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sexta-feira, 24 de agosto de 2012

COMPETÊNCIA MATERIAL ACÇÃO DE INTERDIÇÃO - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa - 12/06/2012


Acórdãos TRL
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7218/12.1TLSNT.L1-7
Relator: LUÍS ESPÍRITO SANTO
Descritores: COMPETÊNCIA MATERIAL
ACÇÃO DE INTERDIÇÃO

Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12-06-2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S

Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE

Sumário: I – A competência para preparar e julgar as acções de interdição por anomalia psíquica encontra-se deferida aos juízos cíveis e não aos Tribunais de Família e Menores.
II – Este tipo de acções não se enquadram na alínea h), do artigo 114º, da Lei nº 52/2008, de 28 de Agosto (Nova Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais ).
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Parcial:

Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa
( 7ª Secção ).

I – RELATÓRIO.
Intentou o Ministério Público a presente acção especial de interdição por anomalia psíquica relativamente a A., fazendo-o junto do Tribunal da Grande Lisboa Noroeste, Grande Instância Cível.
Foi proferido despacho considerando verificada a excepção dilatória da incompetência absoluta do tribunal, por se entender que a acção de interdição é da competência do Tribunal de Família de Menores, com o consequente indeferimento liminar da petição.
Apresentou o Ministério Público recurso desta decisão, o qual foi admitido como de apelação.
Juntas as competentes alegações, formulou o apelante, as seguintes conclusões :
1º - O Tribunal a quo fez uma incorrecta interpretação da norma do artº 114 alínea h) da LOTJ ao considerar que as interdições são acções sobre o “estado civil das pessoas” e, consequentemente, ao considerá-las da competência dos Tribunais de Família e Menores.
2º Na verdade, na interpretação que consideramos mais rigorosa, a interdição ou inabilitação não fazem parte do chamado estado civil, ou mesmo do estado pessoal do indivíduo – pois que nada tem a ver com a sua posição/status face ao Estado ou à família - constituindo apenas e só situações de facto, eventualmente transitórias, que tal como o estado civil, condicionam a sua capacidade, mas que com aquele não se confundem.
3º Estes factores condicionantes da capacidade de gozo são, efectivamente, inscritos também no registo civil. Porém isso não os remete necessariamente para a esfera do estado civil.
4º Na verdade, o próprio código de registo civil deixa absolutamente claro que nem tudo o que consta do registo civil respeita a estado civil, prevendo claramente que, além daqueles, são também objecto de registo os factos atinentes à capacidade do indivíduo – cfr. artº 220-A nº 1 do CRC.
5º Assim sendo, temos que concluir que as acções de interdição, por não tratarem de matéria atinente ao estado civil ou à família não se poderão integrar na citada alínea h) do artigo 114 da LOTJ e, portanto na competência do Tribunal de Família e Menores.
6º Interpretação esta que, aliás, se compagina com o espírito de especialização por ramos do direito, que presidiu à organização judiciária traçada pela LOTJ. reservando claramente para os TFM as acções que tivessem concretamente a ver com as relações familiares e com os menores.
7º Na verdade, o objecto da acção de interdição não se contém no âmbito nem na razão de ser daquelas competências, traduzindo-se numa mera questão cível, que nenhuma vantagem teria em ser tratada num Tribunal especializado em questões de menores e da família.
8º E se é certo que o regime substantivo aplicável aos interditos/inabilitados acaba por coincidir parcialmente com o previsto para os menores, não é menos certo que em termos processuais nenhuma similitude existe entre esta acção e qualquer das acções atribuídas ao TFM.
9º Para além disso, mal se compreenderia que, pretendendo o legislador efectivamente operar uma alteração de tamanho impacto na esfera de competência dos TFM, atribuindo-lhes agora, por alguma razão oculta, as acções de interdição, não o tivesse feito de modo claro e directo, reservando uma alínea deste artigo 114 da LOTJ para a acção de interdição, optando, ao invés por uma técnica legislativa muito pouco clara, susceptível de interpretações dúbias e permitindo até que os operadores judiciários durante anos não se dessem conta de tal alteração.
Não houve resposta.

II – FACTOS PROVADOS.
O indicado no RELATÓRIO supra.

