano lectivo a situação escolar do D… tende a estabilizar.
15º- Os progenitores mantêm entre si um clima extremamente conflituoso, não se reconhecendo mutuamente capacidades educativas.
16º- Os progenitores apenas comunicam entre si por escrito ou através dos filhos.
17º- Os filhos mais velhos do casal, durante a adolescência, optaram voluntariamente por residir com o pai por entenderem que a mãe não lhes proporcionava um ambiente educativo adequado às suas necessidades, nomeadamente em termos de fomentar autonomia, impor regras e rotinas de estudo.
18º- Em todo o processo que se seguiu à separação dos pais e, posteriormente na fase em que decidiram passar a residir com o pai, os filhos mais velhos necessitaram de acompanhamento e terapia, sendo ainda notória a dificuldade de relacionamento com a mãe e uma profunda mágoa relativamente à figura materna (sobretudo por parte do filho E…).
19º- Os filhos mais velhos continuam a conviver livremente com a mãe, embora, por vontade própria, apenas passem com ela curtos períodos.
20º- Os filhos mais velhos do casal, agora maiores, verbalizam que desde que passaram a residir com o pai sentem maior segurança e um acompanhamento mais estruturado e consistente a todos os níveis.
21º- A progenitora caracteriza como excessivamente autoritário o estilo educativo do requerente e continua a verbalizar que os filhos mais velhos apenas foram viver com o pai por questões ‘logísticas’ de maior proximidade da casa do pai aos centros de interesse dos filhos.
22º- Há um relacionamento afectivo muito forte entre o D… e a mãe.
23º- O D…, quando está com a mãe, convive habitualmente com os amigos desta.
24º- O requerente é engenheiro mantendo uma empresa própria de consultadoria.
25º- O requerente mantém diariamente uma empregada doméstica que presta apoio ao agregado familiar.
26º- O requerente mantém um relacionamento afectivo mas sem partilha de habitação, embora muitas rotinas sejam comuns.
27º- Quando o D… está em casa do pai, normalmente, pai e filhos mais velhos organizam as rotinas de forma a que o menor não fique sozinho. No entanto, por vezes, o D… acaba por ficar em casa apenas com a empregada ou sozinho.
28º- A progenitora encontra-se desempregada desde 2008.
29º- Durante o casamento e após o nascimento dos filhos, deixou de trabalhar fora de casa, tendo retomado já após a separação.
30º- Actualmente a requerida é beneficiária de RSI no montante mensal de 189,52€ e recebe 325€ de pensão de alimentos por parte do requerido.
31º- A requerida conta ainda com o auxílio económico de familiares.
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Fundamentação de direito

Não se questiona na apelação a bondade e justeza da decisão recorrida no que concerne à verificação dos pressupostos de facto para se entender preenchida a norma do art. 182º da O.T.M. em ordem a alterar a regulação o exercício das responsabilidades parentais relativamente ao menor D….
Por terem como correcto que a situação factual apurada nos autos revela que o regime anteriormente estabelecido deve ser alterado, centram as partes o dissídio nos termos e moldes em que o novo regime deve ser estabelecido em vista de alcançar o desiderato de qualquer regulação do exercício da responsabilidade parental, qual seja o de afirmar, defender e cumprir o interesse do menor.
Assim, enquanto na decisão recorrida se entendeu que o interesse do menor impunha que ele passasse a residir com o progenitor, estabelecendo um regime de convívio com a progenitora, solução que o apelado e o Ministério corroboram, a progenitora apelante defende que D… deve residir consigo, ficando a valer relativamente ao progenitor o regime de convívio que na sentença foi estabelecido relativamente a si, progenitora.

