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segunda-feira, 16 de abril de 2012

FALTAS INJUSTIFICADAS DESPEDIMENTO COM JUSTA CAUSA - Acórdão do Tribunal da Relação de Évora - 06/03/2012


Acórdãos TRE
Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
203/11.2TTPTM.E1
Relator: CORREIA PINTO
Descritores: REAPRECIAÇÃO DA PROVA
FALTAS INJUSTIFICADAS
DESPEDIMENTO COM JUSTA CAUSA

Data do Acordão: 06-03-2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: TRIBUNAL DO TRABALHO DE PORTIMÃO
Texto Integral: S

Meio Processual: APELAÇÃO
Área Temática: CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO

Sumário:
I- No recurso em que questiona a matéria de facto, impõe-se ao recorrente, além do mais, o cumprimento das exigências do artigo 685.º-B, n.º 1, alíneas a) e b), do Código de Processo Civil, o que não se verifica quando não explicita o(s) concreto(s) pontos de facto que considera incorrectamente julgados e se limita a referir de modo genérico os elementos documentais que integram os autos, sem explicitar os concretos elementos que, integrando o conteúdo de tais documentos, justificam alteração da matéria de facto, o que mais se acentua quando é certo que o tribunal não firmou a sua convicção apenas a partir da ponderação do teor dos elementos documentais, tendo também considerado de forma determinante o teor dos depoimentos das testemunhas inquiridas em audiência de julgamento.
II- As faltas injustificadas – configurando violação, por parte do trabalhador, dos seus deveres de comparência ao serviço com assiduidade e pontualidade e traduzindo-se em prejuízo para a entidade empregadora, com repercussões negativas no seu normal funcionamento, na medida em que necessitou de recorrer a trabalho extraordinário prestado por outros trabalhadores – constituem justa causa de despedimento, dado que, pela sua gravidade e consequências, tornam imediata e praticamente impossível a subsistência do contrato de trabalho (artigo 351.º, n.º 1 e n.º 2, alínea g), da Lei n.º 7/2009 de 12 de Fevereiro).

Sumário do relator


Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:
I)
Relatório
1. L…, apresentou em 25 de Março de 2011, no Tribunal do Trabalho de Portimão, o requerimento em formulário a que aludem os artigos 98.º-C e 98.º-D do Código de Processo do Trabalho (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 295/2009, de 13 de Outubro), acompanhado da decisão de despedimento que faz fls. 2 a 5 dos autos, declarando em tal requerimento opor-se ao despedimento promovido por S…, S.A., com sede na Rua…, e requerendo que se declare a ilicitude ou a irregularidade do mesmo, com as legais consequências.
1.1 Realizada a audiência de partes, nos termos que estão documentados a fls. 14, não foi possível obter o acordo, pelo que o processo prosseguiu.
1.2 A ré, notificada nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 98.º-I, n.º 4, alínea a) e 98.º-J do mesmo diploma legal, veio apresentar articulado para motivar o despedimento do autor, nos termos de fls. 17 e seguintes.
Sustenta que a conduta do autor, a que se reporta no respectivo articulado e consubstanciada em 10 faltas injustificadas durante o ano civil de 2010, configura violação grave e reiterada dos seus deveres de zelo e de assiduidade, tornando absolutamente impossível a subsistência da relação de trabalho e sendo, por isso, justa causa de despedimento, nos precisos termos do artigo 351.º, n.º 2, alíneas d) e g), do Código do Trabalho.
Conclui que deve ser declarado lícito o despedimento, com justa causa.
1.3 O autor contestou nos termos de fls. 62 e seguintes (artigo 98.º-L do Código de Processo do Trabalho).
No respectivo articulado, admitindo algumas faltas, refuta que sejam injustificadas e que legitimassem o despedimento; comunicava sempre as mesmas, chegando a juntar documento comprovativo da sua ausência na sequência de indisposição no local de trabalho.
Acresce que o seu critério disciplinar não é uniforme, dado que outro trabalhador a quem foram feitas idênticas imputações não foi despedido.
