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terça-feira, 31 de janeiro de 2012

ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES FUNDO DE GARANTIA DE ALIMENTOS A MENORES - Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães - 17-11-2011


Acórdãos TRG
Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1385/03.2TBFAF-B.G1
Relator: RITA ROMEIRA
Descritores: ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES
FUNDO DE GARANTIA DE ALIMENTOS A MENORES

Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 17-11-2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S

Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE

Sumário: A prestação a cargo do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores é devida, pelo mesmo, a partir do mês seguinte ao da notificação da correspondente decisão do tribunal, que fixa o pagamento da prestação a cargo do Fundo e, não contempla prestações vencidas anteriormente.


Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães
I – RELATÓRIO

Por requerimento apresentado em 23/10/2008, S… , progenitora da menor T… veio deduzir incidente de incumprimento da prestação de alimentos a favor da menor, alegando que o progenitor, J… , não pagou nenhuma das prestações fixadas, por decisão de Janeiro de 2005, na quantia mensal de € 150,00, que o mesmo ficou obrigado a prestar a título de alimentos à menor, tendo sido a requerente que tem providenciado pelo seu sustento e educação, acrescendo o facto de o montante da pensão nunca ter sido actualizado apesar de a menor entretanto ter necessidades superiores às que tinha naquela data, tendo a requerente conhecimento que o requerido tem possibilidades de pagar a referida quantia, mas se se vier a apurar que tal não acontece desde já requer que seja accionado o fundo de garantia de alimentos devidos a menores para que os pague.

Com estes fundamentos, requer que seja o requerido notificado para proceder ao depósito da quantia, de 7 194,00€ ou se assim não se entender por ser considerado que as actualizações ainda não são devidas a quantia de 6 600,00€ bem como ao pagamento mensal da quantia referente aos alimentos da menor Tatiana, bem como seja actualizado a pensão mensal para o valor de 163,50€ mensais, por via da actualização necessária para fazer face à desvalorização da moeda, aumento do custo de vida e taxa da inflacção anual que tem sido de 3%.

Notificado o pai da menor nos termos do artº 181, nº2 da OTM nada alegou, expondo apenas o que consta a fls. 10 dos autos.

Foi efectuada conferência de pais (à qual não compareceu o pai da menor), tendo sido tomadas declarações à mãe e solicitada à SS a realização de inquérito sobre a situação social, moral e económica dos pais.

Juntos os relatórios e, na falta de contestação por parte do pai, na sequência de promoção do Ministério Público foi proferido despacho que julgou verificado o incumprimento, em 1.10.2009.

A requerimento da requerente, o Ministério Público em 13.10.2010, em representação da menor, requereu a fixação do montante a prestar pelo Estado à menor em substituição do devedor J… , a cargo do Fundo de Garantia de Alimentos devidos a Menores.

Realizadas as diligências tidas por necessárias, foi proferida a seguinte decisão:

1. Fixo em €150,00 (cento e cinquenta euros) a prestação mensal a pagar pelo Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores à menor T… .

2. Tal pagamento terá início no mês seguinte ao da notificação da presente decisão e contemplará as prestações vencidas desde a data da decisão do incumprimento, ou seja, 1/10/2009.

3. Tal quantia será actualizada anualmente em função do índice de preços ao consumidor publicado pelo INE, mas nunca inferior a 5%.

4. Tal quantia deverá ser remetida directamente à mãe da menor, residente na Avenida de São Clemente, nº 60, em Silvares, São Clemente, 4820-645 em Fafe.

Não concordando com essa decisão, o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP veio interpor recurso, formulando as seguintes conclusões:

O Ministério Público respondeu apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões:

(…)

Foram colhidos os vistos legais.

Atendendo às conclusões das alegações do Apelante – pelas quais se define o objecto e delimita o âmbito do recurso – a única questão que se coloca e há que apreciar e decidir é determinar o momento a partir do qual é devida a prestação a pagar pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores fixada na sentença.

II – FUNDAMENTAÇÃO

Na 1ª instância consideraram-se provados os seguintes factos:

1) A menor T… nasceu no dia 13 de Abril de 1997, tendo actualmente 13 anos de idade.

2) A menor é filha de S… e de J… .

3) Por decisão de 21/01/2005, a menor ficou entregue à guarda e cuidados da mãe, ficando o progenitor obrigado a contribuir com a quantia de €150,00 por mês.

4) O progenitor não pagou a pensão de alimentos a que estava obrigado.

5) Por decisão datada de 01/10/2009 foi julgado procedente o alegado incumprimento.

6) A progenitora nasceu no dia 23/04/1978, tendo actualmente 32 anos de idade e é divorciada.

7) A progenitora reside com os dois filhos: a T… e o P… (este último, filho do seu companheiro de que se separou recentemente).

8) Reside em casa arrendada, com 2 quartos, sala, cozinha e 2 WCs.

9) A progenitora é professora e recebe €1.373,13 de vencimento por mês, estando penhorado cerca de €384,72, pelo que recebe, na prática, uma média de €800,00 mensais.

10) A progenitora recebe €53,08 de prestações familiares.

11) O agregado familiar da progenitora suporta mensalmente o montante global de €657,00 em despesas fixas, ao que acrescem as despesas com alimentação, vestuário, calçado, médica, transporte e educação.

12) O progenitor do menor P… não contribui para o seu sustento.

13) O progenitor nasceu no dia 06/05/1965, tendo actualmente 45 anos de idade e é divorciado.

14) O progenitor reside sozinho, em casa antiga, arrendada, composta por 2 quartos, casa de banho, sala, duas cozinhas e um anexo.

15) Encontra-se desempregado desde Maio de 2010 e recebe de subsídio de desemprego o montante de €267,00.

16) Tem como despesas mensais €220,00.

*

Nos termos do art. 1º da Lei nº 75/98 de 19/11, “Quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos a menor residente em território nacional não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189.º do Decreto-Lei n.º 314/78, de 27 de Outubro, e o alimentado não tenha rendimento líquido superior ao salário mínimo nacional nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, o Estado assegura as prestações previstas na presente lei até ao início do efectivo cumprimento da obrigação”.

E, nos termos do art. 6º nº 2, da mesma lei, o pagamento das prestações fixadas nos termos desta lei é assegurado pelo Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores.

A Lei nº 75/98 foi regulamentada pelo Dec. Lei nº 164/99 de 13/05, onde se consignou, no nº1, do art. 3º, o que já se mostrava consignado no art. 1º daquela Lei nº 75/98, referindo-se no nº 2 do mesmo art. 3º que: “Entende-se que o alimentado não beneficia de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, superiores ao salário mínimo nacional, quando a capitação de rendimentos do respectivo agregado familiar não seja superior àquele salário”.

Mais recentemente, foi publicado o Dec. Lei nº 70/2010 de 16/06, anterior à prolação da decisão impugnada, o qual veio estabelecer novas regras de capitação dos rendimentos, alterando, assim, os requisitos de que, até aí, dependia a obrigação do Fundo, supra referida.

Este diploma, estabelecendo, nos termos do seu art. 1º, nº 1, as regras para a determinação dos rendimentos, composição do agregado familiar e capitação dos respectivos rendimentos para a verificação das condições de recursos a ter em conta no reconhecimento e manutenção do direito a diversas prestações dos subsistemas de protecção familiar e de solidariedade, determinou, de forma expressa, no seu art. 1º, nº 2, alínea c), que tais regras são aplicáveis ao pagamento das prestações de alimentos, no âmbito do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores e alterou o art. 3º do Dec. Lei nº 164/99, cujo nº 3 passou a ter a seguinte redacção: “O conceito de agregado familiar, os rendimentos a considerar e a capitação de rendimentos, referidos no número anterior, são calculados nos termos do Dec. Lei nº 70/2010, de 16 de Junho”.

É este o diploma a ter, então, em atenção para se proceder ao cálculo da capitação do agregado familiar. Pois, sendo, várias as normas e vários os diplomas que regem a matéria de alimentos a menores, deve procurar interpretar-se o conteúdo das diversas disposições, inferindo-o dos factores racionais que as inspiraram, da génese histórica que as prendem a leis anteriores e do modo como se conexionam no sistema.

A este propósito ver, Castanheira Neves, na obra “Metodologia Jurídica, Problemas Fundamentais”, BFD – Universidade de Coimbra, 1993, página 84, onde o Professor ensina que “o problema jurídico-normativo da interpretação não é o determinar a significação, ainda que significação jurídica, mas o de obter dessas leis ou normas um critério prático normativo adequado de decisão dos casos concretos (…). Uma boa interpretação não é aquela que, numa pura perspectiva hermenêutica-exegética, determina correctamente o sentido textual da norma; é antes aquela que numa perspectica prático-normativa utiliza bem a norma como critério da justa decisão do problema concreto”.