Apreciando.
Em Novembro de 2006 foi judicialmente homologado acordo dos progenitores do D… nos termos do qual as responsabilidades parentais seriam exercidas conjuntamente, ficando o mesmo a residir, alternadamente e por períodos quinzenais, com cada um deles (sendo certo que tal acordo abrangia também os dois irmãos do D…, então menores e actualmente maiores, que entretanto ficaram a residir com o progenitor).
No ano lectivo 2009/2010 o D… faltou frequentemente às aulas, por vezes em períodos de mais de uma semana seguida, situação que só chegou ao conhecimento dos progenitores no final do 2º período escolar – apesar do estabelecimento de ensino que frequentava, ainda no decurso do 1º período, ter enviado informação relativa a tal comportamento e ao aproveitamento escolar (3 negativas no 1º período) através da caderneta e ter elaborado plano de recuperação, envidando esforços para contactar o encarregado de educação (o progenitor), certo é que só no final do 2º período a escola conseguiu contactar o encarregado de educação por carta registada.
Surpreendido com o comportamento (falta de assiduidade) do D…, que imputou à progenitora, o progenitor revelou-se preocupado e para inverter a situação intentou que o menor passasse a residir permanentemente consigo, sem prejuízo do convívio com a progenitora.
Por sua vez, a progenitora atribuiu à influência do grupo de pares do D… aquele seu comportamento.
Entre Abril e Julho de 2010 o D… residiu permanentemente com a progenitora, afirmando não querer estar com o progenitor.
Em Julho de 2010, em diligência então realizada no âmbito dos presentes autos, o D… referiu que a sua falta de assiduidade escolar se ficava a dever à circunstância de não gostar dos docentes. Questionado sobre a sua preferência, revelou preferir ficar a residir com a mãe, argumentando ter aí mais regras e atenção, pois em casa do pai ficava mais tempo sozinho, não deixando porém de adiantar que durante um longo período tinha residido alternada e semanalmente com cada um dos seus pais, regime ao qual gostava de voltar.
Foi então – Julho de 2010 – estabelecido regime provisório de acordo com o qual o D… residiria semanalmente com cada um dos seus progenitores.
A situação escolar do D… tendeu a estabilizar no ano lectivo que se seguiu (no qual frequentou, pela 2ª vez, o 6º ano de escolaridade).
Marcada pelo conflito, a comunicação entre os progenitores é estabelecida por escrito ou através dos filhos, sendo certo que não se reconhecem mutuamente capacidades educativas – enquanto o pai (como referimos) imputa o comportamento do D… à mãe, esta considera o estilo educativo do pai como excessivamente autoritário.
Os dois irmãos do D… optaram, durante a adolescência, por residir com o pai, por entenderem que a mãe lhes não proporcionava ambiente educativo adequado às necessidades (fomento de autonomia, imposição de regras e rotinas de estudo), sendo certo que no período que se seguiu à separação dos progenitores necessitaram de acompanhamento e terapia, notando-se ainda alguma dificuldade no relacionamento com a mãe. Embora convivam livremente com a mãe, os filhos mais velhos passam com ela apenas curtos períodos, manifestando ambos sentirem-se mais seguros e acompanhados de forma mais estruturada e consistente desde que passaram a residir em permanência com o pai.
Entre o D… e a mãe existe forte relacionamento afectivo, sendo que quando se encontra a residir com ela o D… convive habitualmente com os amigos desta.
O pai (que mantém diariamente uma empregada doméstica para apoio ao agregado familiar) e os irmãos do D… quando este aí se encontra a residir, organizam rotinas para que ele não fique sozinho – sem prejuízo de que, por vezes, o D… fica em casa apenas com a empregada ou sozinho.

Esta matéria de facto foi julgada provada na decisão recorrida, não vindo impugnada, pelo que é exclusivamente nela que tem de assentar a apreciação das questões trazidas em recurso – designadamente a que concerne à residência do D….

