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quarta-feira, 18 de abril de 2012

IMPUGNAÇÃO PAULIANA REQUISITOS - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça - 20/03/2012


Acórdãos STJ
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
29/03.7TBVPA.P2.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: MARTINS DE SOUSA
Descritores: IMPUGNAÇÃO PAULIANA
REQUISITOS
ÓNUS DA PROVA
DOAÇÃO
CRÉDITO
CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA
LIVRANÇA EM BRANCO

Data do Acordão: 20-03-2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1

Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática: DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES - IMPUGNAÇÃO PAULIANA
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - RECURSOS
DIREITO COMERCIAL - CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA
TÍTULOS DE CRÉDITO - LIVRANÇA
Doutrina: Ribeiro de Faria, Direito da Obrigações, II, p.168.
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 405.º, 610.º, 611.º, 612.º
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 653.º, N.º4, 668.º, N.º 1, ALÍNEAS B), C) E D), 712.º, N.ºS 4 E 5.
LULL: - ARTIGOS 1.º, 30.º, 32.º, 43.º, 75.º, Nº 1, 77º.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 23.09.2003, Pº03A2089;
-DE 22.01.2004, Pº03B3854;
-DE 24.10.2004;
-DE 22.06.2004, Pº04A2056;
-DE 13.12.2007, Pº07A4034,
-DE 29.11.2011, Pº7288/07.

Sumário :
I - Os pressupostos da impugnação pauliana, enquanto meio de conservação da garantia geral do cumprimento de obrigações, são os seguintes: i) a existência de um crédito; ii) a prática, pelo devedor, de um acto que não seja de natureza pessoal, que provoque, para o credor, um prejuízo (a impossibilidade de obter a satisfação integral do seu crédito ou o agravamento dessa impossibilidade); iii) a anterioridade do crédito relativamente ao acto ou, se o crédito for posterior, ter sido o acto dolosamente praticado com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor; iv) que o acto seja de natureza gratuita ou, sendo oneroso, que o devedor e o terceiro tenham agido de má fé (arts. 610.º a 612.º do CC).

II - No que concerne ao ónus da prova, em desvio ao regime geral sobre a sua distribuição, cabe ao credor a prova do montante do crédito que tem contra o devedor e da anterioridade dele em relação ao acto impugnado, e ao devedor e/ou ao terceiro adquirente a existência de bens penhoráveis de valor igual ou superior na titularidade do obrigado lato sensu (art. 611.º do CC).

III - Se autora e réu acordaram, no âmbito de um contrato de locação financeira, a emissão de uma livrança em branco, destinada a servir de garantia do pagamento das prestações, ali ajustadas, e cujo preenchimento, segundo a prática corrente bancária, caberá à entidade credora, podendo nela inscrever o valor que for devido e bem assim exigir o seu pagamento – fixando a respectiva data de vencimento –, o crédito cambiário daí decorrente constitui-se no acto de subscrição da livrança cuja correspondência temporal ao acto de constituição do contrato que lhe é subjacente se justifica pelo facto de, então, ser posta à disposição do devedor a prestação que o integra.

IV - Nestes termos, reportada a data do nascimento do crédito cambiário à data da constituição do contrato de locação financeira (03-02-2000), por aí se aferirá da sua anterioridade face à doação impugnada (20-07-2000).

Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

I.

AA (Sucursal em Portugal) intentou a presente acção contra BB, CC e DD, pedindo que se ordene a restituição do imóvel identificado no art. 2º da petição inicial ao património do 1.º R., para aí ser executado na medida do seu interesse e até onde for necessário para satisfação do seu crédito e que, nos termos do art. 8º do C. do Registo Predial, se ordene o cancelamento do registo de aquisição do imóvel mencionado a favor dos 2.º e 3.º RR, efectuado mediante a ap. 00000000, em relação à descrição n.º 00000000000.

Alegou em suma que intentou acção executiva contra o R. BB, para cobrança da dívida titulada por uma livrança, no valor de € 14 260,40, tendo nomeado à penhora o imóvel que identifica, a qual foi ordenada e efectuada por termo de 18-04-2001, o que foi registado, provisoriamente, por natureza em 18-04-2002, uma vez que a titularidade do direito de propriedade se encontra inscrita a favor dos 2.º e 3.º RR.

Acontece que não recebeu, até à data, qualquer quantia para pagamento da quantia exequenda nos autos acima referidos e que os juros de mora vencidos desde a interposição da acção executiva ascendem a € 990,06.

