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sexta-feira, 9 de março de 2012

INSOLVÊNCIA EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE RENDIMENTO DISPONÍVEL - Acórdão do Tribunal da Relação do Porto - 02/02/2012


Acórdãos TRP
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
584/11.8TBVFR-D.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA AMÁLIA SANTOS
Descritores: INSOLVÊNCIA
EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE
RENDIMENTO DISPONÍVEL

Nº do Documento: RP20120202584/11.8TBVFR-D.P1
Data do Acordão: 02-02-2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1

Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: ALTERADA.
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .

Sumário: A exclusão do rendimento disponível prevista na subalínea i) da alínea b) do n.º 3 do art.º 239.º do CIRE tem como limite mínimo o que for razoavelmente necessário para garantir e salvaguardar o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar e como limite máximo o valor equivalente ao triplo do salário mínimo nacional, o qual só pode ser excedido em casos excepcionais, devidamente fundamentados.
Reclamações:

Decisão Texto Integral: Processo nº 584/11.8TBVFR –D. P1 – Apelação 2ª
Tribunal Judicial de Santa Maria da Feira
Relatora: Maria Amália Santos
1º Adjunto: Desembargador Pinto de Almeida
2º Adjunto: Desembargador Teles de Menezes
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
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B… e C…, casados, residentes na …, nº .., .º Dto, Santa Maria da Feira vieram apresentar-se à insolvência e requerer a exoneração do passivo restante.
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Foi proferida decisão no sentido de deferir liminarmente o pedido de exoneração de passivo restante.
Mais se decidiu: “Em consequência determino que durante os cinco anos subsequentes ao encerramento dos presentes autos, o rendimento disponível que os devedores venham a auferir se considera cedido ao fiduciário a nomear, integrando o rendimento disponível todos os rendimentos que advenham a qualquer título aos devedores, com excepção dos créditos a que se refere o art° 115 cedidos a terceiros, pelo período em que a cessão se mantenha, e da quantia correspondente, para cada um, ao valor de um salário mínimo nacional, necessário para o seu respectivo sustento.
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Não se conformando com tal decisão, vieram os A.A. dela interpor recurso de Apelação, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões:
1. Por despacho inicial datado de 28/09/2011, foi deferido o pedido de exoneração do passivo restante apresentado pelos então Requerentes, ora Recorrentes.
2. Porém, foi igualmente determinado que os aqui Recorrentes, durante os cinco anos subsequentes ao encerramento dos presentes autos, cedessem ao fiduciário nomeado, o rendimento disponível que venham a auferir, com a excepção, para cada um, da importância correspondente ao valor de um salário mínimo nacional, necessário para o seu sustento e respectivo agregado familiar.
3. Todavia, os Requerentes têm três filhos menores a cargo, pelo que o valor do rendimento fixado para seu sustento, em termos minimamente dignos, é manifestamente insuficiente.
4. Na verdade, basta ter-se em conta que, se cada membro do agregado familiar gastar 5,00€ por dia, com a sua alimentação, no fim de cada mês, temos um total de 750,00€ dispendidos.
5. Como o rendimento atribuído aos Recorrentes foi de 970,00€, se deduzirmos os gastos com a alimentação, o remanescente ascende à parca quantia de 220,00€.
6. Ora, salvo o sempre devido respeito, que é muito, 220,00 € é uma quantia insuficiente para prover às restantes necessidades de um agregado familiar composto por cinco membros.
7. Com efeito, tal soma não permite pagar despesas com água, luz, telefone, transportes, vestuário, despesas escolares e de saúde, necessárias a um sustento minimamente digno.
8. Por outro lado, a Requerente C… é enfermeira e, sem embargo de residir na cidade de Santa Maria da Feira, exerce a sua profissão no D…, a mais de 30 km de distância.
9. Como é do senso comum, a profissão de enfermeira implica a necessidade de cumprir horários rotativos que, muitas vezes, coincidem com o período nocturno.