O regime de regulação das responsabilidades parentais anteriormente estabelecido não pôs, nem põe, minimamente em risco a satisfação das necessidades básicas do D… ou sequer o seu desenvolvimento físico, emocional e afectivo, se encaradas estas vertentes separadamente dos outros aspectos do desenvolvimento humano (e, como é sabido, o desenvolvimento das crianças e adolescentes deve ser harmonioso e equilibrado, compreendendo todos os aspectos, sem que um prevaleça marcadamente sobre outro – a personalidade é una).
O que verdadeiramente está em causa no caso do D… são aspectos concernentes a um importante e crucial segmento do desenvolvimento da criança/adolescente, qual seja o da vertente escolar e académica.
Não se pode negar ser imprescindível no processo de crescimento e socialização de todas as crianças e adolescentes (ao seu harmonioso, equilibrado, seguro e contínuo desenvolvimento psíquico, emocional, afectivo, intelectual, moral e social) a sua sadia e frutuosa inserção escolar (a frequência e o aproveitamento escolar).
É esta vertente atinente à evolução e desenvolvimento académico do D… que importa acautelar devidamente – sem que isso importe ou traduza qualquer menosprezo pelos demais aspectos do seu desenvolvimento.
A especial valorização desta particular vertente do desenvolvimento do D… impõe-se face ao comportamento por ele mantido naqueles dois períodos do ano lectivo 2009/2010. Não porque ela assuma primazia face aos restantes aspectos do seu crescimento e desenvolvimento, mas antes porque também essa vertente não pode ser descurada. O seu equilibrado crescimento impõe que também essa vertente se desenvolva de forma adequada, consistente e sadia.
Não revelam os autos que qualquer um dos progenitores possa isentar-se de responsabilidades no comportamento tido pelo D… naqueles dois períodos escolares do ano lectivo de 2009/2010, como bem se nota na decisão recorrida – nenhum deles então efectuou, de forma sistemática e adequada, o acompanhamento que se impunha e de que o D… necessitava.
Evidente é que o D… (como também se realça, bem, na sentença recorrida), a entrar na adolescência, ‘necessita de consistência educativa, de regras concretas, precisas e definidas, que não se alterem’ semanal ou quinzenalmente, consoante esteja com um ou outro progenitor. Necessita de um acompanhamento atento e constante, de rotinas e regras definidas e certas.
Ponderou-se na decisão recorrida que a consistência educativa e manutenção dos afectos do D… impunha que se lhe fixasse residência junto do progenitor, ficando este responsável pela gestão das suas rotinas diárias em período escolar, fixando porém um amplo regime de convívio com a progenitora (não só nos períodos de férias escolares, como também durante o período escolar).
Discorda a progenitora, argumentando que o interesse do menor implica que o mesmo fique à sua guarda, pois entre ambos existe forte relacionamento afectivo e é junto de si que o mesmo se sente mais protegido, com mais regras e destinatário de maior atenção.

É inquestionável que através do presente processo não se tem em vista igualizar os direitos dos pais mas tão só proteger o interesse do menor – é o interesse do menor que há-de fundamentar e determinar o sentido da decisão.
Trata-se de conceito jurídico indeterminado, que apesar de ‘não ser definível, é dotado de uma especial expressividade’, é ‘uma «noção mágica», de força apelativa e tendência humanizante’; não sendo susceptível de uma definição em abstracto que valha para todos os casos, o conceito de ‘interesse do menor’ adquire eficácia (e sentido) quando referido ao interesse da criança[1].
No caso dos autos, o interesse do menor demanda se cuide, de forma especial, de aspectos relacionados com a vertente escolar do seu desenvolvimento, sem prejuízo de se não desacautelarem os demais segmentos do seu normal e sadio desenvolvimento.
Se, valorizando exclusivamente as vertentes emocionais, afectivas e sentimentais, se teria de considerar que o interesse do menor apontaria para a solução propugnada pela apelante, já a ponderação conjugada de todas as vertentes do seu desenvolvimento nos faz propender para a equilibrada e judiciosa solução encontrada na decisão recorrida.
Na verdade, valorizando a experiência dos irmãos mais velhos do D…, não pode negar-se que o progenitor possui capacidade para lhe proporcionar acompanhamento estruturado e impor regras e rotinas adequadas ao seu proveitoso percurso e desempenho escolar.
Acresce que ao residir com o progenitor desenvolverá contacto mais próximo, contínuo e estreito com os irmãos mais velhos – e um tal convívio não pode deixar de ser valorizado positivamente pois contribuirá, desde logo, para a sua estabilidade emocional e afectiva, permitindo-se ainda que também os seus irmãos se assumam como suas figuras referenciais.
Não pode sobrevalorizar-se a preferência que o D… entendeu manifestar no sentido de residir com a progenitora.
A atendibilidade da preferência revelada pelos menores nestas acções radica na ponderação de que, geralmente, tal preferência coincidirá com o critério norteador da decisão (com o interesse do menor).
Porém, no caso dos autos, esta coincidência entre a sua declaração de preferência e o seu ‘interesse’ do D… não se verifica.
Efectivamente, da matéria provada não resulta que em casa do seu progenitor ele fique sozinho a maior parte do tempo – o que está provado é que o seu progenitor e os seus irmãos organizam rotinas para que o D… não fique sozinho (o que acontecerá apenas ocasionalmente) –, também não se podendo concluir que seja em casa da progenitora que ele se encontra sujeito a mais regras ou controlo – antes pelo contrário, o que se pode concluir, atenta a experiência dos irmãos mais velhos, é que é o pai quem lhe impõe a observância de mais regras e lhe proporciona acompanhamento mais efectivo e profícuo.
Por outro lado, como não deixa de ser realçado na decisão recorrida, o estabelecimento de ensino frequentado pelo D… situa-se mais próximo da residência do pai do que da residência da mãe, sendo assim natural que o seu círculo de amigos e colegas de escola seja constituído por residentes na área geográfica da residência do pai.
Depois, não pode também descurar-se que o D… manifestou, na mesma altura, a sua preferência pelo regime da residência alternada semanal, o que no mínimo permite questionar da consistência, sobriedade e intensidade da sua preferência em passar a residir exclusivamente com a sua mãe.
Tais razões são suficientes para considerar não decisiva a preferência manifestada pelo D… no sentido de passar a residir com a progenitora.
Não merece censura, atentos os expostos fundamentos, a conclusão de que é residindo com o pai que o D… desfrutará de eficaz, profícuo e estruturado acompanhamento no seu percurso e desenvolvimento escolar, podendo também aí solidificar os laços afectivos com os seus irmãos mais velhos, permitindo também a estes assumir-se como contribuintes do seu processo evolutivo.
Tal conclusão sai reforçada considerando que o amplo de regime de convívio com a progenitora estabelecido na decisão recorrida é perfeitamente adequado e ajustado à conservação da estreita e forte relação afectiva existente entre ambos e, assim, à manutenção da estabilidade afectiva e emocional do D…, permitindo também à progenitora exercer os seus deveres e fiscalizar, de modo quase permanente, o seu estado e a sua evolução.
Conclui-se, assim, não merecer censura a decisão recorrida ao fixar a residência do D… junto do pai, estabelecendo regime de convívio com a progenitora.

