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terça-feira, 17 de abril de 2012

CONDUÇÃO PERIGOSA DE VEÍCULO,DOLO, NEGLIGÊNCIA, CRIME DE DANO,,HOMICÍDIO POR NEGLIGÊNCIA, NE BIS IN IDEM,INCAPACIDADE PARCIAL PERMANENTE - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça - 22/11/2007


Acórdãos STJ
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
05P3638
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: ARMÉNIO SOTTOMAYOR
Descritores: CONDUÇÃO PERIGOSA DE VEÍCULO RODOVIÁRIO
DOLO
NEGLIGÊNCIA
NEGLIGÊNCIA GROSSEIRA
NEGLIGÊNCIA INCONSCIENTE
CRIMES DE PERIGO
CRIME DE DANO
BEM JURÍDICO PROTEGIDO
AGRAVAÇÃO PELO RESULTADO
HOMICÍDIO POR NEGLIGÊNCIA
OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA
CONSUMPÇÃO
ESPECIALIDADE
NE BIS IN IDEM
CONCURSO APARENTE
CONCURSO DE INFRACÇÕES
PENA ACESSÓRIA
INCAPACIDADE
INCAPACIDADE PARCIAL PERMANENTE
DANOS FUTUROS
INDEMNIZAÇÃO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
EQUIDADE
JUROS

Nº do Documento: SJ200711220036385
Data do Acordão: 22-11-2007
Votação: UNANIMIDADE COM * DEC VOT
Texto Integral: N
Privacidade: 1

Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO PARCIAL

Sumário :