Conclui pedindo que, com a procedência da acção, seja declarada a ilicitude do seu despedimento nos termos do disposto no artigo 381.º, alínea b), e seja a ré condenada a pagar-lhe as retribuições vencidas e vincendas que deixou de auferir desde 24 de Fevereiro de 2011 até ao trânsito em julgado da decisão judicial, bem como no pagamento de uma indemnização correspondente a 45 dias de retribuição base por cada ano completo ou fracção de antiguidade, decorrido desde a data de início do contrato e até ao trânsito em julgado da decisão judicial, nos termos do artigo 389.º, n.º 1 e n.º 2 e caso não opte pela reintegração na empresa com todos os direitos que já detinha.
1.4 A ré veio responder, reiterando a existência de fundamento válido para o despedimento e refutando a alegada justificação das faltas.
Conclui que deve julgar-se improcedente a excepção deduzida pelo trabalhador.
2. Proferido despacho saneador, foi dispensada a elaboração da base instrutória, perante a alegada simplicidade da selecção da matéria de facto controvertida.
Realizado julgamento e proferido despacho de fixação da matéria de facto e respectiva fundamentação (fls. 144 e 145), foi elaborada sentença (fls. 147 a 152) onde se concluiu julgando improcedente a acção e absolvendo a ré, S…, S.A., dos pedidos formulados pelo autor.
3. O autor, não se conformando com a decisão, veio interpor recurso.
Na respectiva motivação, formula as seguintes conclusões:
1) Ao Recorrente foi instaurado um processo disciplinar pela Recorrida, então sua entidade empregadora, imputando-lhe 10 faltas injustificadas no ano de 2010.
2) A prova documental junta aos autos pela própria Ré e Recorrida, nomeadamente o documento n.º1 junto com a Réplica suporta inequivocamente a posição do Recorrente, a de que não tivera no ano de 2010 as 10 faltas injustificadas, seguidas ou interpoladas como estabelecido na lei, como fundamento de despedimento com justa causa.
3) Com base na prova documental, aliás disponibilizado pela Recorrida não faltou ao trabalho o Recorrente no ano civil, injustificadamente, os 10 dias que lhe são imputados bem como não procedeu a Recorrida ao desconto na retribuição do correspondente período alegadamente em falta.
4) Não tendo o Recorrente perfeito um total de 10 faltas injustificadas não se verifica a justa causa de despedimento prevista na alínea g) do art.º 351 do Código do Trabalho, pelo que provado que o Recorrente não faltou injustificadamente os 10 dias outra terá que ser a decisão proferida ou seja julgar procedente a acção de impugnação de despedimento e condenar a Ré ora Recorrida nos termos previstos na lei.
5) O artigo 98° do Código do Trabalho dispõe que “o empregador tem poder disciplinar sobre o trabalhador ao seu serviço enquanto vigorar o contrato de trabalho”.
6) A punibilidade da conduta do trabalhador depende da verificação de um comportamento de desvio face ao que se lhe impunha pela sua condição de parte no contrato de trabalho.
7) Entende o Recorrente que não foi, no âmbito dos presentes autos, e cujo ónus da prova competia à Recorrida, feito o apuramento das circunstâncias concretas que rodearam a não comparência do trabalhador.
8) Usou a Recorrida um pré juízo definitivo relativamente à impossibilidade de manutenção do vínculo definitivo, não tendo ficado demonstrada a impossibilidade prática e imediata de manutenção do vínculo, que tem que corresponder a uma necessidade de direito e não de facto.
9) Houve tratamento desigual entre dois trabalhadores que incorreram exactamente no mesmo tipo de infracção disciplinar, mesmo aceitando e sem conceder que ambos faltaram injustificadamente 10 dias.
10) Presentes nestes dois casos, clara e inequivocamente dois pesos e duas medidas diametralmente opostas, com situações semelhantes se não mesmo iguais.
11) Houve assim violação do princípio da proporcionalidade na sanção aplicada ao Recorrente bem como comparativamente a outro trabalhador nas mesmas circunstâncias.