Para se determinar a finalidade prática da norma, é preciso atender às relações da vida, para cuja regulamentação a norma foi criada, cfr. refere Francesco Ferrara, in “Interpretação e Aplicação das Leis”, 3ª edição, página 141.

O escopo prático que os vários preceitos citados visam atingir é o da garantia, por parte do Estado, de que todas as crianças tenham acesso a condições mínimas de subsistência, cumprindo-se desse modo, não só os imperativos constitucionais (artigo 69º da CRP), mas também as normas vinculativas do direito internacional, maxime, a Convenção sobre os Direitos da Criança.

Tendo-se em atenção, no caso em análise que, pese embora, estarmos perante uma situação de atribuição de alimentos a menores, o escopo subjacente às normas que regulam no caso, fixando a prestação a cargo do fundo, são diferentes daquelas que determinaram a consagração do dever de alimentos por parte dos progenitores. A razão de ser, de umas e outras, são diferentes, enquanto a primeira deriva de uma obrigação social de protecção aos menores, a última deriva do dever natural, das obrigações resultantes de se ser pai.

A decisão em recurso considerou verificados os pressupostos de que dependia a obrigação do Fundo de Garantia, na medida em que, não sendo possível tornar efectiva a prestação de alimentos a que o progenitor/requerido estava obrigado, através dos meios estabelecidos no art. 189º da OTM, pois o mesmo encontra-se desempregado, recebendo subsídio de desemprego no montante de € 267,00 e por o rendimento mensal da alimentada não ser superior ao salário mínimo nacional, fixou a prestação mensal a pagar pelo Fundo em € 150, 00. No mesmo valor que tinha sido fixado a cargo do progenitor/incumpridor.

A decisão, neste aspecto não mereceu qualquer reparo ou crítica, por parte dos intervenientes processuais, sendo objecto do recurso interposto, apenas, a questão do momento a partir do qual é devida essa prestação fixada a cargo do Fundo de Garantia. Discordando o impugnante do decidido a este respeito, no que é acompanhado pelo Ministério Público.

Vejamos, então, se a apelação procede.

A decisão recorrida considerou que o pagamento, da prestação mensal a pagar pelo Fundo de Garantia dos Alimentos devidos a menores, terá início no mês seguinte ao da notificação da decisão e contemplará as prestações vencidas desde a data da decisão do incumprimento, ou seja, 1/10/2009.

E, é precisamente nesta parte em que se decidiu que o Fundo pagará as prestações vencidas desde a data da decisão que declarou o incumprimento, que os intervenientes discordam da mesma, defendendo o Fundo que não lhe incumbe o pagamento de prestações vencidas antes da decisão que fixou a prestação a seu cargo, o que o Ministério Público acompanhou e, que desde já adiantamos, também, ser o nosso entendimento.

Face a isso e, pelas razões a seguir expostas, a final, a procedência do recurso será declarada.

É certo que a decisão proferida pelo Tribunal a quo, tem tido defensores, no entanto, consideramos não ser a defensável, perante a mais recente, nomeadamente, a última jurisprudência uniformizadora do STJ e o mais recente Ac. do TC, sobre esta questão, proferido em Plenário e relatado pelo Ex.mo Sr. Conselheiro Vítor Gomes.

Efectivamente, esta questão tem sido objecto de ampla controvérsia na nossa jurisprudência, em cujas decisões se manifestavam, fundamentalmente, três posições divergentes.

Uma delas sustentava que ao Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores apenas compete assegurar o pagamento das prestações de alimentos devidas a menores, no mês seguinte ao da notificação da decisão do tribunal, cfr. entre outros os acórdãos do STJ de 10/07/2008 e de 30/09/2008, os acórdãos da Relação do Porto de 27/06/2006 e de 07/12/2005 e o acórdão da Relação de Lisboa de 13/03/2008, todos in www.dgsi.pt.

Uma outra sustentava que o pagamento, apesar de se iniciar no mês seguinte ao da notificação da decisão, reporta-se e abrange as prestações vencidas desde a data em que foi formulado o pedido contra o Fundo, cfr. entre outros, o acórdão do STJ de 10/07/2008, os acórdãos da Relação do Porto de 08/03/2007 e de 14/12/2006, os acórdãos da Relação de Lisboa de 17/06/2008, 13/12/2007 e 10/04/2008, os acórdãos da Relação de Coimbra de 27/05/2008 e 03/05/2006 e o acórdão da Relação de Évora de 10/05/2007, todos in www.dgsi.pt..

E, uma última das referidas correntes jurisprudenciais considerava que a responsabilidade do Fundo abrangia também as prestações acumuladas, já vencidas e não pagas pela pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos, cfr. entre outros, o acórdão do STJ de 31/01/2002, os acórdãos da Relação de Lisboa de 24/11/2005, 09/06/2005 e 08/05/2008, os acórdãos da Relação do Porto de 25/10/2004, 21/09/2004 e 22/11/2004 e o acórdão da Relação de Coimbra de 15/11/2005, todos in www.dgsi.pt..

A corrente jurisprudencial, supra mencionada, segundo a qual ao Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores apenas compete assegurar o pagamento das prestações de alimentos devidas a menores, a partir do mês seguinte ao da notificação da decisão do tribunal baseia-se no art. 4º, nº 5, do Dec. Lei nº 164/99 de 13/05 onde se determina que o centro regional de segurança social inicia o pagamento das prestações, por conta do Fundo, no mês seguinte ao da notificação da decisão do tribunal, invocando os defensores dessa corrente que, através da citada norma, o legislador fixou a data a partir da qual é devida a prestação substitutiva pelo FGADM.

Mas, apesar dos que assim pensam, as decisões a esse respeito não têm sido unânimes e, essa controvérsia jurisprudencial veio dar origem ao Acórdão do STJ de 07/07/2009, in www.dgsi.pt, que veio uniformizar jurisprudência nos seguintes termos: “A obrigação de prestação de alimentos a menor, assegurada pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, em substituição do devedor, nos termos previstos nos artigos 1º da Lei nº 75/98, de 19 de Novembro, e 2º e 4º, nº5, do Decreto-Lei nº 164/99, de 13 de Maio, só nasce com a decisão que julgue o incidente de incumprimento do devedor originário e a respectiva exigibilidade só ocorre no mês seguinte ao da notificação da decisão do tribunal, não abrangendo quaisquer prestações anteriores”.

O STJ acolheu a primeira corrente, acima referida, segundo a qual ao Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores apenas compete assegurar o pagamento das prestações de alimentos devidas a menores, no mês seguinte ao da notificação da decisão do tribunal e uniformizou jurisprudência nesse sentido.

Mas, pese embora isso, não se conseguiu, até ao momento, obter consenso a nível de decisões, reflexo disso, além das decisões a nível da 1ª instância, como é a aqui em recurso, têm sido as decisões proferidas no Tribunal Constitucional que têm assumido posições diferentes. Já depois do AUJ do STJ, os Acs. do TC nº 54/11 e nº 400/11, o primeiro decide de forma divergente ao AUJ e o último vai de encontro ao decidido no AUJ.

Ora, como é sabido, os acórdãos de Uniformização de Jurisprudência não têm carácter vinculativo para os Tribunais, ao contrário do que acontecia com os anteriores Assentos.

Mas isso não significa, nem pode significar, que o julgador possa e deva tomar as suas decisões de acordo com a interpretação da lei que entende ser a mais correcta com total desconsideração pela jurisprudência uniformizada.

Sendo dessa forma, a Uniformização de Jurisprudência seria um instituto criado pelo legislador sem qualquer utilidade, na medida em que a controvérsia jurisprudencial que antes existia, sobre a questão que decidiu, continuaria a existir nos mesmos termos, com prejuízo para a segurança jurídica e igualdade de tratamento. Valores que são, sem dúvida, postos em crise quando existe grande divisão na jurisprudência acerca da mesma questão de direito e que a uniformização de jurisprudência pretende salvaguardar.

Pois, como se defende in “Recursos em Processo Civil, Novo Regime”, págs. 443 e 444, de Abrantes Geraldes, a jurisprudência uniformizada do STJ, embora não seja vinculativa, tem força persuasiva e, como tal, deverá merecer da parte de todos os juízes uma atenção especial. Assim, afirma, “…o respeito pela qualidade e pelo valor intrínseco da jurisprudência uniformizada do STJ conduzirá a que só razões muito ponderosas poderão justificar desvios de interpretação das normas jurídicas em causa (v.g. violação de determinados princípios que firam a consciência jurídica ou manifesta desactualização da jurisprudência face à evolução da sociedade)”. “A discordância, a existir, deve ser antecedida de fundamentação convincente, baseada em critérios rigorosos, em alguma diferença relevante entre as situações de facto, em contributos da doutrina, em novos argumentos trazidos pelas partes e numa profunda e serena reflexão interior”.

