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segunda-feira, 9 de julho de 2012

ACIDENTE DE VIAÇÃO DANOS PATRIMONIAIS DANOS NÃO PATRIMONIAIS - Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães - 19/06/2012




Acórdãos TRG
Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
430/09.2TBBCL.G1
Relator: FERNANDO FERNANDES FREITAS
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANOS PATRIMONIAIS
SALÁRIO
RENDIMENTO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS

Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 19-06-2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1

Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL

Sumário: I.- A alteração ao artº. 64º., do Dec.-Lei nº. 291/2007, de 2 de Agosto (Lei de Seguro Obrigatório de Circulação Automóvel) introduzida pelo Dec.- Lei nº. 153/2008, de 6 de Agosto, só é de considerar para os acidentes ocorridos após a data da entrada em vigor deste último diploma legal, nos termos do disposto no artº. 12º., do Cód. Civil.
II.- Sem embargo, e pretendendo-se que os rendimentos declarados para efeitos fiscais sejam o elemento mais relevante na fixação do valor dos rendimentos auferidos pelos lesados, não fica excluído o recurso a outros elementos de prova para o efeito, porque, de contrário, estar-se-ia a atribuir força probatória plena a um documento – declaração de IRS – que a não tem.
III.- O nº. 3 do artº. 566º., do Cód. Civil ao impor o recurso à equidade na fixação do montante da indemnização permite ao julgador que faça a justiça do caso concreto.
IV.- Os danos não patrimoniais, porque atingem bens imateriais não são susceptíveis de uma avaliação pecuniária, pelo que a indemnização há-de ser fixada numa quantia em dinheiro que permita ao lesado, de alguma forma, compensar mentalmente as dores e os desgostos sofridos, seja pela aquisição de bens materiais, seja pela realização de algo que lhe traga satisfação.
V.- O cálculo da indemnização quanto a estes danos obedece a um juízo equitativo que deve ter em atenção o grau de culpa do lesante e a situação económica dele e a do lesado, nos termos do disposto no artº. 494º., ex vi do nº. 3 do artº. 496º., do Cód. Civil, sem se prescindir, igualmente, do que são os padrões de indemnização que são adoptados pela jurisprudência, tudo reportado à data em que a indemnização se considere fixada.


Decisão Texto Integral: - ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES –
*
A) RELATÓRIO
I.- O A. J… intentou acção declarativa de condenação contra a “… Companhia de Seguros, S.A.” (na qual se integrou a “…Seguros, S.A.”, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 59.180, acrescida dos juros de mora à taxa legal desde a data da citação, liquidando pela importância peticionada a indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimónios que lhe advieram do acidente de viação ocorrido em 25/04/2007, no qual interveio assim como o veículo segurado na Ré, de matrícula RN… imputando à condutora deste veículo a culpa exclusiva do sinistro.
A Ré contestou e os autos prosseguiram os seus termos até ao julgamento, vindo a ser proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, condenou a Ré a pagar ao Autor a importância de € 31.973,69, acrescida de juros de mora, a contar da data da citação sobre a parte correspondente à indemnização pelos danos patrimoniais - € 21.973,69 – e a contar da data da sentença sobre os € 10.000 que são a indemnização pelos danos não patrimoniais.
Mais condenou a Ré a pagar ao “Instituto de Segurança Social …, I.P.”, a importância de € 6.776,31, acrescida de juros de mora a contar da data da citação.
Inconformada com o, assim, decidido, traz a Ré o presente recurso, pretendendo a alteração daquela sentença no que se refere à indemnização pelos danos futuros, resultantes da I.P.P. de ficou afectado o Autor, e à indemnização pelos danos não patrimoniais.
Contra-alegou o Autor propugnando para que se mantenha a douta decisão recorrida.
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre decidir.
***
II.- Fundamenta a Apelante o seu recurso formulando as seguintes conclusões:
1.ª - A decisão de primeira instância, quanto à matéria de facto, padece de incorrecções de julgamento e insuficiência, atentos os meios probatórios constantes do processo, que impunham decisão diversa da recorrida.
2.ª - De igual modo e no mesmo sentido, a sentença enferma de erro de julgamento e interpreta defeituosamente a factualidade apurada, aplicando erradamente a Lei e as orientações jurisprudenciais.