Termina afirmando que deve ser concedido provimento ao recurso, condenando-se a Apelada na totalidade do pedido, julgando assim ilícito o despedimento aplicado ao Recorrente.
4. A ré apresentou contra-alegações, concluindo nos seguintes termos:
I- A sentença recorrida, quer quanto à matéria de facto, quer quanto à matéria de direito, está profusa e correctamente fundamentada, decorrendo aliás da simples leitura dos factos provados, que relativamente a cada um, é individualizado e especificado o meio de prova e as razões em que se sustenta a decisão.
II- O Recorrente não especifica de fora detalhada quais os pontos da matéria de facto que pretende impugnar – o que determina a rejeição do recurso nos termos do preceituado no artigo 685-B do Código do Processo Civil, aplicável ao processo de trabalho por força do preceituado no artigo 1º n.º2 al. a) do Código do Processo do Trabalho.
III- As funções desempenhadas pelo Recorrente (Porteiro contínuo) encontravam-se (a data) reguladas pelo CCT celebrado entre a Associação de Empresas concessionárias dos Zonas de Jogo e o sindicato dos Profissionais de Banca (publicado no BTE 1ª Série n.º 30 de 15.08.91);
IV- A picagem de ponto (doc.1 junto à Replica) reflecte exactamente o horário praticado pelo Recorrente, nomeadamente o facto de o horário de trabalho diário ser praticado em dois dias civis diferentes;
V- A Recorrida efectua o desconto das faltas injustificados no vencimento mensal, com base no cálculo do valor hora;
VI- Para tanto, encontra primeiro o número de horas mensais trabalhadas – segundo a fórmula número de horas semanais x 52 : 12, o que no situação em concreto (35 horas semanais x 52 = 1820 : 12 = 151,66);
VII- As horas mensais trabalhadas (151,66) são divididas por 30 dias (vide clausula 22º do CCT citado) dando uma média diária de 5,06 horas diárias;
VIII- Razão pela qual aparece o valor referente às 5,06 horas, descontadas no vencimento por cada dia de falta injustificada ao trabalho – vide doc.2 junto à R
IX- Pelo que não se vislumbra qualquer contradição entre a matéria de facto provada (Pontos 7 e 8 do matéria de facto) e os documentos 1 e 2 juntos à Réplica, antes pelo contrário, os referidos documentos, são prova bastante de que o Recorrido faltou injustificadamente naqueles dias.
X- Acresce que ficou provado que das faltas dadas pelo Recorrente durante o ano civil de 2010 oito foram dadas nos dias anteriores aos dias de folga e posterior ao feriado (ponto 9 da matéria de facto) – o que constitui infracção disciplinar grave, nos termos do artº 256º n.2 do Código do Trabalho;
XI- Acresce ainda que foi dado como provado (ponto 11 da matéria de facto) que as faltas dadas pelo Recorrente fizeram com que a Recorrida tivesse de recorrer a trabalho extraordinário;
XII- Ou seja, causaram graves transtornos à sua entidade patronal.
XIII- No entanto, bastaria o facto de o Recorrente ter dado as dez faltas injustificadas, interpoladas, durante o ano de 2010 para justificar a decisão de despedimento (provado que o trabalhador faltou injustificadamente o número de vezes fixado na lei presume-se que o comportamento assume gravidade tal que é praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho - in acórdão n.º 167/10.0TTBRG.Pl do Tribunal da Relação do Porto);
XIV- Conforme consta do processo (doc.5 junto a pi) o Recorrente já possuía antecedentes disciplinares, também relacionadas com violações do dever de assiduidade.
XV- O Recorrente não era merecedor de uma segunda oportunidade, uma vez que no início de 2011, durante o mês de Janeiro, voltou a dar duas faltas injustificados (dias 11 e 14 de Janeiro de 2011 - novamente nos dias anteriores e posteriores aos dias de folga - o recorrente folgava nos dias 12 e 13 de Janeiro - vide ficha de assiduidade de 2011 que se junta como doc. 6 à pi), o que demonstrava a sua intenção de continuar com os mesmos tipos de comportamentos ao invés de se redimir.