10. Portanto, a Requerente C…, pelo menos nas vezes em que tem de prestar trabalho em horário nocturno, precisa de se deslocar em viatura automóvel, com todos os custos inerentes a tal meio de transporte.
11. Além disso, para exercer a sua profissão, tem de estar inscrita na Ordem dos Enfermeiros e pagar as respectivas quotas.
12. Por outro lado, os Recorrentes, em resultado da sua situação financeira que culminou com a sua insolvência, tiveram de deixar de pagar as prestações relativas ao crédito à habitação.
13. Por tal motivo, têm de arrendar um apartamento que, se tiver um mínimo de condições para albergar cinco pessoas, tem um custo mensal não inferior a 600,00€ mensais.
14. Acontece que o artigo 239º, nº3, alínea b), do CIRE, permite que o Meritíssimo Juiz, ao determinar o rendimento minimamente digno ao sustento do devedor e seu agregado familiar, possa chegar a um montante três vezes superior ao salário mínimo nacional, podendo, até, em casos fundamentados, exceder tal valor.
15. Assim sendo, entende-se que se recorrermos a um critério assente em juízos de razoabilidade e equidade, o montante considerado como minimamente digno para sustento dos Requerentes e seu agregado familiar, não poderá ser de valor inferior a dois salários mínimos nacionais, para cada um dos Recorrentes.
16. Nesta conformidade, temos de concluir que o douto despacho recorrido, violou o disposto no artigo 239º, nº3, do CIRE.
Pedem, a final, que seja concedido total provimento ao recurso, nos termos e pelas razões supra descritas e, em consequência, que seja revogada a decisão ora em apreço, na parte em que determina como rendimento digno para o sustento dos Recorrentes e seu agregado familiar, o valor de um salário mínimo nacional para cada um.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:
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O objecto do recurso está delimitado pelas conclusões da recorrente, acima transcritas, sendo que se apreciam apenas as questões invocadas e relacionadas com o conteúdo do acto recorrido e não sobre matéria nova, excepção feita para o que for do conhecimento oficioso.
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Nessa linha de orientação, a questão a decidir, suscitada pelos recorrentes na presente apelação é apenas a de saber se a cessão do rendimento disponível deve ser apenas o excedente ao valor correspondente a duas vezes o salário mínimo nacional para cada um dos recorrentes, nos termos do art. 239.º, nº 1, e nº 2, al. b), i) do CIRE.
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Foram considerados na decisão recorrida, com relevância para a questão a decidir, os seguintes factos:
- Os Requerentes são casados um com o outro;
- O requerente marido é sócio gerente das sociedades comerciais “E…, Lda” e “F…, Lda”, auferindo um vencimento de € 1.014,00;
- A mulher requerente é enfermeira, auferindo um salário no montante de € 1.519,94.
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O CIRE prevê e regula, nos seus art.s 235° e ss., o instituto da exoneração do passivo restante relativamente à insolvência de pessoas singulares.
Assim, "se o devedor for uma pessoa singular, pode ser-lhe concedida a exoneração dos créditos sobre a insolvência que não forem integralmente pagos no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao encerramento deste..." - art.235° do CIRE.
Tal pedido é formulado nos termos do artº 236° do CIRE, sendo o seu processamento subsequente regulado no art.237° daquele diploma legal.
Uma vez formulado o pedido de exoneração, o mesmo pode, desde logo, ser liminarmente indeferido. Tal acontece nas situações previstas no art. 238° do CIRE.
Não o sendo, como foi o caso, é proferido o despacho inicial o qual determina que durante os cinco anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência, chamado período da cessão, o rendimento disponível que o devedor venha a auferir se considera cedido a entidade, designada fiduciário, escolhida pelo tribunal de entre as inscritas na lista oficial de administradores da insolvência, para que esta afecte tal rendimento aos pagamentos que a lei descrimina.