3.ª - Os pontos da matéria de facto constantes da Base Instrutória, que foram incorrectamente julgados, foram:
Quesito 34) Provado apenas que à data do acidente o A. trabalhava para "C…, Lda." onde desempenhava as funções de encarregado geral da construção civil, contra uma retribuição mensal de 1.250,00 Euros, em regime de contrato de trabalho subordinado.
4.ª - Da fundamentação da resposta à matéria de facto, retira-se os exactos termos proferidos pelo tribunal "a quo" que demonstram em que medida se baseou nas provas à disposição da sua livre apreciação.
5.ª - Relativamente ao quesito 34 à existência de um contrato de trabalho, ao abrigo do qual o Autor alegadamente aufere € 1.250,00 a única prova documental a atender é a declaração de IRS.
6.ª - Vejamos, na referida declaração de rendimentos, relativa ao ano de 2006, o montante bruto de rendimento declarado pelo Autor é de € 12.169,39, pelo que de acordo com estes rendimentos, jamais o Autor poderia auferir rendimentos que totalizarão € 1.250,00.
7.ª - Ora, recorrendo a tal declaração para provar que de facto auferia os € 1.250,00, sobre o Autor recaía um dever de provar (ónus da prova), ónus este que recai sobre quem quer que se arrogue um direito - artigo 342.º, n.º 1 do C.C., não podendo, desta forma, o tribunal recorrido ter dado como provado que o Autor auferia o montante salarial mensal de € 1250,00.
8.ª - A este propósito, veja-se o recente aditamento ao art.º 64.º do Dec. Lei 291/2007 que no seu n.º 7 estipula que: "Para efeitos de apuramento do rendimento mensal do lesado no âmbito da determinação do montante da indemnização por danos patrimoniais a atribuir ao lesado, o tribunal deve basear-se nos rendimentos líquidos auferidos à data do acidente que se encontrem fiscalmente comprovados, uma vez cumpridas as obrigações declarativas relativas àquele período, constantes de legislação fiscal."
9.ª - Ora, tal perspectiva da prova carreada para os autos, que além de demonstrar que os factos essenciais relativos quer ao montante salarial (Quesito 34)), não se oferecem da forma que o tribunal "a quo" os considerou, implicam uma alteração da resposta à matéria de facto, quanto aos quesitos indicados.
10.ª - É evidente que, ao proceder desta forma, o tribunal recorrido incorreu em evidente erro de avaliação da prova que, atentos os elementos disponíveis nos autos, V. Exas. certamente suprirão - cfr. artigo 712. º do Código de Processo Civil.
11.ª - Por todo o exposto, as consequências destes factos têm de ser reconhecidas e a matéria de facto tem de ser alterada a bem da correcta descrição dos factos.
12.ª - Deste modo, o tribunal recorrido deveria ter procedido à resposta à matéria de facto em apreço, da seguinte forma:
Quesito 34) Provado apenas que à data do acidente o A. Trabalhava para "C…, Lda." onde desempenhava as funções de encarregado geral da construção civil, contra uma retribuição mensal de 869,24 Euros, em regime de contrato de trabalho subordinado.
13.ª - No entender da ora Ré, e tendo em conta a alteração da resposta à matéria de facto, sempre se dirá que a título de lucros cessantes a douta sentença deverá ser alterada de acordo com o que supra se indicou.
14.ª - Tal alteração deverá acarretar uma diminuição do montante atribuído ao Autor a título de indemnização por lucros cessantes, uma vez que, desde logo, não se encontra provado que o Autor auferia um vencimento de € 1.250,00.
15.ª - Quanto à indemnização por perda de capacidade de ganho, sempre se dirá que nos presentes autos, e atenta esta matéria de facto provada, verifica-se que da IPP de que o recorrido ficou a padecer, não se vislumbra nem se verifica uma perda efectiva de rendimento. E não se diga que tal facto não releva, indicando para tal, jurisprudência, pois se é certo que o julgador não está obrigado a seguir rigidamente fórmulas e valores pré-definidos, o aspecto que supra se indicou, vai, na sua essência mais longe nas implicações que daí resulta.
16.ª - Mais ainda, encontra-se apenas provado, e o tribunal "a quo" assim o reconhece, que a IPP de 3% não se reflecte numa Incapacidade efectiva, ou seja, uma perda de rendimento efectiva para o trabalho.