XVI- Cai assim por terra a segunda premissa na qual o Recorrente baseia a fundamentação do recurso, ou seja, no facto da Recorrida ter decidido aplicar uma pena de dois dias de suspensão ao colega do Recorrente, num processo disciplinar também por dez faltas injustificadas.
XVII- Ambas as situações não tem paralelismo, ou seja, no caso do Recorrente já existiam antecedentes disciplinares – agravados pelo facto de o Recorrente já no ano de 2011 – já depois do processo disciplinar se ter iniciado – voltar a reincidir nos mesmos comportamentos e as faltas dadas pelo Recorrente oito delas foram dadas antes das folgas e depois do feriado – o que por si só consubstancia uma violação grave do dever de assiduidade;
XVIII- Nenhuma dos referidos situações ocorriam no caso do colega do Recorrente a quem foi aplicada a pena de dois dias de suspensão.
XIX- Em face do exposto, dúvidas não restam que, face aos factos dados como provados, outra não podia ser a decisão, sendo inequivocamente correcta e fundamentada a subsunção dos factos ao direito.
Termina afirmando que deve julgar-se improcedente o recurso, mantendo-se a sentença recorrida.
5. Neste Tribunal da Relação, o Ministério Público emitiu parecer no sentido de ser julgado improcedente o recurso: o recorrente questiona a matéria de facto dada como provada de forma genérica e sem observar as disposições legais pertinentes; a sua conduta integra a situação de justa causa.
Notificado ao recorrente e à recorrida, nenhuma das partes respondeu.
6. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
O âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação – artigos 684.º, n.º 3 e 685.º-A, n.º 1, do Código de Processo Civil, e artigo 1.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo do Trabalho, nas redacções actualmente vigentes – sem prejuízo da apreciação por iniciativa própria de questões que sejam de conhecimento oficioso.
No caso dos autos, analisadas as conclusões formuladas pelo recorrente, extrai-se que o objecto do presente recurso se consubstancia, essencialmente, na apreciação das seguintes questões:
§ Determinar se há fundamento para considerar a existência de impugnação válida da matéria de facto.
§ A alegada inexistência de justa causa para o despedimento, com as consequências daí decorrentes, aqui cabendo a apreciação da alegada dualidade de critérios da ré.
II)
Fundamentação
1. Com interesse, importa considerar os factos que foram julgados provados na sentença recorrida, aí consignados nos seguintes termos (fls. 148 e 149):
“II – Factos Provados
1 – Em 23/12/010 o Director de Serviço de Jogos do Casino…, Sr. J…, comunicou à Administração da S…, S.A., que o trabalhador L… tinha atingido no dia 2 de Dezembro o limite de 10 faltas injustificadas, interpoladas durante o ano civil de 2010. Que as referidas faltas prejudicaram o normal funcionamento da sala mista tendo, em determinadas alturas sido necessário recorrer a trabalho suplementar de outros funcionários (prolongamento de horários ou folgas) bem como solicitar a diversos funcionários que exercessem funções diferentes daquelas que lhe estão destinadas, a fim de colmatar a falta do porteiro contínuo;
2 – Em 6/1/011 a Administração determinou a instauração de processo disciplinar com intenção de despedimento;
3 – Na sequência do processo disciplinar constatou-se pela análise dos horários de trabalho e da ficha de assiduidade que das dez faltas injustificadas dadas pelo trabalhador durante o ano de 2010, oito foram dadas nos dias anteriores aos dias de folga e feriados;
4 – Em 17/1/2011, a ré enviou para a morada do A. a Nota de Culpa com intenção de despedimento, que foi devolvida;
5 – Em 1/2/2011, a ré notificou pessoalmente o A. da referida Nota de Culpa, informando-o de que dispunha de 10 dias úteis para querendo responder por escrito à mesma, podendo consultar o processo disciplinar durante o horário de expediente nos serviços administrativos do Hotel A…;
6 – Em 9/11/2011, o A. respondeu à acusação, não arrolou testemunhas, nem juntou quaisquer elementos de prova;