Segundo o n.º 45 do preâmbulo do DL 53/2004, de 18/03, que aprovou o Código da Insolvência e Recuperação de Empresas, “o Código conjuga de forma inovadora o princípio fundamental do ressarcimento dos credores com a atribuição aos devedores singulares insolventes da possibilidade de se libertarem de algumas das suas dívidas, e assim lhes permitir a sua reabilitação económica. O princípio do fresh start para as pessoas singulares de boa fé incorridas em situação de insolvência (…) é agora também acolhido entre nós, através do regime da "exoneração do passivo restante".
O princípio geral nesta matéria é o de poder ser concedida ao devedor pessoa singular a exoneração dos créditos sobre a insolvência que não forem integralmente pagos no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao encerramento deste.
A efectiva obtenção de tal benefício supõe, portanto, que, após a sujeição a processo de insolvência, o devedor permaneça por um período de cinco anos – designado período de cessão – ainda adstrito ao pagamento dos créditos da insolvência que não hajam sido integralmente satisfeitos. Durante esse período, ele assume, entre várias outras obrigações, a de ceder o seu rendimento disponível (tal como definido no Código) a um fiduciário (…), que afectará os montantes recebidos ao pagamento aos credores. No termo desse período, tendo o devedor cumprido, para com os credores, todos os deveres que sobre ele impendiam, é proferido despacho de exoneração, que liberta o devedor das eventuais dívidas ainda pendentes de pagamento.
O art. 239º do mesmo diploma exclui, no entanto, desse rendimento disponível, entre outros, “o que seja razoavelmente necessário para: i) o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar, não devendo exceder, salvo decisão fundamentada do juiz em contrário, três vezes o salário mínimo nacional…”
Como ensinam Carvalho Fernandes e João Labareda in “Código da Insolvência e da recuperação de Empresas anotado” Vol II, anotação ao artº 239º, “As exclusões previstas nas suas alíneas i) e ii) decorrem da chamada função interna do património, enquanto suporte de vida económica do seu titular. Em qualquer delas está em causa essa função.
A subalínea i) refere-se ao sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar.
Decorre do conjunto destas duas subalíneas a prevalência da função interna do património sobre a sua função externa – garantia geral dos credores”
A exclusão prevista na subalínea i), do nº 3 do art. 239º do C.I.R.E. é a resposta natural, forçosa e obrigatória às necessidades e exigências que a subsistência e sustento colocam ao devedor insolvente (e ao seu agregado familiar).
Tal exclusão é exigência do princípio da dignidade humana, contido no princípio do Estado de direito, afirmado no art. 1º da C.R.P. e aludido também no artigo 59º, nº 1, a) da C.R.P. O reconhecimento do princípio da dignidade humana exige do ordenamento jurídico o estabelecimento de normas que salvaguardem a todas as pessoas o mínimo julgado indispensável a uma existência condigna.
Assim, a função interna do património, a que aludem Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, mais não representa que uma aplicação prática daquele princípio supra-constitucional, com assento na primeira fila dos princípios constitucionalmente afirmados.
Esta função interna do património, enquanto alicerce da existência digna das pessoas (suporte da sua vida económica) tem tradução em várias normas da legislação ordinária, designadamente em normas destinadas a conferir justo e adequado equilíbrio entre os conflituantes interesses legítimos do credor (obtenção da prestação) e os interesses do devedor (inalienável direito à manutenção de um nível de subsistência condigno), como são os casos dos artigos 239º, nº 3, b), i) do C.I.R.E. e 824º, nº 1 e 2 do C.P.C.
Estas normas têm o mesmo fundamento axiológico – a garantia do sustento minimamente digno das pessoas (em última análise, a defesa da dignidade humana).
Como refere Menezes Leitão, em CIRE Anotado, 5.ª ed., p. 242., a previsão da cessão do rendimento disponível constitui um ónus imposto ao devedor como contrapartida do facto de ser exonerado do passivo que possuía.