III – QUESTÕES JURÍDICAS ESSENCIAIS.
São as seguintes as questões jurídicas que importa dilucidar :
Da competência material para a preparação e julgamento das acções de interdição por anomalia psíquica. Conceito de “ acções relativas ao estado civil das pessoas e família “ constante da alínea h), do artigo 114º, da Lei nº 52/2008, de 28 de Agosto ( Nova Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais ).
Passemos à sua análise :
Entendeu o juiz a quo :
“ Com a revisão da Lei da Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto) são definidos três conjuntos de matérias exclusivas da competência material dos Juízos de Família e Menores: a) a competência relativa ao estado civil das pessoas e família (art. 114.º); b) a competência relativa a menores e filhos maiores (art. 115.º) e, por último, c) a competência em matéria tutelar educativa e de protecção (art. 116.º).
Desta sorte, no âmbito da competência relativa ao estado civil das pessoas e família, a LOTJ – redacção dada pela Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto – introduziu duas novas matérias: primeiro, a competência para preparar e julgar processos de jurisdição voluntária relativos a uniões de facto ou de economia comum; segundo, e que interessa ao caso sub judicio, a competência para preparar e julgar outras acções relativas ao estado civil das pessoas e da família.
Aqui chegados, por definição, as acções sobre o estado das pessoas pressupõem um facto registado, que tem subjacente uma declaração de vontade capaz de ter eficácia modificativa, extintiva ou constitutiva de estado civil – Neves Ribeiro, O Estado nos Tribunais, 2.ª Edição, 1994, pág. 205 – ou seja, são acções sobre interesses imateriais que não visam realizar um interesse patrimonial.
In casu, é obrigatório o registo civil da interdição ou inabilitação, que é feito por averbamento ao assento de nascimento – art. 1.º, alínea h) e 69.º, n.º 1, alínea g) do Código de Registo Civil.
Na realidade, o estado civil consiste numa situação integrada pelo conjunto das qualidades definidoras do estado pessoal que constam obrigatoriamente de registo civil, sendo o estado pessoal a situação jurídica da pessoa, especialmente no que toca, entre outras, à idade (menoridade, maioridade, emancipação), relações familiares (casado, solteiro, divorciado, viúvo), relações com o Estado (nacional, estrangeiro, naturalizado, etc.), à situação jurídica (interdito, inabilitado, etc.) – Dicionário Jurídico, Ana Prata, pág. 509 e 510.
Por outro lado, o conjunto mais significativo destas acções declarativas encontra-se integrado no Código de Processo Civil (na parte relativa às acções que têm por objecto o estabelecimento da filiação e as relações conjugais e parentais) e na Organização Tutelar de Menores (na parte relativa às providências tutelares cíveis que têm por objecto as responsabilidades parentais).
Contudo, a competência para estas acções já se encontra taxativamente atribuída aos juízos de família e menores pelo que, em nosso entender, as acções relativas ao estado civil das pessoas que não se encontram enunciadas nessa enumeração são, designadamente, as acções de interdição e inabilitação (art. 138.º e 156.º do Código Civil e 944.º a 958.º do Código de Processo Civil) e as acções de justificação de ausência (art. 1103.º do Código de Processo Civil) – neste sentido, António Fialho, Juiz de Direito, Novos Caminhos e Desafios na Jurisdição da Família e Menores, in Revista Julgar.
Na realidade, se não tivesse sido intenção do legislador – art. 9.º do Código Civil – atribuir aos Juízos de Família e Menores competência para preparar e julgar estas acções a disposição normativa em causa seria desprovida de conteúdo útil.
Igualmente neste sentido, Emídio Santos, Juiz Desembargador do Tribunal da Relação de Coimbra, na sua obra, Das Interdições e Inabilitações, Quid Júris, 2011, pág. 35 e 36, onde se pode ler: Em sede de competência em razão da matéria há que distinguir entre: a) As acções propostas nas comarcas do Alentejo Litoral, Baixo-Vouga e Grande Lisboa Noroeste Lisboa, onde é aplicável a Lei da Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto) e b) As acções propostas na parte restante do território, cuja organização se rege pela Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro e pelo Decreto-Lei n.º 186-A/99, de 31 de Maio de 1999.