7 – O A. foi acusado de ao longo do ano de 2010, em sede de Nota de Culpa com Intenção de Despedimento, ter faltado injustificadamente, nos dias 14 e 15 de Janeiro, 4 de Março, 2 e 30 de Abril, 4 e 18 de Junho, 9 de Julho, 13 de Agosto e 2 de Dezembro;
8 – Faltas para as quais não apresentou qualquer justificação;
9 – As faltas dadas nos dias 14 e 15 de Janeiro, 2 de Abril, 18 de Junho, 9 de Julho, 13 de Agosto e 30 de Abril foram dadas nos dias anteriores aos dias de folga, e a dada a 2 de Dezembro em dia posterior ao feriado;
10 – O A. folgava aos Sábados e Domingos, e a partir de Dezembro passou a folgar às Sextas e Sábados;
11 – As faltas dadas pelo A. fez com que a ré tivesse de recorrer a trabalho extraordinário prestado por outros trabalhadores;
12 – No dia 14 e 15 de Janeiro de 2010 foi respectivamente 5ª e 6ª feira; dia 4 de Março foi 5ª feira; dia 2 de Abril foi 6ª feira e foi feriado; dia 30 de Abril foi 6ª feira; dia 4 de Junho foi 5ª feira; dia 18 de Junho foi 6ª feira; dia 13 de Agosto foi 6ª feira e dia 2 de Dezembro foi 5ª feira;
13 – Na Sala de Máquinas onde o A. estava a exercer funções de Porteiro Contínuo estavam em permanência, pelo menos, 4 pessoas, e às 6ªs feiras e Sábados, pelo menos, 5 pessoas.”
2. A impugnação de factos.
O recorrente, além do mais, pretende que a prova documental junta aos autos pela própria ré/recorrida suporta a sua posição, quando refuta ter dado dez faltas injustificadas no ano de 2010.
Nos termos do artigo 712.º, n.º 1, alínea a), Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 1.º, n.º 2, do Código de Processo do Trabalho, a decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 685.º-B, a decisão com base neles proferida.
Esta norma estabelece que, quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados [n.º 1, alínea a)] e os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida [n.º 1, alínea b)]. Neste último caso, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 522.º-C, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição.
O n.º 2 do artigo 522.º-C, antes mencionado, estabelece que, quando haja lugar a registo áudio ou vídeo, devem ser assinalados na acta o início e o termo da gravação de cada depoimento, informação ou esclarecimento, de forma a ser possível uma identificação precisa e separada dos mesmos.
As disposições em causa não visam propriamente a concretização de um segundo julgamento que inclua a reapreciação global e genérica de toda a prova, tendo antes em vista um segundo grau de apreciação da matéria de facto, de modo a colmatar eventuais erros de julgamento, nos concretos pontos de facto que o recorrente deve assinalar. Daí que seja excluída a possibilidade de impugnação genérica da matéria de facto julgada em primeira instância e se imponha ao recorrente que especifique os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
Importa começar por salientar que, ao questionar a matéria de facto, o recorrente não explicita – com referência a um concreto artigo de entre os que o tribunal julgou provados ou a concreto ponto dos articulados apresentados pelas partes – o(s) concreto(s) ponto(s) de facto que considera incorrectamente julgados, não observando, por isso, a exigência do artigo 685.º-B, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil, antes mencionado.
Por outro lado, também não se vê que tenha sido cumprida a exigência da alínea b), do n.º 1 do mesmo artigo; na verdade, o recorrente limita-se a referir de modo genérico os elementos documentais que integram os autos, particularmente o documento 1, apresentado pela ré com a respectiva réplica, sem explicitar os concretos elementos que, integrando o conteúdo de tais documentos, justificam alteração da matéria de facto.
Os termos em que é feita a impugnação, em confronto com os treze artigos que integram os factos que o tribunal julgou provados, permitem perceber de modo incontroverso que o autor questiona, no que concerne aos factos, as dez faltas injustificadas que estão na origem do procedimento que levou ao despedimento, o que nos conduz aos artigos 3.º, 7.º, 8.º e 9.º dos factos provados.