Referindo, ainda que, para contrariar a doutrina uniformizada pelo STJ, é necessário que existam fortes razões ou circunstâncias especiais que o justifiquem.

Neste mesmo sentido veja-se o Ac.STJ de 14/05/2009, in www.dgsi.pt, que se pronunciou do seguinte modo: “…O Acórdão Uniformizador de Jurisprudência não é, ao contrário dos antigos Assentos, estrita e rigorosamente vinculativo, antes representando jurisprudência qualificada; No entanto, a sua componente vinculativa surge acentuada para as instâncias – como resulta v.g., do nº2, alínea c) do artigo 678 do Código de Processo Civil – sendo meramente persuasiva, e mutável, para o Supremo Tribunal de Justiça…”.

Daqui resulta que a decisão que uniformiza jurisprudência, não sendo estrita e rigorosamente vinculativa, cria uma jurisprudência qualificada, mais persuasiva e a merecer maior ponderação.

Devendo, assim, concluir-se que a decisão que uniformiza jurisprudência deve, em princípio, ser respeitada, a não ser que existam novos factos, argumentos, razões ou circunstâncias que, não tendo sido considerados no acórdão uniformizador, possam justificar uma nova e diferente decisão. Não aplicar a doutrina uniformizada pelo STJ não pode fundamentar-se na mera discordância da interpretação da lei que lhe esteve subjacente e com base nos mesmos argumentos que já eram utilizados anteriormente pela corrente jurisprudencial que defendia posição diversa daquela que veio a ser acolhida no acórdão uniformizador. Decidir não aplicar a doutrina uniformizadora pressupõe que se fundamente, essa decisão, devidamente com base em novos argumentos e novas circunstâncias que justifiquem a desconsideração da mesma.

Assim e, em termos conclusivos, tal como defende o recorrente, também nós, como já referimos, somos de entender que, por ora, se deve seguir o entendimento preconizado pelo AUJ. Pois, não nos surgem argumentos novos e suficientes para que nos afastemos da doutrina ali uniformizada.

Conforta-nos esta posição a análise que tem vindo a ser feita a este propósito pelo Tribunal Constitucional.

Com efeito, se o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 54/2011 de 01/02/2011, decidiu “Julgar inconstitucional, por violação do disposto nos artigos 69.º, n.º 1, e 63.º, n.º 1 e 3, da Constituição, a norma constante do artigo 4.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio, na interpretação de que a obrigação do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores assegurar as pensões de alimentos a menor judicialmente fixadas, em substituição do devedor, só se constitui com a decisão do tribunal que determine o montante da prestação a pagar por este Fundo, não sendo exigível o pagamento de prestações respeitantes a períodos anteriores a essa decisão” e nesse sentido também se pronunciaram os Acórdãos do mesmo Tribunal de 03/03/2011 e 22/03/2011, com os nºs 131/2011 e 149/2011, respectivamente.

Já, as mais recentes decisões pronunciaram-se de encontro ao decidido no AUJ. Veja-se o Acórdão nº 400/2011 de 22/9/2011, proferido em Plenário, onde se lê: “decide-se não julgar inconstitucional a norma constante do artigo 4.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio, na interpretação de que a obrigação de o Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores assegurar as prestações a menor judicialmente fixadas, em substituição do devedor de alimentos, só se constitui com a decisão do tribunal que determine o montante da prestação a pagar por este Fundo, não sendo exigível o pagamento de prestações respeitantes a períodos anteriores a essa decisão”, e neste mesmo sentido, ainda mais recente, o Acórdão com o nº 506/2011 de 12/10/2011.

Ora, se já antes destes últimos acórdãos, entendíamos que não era de nos afastarmos da doutrina uniformizada pelo STJ, porque, pese embora aquele outro acórdão do TC nº 54/2011, não configurava qualquer declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral que seja vinculativa, tal torna-se, agora ainda mais acentuado, com a decisão do TC proferida em Plenário, que se pronuncia pela constitucionalidade da norma no sentido em que a mesma é interpretada pelo AUJ.

Diga-se que, os argumentos, referidos no acórdão nº 54/2011, para decidir pela inconstitucionalidade, eram já utilizados por determinadas posições jurisprudenciais que defendiam uma solução diferente daquela que veio a ser adoptada pelo STJ e, agora, seguida no acórdão nº 400/2011 e, por outro lado, são argumentos que sempre poderão ser contornados com a possibilidade de solicitar e decretar uma prestação provisória, como aliás dá nota o AUJ, quando refere que a Lei 75/98 acautela a situação dos menores, face a uma possível demora na tramitação do incidente, ao prever no nº2 do seu art. 3º que o juiz pode estabelecer uma prestação de alimentos provisória, quando a pretensão do requerente for justificada e urgente – não havendo, em nenhum caso, lugar à restituição dos alimentos provisórios recebidos.

Concordamos que esta opção legislativa, “substitutiva” de uma imposição automática ao FGADM da responsabilidade pelas prestações alimentares devidas desde o início do processo, mesmo antes da decisão judicial que decretou a sua responsabilidade, se conforma, com a natureza constitucional e fundamental da protecção devida aos menores, compatível com a exigência de eficácia e celeridade na tutela do menor carenciado de alimentos, permitindo garantir a subsistência deste durante o período temporal que durar o incidente, até nele ser proferida decisão condenatória final, “constitutiva” da responsabilidade definitiva do Fundo.

No prosseguimento desta interpretação estará, sem dúvida, assegurada a tutela célere, eficaz e sem hiatos temporais do direito fundamental às prestações alimentares do menor carenciado, satisfeitas, após o momento do incumprimento, pelo Estado/ segurança social, primeiro na sequência de uma decisão cautelar e urgente, a proferir liminarmente em tal procedimento, se necessário em consequência de suscitação da questão pelo Ministério Público ou pelo mandatário judicial que patrocine a requerente, (assim, obrigatoriamente urgente e rápida) e, posteriormente, por via da definitiva condenação do Fundo, decidida no termo do incidente de incumprimento.

Por todo o exposto e, por partilharmos a doutrina adoptada pelo STJ, a qual consideramos que acautela e defende os interesses dos menores carenciados e, por considerarmos que a mesma não viola qualquer norma constitucional, decidimos que, as prestações a pagar pelo Fundo de Garantia de Alimentos apenas são devidas a partir do mês seguinte ao da notificação do tribunal, razão pela qual se revoga, nesta parte, a decisão recorrida e, se julga procedente a apelação.

*

SUMÁRIO (nos termos do disposto no art. 713º, nº 7 do CPC):

I - A prestação a cargo do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores é devida, pelo mesmo, a partir do mês seguinte ao da notificação da correspondente decisão do tribunal, que fixa o pagamento da prestação a cargo do Fundo e, não contempla prestações vencidas anteriormente.

*

III - DECISÃO

Em conformidade com o que ficou exposto, julgamos totalmente procedente a apelação e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida na parte em que decidiu que o pagamento a efectuar pelo FGADM contemplará as prestações vencidas desde a data da decisão do incumprimento, ou seja, 1/10/2009.

Sem custas, por o recorrente delas estar isento.

Notifique.

Guimarães, 17 de Novembro de 2011

Rita Romeira

Amílcar Andrade

José Rainho

http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/ac3a0da7d889d49a8025796600516a5a?OpenDocument

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

SIGILO BANCÁRIO RESERVA DA INTIMIDADE DA VIDA PRIVADA - Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães - 10-11-2011

Acórdãos TRG
Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
855/10.0TBFAF.G1
Relator: ANTÓNIO SOBRINHO
Descritores: SIGILO BANCÁRIO
RESERVA DA INTIMIDADE DA VIDA PRIVADA

Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10-11-2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S

Meio Processual: QUEBRA DE SIGILO
Decisão: DISPENSADO O SIGILO

Sumário: Segundo o critério do interesse preponderante ou prevalecente, na pendência de inventário subsequente a divórcio, o interesse na administração da justiça prevalece sobre os valores que determinam o sigilo bancário, como a reserva de intimidade da vida privada, na sua vertente patrimonial, de um dos cônjuges, quando a obtenção da informação relativa a contas bancárias é imprescindível ao relacionamento dos bens que possam integrar esse património comum e reporta-se ao período de tempo de vida conjunta do casal.


Decisão Texto Integral: I – Relatório;

Recorrente: Manuel… ;
Recorrida: Maria… ;

*****

Nos autos de inventário para partilha de bens, na sequência de divórcio, em que é requerente a aqui recorrida e requerido/cabeça de casal o aqui recorrente, o Sr. Juiz proferiu despacho ordenando à Caixa Geral de Depósitos SA que prestasse as informações bancárias solicitadas pelo requerido/cabeça de casal.
Esta instituição escusou-se a fornecer a informação pedida, invocando o sigilo bancário, sendo que a ora recorrida também não consentiu em tal autorização.
Em face disso, o apelante veio, como incidente no referido processo, requerer a dispensa do dever de segredo bancário.