Nas comarcas da alínea a), as acções de interdição e de inabilitação, quer as propostas contra maiores quer as propostas contra menores dentro do ano anterior à maioridade, mas para produzirem os seus efeitos a partir do dia em que o menor se torne maior são da competência dos juízos de família e menores (art. 114.º, alínea h) da Lei n.º 52/2008) ou, onde não haja juízos de família e menores, da competência dos juízos de grande instância cível (art. 128.º, n.º 2 da Lei n.º 52/2008). Na parte restante do território são competentes para as acções de interdição e inabilitação: competência especializada cível nas áreas onde eles existam (art. 94.º, da Lei n.º 3/99); 2. As varas cíveis nas áreas onde as hajam (art. 97.º, n.º 1, alínea a) da Lei n.º 3/99); 3. O tribunal de competência genérica, onde não haja juízos de competência especializada cível ou varas cíveis (art. 77.º, n.º 1, alínea a) da Lei n.º 3/99).
Por sua vez, como se pode ler no Assento n.º 1/92, em sede de relatório, D.R. n.º 134, de 11.06.1992, pág. 2794 (…) as acções sobre o estado das pessoas são aquelas cuja procedência se projecta sobre o estado civil de alguém – divórcio, separação de pessoas e bens, investigação da paternidade, impugnação de legitimidade, interdição, impugnação de impedimentos para o casamento, autorização para o casamento, aquisição ou perda de nacionalidade, ratificação do casamento in articulo mortis, rectificação de registos de actos relativos ao estado civil da pessoa, declaração de objector de consciência, etc. O estado das pessoas restringe-se ao complexo jurídico determinado por qualidades ou atributos inerentes à pessoa (…).
Por último, a incompetência absoluta do tribunal, por infracção das regras da competência em razão da matéria, constitui uma excepção dilatória – art. 101.º a 107.º, 493.º e 494.º, n.º 1, alínea a) – e importa a absolvição da instância – art. 105.º, 288.º, n.º 1, alínea a) e 493.º, n.º 2, todos do C.P.C. – ou, como in casu, o indeferimento em despacho liminar. “.
Apreciando :
Não sufragamos o entendimento constante da decisão recorrida.
Quando no artigo 114º, alínea h) da Lei nº 52/2008, de 28 de Agosto ( Nova Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais ) o legislador fixou a competência exclusiva do Tribunal de Família e Menores para preparar e julgar as “ outras acções relativas ao estado civil das pessoas e família “ não o fez em termos de permitir ao intérprete concluir que devam considerar-se abrangidas pela previsão normativa as acções especiais de interdição ou inabilitação, previstas nos artsº 138º a 156º do Código Civil e 944º a 958º do Código de Processo Civil.
Com o efeito,
A específica temática que envolve este tipo de acções não se reconduz ao conceito - ínsito no preceito legal - de “ estado civil das pessoas e família “.
Se é certo que o Código de Registo Civil, no seu artigo 1º, alínea h) considera obrigatoriamente sujeitas a registo “ a interdição e inabilitação definitivas, a tutela dos menores ou interditos, a administração de bens de menores e a curadoria dos inabilitados “, o mesmo diploma legal é claro, no seu artigo 220º-A, ao estabelecer uma distinção entre a matéria atinente ao “ ao estado civil “ daquela que diz respeito à “ capacidade dos cidadãos “.
Constituem, do ponto de vista do legislador, realidades absolutamente distintas que não se confundem.
A título exemplificativo, veja-se o artigo 25º do Código Civil que, a propósito das normas de conflito e ao âmbito da lei pessoal, diferencia entre “ o estado dos indivíduos “, “ a capacidade das pessoas “, “ as relações de família “ e as “ sucessões por morte “.
Em concreto,
O significado do conceito “ estado civil “ reporta-se, de forma mais restritiva e comum, às qualidades e prerrogativas, susceptíveis de implicar e condicionar determinadas situações jurídicas, conexas com a situação da pessoa em relação ao matrimónio ou à sociedade conjugal[1].
Estando essencialmente em causa a especialização da competência jurisdicional, o conceito de acções relativas ao estado civil deverá entender-se em estreita coerência com a opção legislativa de circunscrever tematicamente a natureza das acções a incluir no preceito, conforme decorre inclusive da sintomática expressão “… outras acções relativas…”.
Ora,