O imóvel penhorado foi doado pelo 1.º R. aos 2.º e 3.º RR, transmissão que foi levada a registo no dia 11-06-2002 e que não conhece outros bens ao 1.º R que sejam suficientes para pagamento da quantia exequenda.

Considera, por isso, que estão preenchidos os requisitos para que a doação referida possa ser impugnada nos termos dos arts. 610º e ss. do CPC.

Os RR. BB e DD apresentaram a contestação, onde concluíram pela improcedência do pedido, alegando que o pedido formulado pela A. não tem cabimento no normativo inerente à acção pauliana, posto que o mesmo deixa intocada a transmissão, sendo que esta ocorreu antes do registo da penhora.

Por outro lado, o R. BB tem outros bens susceptíveis de penhora e os RR. CC e DD desconheciam o crédito e a penhora invocados pela A.;

Informam ainda que a doação impugnada apenas se destinou a restituir o imóvel que os RR. CC e DD haviam doado ao R. BB.

Replica a A., reiterando a procedência do pedido por si deduzido.

Finda a fase dos articulados, foi proferida sentença a julgar a acção, parcialmente, procedente, julgando ineficaz o contrato de doação do 1º réu aos 2º e 3º réus, ordenando a sua restituição ao património do 1º réu, a qual foi objecto de recurso, apreciado pelo acórdão do Tribunal da Relação do Porto, onde se decidiu anular a decisão impugnada e ordenar-se a elaboração de despacho saneador (com a natural selecção da matéria de facto) e a ulterior tramitação dos autos.

Em cumprimento do referido acórdão, após, nomeadamente, a realização de julgamento, veio a ser proferida sentença, julgando-se, ora, improcedente a acção com a consequente absolvição dos réus.

Igualmente, objecto de recurso que veio a ser decidido, de novo, por acórdão do Tribunal da Relação do Porto, aí se anulou a decisão da matéria de facto e da sentença recorrida e se ordenou a elaboração de base instrutória nos termos aí vertidos.

Dando-se-lhe inteiro cumprimento, veio a ter lugar nova audiência de julgamento e proferiu-se nova sentença que julgou a acção parcialmente procedente, em tudo idêntica à primeira decisão.

Entretanto em apenso próprio, I...I....D...F... Finance, AG, foi julgada habilitada a intervir na lide em substituição da originária A..

Inconformados, apelaram os RR mas a Relação do Porto, por acórdão, desatendeu o recurso e confirmou a sentença da 1º instância.

Recorreram de novo os RR., ora, de revista cuja alegação concluem, formulando o seguinte:

1- O Douto Acórdão recorrido apesar do seu apreciável recorte técnico, não fez, salvo devido respeito, correcta aplicação do direito aos factos e não tomou em consideração toda a matéria relevante, bem como, por outro lado, se algumas das normas legais fossem aplicadas e interpretadas correctamente conduziriam, necessariamente, e com a devida vénia, a decisão diferente da tomada pelo Douto Tribunal a quo.

2- Como se procurará demonstrar, o Tribunal" a quo", ao decidir nos termos em que o fez, violou, directa e ou indirectamente, de entre o mais, o disposto no artigo 668 n° 1 ai. b) e c) do C.P.C., pois, o Douto Acórdão ora recorrido, que corroborou a decisão tomada em primeira instância, cuja já enfermava dos mesmos vícios, não contempla fundamentação quanto à matéria de facto que leve à decisão a que levou, bem como, atendendo à matéria de facto dada como provada, sempre se inferiria decisão diferente da adoptada no aresto em análise.

3- Consta dos autos e da Douta Sentença de que se recorre, que, efectivamente, o 1º R., BB, e a A. inicial, outorgaram, em 03-02-2000, um contrato de locação financeira, tendo aquele prestado a título de garantia um livrança. Ora, como se pode constatar da matéria de facto dada como assente, sob os pontos 9., 10. e 11., a livrança subscrita pelo 1º Réu foi a única garantia prestada e, como comprovado pela prova testemunhal, seria à data o único formalismo e requisito exigido pela instituição financeira de crédito. Assim, o prédio rústico sob o qual incidiu, ulteriormente, penhora e que, de resto, motivou a interposição da presente acção, não constava das condições particulares do dito contrato de locação financeira. Efectivamente, nada mais foi requerido, ao 1º Réu, a título de garantia para a celebração do referido contrato;

4- Na verdade, isto foi uma forma de os 2º e 3º RR auxiliarem o seu filho na prossecução de tal projecto, conferindo-lhe uma oportunidade de sucesso e trabalho para a sua vida. Daí que, uma vez este estabilizado ou cumprido o seu objectivo com aquele projecto, o prédio que os pais lhe transmitiram, seria alvo de regresso à esfera patrimonial dos 2º e 3º RR. E não outro foi o propósito de os mesmos efectuarem esta doação, pois, estes sempre actuaram no propósito de que tudo fosse cumprido, pois sempre confiaram no seu filho e, como pais, tudo fizeram para que este tivesse sucesso na sua vida profissional, que mais não foi o móbil de estes lhe terem doado, sob condição, o referido imóvel.