17.ª - Assim sendo, o tribunal é levado à realização de um juízo de prognose, realizando uma valoração da perda da capacidade aquisitiva do autor baseado em múltiplos elementos, tais como a evolução da economia, a evolução da vida pessoal do lesado e o desempenho profissional futuro daquele. Ao não dispor destes elementos deve orientar-se de acordo com as regras da experiência comum e, na ausência de elementos precisos e exactos de medida, de acordo com critérios de equidade, nas fronteiras dos art.s 564º, nº 2, 566º, n.º 3, 496.º, n.º 3 e 494°, como vem sendo entendimento unânime da jurisprudência, pressupondo que ao devedor não se imponha um esforço indemnizatório desajustado.
18.ª - No caso sub judice a IPP do autor não é de molde a dificultar-lhe o seu acesso ou mobilidade no emprego e mesmo o constrangimento sobre a sua capacidade física não envolve desconforto de monta sobre o exercício das tarefas inerentes a uma actividade profissional diária. Mesmo que o fosse, deveria ter-se em conta um limite de idade activa de 65 anos, o salário mensal de € 689,24 e a sua idade, pelo que não se justifica assim - à luz dos critérios que vimos adoptando e têm sido sufragados pelo ST J - que a indemnização seja fixada em montante superior a € 4.000,00, reportado à data da citação como foi decidido.
19.ª - Somos de qualquer forma a reiterar que a incapacidade permanente parcial é, de "per se", um dano patrimonial futuro indemnizável, independentemente da prova de um prejuízo pecuniário concreto dela resultante, dada a inferioridade em que o lesado se encontra na sua condição física, quanto a resistência e capacidade de esforços, trata-se de uma mera incapacidade funcional - "handicap" -, a repercussão negativa centra-se apenas na diminuição da condição física, resistência e capacidade por parte do lesado, o que se traduz numa deficiente e imperfeita capacidade de utilização do corpo e no desenvolvimento das actividades pessoais, em geral.
20.ª - Efectivamente, entendemos que este dano, tendo em conta que o mesmo não se traduz num prejuízo pecuniário concreto, dela resultante, é na mesma indemnizável dada a inferioridade em que o lesado se encontra na sua condição física, quanto a resistência e capacidade de esforços - cfr. acórdãos do ST J de 5/2/87, BMJ 364, pág. 819, de 17/5/94, CJ/ST J, Tomo 11, pág. 101, e de 24/2/99, BMJ 484, pág. 359.
21.ª - No cálculo indemnizatório a efectuar haverá que considerar que o recebimento imediato da totalidade do capital indemnizatório poderá, se não sofrer qualquer correcção, propiciar um enriquecimento injustificado à custa do lesante.
22ª - Por todo o exposto somos a reiterar, não obstante as doutas considerações do aresto recorrido, que, em termos de equidade, é ajustada a importância de € 4.000,00, a título de indemnização pela IPP sofrida pelo Autor.
23.ª - Para o caso de se entender que a remuneração mensal será não a de € 689,24 mas sim a de € 1.250,00 então entendemos que o valor justo e equitativo, atendendo ao supra referido, deverá ser fixado em montante não superior a € 8.000,00.
24.ª - A indemnização de € 10.000,00 atribuída ao recorrido a título de danos não patrimoniais é manifestamente excessiva.
25. ª - Não se discute que os danos provados ostentam aquela gravidade que reclama a tutela do direito.
26. ª - A ausência de critérios exactos, que permitam identificar o valor do dano a reparar, conduz à emergência de tópicos auxiliares na tarefa de concretização da indemnização.
27.ª - Esses tópicos radicam na experiência da jurisprudência e nas regras da experiência comum.
28.ª - No que concerne a estes pontos, prova-se:
- A idade de 45 anos do Autor à data do acidente;
- Que o Autor sofreu dores que atingiram grau 3, numa escala de 1 a 7;
- Quanto ao prejuízo geral na saúde e longevidade, apenas se provou que o autor é portador de uma IPP de 3%;
29.ª - Por tudo o exposto e em termos de equidade, que consideramos justa a importância de € 3.000,00 a atribuir à recorrida.
30.ª - Ao decidir nos termos da douta Sentença em recurso, o Tribunal a quo violou o disposto no art. 483.º e 562.º do Código Civil e arts. 659.º n.º 3 e 660.º n.º 2 do C. P. Civil, dos quais fez uma incorrecta interpretação e aplicação, sendo manifesto o erro na apreciação da prova, tudo a determinar os termos do art. 712.º n.º 1, a) e b), n.º 2,3,4 e 5 do CPC.