Contudo, o confronto entre o conteúdo dos aludidos artigos e os termos de impugnação do recorrente não permite que se conclua no sentido da existência de erro de julgamento e, por essa via e com referência aos aludidos artigos, que se justifique a alteração dos factos provados.
Por um lado, o recorrente não explicita, dentro dos diversos documentos que integram os autos, elementos que evidenciem a existência de erro de julgamento.
Por outro lado, conforme resulta da resposta à matéria de facto (despacho de fls. 144 e 145), o tribunal não firmou a sua convicção apenas a partir da ponderação do teor dos elementos documentais, tendo também considerado de forma determinante o teor dos depoimentos das testemunhas inquiridas em audiência de julgamento, de onde resultam, nos termos da fundamentação, confirmadas as faltas dadas pelo autor e a ausência de aviso ou justificação.
Nas circunstâncias descritas, não há razão para considerar a existência de erro de julgamento e, por essa via, para alterar a matéria de facto.
Assim, o recurso improcede nesta parte.
3. A alegada inexistência de justa causa para o despedimento e dualidade de critérios da ré.
Relevam na apreciação da matéria em discussão nos autos e atentas as datas em que ocorreram os factos que aqui se discutem, relativamente ao Código do Trabalho, a versão aprovada pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro (cf. artigo 7.º desta Lei) e, quanto ao Código de Processo do Trabalho, a redacção que resulta do Decreto-lei n.º 295/2009, de 13 de Outubro, diplomas a que se reportarão ulteriores referências a tais códigos sem outra menção.
É pacífico que o autor e a ré estavam vinculados por contrato de trabalho, daí resultando direitos e deveres recíprocos, nomeadamente, na parte que aqui interessa e em relação ao autor/trabalhador, o dever de comparecer ao serviço com assiduidade e pontualidade – cf. artigos 126.º e seguintes do Código do Trabalho.
A ausência de trabalhador do local em que devia desempenhar a actividade durante o período normal de trabalho diário consubstancia falta, podendo a mesma ser justificada ou injustificada, nos termos definidos no artigo 249.º e com as implicações previstas nos artigos 255.º e 256.º, todos do Código do Trabalho.
Nos termos do artigo 340.º, alínea c), do mesmo diploma legal, para além de outras modalidades legalmente previstas e na parte que aqui interessa, o contrato de trabalho pode cessar por despedimento por iniciativa do empregador, no exercício do poder disciplinar que a lei lhe confere (cf. artigo 328.º do mesmo diploma), por facto imputável ao trabalhador.
O despedimento por facto imputável ao trabalhador pressupõe a existência de justa causa, constituindo-se como tal o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, o que se pode consubstanciar com a violação do dever de assiduidade e de pontualidade, anteriormente afirmado, traduzindo-se tal violação em faltas não justificadas ao trabalho que determinem directamente prejuízos ou riscos graves para a empresa, ou cujo número atinja, em cada ano civil, cinco seguidas ou dez interpoladas, independentemente de prejuízo ou risco – artigo 351.º do Código do Trabalho.
A concretização do despedimento pressupõe, por sua vez, a existência de um procedimento disciplinar no qual sobressai a imposição de se lavrar nota de culpa e o facto de se considerar aquilo que o trabalhador arguido alegue em sua defesa, caso entenda fazê-lo, culminando na decisão de despedimento por facto imputável ao trabalhador, no pressuposto da verificação (total ou parcial) dos factos que levaram a instaurar o procedimento, suficientemente graves para justificar a aplicação da sanção disciplinar mais severa – cf. artigos 352.º e seguintes do Código do Trabalho.
Na decisão são ponderadas as circunstâncias do caso, a adequação do despedimento à culpabilidade do trabalhador e os pareceres dos representantes dos trabalhadores, não podendo ser invocados factos não constantes da nota de culpa ou da resposta do trabalhador, salvo se atenuarem a responsabilidade (artigo 357.º do Código do Trabalho).