5- De facto, e não obstante os 2º e 3º RR. desconhecerem por completo o contrato de locação assumido pelo seu filho, aqui 1º Réu, o certo é que na data da escritura pública de doação, o 1º Réu ainda não estava em situação de qualquer incumprimento, pois que só mediaram cerca de cinco meses os dois actos e tendo sempre em consideração que a data de emissão da livrança dada pelo 1° Réu como garantia, remonta a cerca de 1 ano e 4 meses depois da referida escritura. Efectivamente, os 2º e 3º RR., permitiriam, como pais, que este cumprisse para com o acordado e contratado com as demais entidades, com vista a cumprir integralmente o assumido, pois, em momento algum, se pode inferir, que quer os 2º e 3º RR., quer o próprio 1º Réu pretendiam defraudar ou ter uma actuação fraudulenta com quem quer que fosse.

6- Assim, não se compreende como é que o Douto Tribunal a quo entende que a doação celebrada entre o 1º Réu e seus pais, 2º e 3º RR., foi celebrada no intuito de prejudicar e lesar os direitos e interesses da A., porquanto, no momento em que foi celebrado tal acto (doação) o 1º R. estava longe de entrar em qualquer situação de incumprimento, bem como, não prestou como garantia para aquele contrato de locação financeira o referido prédio, nem exibiu qualquer documento da sua titularidade que fosse, pois bem sabia que tal prédio sempre foi da propriedade dos 2º e 3º RR., tendo sido por estes transmitido temporariamente ao seu filho, para este executar o referido projecto, na sua totalidade. De facto, porque motivo ou razão atendível, a A. não procurou obter do 1º R. outro tipo de garantias, que reforçasse a sua posição, ao invés de somente lhe ter exigido a assinatura de uma livrança, não logrando apurar da sua situação patrimonial e financeira, aquando da concessão do crédito (financiamento)?

7- Assim, não pode considerar-se que os 2º e 3º RR. agiram de má fé, no sentido de ter procedido de modo a afectar, com a doação, a consistência do crédito da A., tornando impossível a sua satisfação integral ou de modo a agravar a impossibilidade dessa satisfação, pois como retro se referiu, quando aqueles efectuaram a escritura de doação, pouquíssimo tempo depois de o 1º R. ter celebrado o referido contrato, estava afastada qualquer hipótese de incumprimento contratual do 1º R., bem como os 2º e 3º não tinham conhecimento de que aquele tinha contraído aquela dívida e, ainda, estavam a proceder como tinham anteriormente definido e acordado, no sentido de devolver aos proprietários primitivos (aqui 2º e 3º RR) o prédio rústico, ora sob penhora.

8- Efectivamente, e com base nos factos declarados pelas testemunhas e atenta toda a prova carreada para os autos, impunha-se uma decisão diferente, que, de certo modo não estivesse em contradição ou em conflito com os seus fundamentos, uma vez que perante todo este conspecto fáctico é de deduzir uma outra decisão, que não no sentido da do Douto Tribunal a quo.

9- Analisando a prova no seu conjunto, é de referir que a mesma, salvo devido respeito, se encontra em contradição notória com a decisão, pois os depoimentos e a prova documental carreada para os autos, levam-nos a entender, salvo devido respeito, que o acto jurídico impugnado teria sido feito sob condição verbal, bem como, não atendeu aos motivos que levaram à doação do 1º R. aos 2º e 3º RR., pois que só mediaram poucos meses e ainda não se estava numa situação de incumprimento, e ainda, não foi valorado, com a devida vénia, o facto de a testemunha responsável pela gestão do contencioso da A. ter referido que não foi prestada como garantia o prédio sob penhora, tendo, ainda, julgado sem acerto no que concerne ao facto de ter considerado como anterior o crédito da A. por referência à data de subscrição livrança, quando na verdade, deveria ter computado o momento de nascimento do crédito da A. por referência à data de emissão da livrança, 13/11/2001, acto pela qual se reveste de plena eficácia.