***
III.- O Autor, por sua vez, conclui assim:
I. O Tribunal a quo fez uma correcta apreciação e valoração da prova produzida, não se registando a apontada contradição com o disposto na douta sentença e de igual modo procedeu a uma correcta subsunção dos factos ao direito, sendo os valores apurados para indemnizar o recorrido dos danos sofridos adequados e consentâneos com o decidido pelos nossos Tribunais em casos semelhantes.
II. O Tribunal a quo apreciou devidamente a matéria de facto ao dar como provado o salário do recorrido como sendo de €1.250, uma vez que para tanto se baseou em todos os documentos juntos pelo recorrido em audiência de julgamento, nomeadamente os extractos da sua conta bancária (documentos particulares livremente apreciados pelo Tribunal), em conjunto com a demais prova produzida.
III. Por outro lado, o disposto no art° 64° do diploma legal invocado pela recorrente (Decreto Lei 291/2007), apenas se aplica aos factos (acidentes) ocorridos após a sua entrada em vigor, na medida em que neste diploma se estabelecem novas regras probatórias para o cálculo da indemnização, como tem sido entendimento dos nossos Tribunais.
IV. Mantendo-se intocado este ponto da matéria de facto (salário), inelutavelmente se mantém intocada a indemnização por lucros cessantes, porquanto se trata de uma mera operação de aritmética que tem por base o salário auferido.
V. Quanto ao dano patrimonial da perda da capacidade ganho, basta atentar nos factos que o Tribunal a quo deu como provados para se concluir que o valor apurado pelo Mº Juiz de 1ª instância com recurso à equidade se revela justo e adequado aos danos e sequelas sofridos pelo recorrido, pautando-se pelos critérios adoptados em casos semelhantes pelos Tribunais superiores.
VI. Dos factos provados facilmente se conclui que o recorrido, com 40 anos à data do acidente, único sustento do seu agregado composto por quatro pessoas, ver-se-á obrigado a trabalhar mais de 30 anos com limitações que afectam directamente a sua capacidade de ganho e o obrigam a realizar esforços suplementares, numa actividade de grande exigência a nível físico.
VII. Por fim, também a indemnização, por danos não patrimoniais se afigura ajustada, considerando a culpa do recorrido (nenhuma), a sua situação económica (único sustento do seu agregado), a situação económica da recorrente (boa), e as demais circunstâncias do caso (além da dor sofrida no acidente e no ano de recuperação que se seguiu, o recorrido irá passar o resto da vida, seja a trabalhar, seja a descansar, com dores permanentes).
VIII. Conclui-se, assim, que o Tribunal a quo decidiu conforme o direito, não violando qualquer das normas referidas pela recorrente.
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Como resulta do disposto nos artº.s 684º., nº. 3; 685º.-A, nº.s 1 e 3, e 685º.-C, nº. 2, alínea b), todos do C.P.Civil, as conclusões definem e delimitam o objecto do recurso, sem prejuízo da apreciação das questões de que o Tribunal deva conhecer ex officio.
De acordo com as conclusões, as questões a apreciar respeitam:
- ao montante do salário a considerar no cálculo da indemnização relativa à incapacidade para o trabalho em geral de que ficou a padecer o Autor;
- ao cálculo do montante desta indemnização;
- à indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pelo Autor.
***
B) FUNDAMENTAÇÃO
IV.- A Apelante impugna a decisão da matéria de facto, na resposta que o Tribunal a quo deu ao artigo 34º. da base instrutória.
Nos termos do disposto no artº. 712º., do C.P.Civil ao Tribunal da Relação é permitido alterar a decisão do Tribunal da 1ª. instância sobre a matéria de facto:
a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 685º.-B, a decisão com base neles proferida;
b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas;
c) Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou.
Não ocorreu nenhuma das situações referidas nestas duas últimas alíneas pelo que a pretendida alteração de julgamento daquele facto só poderá ocorrer se todos os elementos de prova que serviram de base à decisão estiverem disponíveis no processo.
Como se vê da fundamentação da decisão de facto, na parte constante de fls. 301, o Meritíssimo Juiz a quo suportou a resposta ao artigo 34º. da B.I. nos “documentos juntos pelo A. em sede da audiência de discussão e julgamento”.