II – FUNDAMENTAÇÃO
Para a decisão do presente incidente, há a considerar o seguinte:
No processo principal, de que o presente é um incidente, correm termos os autos de inventário para partilha de bens subsequente a divórcio entre o apelante e apelada.
Aquele, na qualidade de requerido e cabeça de casal, requereu a notificação da Caixa Geral de Depósitos para que informasse nesses autos todos os extractos de conta de depósitos e a prazo em nome da interessada que existe ou existiu e a sua data, ou desta em conjunto com outras pessoas, dos respectivos movimentos, levantamentos, quando e por quem, a fim de aferir o montante das contas bancárias, à data do divórcio, com vista à partilha.
A entidade bancária invocou o sigilo bancário para prestar essa informação e a requerente/titular não deu o seu assentimento ao solicitado.
Pretende, então, o recorrente a obtenção daquela informação bancária, como alegou, por se tratar de depósitos que integram o património comum do dissolvido matrimónio.
*
Apreciando:
Preceitua o artigo 78° do DL 298/92 que "os membros dos órgãos de administração ou de fiscalização das instituições de crédito, os seus empregados, mandatários, comitidos e outras pessoas que lhes prestem serviços a título permanente ou ocasional não podem revelar ou utilizar informações sobre factos ou elementos respeitantes à vida da instituição ou às relações desta com os seus clientes cujo conhecimento lhes advenha exclusivamente do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços".
O nº2 do mesmo normativo estipula que "estão, designadamente, sujeitos a segredo os nomes dos clientes, as contas de depósito e seus movimentos e outras operações bancárias".
Para além deste caso, os elementos abrangidos pelo sigilo bancário só podem ser revelados nos termos das alíneas do nº2 do artº 79º, nomeadamente, nos termos da lei penal e de processo penal (al.d) e quando exista outra disposição legal que expressamente limite o dever de segredo (al. e).
A questão cinge-se à salvaguarda do segredo profissional imposto pela lei (artº 78º e 79º do D.L. 298/92 – com alterações pelos DL nº 246/95 de 14/9, nº 222/99 de 22/6, nº 250/2000 de 13/10, nº 285/2001 de 3/11 e nº 201/02 de 26/9) e se, no caso em apreço, deve ou não ceder face aos outros interesses conflituantes, designadamente o interesse da efectiva realização dos fins da actividade judicial (artº 205º da C.R.P.). Neste sentido, vide entre outros o Acórdão desta RG, Recurso 1914/08-2 e o Acórdão de 22.02.2011, Proc. 415/09.9TBGMR-A.G1, in dgsi.pt
Assim, a resolução da questão passa pela ponderação dos interesses em conflito no caso: de um lado, os interesses invocados pelo requerido/cabeça de casal no acesso à informação bancária, ou seja, o seu interesse particular no acesso à prova em função da sua posição no processo, bem como o interesse público na realização da justiça, dada a necessidade de concordância entre valores constitucionais conflituantes (artigo n.º 2 do artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa); do outro lado, quanto à apelada, os interesses relativos ao direito à reserva da vida privada e outros de relevante valor social, variáveis de acordo com o sigilo em causa, consagrando-se um direito ao segredo, que, no caso presente (segredo bancário), se destina essencialmente a tutelar a privacidade, o bom nome dos clientes bancários, proteger o funcionamento normal das instituições, evitando a degradação da sua imagem e desconfiança entre o público (cfr. José Maria Pires, Direito Bancário, 1º, pág. 120).
No caso sub iudice, afigura-se-nos patente que o interesse na obtenção daquela informação bancária se reveste de importância relevante, por várias ordens de razões:
- O requerente da informação é também cabeça de casal, cabendo-lhe por lei fornecer os elementos necessários para prosseguimento do inventário, relacionando inclusive todos os bens, a sua identificação e situação jurídica – artºs 1338º, nº2, 1340º, nº 3 e 1345º, nº 3, do Código Civil.
- A titular das contas bancárias a informar é a própria requerente do inventário, pelo que a sua postura de recusa em dar o seu assentimento à informação configura, no mínimo, um abuso.
- A informação bancária respeita a período de tempo e a momento da vida em comum dos cônjuges,
- Finalmente, e mais primordial, estando em causa uma partilha consequente à extinção da comunhão de bens entre cônjuges e, invocando um deles que fazem parte do património comum montante em dinheiro de contas bancárias existentes à data do divórcio - 13-11-2009 – em termos de certeza e segurança jurídicas, para se aferir do alegado património comum, tal diligência é imprescindível ao apuramento dos bens comuns do casal, tanto mais que o cônjuge requerente tem o dever, como cabeça de casal, de os relacionar devidamente.
Como se sublinha no Ac. do STJ de 14/1/97 “o direito ao sigilo bancário, em si próprio inquestionável, à luz do moderno âmbito do direito de personalidade, não pode considerar-se absoluto de tal forma que fizesse esquecer outros direitos fundamentais, como o direito ao acesso à justiça (a menos que, contra o «civilizado» artº 1º do CPC, se privilegiasse a «justiça» privada!) ou, por exemplo, o dever de cooperação, tradicional no processo civil português (veja-se designadamente o artº 519º do CPC, quer antes quer depois da recente reforma)” - BMJ 463, 472 -.
“Os interesses protegidos com o sigilo devem ceder na medida necessária à satisfação de outros direitos quando, no caso concreto, se mostre a prevalência destes. Será designadamente o caso quando, para a realização de direitos de natureza subjectiva, por via jurisdicional, seja necessária a cedência do sigilo para tal realização, assumindo-se esta, em função do concreto direito em causa, como superior aos interesses protegidos pelo sigilo, pelo prisma dos valores e princípios da colectividade, constitucionalmente consagrados e os que resultam do ordenamento jurídico como um todo” – citado acórdão desta Relação, no Recurso 1914/08-2.
No caso sub iudice mostra-se razoável que os interesses protegidos com o sigilo bancário, como seja a reserva da vida privada da apelada, de cariz patrimonial, sejam arredados pela vontade do ora apelante de fazer relacionar, enquanto cônjuge e cabeça de casal, todos os bens que integravam precisamente o seu património comum, já que de outra forma não tem meio de obter a sua identificação e montante, sendo que esses bens se reportam ao período de tempo em que perdurava o matrimónio, ou seja em que haveria uma vida privada comum.
In casu, na ponderação do interesse na administração da justiça e dos valores que determinam o sigilo bancário, segundo o critério do interesse preponderante ou prevalecente, pode concluir-se que o primeiro deve sobrepor-se ao segundo.
Assim, é de deferir o requerido.

Sumariando:
1. Segundo o critério do interesse preponderante ou prevalecente, na pendência de inventário subsequente a divórcio, o interesse na administração da justiça prevalece sobre os valores que determinam o sigilo bancário, como a reserva de intimidade da vida privada, na sua vertente patrimonial, de um dos cônjuges, quando a obtenção da informação relativa a contas bancárias é imprescindível ao relacionamento dos bens que possam integrar esse património comum e reporta-se ao período de tempo de vida conjunta do casal.

*
III – DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em deferir o requerido levantamento de sigilo bancário.

Custas pela parte vencida a final.


Guimarães, 10 de Novembro de 2011
António Sobrinho
Isabel Rocha
Jorge Teixeira

http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/b08bb15c3ff37a0c8025796500532590?OpenDocument

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES ÓNUS DA PROVA - 10-11-2011


Acórdãos TRG
Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
4483/07.0TBGMR-A.G1
Relator: RITA ROMEIRA
Descritores: ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES
ÓNUS DA PROVA

Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10-11-2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S

Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE

Sumário: I – O processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais, é de jurisdição voluntária, cfr. Artº 150, da OTM, o qual se deve decidir com equidade, tendo em atenção os interesses do menor em causa, nomeadamente, garantindo a sua subsistência.
II – O progenitor, que após a separação, deixa de procurar o menor e se ausenta, coloca, de forma voluntária e culposa, o progenitor/requerente na impossibilidade de conhecer e, consequentemente, provar a sua situação sócio-económica.

III – Nessa situação é justa e equitativa a decisão, que com fundamento nas necessidades do menor, fixa os alimentos devidos a cargo do progenitor/obrigado que não logrou provar estar impossibilitado de os prestar.



Decisão Texto Integral: Acordam nesta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães.

I - RELATÓRIO

O Magistrado do Ministério Público, junto do Tribunal da Comarca de Guimarães, propôs acção de regulação do exercício da responsabilidade parental relativamente à menor N…, contra: F… e T… .