10- Assim, entendemos, salvo devido respeito e melhor opinião, estamos perante, uma violação directa e ou indirecta, do art.° 668 n° 1 ai. d) do C.P.C, na medida em que o Tribunal "a quo" não se pronunciou sobre os elementos factuais alegados, quando o devia ter feito, nomeadamente os depoimentos das testemunhas que, conheciam e lidaram com a situação posta à apreciação do Tribunal, directa e diariamente, e as outras testemunhas inquiridas.

11- Da análise da prova gravada, conjugada com os demais elementos dos autos, mormente documentais, e as regras da experiência comum, resulta evidente que deveria ter sido dado como provado que o crédito da A. é anterior ao acto impugnado, pois, o acto da constituição do crédito, ou seja, a data de emissão do mesmo 13/11/2001 é em cerca de um ano, posterior à data de celebração de escritura pública de doação 20/07/2000 do prédio, do 1º R. aos 2º e 3º RR.; pese embora este acto seja, em prol da verdade, para retomar este prédio à titularidade dos pais do 1º R., de modo a fazer corresponder a real vontade e intenção destes quando doaram o prédio ao 1º R. de modo a poder garantir-lhe uma oportunidade de vida, o certo é que não estabeleceram nenhum negócio sob condição (escrita).

12- Com efeito, no Douto Acórdão prolatado pelo Tribunal a quo foi entendido que a questão aqui posta em análise, isto é, lograr apurar da verificação ou não dos requisitos de que depende a acção pauliana, atentos os factos carreados para o processo e a prova testemunhal produzida seria de proceder, porquanto considerou, este Tribunal, que o crédito da A. é anterior à escritura de doação entre 1º a 2º e 3º RR., ou seja, o acto impugnado.

13- De facto, o Douto Tribunal a quo funda a sua convicção, no que especialmente respeita ao requisito da anterioridade do crédito da A. sobre o acto impugnado, no facto de a subscrição da livrança, dada como garantia do cumprimento do contrato de locação financeira, ter sido subscrita pelo 1º R. em 03-02-2000, e que portanto seria anterior ao acto aqui impugnado, escritura de doação, porque celebrada em 20-07-2000.

14- Efectivamente, entende o Tribunal a quo que o critério a considerar em ordem a apurar se o crédito da A. é anterior ou posterior ao acto impugnado, respeita apurar do momento do nascimento da obrigação, isto é, do crédito, pois como referido "(...) o crédito titulado por uma livrança constitui-se, peio menos, no acto da subscrição.

(...) Atentando no caso dos autos, entende-se, face ao acima afirmado, que o crédito da A. nasceu no momento da subscrição da livrança em referência, ou seja, em 03-02-2000 (data em que o Réu BB assinou a mesma no lugar destinado ao subscritor, ainda que em branco no que respeita à data de emissão e data de vencimento), como tal, anterior ao acto impugnado (20-07-2000)."

15- Ora, quer isto dizer, que o douto tribunal a quo, funda a sua convicção na posição de que o direito de crédito da A., se constitui no momento da subscrição, in casu, da livrança dada como garantia para cumprimento do contrato de locação financeira. Todavia, e salvo o devido respeito, por opinião diversa, entendem os Réus, que tal posição não se afigura de todo correcta e adequada, na medida em que, se por um lado e como é referido pela mais meritória e unânime doutrina a livrança, embora subscrita, mas em branco, é válida enquanto título cambiário, mas ineficaz, por via do não preenchimento dos seus elementos essenciais, mormente valor e data de emissão; por outro lado, entendem os mesmos que ao invés do exposto no douto aresto, aqui sob análise, que importará apurar, como critério definidor do nascimento do direito de crédito, não o momento da subscrição, mas sim o momento da emissão.

16- Os Recorrentes, fundam esta sua convicção nos argumentos de que a livrança embora subscrita não é eficaz até ao seu completo preenchimento, o que se traduz de certo modo numa indeterminabilidade do direito de crédito, pois só aquando do seu preenchimento é que se consegue apurar o valor em dívida e que este titula, e marca o momento em que o devedor entra em incumprimento. De facto, não pareceria razoável, que o credor tivesse á sua disposição um título de crédito que após preenchimento imediatamente assume o carácter de título executivo, retroagindo nos seus efeitos, não à data do incumprimento, mas sim, e no que não se concede, à data da sua subscrição, de um qualquer título cambiário.