No caso em apreciação, os factos enunciados caracterizam, em relação a autor, um total de dez faltas interpoladas ao trabalho no decurso do ano de 2010, sem que se mostrem justificadas.
Dos mesmos resulta um comportamento reiterado por parte do trabalhador que configura violação dos deveres de zelo e assiduidade; as faltas em causa reflectem-se de modo negativo na actividade da ré, obrigando esta a recorrer a trabalho extraordinário prestado por outros trabalhadores.
Não se evidencia nenhum facto que, mesmo sem justificar as faltas, possa explicar as mesmas, em termos de atenuação de responsabilidades.
Qualquer incumprimento de trabalho, por parte do trabalhador ou do empregador, presume-se culposo. ”Cabe ainda acrescentar que da recepção explícita do texto do artigo 798.º do Código Civil – parcialmente transcrito no artigo 363.º do Código do Trabalho [aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, correspondendo ao n.º 1 do artigo 323.º do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro] – resulta a aplicação dos artigos 798.º e seguintes do Código Civil, designadamente a regra da presunção de culpa (artigo 799.º, n.º 1, do Código Civil)” – Pedro Romano Martinez, “Incumprimento do Contrato de Trabalho”, páginas 8 e 9, revista do CEJ, n.º 2, 1.º semestre 2005.
O autor não ilidiu a presunção de culpa.
Recaindo sobre si o ónus de prova relativamente aos factos que possam constituir fundamento para a justificação das faltas, necessariamente reverte em prejuízo da sua pretensão a falta de demonstração dos mesmos.
As repetidas faltas injustificadas do autor/trabalhador ao longo do ano traduziram-se em prejuízo para a entidade empregadora na medida em que tiveram repercussões negativas no seu normal funcionamento, nos termos antes assinalados (teve de recorrer a trabalho extraordinário prestado por outros trabalhadores), configurando violação dos seus deveres de comparência ao serviço com assiduidade e pontualidade – artigo 128.º, n.º 1, alínea b), do Código do Trabalho.
Em tais circunstâncias, as faltas injustificadas constituem justa causa de despedimento, na medida em que, pela sua gravidade e consequências, tornam imediata e praticamente impossível a subsistência do contrato de trabalho (artigo 351.º, n.º 1 e n.º 2, alínea g), da Lei n.º 7/2009 de 12 de Fevereiro).
Questiona o autor, a este propósito, a uniformidade de critérios em relação à ré, pretendendo que, em situação idêntica, um outro trabalhador foi sancionado com suspensão por dois dias, com perda de retribuição.
A matéria de facto provada não comprova a afirmação do recorrente que, no respectivo articulado alegava a este propósito que “no seio da ré o seu critério disciplinar não é uniforme, resultando uma prática disciplinar discriminatória e abusiva. Porquanto um outro trabalhador (…) também e na mesma altura foi notificado de uma nota de culpa com as mesmas imputações e não foi despedido” – artigo 13.º da contestação.
De qualquer modo, não se vê que, perante a alegação do autor se possa ter por evidenciada a alegada prática discriminatória, na medida em que se desconhecem as concretas circunstâncias que caracterizam o comportamento do outro trabalhador e que permitam comparar tais comportamentos e os procedimentos da ré, no sentido de afirmar a similitude de situações e a duplicidade de critérios.
Conclui-se no sentido da subsistência da decisão recorrida – o que, levando à afirmação da licitude e regularidade do despedimento do autor, determina a improcedência do recurso por este interposto.
Vencido no recurso, o autor é responsável pelo pagamento das custas respectivas (artigo 446.º do Código de Processo Civil), sem prejuízo do benefício de apoio judiciário de que goza.
III)
Decisão
1. Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso, mantendo na íntegra a decisão recorrida.
2. Custas a cargo do autor/recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário de que goza.
Évora, 6 de Março de 2012.
(Joaquim Manuel de Almeida Correia Pinto)
(João Luís Nunes)
(Acácio André Proença)

http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/07dce508b0332389802579c9005d8948?OpenDocument

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