I - O art. 291.º do CP tem três números, os quais correspondem a três situações relacionadas com o elemento subjectivo da infracção:
- no n.º 1, o comportamento do agente e a criação do perigo são intencionais, bastando-se com o dolo eventual;
- no n.º 2, a conduta é dolosa, mas o dolo do agente não compreende o perigo concreto criado, afirmando-se quanto a este, negligência do condutor;
- o n.º 3, abarca as situações de conduta negligente do agente e de criação negligente do perigo.
II - Por “violação grosseira das regras de circulação rodoviária” deve entender-se a “violação de elementares deveres de condução, susceptível de traduzir carácter particularmente perigoso do comportamento para a segurança do tráfego e para os bens jurídicos pessoais envolvidos” – Paula Ribeiro de Faria, Comentário Conimbricense do Código Penal, II, págs. 1066 e 1082.
III - Este normativo foi alterado pela Lei 77/01, de 13-07: conforme se pode ler na Exposição de Motivos da Proposta de Lei 69/VIII, a introdução de um elenco de manobras perigosas, solução semelhante àquela que se encontra no CP alemão (§ 315c StGB), justificou-se para tornar mais segura a interpretação do tipo de crime, através da caracterização das manobras consideradas perigosas.
IV - A condução de veículos automóveis é, já por si, uma actividade intrinsecamente perigosa, cujo perigo fica contido em limites razoáveis se forem respeitadas certas normas de conduta, o que permite considerá-la uma actividade lícita, apesar de perigosa.
V - Entendeu o legislador dever sancionar penalmente tal actividade, sempre que se verifique um desrespeito grosseiro daquelas normas de conduta, com a criação, em concreto, dum perigo para a vida, para a integridade física ou para bens patrimoniais de valor elevado, pertencentes aos demais utentes da via.
VI - O bem jurídico protegido pela norma do art. 291.º do CP é a segurança da circulação rodoviária posta em crise pelo aumento da sinistralidade, embora tenha reflexos preponderantes na tutela de bens jurídicos individuais (Costa Andrade, Consentimento e Acordo em Direito Penal, pág. 342), tutela esta que é, no entanto, especialmente assegurada pelos crimes dos arts. 137.º e 142.º que visam especificamente a defesa dos bens vida e integridade física.
VII - Sempre que, por causa do perigo concreto criado pela conduta do agente, ocorrerem a morte ou ofensas à integridade física de utentes das vias de circulação rodoviária, o crime do art. 291.º é agravado pelo resultado, por aplicação do art. 285.º, em face do disposto pelo art. 294.º, todos do CP.
VIII - Para Damião da Cunha (Comentário, II, anotação ao art. 284.º, pág. 1034), “o art. 285.º constitui um caso de agravação de pena. Tal significa que a pena que ao crime se deve aplicar haverá de ser superior àquela que resultaria das regras decorrentes do concurso de crimes (concurso entre o crime fundamental e o crime de homicídio ou ofensas corporais graves negligentes, cfr. os arts. 137.º e 148.º-3)”.
IX - Sendo protegidos no crime de condução perigosa, além da segurança das comunicações, os bens jurídicos individuais vida e integridade física, postos em perigo pela conduta do agente, ainda que estes reflexamente, se ocorrer uma lesão deste últimos como resultado daquela conduta, os referidos bens jurídicos de natureza pessoal passam a ser protegidos não só pelas disposições combinadas dos arts. 291.º, 294.º e 285.º, mas também, de forma genérica, pelos crimes dos arts. 137.º e 148.º, do CP.
X - Quando tal acontece, as disposições penais encontram-se numa relação de consunção – uma, a de protecção mais ampla [lex consumens] consome a protecção que a outra [lex consunta] já visa e que deixa de ser aplicada sob pena de clara violação do princípio ne bis in idem.
XI - Advertia Eduardo Correia que, nestes casos, “a eficácia da consunção não só está dependente da circunstância de efectivamente concorrerem dois preceitos cujos bens jurídicos se encontrem numa relação de mais para menos, mas ainda de que, no caso concreto, a protecção visada por um seja esgotada, consumida pelo outro, coisa que nem sempre acontece”.
XII - Por isso, comparando-a com a situação de especialidade, sustentava que “enquanto a especialidade se pode afirmar em abstracto, só em concreto se pode afirmar a consunção dum pelo outro” (A Teoria do Concurso em Direito Criminal – Unidade e Pluralidade de Infracções, págs. 131-132).
XIII - Tendo em conta o teor do art. 291.º, complementado pelos arts. 285.º e 294.º, pode afirmar-se que o dano na vida ou na integridade física consome o perigo.
XIV - O art. 137.º, n.º 2, do CP preceitua que o agente é punido com pena de prisão até 5 anos, em caso de negligência grosseira: esta verifica-se quando “a culpa é agravada pelo elevado teor de imprevisão ou de falta de cuidados elementares” (Maia Gonçalves, Código Penal Português – Anotado e Comentado, nota 3 ao art. 137.º), implicando segundo Roxin (apud Comentário, I, pág. 113) “uma especial intensificação da negligência não só ao nível da culpa, mas também ao nível do tipo de ilícito”, sendo “indispensável que se esteja perante uma acção particularmente perigosa e de um resultado de verificação altamente provável”, havendo de ser feita a prova de que “o agente, não omitindo a conduta, revelou uma atitude particularmente censurável de leviandade ou de descuido perante o comando jurídico-penal”.
XV - Mesmo relativamente à criminalidade estradal, o tipo do art. 137.º acaba por ter, também nas situações de negligência grosseira, um campo de aplicação mais lato do que o crime do art. 291.º agravado pelo resultado.
XVI - O que permite inferir que se ocorrer a morte de terceiro em consequência da violação grosseira de outras regras de circulação rodoviária, o agente não comete este crime, obtendo-se a sua punição pela norma mais geral do art. 137.º, n.º 2.
XVII - Daqui resulta que, tendo o legislador considerado apenas a prática de certas manobras como devendo levar à punição do condutor pelo perigo que causam na circulação rodoviária e tendo querido punir especialmente as situações em que, em resultado da morte de terceiro, o perigo se transformou em dano, seria de esperar que viesse a prever uma punição mais severa do que a que se encontra estabelecida para o homicídio por negligência, mesmo quando agravado por negligência grosseira.
XVIII - Contudo, provavelmente devido ao uso de um critério de agravação por remissão indirecta, acabou por vir a estabelecer uma moldura penal inferior àquela pela qual o homicídio negligente é punível pelo art. 137.º, n.º 2.