17- Na verdade, é entendimento, salvo devido respeito, dos Recorrentes, que o critério de aferir da anterioridade ou não, de um título de crédito face ao acto impugnado, deve ser, por maioria de razão, e questão de justiça, a data de emissão do título de crédito e não a data da respectiva subscrição. De facto se se atentar ao ponto treze da matéria de facto dada como provada, vemos que a data de emissão da livrança apurada reporta-se a 13-11-2001, e a data do seu vencimento a 20-11-2001, o que significa que estes actos são consideravelmente posteriores, ao acto impugnado, neste caso à data da escritura de doação ( data da escritura) do 1º Réu aos 2º e 3º Réus.

18- Assim, deve nesta óptica, considerar-se que mal andou o douto Tribunal a quo, aplicando e interpretando erroneamente as normas de direito, pois, de acordo com o retro expendido, deveria ter-se considerado como critério aferidor da anterioridade ou posterioridade do crédito da Autora, sobre o acto impugnado, não no momento da subscrição, mas sim, o momento da respectiva emissão, ou seja, a livrança foi emitida em 13-11-2001, sendo que a escritura de doação celebrada entre os Réus data de 20-07-2000; logo, e ao invés do decidido, deve considerar-se, por maioria de razão, e por tal, se mostrar consentâneo com a Lei, que o crédito da Autora é posterior ao acto impugnado, o que inelutavelmente acarretará improcedência da presente lide.

19- Há aqui uma flagrante nulidade da decisão ora Recorrida, prevista no art° 668 n° 1 ai. c) do C.P.C que não deixará de ser reconhecida pelo Tribunal " ad quem", por forma a demonstrar que o Tribunal recorrido efectuou uma errada interpretação da prova produzida, cujas consequências se traduziram numa decisão errada, injusta, a qual colide, ostensivamente, com os mais elementares princípios da livre apreciação da prova e do direito.

20- Por outro lado, a Douta Sentença e também o Douto Acórdão, não tiveram em consideração, o facto de a penhora sobre o bem aqui em causa, ter sido registada em 25 de Julho de 2002, sendo que o mesmo já tinha sido doado, pelo 1º R. aos 2º e 3º RR., seus pais, e registada tal doação em 11 de Junho de 2002. Ou seja, uma vez mais, temos aqui elementos que não foram atendidos pelo Douto Tribunal a quo, tanto mais que a própria penhora é efectuada num prédio, cuja propriedade já não pertence ao 1º R., por ser posterior à data daquele negócio translativo da propriedade. Neste sentido, deveria o Douto Tribunal a quo ter entendido que os presentes elementos eram suficientes e bastantes para que, com a penhora efectuada posteriormente à doação, a não eficácia da livrança pela falta dos elementos necessários ao seu pleno valor e, ainda, à falta de disposições particulares concretas no contrato de locação financeira assumido pelo primeiro R., levam a que tivesse que se considerar que a acção interposta pelo A. tivesse que soçobrar, pois os requisitos da acção pauliana não se encontram preenchidos, no total.

21 - Mais enferma a sentença ora recorrida, de falta de fundamentação de facto e de direito, o que consubstancia nulidade do art° 668 n° 1 ai. b) do C.P.C, na medida em que, simplesmente expressa que a A. não logrou fazer prova dos factos alegados, bem como errou ao interpretar o art.° 610° do Cód. Civil, considerando que se encontravam preenchidos todos os elementos necessários à impugnação pauliana.

Termos em que, deve, pois, ser revogada e ser proferida decisão que julgue a acção integralmente improcedente, com a absolvição dos RR. em todos os pedidos formulados.

Foi oferecida contra alegação que pugna pela confirmação do acórdão recorrido.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar.

A revista, em face das conclusões transcritas, gira em torno das seguintes questões: a impugnação da matéria de facto, nulidade do acórdão recorrido e a anterioridade do crédito face ao acto impugnado.

II.

A - Antes, porém, deixam-se consignados os factos que as instâncias deram por apurados:

1. A A., em Janeiro de 2002, interpôs, contra o R. BB, acção executiva para pagamento de quantia certa no valor de € 14 260,40, com processo ordinário, fundada em livrança com a data de vencimento de 20-11-2001, que corre termos na 1ª Secção do 1.º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa;

2. Devolvido à exequente o direito de nomeação de bens à penhora, veio esta, por requerimento, pedir a penhora do prédio rústico - “M............”, “P......”, “C......”, “M....”e “Instalações Agrícolas”, descrito na Conservatória do Registo Predial de Ribeira de Pena sob o n.º 0000000000;