Os requeridos são pais da menor, não sendo casados entre si, tiveram residência em economia comum durante cerca de onze anos, encontrando-se separados desde 30 de Agosto de 2007. A menor encontra-se a viver com a mãe e a seu exclusivo cargo, não estando os requeridos de acordo quanto ao exercício da responsabilidade parental relativamente à N… . Requer a fixação dos termos em que deve ser exercida a responsabilidade parental e o contributo dos requeridos para as despesas com o sustento da filha.

Correram os trâmites legais. Realizada a conferência, não foi conseguido o acordo entre as partes, por o requerido ter faltado a tal diligência. Ouviu-se a requerida em declarações, foi solicitada a elaboração dos relatórios sociais e outras informações.

Pelos requeridos não foram apresentadas alegações.

Juntos os relatórios e as informações solicitadas, após promoção do Ministério Público, foi proferida sentença, a qual decidiu nos seguintes termos:

- A menor é confiada à guarda e cuidados da mãe;

- As responsabilidades parentais serão exercidas pela mãe;

- O pai da menor poderá conviver com ela sempre que o desejar, mediante acordo prévio com a mãe, respeitando as suas horas de descanso e que – fazeres escolares;


Decidiu-se não condenar o requerido no pagamento à menor de qualquer prestação alimentícia.


*

Inconformado recorreu o Ministério Público apresentando alegações e as seguintes conclusões:
1 – A sentença ora recorrida, abstém-se de fixar a prestação de alimentos a cargo do requerido – pai –, uma vez que ao mesmo não são conhecidas fontes de rendimentos.

2 - Compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros, e administrar os seus bens – artigo 1878º, nº 1, do Código Civil.

3 - Os alimentos devem ser proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e às necessidades daquele que houver de recebê-los, conforme dispõe o artº 2004º, do Código Civil.

4 - A fixação da prestação de alimentos é uma das três questões essenciais a decidir na sentença que regula o exercício das responsabilidades parentais, não devendo os progenitores ficarem desresponsabilizados do dever de contribuir para o sustento do menor.

5 – Assim, na sentença deverá sempre fixar-se a pensão alimentícia e a forma de a prestar, independentemente da precária situação económica do progenitor a quem o menor não fique confiado.

6 – O dever de alimentos aos filhos menores é um verdadeiro dever fundamental dos progenitores, directamente decorrente do artigo 36º, nº 5, da Constituição da República Portuguesa, sendo um dos componentes em que se desdobra o dever de assistência dos pais para com os filhos menores.

7 - Verificando-se que a capacidade alimentar dos pais se mostra insuficiente ou relapsa, cabe ao Estado substituir-se-lhes, garantindo aos menores as prestações existenciais que lhe proporcionem as condições essenciais ao seu desenvolvimento e a uma vida digna.

8 – Tanto mais, que a primeira condição para que se possa accionar o mecanismo de acesso ao Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores é a fixação judicial do "quantum" de alimentos devidos a cada menor.

9 - A esta interpretação, de fixar a prestação de alimentos, obriga a defesa do superior interesse da criança, já que nos termos do artigo 3° da Convenção dos Direitos da Criança todas as decisões relativas a crianças terão primacialmente em conta os seus interesses.

10 - Acresce que o artigo 180°, nº 1, da Organização Tutelar de Menores, estabelece que na sentença o exercício das responsabilidades parentais será regulado de harmonia com os interesses do menor.

11 - A assim se entender, a protecção social devida a menores ficaria dependente da sua situação económica do devedor, o que nos parece ser manifestamente contrário à filosofia que esteve na base do regime instituído pela Lei 75/98, de 19 de Novembro, acrescendo a violação do princípio da igualdade (cfr. artigo 13º da Constituição da República Portuguesa).

12 – Deste modo, não se afigura possível a intervenção do Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos aos Menores, uma vez que esta depende de o devedor ser judicialmente obrigado a prestar alimentos (cfr. artigo 1º da Lei nº 75/98, de 19 de Novembro).

13 - A douta decisão recorrida não defende o superior interesse da Natália Isabel, interesse este que deve nortear as decisões proferidas no âmbito dos presentes autos, pelo que, dúvidas não se suscitam de que essa defesa impõe que seja fixada prestação de alimentos a cargo do pai.

14 – Assim, não poderão ser accionados outros obrigados a prestar alimentos à menor, conforme disposto no artigo 2009º, do Código Civil, enquanto não for fixada a prestação de alimentos a cargo do principal obrigado – neste caso o pai – e o mesmo não cumprir tal obrigação. Entretanto, não poderá a menor ficar desprotegida pelo facto de não ser fixada tal prestação de alimentos a cargo do pai e, dessa forma, impedir-se o accionamento do FGADM.

15 - A decisão recorrida violou o disposto nos artigos 3º da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Crianças, 13º, 36º e 69º, da Constituição da República Portuguesa, 1878º, nº 1, 1905º, 1909º, 2004º, 2006º do Código Civil e 180º da Organização Tutelar de Menores.

16 - A Sentença recorrida deve ser revogada na parte em que se abstém de fixar a prestação de alimentos a cargo do requerido, substituindo-a por outra, que fixe tal prestação em montante não inferior a 100 € (cem euros) mensais, actualizável anualmente de acordo com o índice da taxa de inflação, publicada pelo I.N.E.

Nestes termos, deverá ser concedido provimento ao recurso, revogando a Sentença na parte em que se abstém de fixar a prestação de alimentos a cargo do requerido, e substituindo-a por outra, que fixe tal prestação em montante não inferior a 100 € (cem euros) mensais, actualizável anualmente de acordo com o índice da taxa de inflação, publicada pelo I.N.E. assim se fazendo justiça.


Não houve contra-alegações.


O recurso foi admitido como sendo de apelação, com subida nos próprios autos e efeito devolutivo.


Foram colhidos os vistos legais.


O objecto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, assim a única questão a decidir neste recurso é saber, se deverá alterar-se a decisão no que respeita à não fixação de alimentos devidos à menor.


*

II - FUNDAMENTAÇÃO
Na 1.ª instância foi dada como provada a seguinte matéria de facto:

1 - A menor N… nasceu em 04.10.1996 e é filha de F… e T… (CAN a fls. 6);

2 - Os progenitores da menor não são casados entre si mas viveram em união de facto, tendo-se separado há cerca de 4 anos (relatório social a fls. 35ss);

3 - A menor residiu sempre com a mãe e não é procurada pelo pai (relatório social a fls. 35ss);

4 - A requerida não trabalha, sendo beneficiária de RSI no valor mensal aproximado de €414,41 (relatório social a fls. 35ss e flls. 273 dos autos principais);

5 - A menor reside com a mãe, o marido desta e 4 irmãos (dois uterinos e dois consanguíneos) numa habitação social de tipologia T3, com adequadas condições de habitabilidade, pela qual pagam mensalmente a título de renda €49,49 (relatório social a fls. 35ss e fls. 275 dos autos principais);

6 - A requerida recebe ainda €218,40/mês a título de abono de família dos menores (relatório social a fls. 35 ss);

7 - A menor frequenta o 6.º ano de escolaridade na EB 2,3 Fernando Távora, apresentando necessidades educativas especiais (relatório social a fls. 35ss);

8 - O requerido encontra-se a residir na Holanda (fls. 289 dos autos principais), não lhe sendo conhecida qualquer fonte de rendimento (relatório social a fls. 38ss e fls. 262 dos autos principais);

9 - Os avós paternos da menor encontram-se reformados, auferindo mensalmente, conjuntamente, €711,82 a título de pensão (relatório social a fls. 60ss);

10 - Os avós paternos da menor residem sós em casa arrendada, pagando mensalmente a título de renda €6 (relatório social a fls. 60ss) e apresentando despesas mensais de saúde no valor aproximado de €40;

11 - Encontra-se regulado o exercício das responsabilidades parentais reportados aos irmãos consanguíneos da menor, tendo o progenitor sido condenado no pagamento de prestação de alimentos, que se não encontra a cumprir, e tendo pela progenitora sido requerida a fixação de prestação substitutiva a cargo do FGADM (cfr. autos principais).


*

Sendo esta a factualidade a atender, a questão que se levanta é a de saber se a decisão do Tribunal “a quo”, sobre a não fixação de alimentos se deverá manter, ou se será de revogar como pretende o recorrente, apesar de não ser conhecida qualquer fonte de rendimento ao requerido a quem a menor não ficou confiada.

Não têm sido uniformes as decisões proferidas pelos Tribunais quanto a esta questão de saber se, devido ao legal dever parental de contribuir com alimentos para o sustento dos filhos menores, deve sempre ser fixado pelo Tribunal a pensão de alimentos, mesmo nas situações em que nada se haja apurado acerca da vida social, económica e profissional do progenitor vinculado à prestação de alimentos.