No entanto, o princípio da dignidade humana, contido no princípio do Estado de direito, afirmado no art. 1º da C.R.P. e aludido também no artigo 59º, nº 1, a) da C.R.P., exige que salvaguarde aos devedores o mínimo julgado indispensável a uma existência condigna.
A questão está em determinar o que deve entender-se por “sustento minimamente digno”.
Segundo Carvalho Fernandes e João Labareda (Ob. e local citados) “o legislador adopta um critério objectivo na determinação do que deve entender-se por sustento minimamente digno: três vezes o salário mínimo nacional”. Acrescentando depois que “merece aplauso esta solução, que tem ainda a vantagem de assegurar a actualização automática da exclusão…” e que “O valor assim calculado só pode ser excedido mediante decisão do juiz, devidamente fundamentada.”
A jurisprudência não tem, no entanto, aderido a esta interpretação da norma pois o sentido da mesma é o de que o sustento minimamente digno será fixado até 3 vezes o salário mínimo nacional.
Se esse "sustento" correspondesse ao montante fixo apontado (3 vezes o salário mínimo) não haveria lugar ao cálculo desse valor, como acrescentam os mencionados autores, dando a entender que não completaram anteriormente o seu raciocínio.
A menção ao que seja “razoavelmente necessário” envolve, assim, claramente, um juízo e ponderação casuística do juiz sobre o montante a fixar.
Assunção Cristas adopta também esta interpretação: o rendimento disponível engloba todos os rendimentos que advenham a qualquer título ao devedor, excluindo os montantes que se consideram razoavelmente necessários para o sustento do devedor e do seu agregado familiar (até três vezes o salário mínimo nacional, excepto se, fundadamente, o juiz determinar montante superior).
Na execução singular (art. 824ºdo C.P.C.) determina-se que a impenhorabilidade estabelecida no número 1 do preceito (2/3 dos vencimentos, salários ou prestações de natureza semelhante auferidos pelo devedor e bem assim das prestações periódicas auferidas a título de aposentação ou qualquer outra regalia social) tem como limite máximo o montante equivalente a três salários mínimos nacionais à data de cada apreensão e, como limite mínimo, quando o executado não tenha outro rendimento (e o crédito exequendo não seja de alimentos), o montante equivalente ao salário mínimo nacional.
Na execução universal em que a insolvência se traduz, e no caso particular em que é requerida a exoneração do passivo restante, estabelece a lei o princípio de que todos os rendimentos que advenham ao devedor constituem rendimento disponível, a ser afecto às finalidades previstas no art. 241º do C.I.R.E. (cumprimento das obrigações do devedor), excluindo porém desse rendimento disponível – e, logo dessa afectação do património do devedor ao cumprimento das obrigações para com os seus credores –, o razoavelmente necessário para o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar, não devendo essa exclusão exceder, salvo decisão fundamentada do juiz em contrário, três vezes o salário mínimo nacional.
Temos, pois, que ambos os preceitos estabelecem o montante equivalente a três salários mínimos nacionais como limite máximo: limite máximo para a impenhorabilidade, no caso da execução (art. 824º do C.P.C) e limite máximo para a exclusão do rendimento disponível a ceder ao fiduciário, no caso da insolvência (art. 239º do C.I.R.E.).
A diferença entre os dois regimes é que o nº 2 do art. 824 do C.P.C estabelece um limite mínimo objectivo indexado ao salário mínimo nacional e a norma do C.I.R.E. não menciona qualquer limite mínimo objectivo, aludindo antes a um conceito indeterminado – o razoavelmente necessário para o sustento minimamente digno do devedor e seu agregado.
Para a definição ou determinação do que deva considerar-se por mínimo necessário ao sustento digno do devedor, o legislador optou por utilizar um conceito aberto, a ser densificado pela peculiaridade e singularidade da situação do devedor.