3. A penhora requerida foi ordenada por termo em 18 de Abril de 2002;

4. Tal penhora foi registada em 25 de Julho de 2002;

5. O registo de tal penhora foi lavrado provisoriamente por natureza, nos termos do disposto no art. 92º, n.º2, al. a), do Cód. Registo Predial, uma vez que os titulares inscritos são os RR. CC e DD;

6. A doação do imóvel penhorado no âmbito da execução que corre termos na 1º Secção do 1.º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, do R. BB para os RR. CC e DD, foi registada em 11-06-2002;

7. Não são conhecidos outros bens ao R. BB suficientes para pagamento da quantia em dívida;

8. Aquando da interposição da presente acção, ainda não haviam decorrido cinco anos desde a doação;

9. A A. inicial,AA (Sucursal de Portugal), SA., na qualidade de locadora, e R. BB na qualidade de locatário, outorgaram o documento escrito cuja cópia consta de fls. 485 a 487, intitulado de “Contrato de Locação Financeira”, com o n.º 00000000, datado de 03-02-2000, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

10. Consta das condições particulares de tal documento, no item “6 – Garantias”, que, como garantia para o cumprimento das obrigações do contrato titulado pelo mesmo documento, foi aceite uma livrança;

11. Em cumprimento do referido item 6, o R. BB, na altura em que outorgou o documento escrito cuja cópia consta de fls. 485 a 487, entregou à A. inicial,AA (Sucursal de Portugal), SA, uma livrança, por si assinada no lugar destinado à assinatura do respectivo subscritor;

12. A livrança referida em 11 é a livrança a que se alude em 1, cuja cópia consta de fls. 136;

13. Tal livrança tem, inscritas pela A. inicial, AA (Sucursal de Portugal), SA, após entrega da mesma assinada pelo R. BB, a data de emissão de 13-11-2001 e a data de vencimento de 20-11-2001;

14. Por escritura pública lavrada no dia 20-07-2000 no Cartório Notarial de Vila Pouca de Aguiar, a que respeita o doc. de fls. 203 e ss., o R. BB declarou doar a seu pai, o R. CC, por conta da sua cota disponível, o prédio referido em 2.

B – Vejamos, então, as questões suscitadas na revista, dando primazia às de natureza processual.

B1 - Pretendem os Recorrentes que a Relação deveria ter alterado a matéria de facto que foi dada como provada, mormente, no que respeita à anterioridade do acto impugnado (doação) face ao crédito ou que esse mesmo acto de transmissão não foi efectuado para prejudicar a autora, pelo menos por banda dos 2º e 3º réus, assim como defendem que houve erro na apreciação das provas e continuam a considerar incorrectamente julgada pelas instâncias factualidade por si alegada.

Não se preocupam os Recorrentes em descriminar em concreto os meios de prova envolvidos ou os factos que mereciam outra decisão e tão pouco invocam, violação de disposição legal imperativa, sobre certa espécie de prova ou sobre a força probatória de determinado meio de prova, que imponha a alteração, para os efeitos previstos nos arts. 722.º-2 e 729.º-2 do CPC, nem insuficiência ou contradição da matéria de facto assente, face ao disposto no n.º 3 do art. 729.º desse mesmo diploma.

Cabe às instâncias o apuramento da factualidade relevante, pois, neste domínio, é residual a intervenção do STJ, limitando-se a averiguar da observância das regras de direito probatório material ou a ordenar a ampliação da decisão sobre a matéria de facto, como impõem os aludidos preceitos.

Não ocorrendo, pois, nenhuma destas situações excepcionais, vedado está a este Tribunal conhecer da questão de valoração da prova produzida.

B2 – Apontam, depois, os Recorrentes, ao acórdão recorrido vícios formais de estrutura e lógica interna que consubstanciariam as nulidades previstas nas als. b), c) e d) do nº1 do artº668º do CPC.

Fundamentam-nos, ora dizendo que se omitiu pronúncia quanto a matéria de facto que haviam alegado ora alegando que se essa omissão não tivesse ocorrido e essa mesma factualidade fosse dada como apurada, a solução da causa teria de ser outra e não aquela que foi adoptada, daí brotando a contradição que imputam ao acórdão impugnado.

A falta de fundamentos de facto só constitui a nulidade da al.b) do citado artº668º se vier a verificar-se a omissão total da especificação dos factos que o juiz considera provados. Como é evidente, não se integrando a factualidade a que aludem os Recorrentes no âmbito daquela que mereceu resposta positiva das instâncias, a falta de sua referência de que vem acusado o acórdão não tem fundamento.