Compulsados os autos os documentos a que se faz alusão serão as declarações de IRS constantes de fls. 277 a 279, relativas aos rendimentos auferidos no ano de 2007, e de fls. 280 a 282, relativas aos rendimentos auferidos no ano de 2008, e ainda as cópias dos extractos bancários de fls. 283 a 287, dos quais consta a transferência, efectuada pela Entidade Patronal do Autor, dos rendimentos líquidos auferidos por este.
O montante transferido mensalmente excede, invariavelmente, em pouco os € 1.250,00, daqui se extraindo terem sido estes últimos documentos os que foram determinantes para a formação da convicção do Tribunal a quo.
E está correcta esta decisão porquanto, em primeiro lugar, as declarações de IRS, referindo-se aos rendimentos auferidos no ano em que se verificou o sinistro (25/04/2007) e no ano seguinte, necessariamente reflectem a perda decorrente da doença sofrida em consequência dele, pelo que se não pode sobrepor a informação neles contida àquela que consta dos elementos bancários, que ilustram os ganhos mensais do Autor em cinco dos seis meses antecedentes ao sinistro.
. Em segundo lugar, quando o acidente em mérito ocorreu ainda não estava em vigor o Dec.-Lei nº. 153/2008, de 6 de Agosto, que aditou o nº. 7 ao artº. 64º., do Dec.-Lei nº. 291/2007, de 21 de Agosto - Lei de Seguro Obrigatório de Circulação Automóvel.
Assim, de acordo com o disposto no artº. 12º. do Código Civil, nunca a disposição legal introduzida poderia aplicar-se à situação sub judicio.
Sem embargo, e como se vê do preâmbulo daquele Dec.-Lei 153/2008, o que se pretendeu foi que “os rendimentos declarados para efeitos fiscais sejam o elemento mais relevante” na fixação do valor dos rendimentos auferidos pelos lesados, o que não pode significar que tenha sido atribuída a exclusividade às declarações dos rendimentos para efeitos fiscais como meio de prova dos rendimentos, efectivamente, auferidos pelos lesados – o que seria atribuir àquelas declarações um valor de prova plena, que o não têm.
Considerado quanto vem de expor-se decide-se manter a resposta dada ao impugnado artigo da base instrutória, com o que improcedem as conclusões 1ª. a 14ª..
***
V.- Decidindo-se, como se decidiu, mantém-se a facticidade julgada provada pelo Tribunal a quo, relevando, para o conhecimento do presente recurso, os factos transcritos sob as alíneas:
A - Em 25/04/2007, pelas 12,10 horas, na Estrada Nacional 105, ao Km 27,5, em Manhente, Barcelos, em frente ao supermercado Miranda, ocorreu um acidente no qual foram intervenientes o veículo automóvel ligeiro de passageiros com a matrícula RN…, propriedade de F… e conduzido por M…, e o A. J…;
D - A condutora do RN conduzia-o de uma forma desatenta e descuidada, sem atenção ao intenso trânsito de veículos e de peões que naquele local se regista diariamente;
E - Sem guardar uma distância de segurança mínima relativamente à berma;
F - E fazia-o sobre a linha da berma do lado direito, atendo o seu sentido de marcha;
G - Em tais circunstâncias de tempo e lugar o A tinha acabado de estacionar o seu veículo automóvel em frente ao supermercado "Miranda", onde ia fazer compras com a sua família, numa baía de estacionamento que o mesmo possui no seu exterior, onde se encontravam três veículos estacionados em espinha;
H - Após ter fechado a porta do seu veículo e quando se afastava do mesmo, dento da berma, o A. foi subitamente em batido pelo RN;
I - Tendo sido projectado contra um outro veículo que ali se encontrava estacionado, a escassos metros do local do embate;
N - Em consequência do acidente o A sofreu traumatismo no ombro esquerdo e anca esquerda;
O - Foi transportado para o Serviço de Urgência do Hospital de Barcelos, onde recebeu tratamento, ficando, a partir desse dia, com o braço esquerdo imobilizado por suspensão ao pescoço e durante um período de 96 dias;
P - O A teve consultas, no Centro de Saúde, nos dias 26/04/2007, 21/06/2007, 23/07/2007, 20/08/2007, 20/09/2007, 19/10/2007, 23/10/2007, 22/11/2007,27/12/2007, 21/01/2008 e 25/02/2008;
Q - Ficou com incapacidade temporária total para o trabalho até 21/03/2008;