Por um lado, há os que defendem que a fixação da pensão de alimentos não é obrigatória nas decisões que regulam o poder paternal, sempre que o obrigado não tiver quaisquer meios para cumprir esse dever de prestar alimentos. Entendendo, que não é possível a fixação da prestação de alimentos, com o argumento de que, cabendo ao autor o ónus de provar os elementos constitutivos do seu direito e não se provando o modo de vida do réu, o tribunal encontra-se impossibilitado de apreciar, por forma a dar cumprimento ao critério da proporcionalidade consagrado no nº 1, do artº 2004, devendo abster-se de fixar qualquer pensão de alimentos, ver entre outros neste sentido Acs RL de 18.1.2007, de 4.12.2008 e de 17.09.2009 e Ac.RP de 25.3.2010, todos in www.dgsi.pt.

Outra corrente jurisprudencial, tem afirmado a primazia dos princípios constitucionais consagrados nos artigos 35º nº5 e 69º da CRP, que impõem o dever dos pais de sustentar os filhos e o direito das crianças ao seu desenvolvimento, do que resulta que o dever dos progenitores de prestar alimentos aos filhos menores, previsto nos artigos 1874º e 1878º do CC, só é afastado pela total impossibilidade física de providenciarem tal sustento.

Neste sentido, já em 2002, neste Tribunal da Relação de Guimarães se consignou, no acórdão de 25.09.2002, relatado pelo Ex.mo Sr. Desembargador Leonel Serôdio, in www.dgsi.pt que “a condição de pai implica o dever de ter uma situação económica estável para prover ao sustento dos filhos” e que “a situação de desemprego não dispensa o progenitor de cumprir a obrigação de alimentos, que será calculada atenta a sua capacidade de trabalhar e de auferir rendimentos.”

E, no mesmo sentido, pode ler-se em douto Ac.STJ de 12.11.2009, relatado pelo Ex.mo Sr. Conselheiro Lopes do Rego, in www.dgsi.pt, “configurando-se o dever de alimentos aos filhos menores como um verdadeiro dever fundamental dos respectivos progenitores, directamente fundado no artigo 36.º n.º 5, da Constituição, ao fixar-se judicialmente, em processo declaratório, a medida dos alimentos devidos ao menor, adequando-os aos meios de quem houver de prestá-los, não pode o tribunal limitar-se a atender ao valor actual dos rendimentos actualmente auferidos pelo devedor, devendo valorar, de forma global e abrangente, a sua condição social, a sua capacidade laboral - e o dever de diligenciar activamente pelo exercício de uma actividade profissional que lhe permita satisfazer minimamente tal dever fundamental no confronto do menor – bem como todo o acervo de bens patrimoniais de que seja detentor.”

Por isso, o Tribunal deve sempre proceder à fixação de alimentos a favor do menor, ainda que desconheça a concreta situação da vida do obrigado a alimentos, visto que o interesse do menor sobreleva a questão da indeterminação ou do não conhecimento dos meios de subsistência do obrigado a alimentos, cabendo a este o ónus de prova da impossibilidade total ou parcial de prestação de alimentos. Assim, não se apurando que os progenitores estão incapacitados de trabalhar, não está afastada a sua obrigação de sustentar os filhos, o que impõe sempre a fixação de uma pensão de alimentos, mesmo que, eventualmente, a sua situação presente seja economicamente precária, neste sentido, entre outros, os Acs. da RG de 2.02.2010, 2.11.2010, 3.3.2011 e 15.3.2011, da RL de 26.06.2007, da RC de 17.06.2008, da RP de 22.04.2004 e, bem recentemente, os Acs. STJ de 12.7.2011 e de 27.9.2011, todos in www.dgsi.pt.

No caso, o Tribunal “a quo” decidiu que: “…dos factos dados como provados resulta que ao requerido não são conhecidas quaisquer fontes de rendimentos. Resulta, assim, aparente que o progenitor não terá capacidade para prestar alimentos à sua filha menor. Assim sendo, parece desde logo ao tribunal que não deverá ser fixada, a seu cargo, qualquer prestação de alimentos. Com efeito tal fixação apenas traria, quase inevitavelmente, ante o incumprimento do regime provisório, o accionamento do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores…Acresce que…os avós paternos da menor têm rendimentos…, pelo que terão toda a possibilidade de prestarem alimentos à neta, voluntária ou coercivamente. Assim sendo…decido não condenar o requerido no pagamento aos menores de qualquer prestação alimentícia.”.

Acompanhou, assim, esta decisão aquela corrente jurisprudencial, primeiro referida, defensora do entendimento de que a fixação da prestação de alimentos não é obrigatória nas decisões de regulação do exercício das responsabilidades parentais, quando se desconheça a situação económica, modo de vida e paradeiro do progenitor obrigado.

No entanto, somos de entender, contrariamente ao decidido na sentença recorrida, que o Tribunal, mesmo não dispondo de elementos sobre a situação económica e pessoal do progenitor obrigado a prestar alimentos, poderá estabelecer e fixar um valor a esse título, tendo em conta o superior interesse do menor a proteger com essa decisão.

Perfilhamos, assim, a corrente referida em segundo lugar, pois parece-nos ser esta a que deve ser seguida, uma vez que é a que melhor protege o interesse da menor, cfr. artº 180 da OTM e, porque é a que vai ao encontro do que se dispõe quer a nível constitucional, cfr. CRP, no n.º 5 do seu art. 36.º, onde se consigna: “Os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos”, quer a nível internacional, designadamente no artigo 3º da Convenção sobre os Direitos da Criança (aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 20/90 e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 49/90, de 12 de Setembro, publicados no Diário da República, I Série, de 12 de Setembro de 1990) onde se consigna: “Todas as decisões relativas a crianças…terão primacialmente em conta o interesse da criança”. E, no artº 27, nº2, da mesma refere-se: ”caber primacialmente aos pais e às pessoas que têm a criança a seu cargo a responsabilidade de assegurar, dentro das suas possibilidades e disponibilidades económicas, as condições de vida necessárias ao desenvolvimento da criança”.

Interesse este que se consignou, de igual modo, no nosso CC, veja-se artº 1878, onde se lê: “Compete aos pais, no interesse dos filhos, …, prover ao seu sustento, …”.

Por o considerarmos pertinente e de especial relevo, no acentuar do que se vem expondo, permita-se-nos, transcrever com vénia o que ficou consignado no sumário, daquele mais recente acórdão do STJ referido: “ I - A essencialidade de que se reveste para o interesse do menor a prestação alimentar impõe ao tribunal que lhe confira o necessário conteúdo, não se podendo dar, e ter, por satisfeita pela constatação da falta de elementos das condições económicas do progenitor requerido, particularmente se por ausência deste em parte incerta ou de colaboração sua. II - Mesmo no caso de se desconhecer o paradeiro e a situação económica do progenitor, deve fixar-se a pensão de alimentos devidos a menor. III - Não o fazer, deixando para o futuro, de duração incerta se não mesmo inalcançável, campo para novas iniciativas por banda da mãe dos menores ou do MP com o objectivo de descobrir o paradeiro do requerido - pai e as suas condições de vida ou expectar o seu surgimento, compromete inevitavelmente a eficácia jurídica da satisfação das necessidades básicas dos menores alimentandos, prolongando no tempo de forma injustificada a carência continuada de recebimento de qualquer prestação social de alimentos.”.

Não podemos deixar de reconhecer, na sequência da doutrina do Acórdão, a especificidade de que se reveste a prestação alimentar devida a menores, por envolver a satisfação de necessidades básicas dos mesmos e a natureza dos direitos fundamentais envolvidos. Resultando do mesmo e dos dispositivos legais referidos que é intrínseca à condição de “pais” a obrigação natural e jurídica de proporcionar alimentos aos seus filhos menores, garantindo o seu sustento, cfr. artº 1878, referido. É um dever jurídico e natural de todos os progenitores alimentar os seus filhos, devendo sempre a medida dessa prestação ser fixada, tendo em conta o que se dispõe no artº 2004, do C.C., de forma equitativa.

Assim, ainda nos casos em que nada se saiba quanto aos rendimentos e paradeiro do progenitor obrigado a alimentos, desde que não esteja demonstrada a total impossibilidade de os prestar, por incapacidade de trabalhar, deve ser fixada uma quantia a esse título, por tal ser essencial não só aos deveres parentais mas, também, aos direitos parentais. O progenitor tem o direito de contribuir para o sustento do descendente, até para melhor poder legitimar os seus poderes parentais, designadamente o de contribuir para a educação e formação moral e cívica do menor, e outros de conteúdo não patrimonial.

No caso em análise, da factualidade apurada resulta que ao progenitor/requerido não lhe é conhecida qualquer fonte de rendimento.

Não resulta contudo demonstrada a total impossibilidade física do mesmo em providenciar o sustento da sua filha, designadamente por incapacidade em exercer uma profissão, ou angariar meios, trabalhando.

Assim e nestas circunstâncias devem ser fixados alimentos.