O Tribunal Constitucional tem entendido, particularmente nos casos de penhora, que “o salário mínimo nacional contém em si a ideia de que a remuneração básica estritamente indispensável para satisfazer as necessidades impostas pela sobrevivência digna do trabalhador e que por ter sido concebido como o mínimo dos mínimos não pode ser, de todo em todo, reduzido, qualquer que seja o motivo”. Caso contrário, mostrar-se-á violado o princípio da dignidade humana decorrente do princípio do Estado de Direito, constante das disposições conjugadas dos artigos 1º, 59º, n.º 2, alínea a), e 63º, nºs 1 e 3, da Constituição da República Portuguesa.
O salário mínimo (retribuição mínima mensal – RMM) para vigorar no ano a que os autos se reportam – 2011 – foi fixado em 485,00 € (DL n.º 143/2010, de 31.12.).
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Reportando-nos ao caso dos autos, a questão que se coloca neles é a de saber se o dobro daquele montante para ambos os recorrentes, fixado na decisão recorrida, garante o mínimo adequado e necessário para uma existência condigna dos insolventes e do seu agregado familiar, alegadamente composto por eles e por três filhos menores.
Alegam os recorrentes que na fixação do montante mínimo para a sua sobrevivência deveria ter-se tido em consideração o seu agregado familiar, composto pelos requerentes e por três filhos menores, sendo certo que a quantia global de 970,00 €, que lhes foi concedida, é manifestamente exígua para satisfazer as necessidades daquele agregado familiar.
Mais alegam que a Requerente C… tem como local de trabalho o D…, onde desempenha as funções de enfermeira, e que os Requerentes residem na cidade de Santa Maria da Feira.
Portanto, a Requerente C…, para poder exercer a sua profissão e auferir o salário declarado, tem de se deslocar diariamente da sua residência em Santa Maria da Feira, para ….
No entanto, entre estes duas cidades distam mais de 30 km, o que faz com que a Requerente tenha, muitas vezes, de se deslocar em viatura automóvel, com todos os custos inerentes.
Até porque, como resulta do senso comum e das regras da experiência, as enfermeiras desempenham as suas funções, muitas vezes com turnos rotativos, onde se incluem muitas horas de trabalho nocturno, o que muitas vezes inviabiliza o recurso a transportes públicos.
Além de que, para poder exercer a sua profissão, a Requerente tem de estar inscrita na Ordem dos Enfermeiros, onde paga um quota mensal, de cerca de 10,00€.
Por fim, dizem que em resultado da situação de insolvência em que os Recorrentes se encontram, não puderam cumprir os pagamentos a que estavam adstritos, em virtude de terem celebrado um contrato de crédito à habitação.
Deste modo, os Requerentes vão ter de recorrer ao mercado do arrendamento, sendo que, um apartamento capaz de conseguir albergar 5 pessoas com um mínimo de dignidade, obriga ao pagamento de uma renda de, pelo menos, 600,00€ por mês.
Concluem, assim, que as suas despesas mensais excedem os montantes que lhes foram fixados no despacho inicial como rendimento minimamente digno, para estes e seu agregado familiar.
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Na decisão recorrida, ponderou-se apenas que os Requerentes são casados um com o outro; que o requerente marido é sócio gerente das sociedades comerciais “E…, Lda” e “F…, Lda”, auferindo um vencimento de € 1.014,00; e que a mulher requerente é enfermeira, auferindo um salário no montante de € 1.519,94.
Com base nesses factos considerou-se que deveria ser atribuído a cada um deles o valor correspondente a um salário mínimo nacional, ou seja, o valor global de € 970,00, quantia suficiente para garantir o seu sustento, ficando o remanescente (no valor de € 1.563.94) para o fiduciário.
Ora, da mesma decisão, para além da referência aos factos mencionados, nada mais de concreto resulta, nomeadamente a composição do agregado familiar dos requerentes e a situação profissional da requerente C….
Compulsados os autos também nada existe neles que nos permita apurar da veracidade das alegações dos requerentes, nomeadamente sobre a composição do seu agregado familiar.