R - Como consequência directa e necessária do acidente o A., que trabalha na construção civil, sofreu lesões que o afectam de forma permanente, designadamente não consegue manipular pesos com o membro superior esquerdo como antes do acidente, quando pega em pesos com a mão esquerda, ao fim de algum tempo sente a mão a abrir e dor na mão e no ombro o que o obriga a largar o peso, sente dor no ombro com mudanças de tempo, ao deitar-se sobre o lado esquerdo o ombro dói-lhe, o que o obriga de imediato a mudar de posição, não consegue levantar o braço esquerdo na sua totalidade, como sucede com o braço direito, ao fazer força de apoio com a mão numa superfície sente dor ao nível do ombro, sempre que faz esforços sente dor ao nível do ombro e quando faz pequenos trabalhos em que necessita de levantar os braços sente dor no ombro esquerdo;
S - O A., como trabalhador da construção civil, necessita de realizar esforços físicos sobretudo com os seus membros superiores;
T - O que lhe é impossível fazê-lo porque isso lhe provoca dores intensas;
U - No aludido período o A esteve impedido de trabalhar e de auferir o seu vencimento;
V - A Incapacidade Temporária Genérica (para todas as actividades de vida diária comum a todos os indivíduos) foi total durante 60 dias, tempo em que esteve no serviço de urgência do Hospital de Barcelos e em que esteve em repouso (no domicilio) com imobilização do membro superior esquerdo;
X - O quantum doloris durante o período de incapacidade temporária foi de grau 3;
Z - As sequelas registadas em consequência do acidente determinam para o A uma Incapacidade Permanente Parcial de 3%;
AA - À data do acidente o A. trabalhava para a "C…, Ldª.", onde desempenhava as funções de encarregado geral da construção civil, contra uma retribuição mensal de 1250 Euros, em regime de contrato de trabalho subordinado;
BB - O A nasceu em 29/07/1966;
CC - Era pessoa saudável, dinâmica e de grande vigor físico;
DD - O A. era o único sustento do agregado familiar composto por ele, a sua mulher e 3 filhos;
FF - O A. deixou, durante algum tempo, de liquidar pontualmente ao banco as prestações relativas ao seu crédito habitação;
GG - O A. sentiu grande nervosismo e ansiedade, com perturbação do seu descanso, da sua paz interior e da estabilidade da sua vida familiar.
***
VI.- Impugna a Apelante o montante da indemnização relativa aos danos futuros decorrentes do grau de incapacidade para o trabalho de que o Autor ficou afectado.
Também a indemnização respeitante a estes danos deverá tender para a reconstituição da situação patrimonial que existiria se o evento danoso se não tivesse verificado - cfr. artº.s . 562º.; 564º.; e 566º., do Cód. Civil
Como escreve ANTUNES VARELA, “o fim precípuo da lei nesta matéria é o de prover à directa remoção do dano real à custa do responsável, visto ser esse o meio mais eficaz de garantir o interesse capital da integridade das pessoas, dos bens ou dos direitos sobre estes” (in “Das Obrigações em Geral”, vol. I, 10ª. Edição, pág. 904).
Impondo-se fixar a indemnização em dinheiro a importância a arbitrar há-de ter em consideração a diferença entre a situação patrimonial actual do lesado e a que ele teria se não tivesse ocorrido o evento, e se se não conseguir apurar o valor exacto dos danos o tribunal deverá julgar com o recurso às regras da equidade, nos termos do nº. 3 do supra referido artº. 566º..
No que se refere concretamente aos danos futuros, relativos à perda da capacidade de ganho, como é entendimento constante e uniforme, a indemnização a atribuir ao lesado deverá tender a representar um capital que se extinga ao fim da sua vida e que lhe seja susceptível de garantir durante ela as prestações periódicas correspondentes à sua perda de ganho (Cfr., v. g. in Exmº. Cons. Sousa Dinis, in C. J., (Acórdãos do S.T.J.) ano IX, tomo I – 2001, pág. 9 e o Ac. do S.T.J. de 8/07/2003, in C.J., Acs. do S.T.J., ano XI, tomo II-2003, pág. 144/145).
Como ficou provado, o Autor ficou afectado de uma IPG (incapacidade parcial para o trabalho em geral) de 3 pontos.