Devendo manter-se a decisão relativa à fixação da residência do D… junto do progenitor, importa apreciar da segunda questão suscitada pela apelante – se a prestação alimentar a seu cargo deve ser limitada às despesas que já suporta quando tem o D… consigo (por não ter capacidade económica para suportar o valor de 75€ mensais fixado na decisão recorrida) ou se deve ser determinada a ampliação da matéria de facto em vista de se determinar da capacidade económica dos progenitores e das necessidades do menor.

Não cremos que seja indispensável ampliar a matéria de facto em vista de apurar dos requisitos da obrigação alimentar e estabelecer a sua medida, já que os factos apurados revelam, de forma suficiente, as possibilidades dos progenitores e as necessidades do D….
Certo que se não apuraram, em concreto, as necessidades específicas do D…. A matéria provada permite, porém, com inteira segurança, presumir que ele não tem quaisquer necessidades especiais, resumindo-se as suas necessidades ao indispensável à alimentação, habitação, vestuário, saúde e educação, comuns a qualquer menor da sua idade que frequente a escola pública – são necessidades referentes a saúde, alimentação, vestuário, calçado, educação (livros e material escolar e informático), bem como à prática de actividades lúdicas e de lazer (sendo certo que não está ainda em idade de angariar, por si, rendimentos para o seu sustento).
As possibilidades do progenitor aferem-se em atenção à sua profissão de engenheiro, que mantém empresa própria de consultadoria. Aufere rendimentos que lhe conferem a possibilidade de custear uma empregada doméstica que presta apoio ao agregado familiar (constituído por ele e pelos dois irmão do D…).
Incontroverso que a situação económico-financeira do progenitor suplanta, amplamente, a da progenitora, que, apesar de se encontrar em idade activa, se acha desempregada desde 2008, sendo actualmente beneficiária de rendimento social de inserção no montante mensal de 189,52€, auferindo ainda da pensão de alimentos paga pelo progenitor do D…, seu ex-marido, no valor de 325€, além de contar com auxílio económico de familiares.