Solicitada à 1ª Instância cópia da p.i. apresentada pelos requerentes, constatamos que eles, de facto, alegaram, não naquela peça processual, mas em requerimento autónomo junto com a mesma, intitulado “Documento artº 24º do CIRE”, que “…fruto do seu casamento têm três filhos menores a seu cargo.”
Tal facto não mereceu contestação nos autos, tendo os requerentes junto agora, com as suas alegações de recurso, as certidões de nascimento dos filhos menores, pretendendo que se considerem tais documentos na apreciação do recurso.
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A falta de consideração na decisão recorrida do facto alegado pelos requerentes – a existência de três filhos menores a cargo daqueles –, constitui, a nosso ver, a omissão de um facto relevante para a decisão da causa, sendo muito importante para a determinação do rendimento a reter pelos requerentes, a sua real situação económica e financeira, para a qual contribui, como é evidente, a composição do seu agregado familiar.
Tal omissão, traduzida numa deficiência da matéria de facto (sobre aquele ponto concreto), a determinar a anulação da decisão nos termos previstos no artº 712º nº 4 do CPC, pode ser por nós suprida, considerando que constam do processo os elementos probatórios (as certidões de nascimento dos menores) que permitem a reapreciação daquela matéria de facto, acrescentando-se à mesma aquele facto, que se mostra, a nosso ver, muito relevante para a decisão equilibrada da questão suscitada pelos recorrentes.
Tais elementos probatórios são, como se disse, as certidões de nascimento dos menores, juntas com as alegações de recurso, que comprovam, de facto, que os requerentes têm a seu cargo três filhos menores, como alegaram oportunamente.
O mesmo se não passa já com os demais factos alegados pelos requerentes, relacionados com a situação profissional da requerente C… e com as despesas que tal profissão lhe acarreta.
Pois contrariamente ao alegado pelos recorrentes, nenhum dos factos mencionados foram por eles alegados, em sede própria – na petição inicial.
Com efeito, a sede própria para a alegação dos factos e para a junção dos documentos é com a formulação do pedido de exoneração do passivo restante (art. 236.º do CIRE), em cujo incidente se insere a cessão do rendimento disponível, nos termos do mencionado art. 239.º.
O art. 236º nº 3 impõe, de facto, que do requerimento de exoneração do passivo restante conste expressamente a declaração de que o devedor preenche os requisitos e se dispõe a observar todas as condições que a exoneração envolve e estão estabelecidas nos artigos seguintes.
De entre essas condições consta a obrigação de cessão do rendimento disponível, que o juiz define em despacho inicial, valendo o mesmo como admissão do pedido de exoneração, mas que tem como função específica fixar as condições que devem ser observadas pelo devedor para, posteriormente, poder ser proferido o despacho de que depende a exoneração efectiva (art.s 237.º-b) e d), 239.º e 244.º DO CIRE).
Assim, dando cumprimento às disposições legais citadas, era na formulação do pedido de exoneração do passivo restante, formulado no requerimento de apresentação à insolvência, que o devedor tinha de oferecer as provas suficientes à fixação pelo juiz da quantia necessária para o seu sustento minimamente digno e do seu agregado familiar.
Ora, dos elementos solicitados à 1.ª instância verifica-se que do requerimento inicial, no qual se apresentaram à insolvência e pediram a exoneração do passivo restante, os devedores apenas invocaram, além dos seus rendimentos e as fontes dos mesmos, a composição do seu agregado familiar. Nada referiram quanto a despesas, nomeadamente as agora alegadas (tidas pela requerente C… com a sua profissão).
Não tendo aduzido esses factos, apenas invocados agora em sede de recurso, os mesmos integram matéria nova, subtraída à apreciação do Tribunal “a quo”, pelo que não pode tal matéria ser por nós avaliada.
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Assim, à luz dos factos dados como provados na 1ª Instância, aos quais acrescentamos agora o de que os requerentes têm três filhos menores a cargo, haverá que apreciar então a situação económica dos requerentes e aferir se lhe deverá ser atribuída a quantia por eles pretendida, correspondente a 4 salários mínimos nacionais.