A oposição entre fundamentos e decisão a que se refere a nulidade da al.c) do nº1 daquele dispositivo constitui vício de construção e ordenação lógica da sentença quando os fundamentos nela enunciados conduzam, necessariamente, a decisão de sentido oposto ou diverso.

Não é disso que se trata, na reclamação dos Recorrentes: segundo eles, a decisão adoptada teria sido outra, se outros fossem os factos nela considerados como provados, ou seja, aqueles que eles haviam alegado e não foram reconhecidos como provados pelo Tribunal!

Ora, devendo constar do respectivo fundamento fáctico tão só os factos comprovados, como se viu, é evidente que falta um termo à oposição, à contradição que preside à pretensa nulidade arguida.

Percebe-se que nessa arguição o que os Recorrentes pretendem é pôr em causa a solução de mérito alcançada, apontando a sua discordância, afinal, à interpretação e subsunção jurídicas, operadas pela Relação. Ora, se assim é, enquadra-se essa situação no erro de julgamento, como tal devendo ser tratada e não como vício formal e de construção lógica do acórdão que vem impugnado.

Em suma, o exame atento da reclamação não incide sobre o acórdão, propriamente dito, antes insiste em algo que lhe é prévio, remontando a falta de fundamentação ou falta de pronúncia à decisão da matéria de facto, pois não resultaria explicada ou a prova de certos factos ou a falta de prova de outros, apesar de, nomeadamente, segundo os Recorrentes, o conjunto da prova inculcar o contrário.

Se já se explicou porque é que este Tribunal não pode intervir no julgamento dessa matéria de facto, não seria lógico esperar que a ela volte por efeito da alegação em análise, tanto mais que nem a falta de fundamentação nem a falta de pronúncia referidas às respostas que mereceu ou não a matéria objecto de base instrutória, integram as nulidades de sentença que os Recorrentes arguiram.

Tais vícios da decisão da matéria de facto começam por constituir fundamento para reclamação nos termos do art. 653º, nº 4 do CPC e persistindo, o que eles implicam, tratando-se de contradição entre as respostas dadas aos quesitos e se do processo não constarem todos os elementos probatórios que permitam a reapreciação, é a anulação, na parte respectiva, da decisão proferida na 1ª instância (art. 712º, nº 4); e se o vício for de falta ou insuficiência de fundamentação da decisão sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, a requerimento da parte, será determinado que o tribunal de 1ª instância proceda à respectiva fundamentação com base nos depoimentos já prestados ou, se necessário, com repetição da prova.

Esta apreciação que os Recorrentes não promoveram constitui encargo da Relação e das respectivas decisões não cabem recurso para o STJ (nº5 deste último normativo).

De qualquer modo, mesmo que pretendêssemos analisar tais deficiências não o poderíamos fazer pois desconhecem-se quais os concretos factos que, segundo os Recorrentes, carecem de fundamentação probatória ou aqueles que mereciam ter sido reconhecidos nesse exercício probatório.

B3 – De fundo, os Recorrentes põem em causa, de novo, o concurso dos requisitos da impugnação pauliana, invocando para o efeito a posteridade do crédito relativamente ao acto de alienação e a ausência de má fé.

A impugnação pauliana constitui, como se sabe, um meio de conservação da garantia geral do cumprimento de obrigações, com ela se tutelando o interesse la dos credores contra o desvio do património pelo devedor que implique obstáculo absoluto à satisfação dos seus créditos ou o seu agravamento.

Os pressupostos da impugnação pauliana são os seguintes: a existência de um crédito; a prática, pelo devedor, de um acto que não seja de natureza pessoal, que provoque, para o credor um prejuízo (a impossibilidade de obter a satisfação integral do seu crédito ou o agravamento dessa impossibilidade); a anterioridade do crédito relativamente ao acto ou, se o crédito for posterior, ter sido o acto dolosamente praticado com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor; que o acto seja de natureza gratuita ou, sendo oneroso, que o devedor e o terceiro tenham agido de má fé (arts. 610.º a 612.º do CC).

No que concerne ao ónus de prova, em desvio ao regime geral sobre a sua distribuição, cabe ao credor a prova do montante do crédito que tem contra o devedor, da anterioridade dele em relação ao acto impugnado, e ao devedor e ou ao terceiro adquirente existência de bens penhoráveis de valor igual ou superior na titularidade do obrigado lato sensu (611º do Código Civil).