O instituto da interdição encontra-se, por sua própria natureza, completamente fora do âmbito das relações jurídicas familiares, as quais têm por base o casamento, o parentesco, a afinidade e a adopção ( artº 1576º do Código Civil ), enquadrando-se, diferentemente, no plano estritamente pessoal da incapacidade negocial ( de gozo e de exercício ) e do respectivo suprimento, visando-se, em termos assistenciais, a protecção do próprio visado, no plano da sua inserção enquanto indivíduo no seio da comunidade jurídica e em função das suas irreversíveis debilidades e vulnerabilidades.
O desfecho da acção de interdição ou inabilitação não produz qualquer efeito sobre o estado civil do interditando ou inabilitando, mas apenas e só sobre a capacidade de exercício dos seus direitos.
Pelo que
A competência dos tribunais comuns para este tipo de acções resulta directamente do disposto nos artsº 140º e 156º do Código Civil.
Assim sendo,
A eventual integração das acções especiais de interdição e inabilitação no âmbito da norma que atribui competência exclusiva aos Tribunais de Família e Menores teria que resultar da referência expressa a este tipo de acções – sobejamente conhecidas do legislador o qual, se fosse essa a sua intenção, não as teria certamente descurado, englobando-as expressamente em algumas das alíneas do supra citado preceito.
Concorda-se, por conseguinte, com o digno apelante quando o mesmo salienta que “ a interdição ou inabilitação não fazem parte do chamado estado civil, ou mesmo do estado pessoal do indivíduo – pois que nada tem a ver com a sua posição/status face ao Estado ou à família - constituindo apenas e só situações de facto, eventualmente transitórias, que tal como o estado civil, condicionam a sua capacidade, mas que com aquele não se confundem “, sendo certo que “ o próprio código de registo civil deixa absolutamente claro que nem tudo o que consta do registo civil respeita a estado civil, prevendo claramente que, além daqueles, são também objecto de registo os factos atinentes à capacidade do indivíduo – cfr. artº 220-A nº 1 do CRC. “.
Acompanhamos, ainda, a afirmação proferida no sentido de que “ … o espírito de especialização por ramos do direito, que presidiu à organização judiciária traçada pela LOTJ, reservando claramente para os TFM as acções que tivessem concretamente a ver com as relações familiares e com os menores ( … ) o objecto da acção de interdição não se contém no âmbito nem na razão de ser daquelas competências, traduzindo-se numa mera questão cível, que nenhuma vantagem teria em ser tratada num Tribunal especializado em questões de menores e da família. “.
Tem sido, de resto, este o entendimento uniforme da jurisprudência que já se debruçou sobre a questão ( vide acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 29 de Maio de 2012, proferido na apelação nº 1188/12.3T2SNT.L1 ( relatora Maria do Rosário Morgado ) ; proferido em 29 de Maio de 2012 na apelação nº 21427/11.7T2SNT.L1 ( relatora Maria João Areias ) ; proferido em 29 de Maio de 2012 na apelação nº 2961/11.1T2SNT.L1 ( relator Luís Lameiras ) ; na decisão singular proferida em 28 de Maio de 2012, na apelação nº 16521/10.4T2SNT.L1 ( Aguiar Pereira ) ).
A apelação procede.

IV - DECISÃO :
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente a apelação, revogando-se a decisão recorrida que deverá ser substituída por outra através da qual se dê seguimento ao presente processo de interdição por anomalia psíquica.
Sem custas.

Lisboa, 12 de Junho de 2012.

Luís Espírito Santo
Gouveia Barros
Conceição Saavedra
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[1] Conforme refere Menezes Cordeiro in “ Tratado de Direito Civil Português “, I, Parte Geral, Tomo III, pag. 353 : “ Os estados das pessoas podem subdividir-se em estados relacionados com a nacionalidade ou cidadania, com a família, com a posição sucessória, com o sexo, com a idade, com deficiências ou com uma situação patrimonial. ( … ) Os diversos estados são tratados pelas disciplinas privadas de acordo com critérios legislativos e históricos-culturais. A matéria da nacionalidade era, tradicionalmente, vista na parte geral, o mesmo sucedendo com o sexo, a idade e as deficiências ; a nacionalidade passaria, porém, para o Direito internacional privado. A família e a posição sucessória correspondem às respectivas disciplinas civis : Direito da família e Direito das sucessões. A falência compete ao Direito comercial. “.

http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/21fdb06aa302117980257a45003abde8?OpenDocument&Highlight=0,responsabilidades,parentais

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