Resulta dos autos que esta incapacidade permite-lhe continuar a exercer a sua profissão habitual, mas o Autor sente agora dificuldade de manipular pesos com o membro superior esquerdo, sentindo ao fim de algum tempo a mão esquerda a abrir e dor nesta mão e no ombro, o que o obriga a largar o peso, e ao fazer força de apoio com a mão numa superfície sente dor ao nível do ombro, assim como quando faz pequenos trabalhos e necessita de levantar os braços.
Daqui se conclui que o Autor passou a ter de desenvolver um maior esforço físico e até mental para superar a dor, ficando limitado no seu trabalho, pelo cansaço e sofrimento que daí decorre, designadamente nas tarefas que exigem o uso da força com os dois membros superiores, que representam a esmagadora maioria das que tem de desenvolver no normal exercício da sua actividade profissional na área da construção civil.
Em resultado daquela limitação é fácil surpreender uma diminuição da capacidade de ganho, não só porque aumentando os níveis de cansaço baixa a produção como também o número de horas de trabalho que as sequelas lhe permitem fazer.
Ora, o nº. 3 do artº. 566º., do Cód. Civil ao impor o recurso à equidade na fixação do montante da indemnização permite ao julgador que faça a justiça do caso concreto.
Assim, na situação sub judicio temos de convir que a localização das lesões e das sequelas, afectando um dos membros que é praticamente essencial ao exercício da actividade da construção civil, necessário para a execução de, praticamente, todas as tarefas em que se desdobra aquela actividade, justifica-se uma sobrevalorização (que, afinal, se constata ser muito ligeira, tendo em consideração as fórmulas matemáticas a que é usual recorrer-se, e de que se socorreu o Tribunal a quo) daquele dano (cfr. as alíneas S e T da facticidade acima transcrita).
Termos em que se mantém o quantum indemnizatório fixado, improcedendo esta parte do recurso – conclusões 15ª. a 24ª..
***
VII.- Finalmente, advoga a Apelante a fixação do montante de € 3.000 a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pelo Autor.
São ressarcíveis os danos não patrimoniais que, atenta a sua gravidade, mereçam ser tutelados, como se dispõe no artº. 496º., nº. 1, do Cód. Civil.
Estes danos, porque atingem bens imateriais não são susceptíveis de uma avaliação pecuniária, tendo vindo a entender-se que a indemnização há-de ser fixada numa quantia em dinheiro que permita ao lesado, de alguma forma, compensar mentalmente as dores e os desgostos sofridos, seja pela aquisição de bens materiais, seja pela realização de algo que lhe traga satisfação.
O cálculo da indemnização obedece a um juízo equitativo que deve ter em atenção o grau de culpa do lesante e a situação económica dele e a do lesado, nos termos do disposto no artº. 494º., ex vi do nº. 3 do artº. 496º., do Cód. Civil, sem se prescindir, igualmente, do que são os padrões de indemnização que são adoptados pela jurisprudência.
A considerar que o Autor não teve culpa nenhuma na produção do evento danoso, que só ocorreu por negligência da condutora do veículo atropelante; era uma pessoa saudável, dinâmico e de grande vigor físico (alínea CC); sentiu um grande nervosismo e ansiedade, com perturbação do seu descanso, da sua paz interior e da estabilidade da sua vida familiar (alínea GG); teve o braço esquerdo imobilizado por suspensão ao pescoço durante 96 dias (alínea O), com os incómodos que daí decorrem para a execução das mais pequenas tarefas da vida diária; ficou totalmente incapaz para o trabalho desde a data do acidente – 25/04/2007 – até 21/03/2008 (alínea Q); sente dores intensas nos braço e ombro esquerdos quando precisa de os levantar na execução de um qualquer trabalho (alíneas T e R).
Mais se considerarão os padrões de indemnização adoptados pela jurisprudência ao tempo em que foi proferida a decisão impugnada.
Tudo conjugado, também quanto a esta parte julgamos ser de manter o montante de indemnização fixado - € 10.000 – que se mostra equilibrado e adequado a ressarcir o Autor dos danos acima descritos.
Com o que improcedem as conclusões 25ª. a 29ª., acima transcritas.
***
C) DECISÃO
Nos termos expostos, acordam os Juízes desta Relação em negar provimento ao presente recurso de apelação, mantendo, consequentemente, a decisão impugnada.
Custas pela Recorrente.
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Guimarães, 19/Junho/2012
Fernando F. Freitas – relator
Purificação Carvalho – Adjunta
Eduardo José Oliveira Azevedo – Adjunto

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