A medida da contribuição de cada progenitor deve encontrar-se na sua capacidade económica para prover às necessidades do filho, sendo certo que estas necessidades sobrelevam a disponibilidade económica dos pais, no sentido de que o ‘conteúdo da obrigação de alimentos que lhes compete cumprir não se restringe à prestação mínima e residual de dar aos filhos um pouco do que lhes sobra’, mas antes no de que se lhes exige que ‘assegurem as necessidades dos filhos menores com prioridade sobre as’ próprias e ‘se esforcem em obter meios de propiciar aos filhos menores as condições económicas adequadas’ ao seu sadio, harmonioso e equilibrado crescimento[2].
O princípio da igualdade dos cônjuges dos cônjuges estabelecido no art. 36º, nº 3 da C.R.P. constitui expressão qualificada do princípio da igualdade de direitos e deveres dos homens e mulheres (art. 13º da C.R.P.), abrangendo, incontestavelmente, a educação e manutenção dos filhos[3]. As responsabilidades parentais cabem a ambos os progenitores, em condições de plena igualdade (art. 36º, nº 3 da C.R.P.), o que não significa, porém, no que especificamente concerne à obrigação alimentar, que cada progenitor contribua com metade do necessário ao sustento e manutenção dos filhos – sobre cada progenitor impende o dever/responsabilidade de assegurar, na medida das suas possibilidades, o necessário ao sustento e manutenção do filho, sendo que o princípio constitucional da igualdade de deveres se realiza através da proporção da contribuição – cada um deles deverá contribuir em função (proporção) das suas capacidades económicas[4].
A situação económica e financeira do progenitor do D… permite afirmar ser ele, entre ambos os progenitores, quem tem maior capacidade económica e financeira para providenciar pelo seu (D…) sustento.
Todavia, não pode negar-se que a progenitora tem também o dever (art. 36º, nº 5 da C.R.P., art. 27º da Convenção sobre os Direitos da Criança, arts. 1878º, nº 1 e 1885º, nº 1 do C.C.) de se associar a esse esforço de manutenção e sustento do D…, ainda que de forma parcimoniosa, proporcionada às suas parcas possibilidades.
A questão não pode colocar-se nos termos em que a coloca a apelante – o que releva não é apurar se o apelado tem capacidade económica para suportar integralmente o sustento e manutenção do menor, mas antes apreciar se a apelada tem capacidade para prestar alimentos ao seu filho, pois que se assim for de concluir, deve a prestação ser estabelecida no montante proporcionado e adequado a tal possibilidade.
Tal consideração resulta da natureza da obrigação alimentar de que os progenitores são titulares passivos – tal obrigação não se esgota num mero ou simples dever jurídico/pecuniário, antes conforma e integra obrigação emergente da responsabilidade parental (obrigação de cuidado parental), estatuída constitucionalmente no art. 36º, nº 5 da C.R.P., cujo cumprimento não se satisfaz pela disposição do que sobra mas antes e apensas quando são asseguradas as necessidades do menor de forma prioritária relativamente às do obrigado (ressalvadas as inerentes ao estritamente necessário à digna existência humana).
Um progenitor só estará obrigado a suportar, integralmente, o sustento do menor quando o outro, co-obrigado, não tiver possibilidades de (sem pôr em causa a sua existência digna) contribuir para isso.
Não podemos deixar de reconhecer situarem-se muito próximo do limite mínimo necessário à existência condigna os proventos mensais da apelante (pouco superiores a 500€). Todavia, e sendo certo que as necessidades da alimentante (de habitação, saúde, vestuário, alimentação, lazer, etc., comuns a todas as pessoas, sendo certo que dos autos não resulta que tenha necessidades particulares ou especiais que demandem gastos acrescidos) não podem ser desconsideradas e que lhe não pode ser exigido que, para prestar alimentos, ponha em risco a sua própria subsistência, interessa ponderar que a sua situação económica, aliada ao facto de estar ainda em idade activa, permite ainda encontrar, sensatamente, na justa e proporcionada medida, uma fracção dos seus parcos proventos para dispor a favor do sustento do D…, seu filho menor.
Não pode, pois, concluir-se que a apelante não tenha capacidade económica para prestar alimentos, devendo porém conceder-se que tal capacidade é reduzida e limitada.
Assim, deve a apelante contribuir para o sustento do D…, considerando tais limitadas e reduzidas possibilidades.
A prestação alimentícia fixada na decisão recorrida mostra-se conforme a este critério de justa medida e de proporcionalidade, não podendo considerar-se que comporte para a apelante um esforço insuportável que ponha em causa a sua condigna existência – os seus proventos (aufere mensalmente 524,52€, considerando o que recebe de pensão de alimentos paga pelo ex-marido e de rendimento social de inserção) que excedem o montante do rendimento mínimo mensal garantido e deduzidos os 75€ mensais fixados a título de alimentos ao D…, disporá ainda a apelante do rendimento mensal de 439,52€.
Improcede, pois, também neste segmento, a apelação.