A posteridade do crédito, segundo os recorrentes, resultaria da circunstância de, muito embora terem subscrito e entregue ao Banco Recorrido a livrança, em branco, em 3.02.2000, data da celebração do contrato de leasing, ela só foi emitida em 17.11.2001, sendo que só com o vencimento do título – 20.11.2001- o crédito passa a gozar de eficácia.

Como dá conta a matéria de facto, A. e R. BB outorgaram “Contrato de Locação Financeira”, datado de 03-02-2000; consta das condições particulares de tal documento que, como garantia para o cumprimento das obrigações do contrato titulado pelo mesmo documento, foi aceite uma livrança que o R. BB, na altura em que celebrou o referido contrato, entregou à A., por si assinada no lugar destinado à assinatura do respectivo subscritor; tal livrança tem, inscritas pela A. inicial,AA (Sucursal de Portugal), SA, após entrega da mesma assinada pelo R. BB, a data de emissão de 17-11-2001 e a data de vencimento de 20-11-2001.

Ao contrário do que pretendem os Recorrentes, a anterioridade do crédito relativamente ao acto que foi impugnado, resulta não só do seu acto de constituição “originário”, digamos assim – o citado contrato de leasing – mas também do crédito cambiário que resulta da subscrição da livrança em branco que lhe serviu de garantia e cuja “data de nascimento” corresponde àquela em que teve lugar a constituição daquele mesmo acto.

Vejamos:

Sabe-se que as partes, nos contratos, são livres de determinar o seu conteúdo, podendo mesmo modificar a sua estrutura fundamental, socorrendo-se de tipo contratual previsto na lei ou compondo o seu próprio contrato (artº 405º do CC) o que se justifica, normalmente, pelo facto de estarem aí, em jogo, apenas os interesses dos próprios contraentes.

Por referência a esta “liberdade de tipicidade negocial” (Ribeiro de Faria, Direito da Obrigações, II, 168) A. e R. BB acordaram no âmbito do contrato de locação financeira que celebraram, a emissão da dita livrança, destinada a servir de garantia do pagamento das prestações, ali, ajustadas e cujo preenchimento, segundo a prática bancária corrente, caberá à entidade credora, nomeadamente, nela inscrever o valor que devido for e bem assim exigir o seu pagamento, fixando-lhe a respectiva data de vencimento.

Tal preenchimento não foi questionado pelas partes mas é certo que na data da sua subscrição, além desta, nela figurava a assinatura do seu subscritor. Tratava-se, portanto, de uma livrança em branco.

A livrança em branco é aquela a que falta alguns dos requisitos enunciados nos artº1º e 77º da LULL mas que contém assinatura de subscritor que por esse meio pretende contrair uma obrigação cambiária. Esta fica constituída com tal assinatura e, mesmo antes do seu preenchimento pode circular como título cambiário.

Seguramente, pois, que o crédito cambiário daí resultante se constitui no acto de subscrição da livrança cuja correspondência temporal ao acto de constituição do contrato que lhe é subjacente decerto se justifica pelo facto de, então, também, ser posta à disposição do devedor a prestação que o integra.

Tal como se ponderou no Acórdão deste Tribunal e secção de 23.09.2003, pº03A2089 “ é nesse momento que, cambiariamente, nasce e fica constituída a obrigação bem como a responsabilidade do subscritor pelo respectivo pagamento na data do vencimento. Este não é mais que uma condição geral de exigibilidade do crédito (artº75º,1, 77º, 30º, 32º e 43º da LULL” – cfr neste mesmo sentido, os AC. STJ de 24.10.2004, 22.01.2004, pº03B3854, 22.06.2004, pº04A2056, 13.12.2007, mpº07A4034 e de 29.11.2011, desta secção, pº7288/07.

Neste termos, reportada a data de nascimento do crédito cambiário à data da constituição do contrato de locação financeira – 3.02.2002 – manifesta se torna a sua anterioridade face à doação impugnada cuja formalização é de 20.07.2000.

Em face desta solução, fica prejudicado averiguar da relevância da data de vencimento aposta na livrança para esse mesmo efeito de determinação da data de constituição do crédito, assim como se não apreciará a pretensa boa fé de doador e de donatários cuja verificação o artº612º, 1, 2ª parte, dispensa.

III.

Em conformidade com o exposto, infundadas as questões suscitadas, nega-se a revista e confirma-se a decisão recorrida.

Custas pelos Recorrentes.

Lisboa, 20 de Março de 2012



Martins de Sousa (Relator)
Gabriel Catarino
António Joaquim Piçarra

http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/87609c29760b37ed802579ca003ab818?OpenDocument

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