Como se disse, a decisão recorrida fixou o valor de dois salários mínimos nacionais (fixado em € 485, pelo DL n.º 143/2010, de 31.12.) como o valor adequado e necessário para uma existência condigna dos insolventes.
Ora, considerando que se trata de um agregado familiar composto por cinco pessoas, dois adultos e três crianças, aquele valor mostra-se, a nosso ver, insuficiente.
Não tendo, no entanto, ficado provado que os requerentes tenham despesas extraordinárias, para além das decorrentes de uma vida normal, nelas se incluindo as despesas com viatura automóvel, a quantia correspondente a três salários mínimos nacionais (€ 1.455,00), para os requerentes e para os seus três filhos menores, é considerada, embora uma remuneração básica, suficiente para satisfazer aquelas necessidades.
Se tal montante vai implicar para os recorrentes (e para a sua família) uma vida com privações, não podemos esquecer que essa é a situação em que se encontra parte significativa dos portugueses, que vivem exclusivamente do rendimento correspondente ao salário mínimo nacional, sem contar com aqueles que vivem com quantia inferior, como sejam os que vivem do rendimento social de inserção.
Se assim não fosse, se pouco ou nada dispusessem para pagar aos seus credores, nos próximos cinco anos, tal não acarretaria qualquer esforço da sua parte na obtenção do fresh start após exoneração do passivo restante.
Os insolventes têm de consciencializar-se que os credores aguardam a satisfação dos seus créditos, mesmo que parcialmente, e que o período de cessão visa, precisamente, afectar o seu rendimento disponível (caso ele venha a ser superior ao que lhe é destinado) a esse cumprimento, com a consequente redução do seu nível de vida.
Aliás, numa execução singular seria impenhorável apenas o equivalente ao salário mínimo nacional do devedor.
Ora, sendo a insolvência um processo de execução universal, não se justifica, designadamente para proteger os insolventes que eles tenham um tratamento mais favorável que o estabelecido para a execução singular.
Situação de favor é-lhe já concedida pelo instituto de exoneração do passivo, ao limitar a cessão de rendimentos aos próximos 5 anos.
A exoneração do passivo restante não pode ser vista como a possibilidade de o insolvente se libertar, quase automaticamente, da responsabilidade de satisfazer as obrigações para com os seus credores durante o período de cessão.
O maior rigor na execução do seu orçamento familiar, sem quebra do que se considera o sustento minimamente digno do seu agregado, e a afectação do rendimento disponível resultante dessa melhor execução, por muito pouco que seja, para a satisfação das obrigações para com os credores, constituem as condições para que, no termo desse período de cinco anos, o insolvente se veja completamente liberto das dívidas ainda pendentes de pagamento.
Assim, considerando os elementos existentes nos autos, entende-se como justa e equilibrada a decisão de fixar aos requerentes o valor de três salários mínimos nacionais.
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Sumariando o acórdão, nos termos do art. 713º, nº 7 do C.P.C.:
O art. 239º, nº 3, b), i) do C.I.R.E. deve interpretar-se no sentido de que a exclusão aí prevista tem como limite mínimo o que seja razoavelmente necessário para garantir e salvaguardar o sustento minimamente digno do devedor e seu agregado familiar e como limite máximo o valor equivalente ao triplo do salário mínimo nacional (valor máximo este que só pode ser excedido em casos excepcionais, devidamente fundamentados).
*
DECISÃO:
Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente a Apelação, e, em consequência, altera-se a decisão proferida, no sentido de fixar o rendimento dos insolventes no valor equivalente a três salários mínimos nacionais, considerando-se cedido o valor que exceda aquele montante.
Custas pela massa insolvente.

Porto, 2.2.2012.
Maria Amália Pereira dos Santos Rocha
Fernando Manuel Pinto de Almeida
Trajano A. Seabra Teles de Menezes e Melo

http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/92e604bcbf78ee7e802579a30032fe18?OpenDocument&Highlight=0,insolv%C3%AAncia

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