XIX - A propósito de situações como a referida, considerava Eduardo Correia (citando Binding), que “casos há ... em que a lei descreve um tipo de crime que só se distingue doutro por uma circunstância tal que apenas se pode admitir tê-la querido o legislador como circunstância qualificativa agravante – verificando-se todavia, que a pena para ele cominada é inferior à do crime fundamental”.
XX - Para estes casos, designados de “consunção impura”, bem como nas situações em que “dois tipos de crime se comportam entre si, na protecção de bens jurídicos, como dois círculos que coincidem na sua parte mais importante e valiosa”, é aplicável o tipo fundamental, não se devendo considerar cumulativamente realizado o tipo correspondente ao crime especial, pois, “entre deixar de considerar uma circunstância só qualificativa e violar profundamente o princípio ne bis in idem sofrerá muito menos o direito com a primeira solução” – Direito Criminal, II, pág. 207.
XXI - Quanto à morte da vítima, a punição do arguido deve ser feita com base na moldura penal do art. 137.º, n.º 2, do CP, com prevalência sobre a norma do art. 291.º, n.º 1, al. b), agravada pelo resultado, por existir um concurso aparente de infracções – Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense do Código Penal, Vol. I, pág. 114.
XXII - O que acaba de se referir não tem, contudo, necessariamente, como consequência arredar, de forma definitiva, a aplicação do art. 291.º, sendo possível equacionar a existência de um concurso real do crime de perigo para a segurança das comunicações e do crime de homicídio por negligência, tudo dependendo da verificação que deverá ser levada a efeito sobre “se o círculo de bens jurídicos, cujo perigo de lesão uma determinada norma prevê, coincide com aquele cujo dano um outro proíbe”, caso em que se verifica a consunção – Eduardo Correia, A Teoria do Concurso, pág. 139.
XXIII - As penas acessórias só podem ser pronunciadas conjuntamente com uma pena principal, mas não são um efeito necessário da condenação, desempenhando uma função preventiva adjuvante da pena principal, dirigindo-se também à perigosidade do delinquente: como pena, não prescinde da sua ligação à culpa, sendo até indispensável, nomeadamente segundo a matriz constitucional, que ganhe um específico conteúdo de censura ao facto – Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, págs. 95/96.
XXIV - Importa saber se em caso de negligência inconsciente (v. g., acidente de viação), o agente comete apenas um único crime de homicídio por negligência, mesmo que o acidente tenha causado a morte a uma pessoa e lesões em outras duas, devendo ser punido pelo resultado mais grave, funcionando os outros como agravante a ter em conta na fixação da medida concreta da pena, ou se deve ser punido em concurso efectivo.
XXV - Para aquela posição “só é possível formular «um juízo de censura» por cada comportamento negligente, pelo que a pluralidade de eventos delituosos não pode ter a virtualidade para desdobrar as infracções” – v. Ac. deste Supremo Tribunal de 21/09/05, Proc. n.º 2119/05, que considerou que “embora haja três violações do bem jurídico tutelado pelo art. 148.º do C. P., o arguido é punido pela prática de um só crime de ofensa à integridade física, por negligência, isto porque estamos na presença de um concurso ideal homogéneo, uma vez que o arguido, com uma só acção, violou, por três vezes, a mesma disposição legal”.
XXVI - Tal solução não colhe o apoio da doutrina (Eduardo Correia, A Teoria do Concurso, pág. 109; Pedro Caeiro e Cláudia Santos, RPCC, Ano 6.º, n.º 1, págs. 127 e ss., e Figueiredo Dias, Comentário, Vol. I, pág. 114).
XXVII - Não pode deixar de se considerar que, resultando dum acidente de viação, em que o condutor violou o dever objectivo de cuidado, a morte de alguém e ferimentos em duas pessoas, será imputável ao arguido a prática, não de um crime de homicídio por negligência, mas um concurso ideal heterogéneo, dada a comissão, além do homicídio, de mais dois crimes de ofensas corporais involuntárias.
XXVIII - Como se decidiu no Ac. de 08/01/04 (Proc. n.º 4083/03), que se integra na corrente uniforme do STJ, “a incapacidade parcial permanente constitui fonte de um dano futuro de natureza patrimonial, traduzido na potencial e muito previsível frustração de ganhos, na mesma proporção do handicap físico ou psíquico, independentemente da prova de prejuízos imediatos nos rendimentos do trabalho da vítima”.
XXIX - Com efeito, “a chamada incapacidade funcional ou fisiológica, vulgarmente designada por “handicap” a repercussão negativa da respectiva IPP centra-se precisamente na diminuição da condição física, resistência e capacidade de esforços, por parte do lesado, o que se traduz numa deficiente ou imperfeita capacidade de utilização do corpo, no desenvolvimento das actividades pessoais, em geral, e numa consequente e, igualmente, previsível maior penosidade, dispêndio e desgaste físico na execução das tarefas que, no antecedente, vinha desempenhando, com regularidade.
XXX - Trata-se de indemnizar, a se, o dano corporal sofrido, quantificado por referência ao índice 100 – integridade psicossomática plena –, e não qualquer perda efectiva de rendimento ou de concreta privação da capacidade de angariação de réditos” – Ac. de 06/07/04, Proc. n.º 2084/04.
XXXI - Têm sido considerados indemnizáveis os danos futuros de quem ainda não exerce uma actividade profissional, seja ele uma criança, seja um jovem estudante – cf. Ac. da Relação do Porto de 20/06/05, Proc. n.º 1959/05 e do STJ de 13/01/05, Proc. n.º 3436/05; de 09/11/06, Proc. n.º 3798/06 e de 23/11/06, Proc. n.º 3977/06.
XXXII - A indemnização por danos não patrimoniais tem por finalidade compensar o lesado, ainda que indirectamente, pelos padecimentos sofridos, quer físicos, quer psíquicos, atribuindo-se-lhe uma quantia em dinheiro que lhe permita, de certo modo, alcançar, uma satisfação capaz de atenuar, tanto quanto possível, a intensidade dos sofrimentos que teve de suportar.
XXXIII - Para arbitrar essa importância, formulando um juízo de equidade, o tribunal, para além das circunstâncias referidas no art. 494.º do CC, terá de observar as regras de boa prudência, atendendo à justa medida das coisas, à criteriosa ponderação das realidades da vida, não deixando de atentar nas soluções jurisprudenciais encontradas para casos semelhantes e nos tempos respectivos.
XXXIV - Como se dispõe no art. 806.º do CC, os juros de mora contabilizam-se desde a data da citação da demandada para contestar.

http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/1fae102bc544f491802573b80056c3ea?OpenDocument

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