Considerando tudo o exposto, não merece censura a decisão recorrida, improcedendo a apelação.

Sumariando a decisão, nos termos do art. 713º, nº 7 do C.P.C.:
I- A atendibilidade da preferência revelada pelos menores quanto ao progenitor com o qual pretendem residir radica na ponderação de que, geralmente, tal preferência coincidirá com o critério norteador da decisão (com o interesse do menor)
II- Não se verificando tal coincidência entre o interesse o do menor e a sua declarada preferência, esta não se apresentará como decisiva.
III- Muito menos decisiva será tal manifestação de preferência quando possa ser questionada a sua consistência, sobriedade e intensidade (como acontece quando, na mesma altura em que manifestou a sua preferência em passar a residir, exclusivamente, com a progenitora, o menor também afirmou pretender fosse estabelecido regime de residência alternada, semanal, com cada um dos seus progenitores).
IV- Na decisão ou escolha do progenitor com quem o menor deve residir não podem ser valorizados exclusivamente aspectos ou vertentes puramente emocionais, afectivas ou sentimentais, devendo ponderar-se conjugadamente todas as vertentes do desenvolvimento do menor.
V- Sendo a vertente atinente à evolução e desenvolvimento académico do menor aquela que importa no caso acautelar (face ao comportamento por ele mantido nos dois primeiros períodos do ano lectivo de 2009/2010), não porque deva merecer qualquer especial primazia sobre os demais aspectos do seu desenvolvimento, mas porque também essa vertente não pode ser descurada, deve reconhecer-se que o progenitor, valorizando o já experienciado pelo dois irmãos mais velhos do menor, possui capacidade para lhe proporcionar o acompanhamento estruturado que necessita, para lhe impor regras de conduta e para estabelecer rotinas adequadas ao seu proveitoso percurso e desempenho escolar.
VI- Não releva, quanto à obrigação de alimentos devidos a filho menor, apreciar se o progenitor com quem o menor reside tem capacidade económica para suportar, integralmente, o sustento do menor, antes importando apreciar se o progenitor com o menor não reside tem capacidade para prestar alimentos ao seu filho, pois se assim for de concluir, deve a prestação ser estabelecida no montante proporcionado a tal possibilidade.
VII- Tem de considerar-se que uma progenitora que aufere proventos mensais de 524,52€ tem condições para prestar alimentos ao seu filho menor, prestes a completar 14 anos, ao qual não são conhecidas necessidades especiais.
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DECISÃO
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Pelo exposto, na improcedência da apelação, acordam os Juízes desta secção cível em confirmar a decisão recorrida.
Custas pela apelante.
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Porto, 31/01/2012
João Manuel Araújo Ramos Lopes
Maria de Jesus Pereira
Henrique Luís de Brito Araújo
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[1] Maria Clara Sottomayor, Regulação Do Exercício do Poder Paternal Nos Casos de Divórcio, 4ª edição revista, aumentada e actualizada, pp. 33 e 34.
[2] Cfr. Ac. R. Porto de 14/06/2010 (relatado pelo Exmº Sr. Desembargador Guerra Banha), no sítio www.dgsi.pt/jtrp.
[3] Gomes Canotilho e Vital Moreira, obra citada, p. 564 (anotação V).
[4] Cfr., neste sentido, Ac. R. Porto de 28/04/2009 (relatado pelo Exmº Sr. Desembargador João Proença), no sítio www.dgsi.pt/jtrp.

http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/3d225710c19f975e802579a0003e4e79?OpenDocument&Highlight=0,responsabilidades,parentais

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