Não fixar a pensão de alimentos neste caso significaria desproteger a menor, Natália, não lhe atribuindo aquilo a que tem direito consagrado legal e constitucionalmente, premiando-se a correspectiva subtracção voluntária do requerido aos seus deveres legais e constitucionais.

O mesmo alheou-se de todos os seus direitos e deveres para com a menor, não a procurando, conforme consta do facto assente nº3. O não lhe ser conhecida qualquer fonte de rendimento, não significa que o mesmo não tenha condições económicas para cumprir o dever de alimentos que sobre ele impende em relação à sua filha, menor, ou que se encontre impossibilitado de angariar meios para esse efeito, que não há dúvidas a menor necessita, conforme se mostra suficientemente demonstrado, face à realidade económica e social do agregado familiar em que se insere.

Perante a prova da necessidade da menor, não é justa e acertada a decisão que opta por não fixar alimentos a cargo do progenitor, com fundamento em que não foi feita prova quanto às possibilidades do mesmo e, que tal era da responsabilidade do progenitor, requerente.

Será, pelo menos, desproporcionado e bastante injusto, fazer depender a fixação da prestação de alimentos a prestar pelo progenitor, obrigado, do facto do progenitor, que cuida, lograr fazer prova das possibilidades daquele.

Perante o tipo de processo em causa, de jurisdição voluntária, cfr. Artº 150, da OTM e, os interesses aqui em causa, que têm de ser protegidos, no sentido de garantir a subsistência da menor, mostra-se mais acertada e justa a posição que defende, e decide, que seja o obrigado a demonstrar a impossibilidade de cuidar dos seus filhos, cumprindo para com eles os seus deveres mais elementares, que é a obrigação de os alimentar.

Assim, não logrando ele fazer a prova dessa impossibilidade, de cumprir o seu dever legal de sustentar a sua filha, e provando-se que se separou da mãe da menor, tendo deixado de procurá-la, apesar de saber das suas obrigações para com a filha, quer afectivas, quer a título de alimentos, é acertado concluir de que foi o progenitor ausente que, de forma voluntária e culposa, colocou a requerente na situação de se ver impossibilitada de provar as suas condições económicas.

E decidir, na sequência do expendido, é já sobejamente defendido, nomeadamente, nesta Relação, escrevendo-se: “ao Réu cabe a prova de insuficiência ou impossibilidade económica da satisfação dessas necessidades do alimentando, uma vez que a impossibilidade de prestar os alimentos devidos constitui facto impeditivo do direito a alimentos - Artº 342º nº2 do Codº Civil - cfr. Ac.RG de 05-02-2009 in www.dgsi,pt.

Face ao exposto, atender à pretensão do recorrente é o que se mostra justo e coerente.

Acresce que, a sua pretensão será deferida integralmente, uma vez que não se nos afiguram razões para desatender o valor de € 100,00 sugeridos, o que se mostra adequado atento o quadro factual que se apurou.

Em termos de conclusão, diga-se que, na salvaguarda dos interesses da menor, é nosso entender que a decisão que tomámos, é a que melhor os defende, não se mostrando razoável invocar-se como justificação para não fixar alimentos em acções desta natureza, o estar-se a contribuir para que haja um recurso indiscriminado ao Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores.

Pois, como é sabido, a fixação da pensão de alimentos a cargo do fundo, depende, entre outros fundamentos, que se verifique e declare uma situação de incumprimento por parte do progenitor obrigado e, não do facto deste ter sido condenado a prestar uma pensão de alimentos em acção, na qual não logrou demonstrar estar impossibilitado de os prestar ao menor, seu filho que deles se prova necessitar.

Julgamos, assim, ter deixado claras as razões porque não subscrevemos os argumentos invocados na decisão recorrida para justificar a sua opção de não fixar alimentos e, por via disso, procedermos à sua alteração, com a consequente procedência da apelação.


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SUMÁRIO (nos termos do artº 713, nº7, do CPC.)
I – O processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais, é de jurisdição voluntária, cfr. Artº 150, da OTM, o qual se deve decidir com equidade, tendo em atenção os interesses do menor em causa, nomeadamente, garantindo a sua subsistência.

II – O progenitor, que após a separação, deixa de procurar o menor e se ausenta, coloca, de forma voluntária e culposa, o progenitor/requerente na impossibilidade de conhecer e, consequentemente, provar a sua situação sócio-económica.

III – Nessa situação é justa e equitativa a decisão, que com fundamento nas necessidades do menor, fixa os alimentos devidos a cargo do progenitor/obrigado que não logrou provar estar impossibilitado de os prestar.


*

III - DECISÃO:
Perante o exposto, acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar a apelação procedente, revogando-se a sentença recorrida, no que respeita à decisão de não fixar alimentos devidos à menor pelo requerido/progenitor e, em consequência, fixa-se a prestação de alimentos devida no montante mensal de € 100,00 actualizável, anualmente, de acordo com o índice da taxa de inflação publicada pelo I.N.E.

Sem custas.


Guimarães, 10 de Novembro de 2011

Rita Romeira

Amílcar Andrade

José Rainho

http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/ade05335afb0cea580257966004ee07c?OpenDocument

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES ÓNUS DA PROVA - Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães - 10-11-2011


Acórdãos TRG
Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
129/06.1TMBRG-B.G1
Relator: LUÍSA RAMOS
Descritores: ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES
ÓNUS DA PROVA

Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10-11-2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S

Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE

Sumário: I - É da responsabilidade de ambos os progenitores o sustento dos filhos menores.
II - Estando provado que o progenitor tem capacidade para trabalhar, está em princípio adstrito a contribuir com alimentos para o filho
III – É ao progenitor que compete provar que está impossibilitado total ou parcial de prestar alimentos ao filho.


Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

Nos autos de Alteração do regime de Responsabilidades Parentais n.º nº129/06.1TMBRG-B, da 2ª secção cível, do Tribunal de Família e Menores de Braga, veio I… , em representação da menor C… , nascida em 27/6/2000, requerer, contra o progenitor desta, R… , a alteração do regime de Responsabilidades Parentais fixado relativo à menor, no tocante ao montante da prestação de alimentos, pedindo o aumento da prestação de alimentos para €125,00 mensais e com a obrigação para o pai de suportar metade das despesas com a saúde e educação da menor, alegando, em síntese, que no acordo de regulação do poder paternal homologado nos presentes autos, ficou consignado, entre outros aspectos, que o poder paternal da menor seria exercido conjuntamente por ambos os pais e a sua guarda e cuidado entregues à mãe. Ficou, igualmente, acordado que o pai contribuiria com a pensão de alimentos, para a menor, de € 75,00 mensais, esta a ser actualizada anualmente a partir de Janeiro de 2007, em montante nunca inferior a 5%. Por aplicação daquela percentagem, a pensão cifra-se actualmente no montante de € 91,15. Sucede no entanto que aquele montante se revela insuficiente para satisfazer as necessidades alimentares da menor e a requerente não tem possibilidades de as suprir. A requerente está a receber o subsídio mensal de desemprego no montante de € 282,30 e faz um “POC” na B… pelo que recebe mensalmente € 196,36, sendo estes os únicos rendimentos que aufere. Paga mensalmente: de renda de casa € 250,00; de energia eléctrica € 34,00; de água e saneamento € 14,00; de gás € 22,00. Tem um companheiro que a ajuda a custear estas despesas, auferindo este um salário mensal de € 550,00. A C… , para além das necessidades próprias das crianças da sua idade, nomeadamente, com o vestuário, alimentação e bens destinados à sua formação e lazer, tem um problema de estomatologia que a vai obrigar a intervenções médicas e curativas dispendiosas, sendo a requerente quem tem de suportar a assistência médica, medicamentosa e a formação escolar. Pelo que o valor da pensão de alimentos deverá ser aumentada para o valor de €125,00 mensais e com a obrigação do pai de suportar metade das despesas com a saúde e educação da menor.
Regularmente citado, nos termos e para os efeitos do art.º 182º-n.º3 da OTM, o requerido não deduziu oposição.
Procedeu-se à realização da conferência a que alude o art. 175º OT.M., não tendo sido possível obter o acordo dos progenitores quanto á requerida alteração da Regulação do Exercício do Poder Paternal.
A requerente apresentou alegações, apresentando prova documental e testemunhal.
O requerido não apresentou alegações.
Foram elaborados inquéritos à situação pessoal, social e económica de cada um dos progenitores, nos termos do art. 178º-n.º3 da OTM.
O Ministério Público promoveu que fosse ordenado e decidido nos termos correspondentemente aplicáveis previstos nos artºs 178º, nº 3 e 179º, nº 2 da O.T.M.
Procedeu-se à realização da Audiência de discussão julgamento, tendo a requerente prescindido da produção da prova testemunhal oferecida.
Foi elaborada sentença, proferindo-se decisão nos termos que ora se transcrevem: “Pelo exposto, julga-se a acção procedente, por provada, e consequentemente decide-se alterar a regulação do exercício do poder paternal da menor C… , nascida a 27-6-2000, no que respeita aos alimentos, nos seguintes termos:
1 - Fixa-se a prestação de alimentos no montante de € 125,00 (cento e vinte e cinco euros), devida à referida menor, a pagar pelo pai R… à mãe da menor, por depósito ou transferência bancária.
2 - Tal quantia será actualizada anualmente, em Janeiro de cada ano, com início em Janeiro de 2012, segundo os índices de inflação publicados pelo INE mas em percentagem não inferior a 3%.
3 - As despesas de saúde - médicas e medicamentosas – da menor não comparticipadas e devidamente comprovadas, bem como as despesas escolares da menor do início do ano escolar com a aquisição de material escolar e manuais não comparticipadas serão suportadas a meias pelo pai e pela mãe da menor, devendo, para o efeito, a mãe enviar ao pai da menor documento comprovativo de tais despesas.
4 - Custas da acção pelo requerido - enquanto parte vencida - artº 446º, nºs 1 e 2 do C.P.C..
Valor tributário: € 7.500,00 (artº 307º, nº 3 do Cód. Proc. Civil)
Registe e notifique.”
Inconformado veio o requerido recorrer, interpondo recurso de apelação.

O recurso foi recebido como recurso de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

Nas alegações de recurso que apresenta o apelante conclui, nos seguintes termos:
1 - A única prova sobre o rendimento do recorrente consta de fls 90 e diz que este auferiu em Setembro e Outubro de 2010, 610 e 711 €, respectivamente.
2 - Este mesmo documento refere o pagamento em Outubro de 2010 dos subsídios de Natal e de férias, o que permite concluir sem dúvida que tal laboração cessou.
3 - Deve assim passar a matéria provada, apenas o que se refere na conclusão primeira, por força de o único elemento de prova sobre a matéria assim indicar.
4 - Esta nova e bem diversa realidade factual, aliada às demais circunstâncias mencionadas nos relatórios sociais de fls 51 e 56 impõe o não aumento da pensão de alimentos peticionada nestes autos.
5 - A douta sentença recorrida violou o disposto no Artº 653º nº 2 do CPC, bem como no Artº 2.012º do CC e no Art. 182º nº 1 da OTM.

Foram proferidas contra – alegações.
O recurso veio a ser admitido neste tribunal da Relação na espécie e com os efeitos e regime de subida fixados no despacho de admissão do recurso na 1ª instância.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Delimitação do objecto do recurso: Questões a decidir.
Atentas as conclusões da apelação deduzidas, e supra descritas, são as seguintes as questões a apreciar:
- alteração da matéria de facto
- valor da pensão de alimentos a fixar a favor da menor e a cargo do progenitor.

Fundamentação.
I) OS FACTOS ( factos declarados provados na sentença recorrida):
1 - No acordo de regulação do poder paternal homologado nos autos principais de que os presentes são apenso, ficou consignado, entre outros aspectos, que o poder paternal da menor seria exercido conjuntamente por ambos os pais e a
sua guarda e cuidado entregues à mãe;
2 - Ficou, igualmente, acordado que o pai contribuiria com a pensão de alimentos, para a menor, de € 75,00 mensais, esta a ser actualizada anualmente a partir de Janeiro de 2007, em montante nunca inferior a 5%;
3 - A requerente encontra-se na situação de desempregada, beneficiando do subsídio social de desemprego no valor de € 282,30 e faz um “POC” na B… pelo que recebe mensalmente € 200,00, sendo estes os únicos rendimentos que aufere;
4 - A requerente paga mensalmente: de renda de casa €250,00; de energia eléctrica pelo menos € 34,00; de água e saneamento pelo menos € 14,00; de gás pelo menos €22,00;
5 - Tem um companheiro que a ajuda a custear estas despesas, auferindo este um salário mensal de € 550,00;
6 - Este paga de prestação do carro a quantia mensal de €350,00 durante os próximos dois anos, amortiza um crédito pessoal à razão de € 40,00 mensais durante mais um ano e o preço de um colchão à razão de € 40,00 mensais;
7 - A menor C… tem um problema de estomatologia que a vai obrigar a intervenções médicas e curativas dispendiosas (apresenta mordida cruzada à direita, apinhamento severo das peças dentárias superiores e apinhamento ligeiro das peças dentárias inferiores, o que revela uma inadequada oclusão das arcadas dentárias, podendo levar à instalação de quadro clínicos mais graves;
8 - A resolução deste problema passa pela colocação de aparatologia ortodôntica fixa, com um custo inicial previsível de €1.800,00 e uma consulta mensal no valor de €60,00, durante um período de aproximadamente 24 meses;
9 - O adiamento do tratamento poderá acarretar a adopção de opções clínicas mais invasivas e incómodas para a menor;
10 - Tem sido sempre a requerente quem tem suportado a assistência médica, medicamentosa e a formação escolar da menor;
11 - O requerido encontra-se a trabalhar desde Setembro de 2010 e aufere em média cerca de € 700,00 por mês;--- ALTERADO- v. infra.
12 - Está-lhe a ser penhorado o valor mensal de € 86,82, acrescido do valor de € 50,00 para pagamento da prestação alimentícia da filha Catarina nos autos principais de que estes são um apenso;
13 - O requerido paga de renda de casa a quantia de € 250,00 e de electricidade, água e gás a quantia de € 70,00.

I) O DIREITO APLICÁVEL
Da análise dos autos, designadamente do teor das conclusões das alegações de recurso apresentadas pelo Apelante, e em apreciação, verifica-se que o objecto de conhecimento da presente apelação se circunscreve a decidir as questões supra enunciadas, designadamente, qual o valor da pensão de alimentos a fixar a favor da menor e a cargo do progenitor, requerendo a progenitora a sua alteração e fixação no montante de €125,00 mensais e, ainda, com a obrigação para o pai de suportar metade das despesas com a saúde e educação da menor, procedendo-se, previamente, à reapreciação requerida da matéria de facto, nomeadamente no que se refere ao ponto n.º 11 do elenco dos factos provados.
Com efeito, impugna o apelante a indicada matéria fixada no ponto n.º 11 do elenco dos factos provados, requerendo se proceda a reapreciação e alteração da indicada matéria de facto fixada na sentença recorrida, nos termos que expõe e conclui nas alegações do recurso de apelação, supra descritas.
Nos termos do disposto no artº 712º - nº1, a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação:
a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artº 690º - A, a decisão com base neles proferida;
b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas.
c) Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão se fundou.
Nos termos do n.º2 do citado preceito legal, no caso a que se refere a segunda parte da alínea. a) do número anterior, a Relação reaprecia as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações de recorrente e recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento é decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados.
Reportando-nos ao caso concreto verifica-se que tendo-se declarado provado na sentença recorrida, sob o ponto n.º 11 do elenco dos factos provados que “11 - O requerido encontra-se a trabalhar desde Setembro de 2010 e aufere em média cerca de € 700,00 por mês “, defende o apelante que, face à prova produzida nos autos, apenas se poderá declarar como provado que “ O requerido auferiu em Setembro e Outubro de 2010, 610 e 711 €, respectivamente”, assim concluindo, ainda, o apelante, que esta nova e bem diversa realidade factual, aliada às demais circunstâncias mencionadas nos relatórios sociais de fls 51 e 56 impõe o não aumento da pensão de alimentos peticionada nestes autos.
No tocante à pretendida alteração da matéria de facto fixada no ponto n.º11 do elenco dos factos provados, atenta a prova documental produzida, e, nomeadamente, o teor do doc. de fls. 90 dos autos, indicado pelo apelante, deverá proceder-se a alteração, passando o ponto n.º 11 dos factos provados a constar com o seguinte teor: “ 11. - O requerido auferiu em Setembro e Outubro de 2010, 610 e 711 €, e as quantias de € 101,69 a título de subsídio de férias e igual quantia a título de subsídio de Natal, respectivamente”, pois que nenhuma outra prova se fez ou deduz da documentação junta para além da realidade descrita no indicado documento no preciso sentido ora exposto.
Nestes termos, procede parcialmente a impugnação da matéria de facto deduzida, procedendo-se à alteração do ponto n.º 11 dos factos provados, o qual passará, porém, a constar com o teor acima assinalado ( e não o indicado pelo recorrido ), -
“ 11. - O requerido auferiu em Setembro e Outubro de 2010, 610 e 711 €, e as quantias de € 101,69 a título de subsídio de férias e igual quantia a título de subsídio de Natal, respectivamente”.
Já no que se refere à conclusão deduzida pelo apelante de que esta nova e diversa realidade factual, aliada às demais circunstâncias mencionadas nos relatórios sociais de fls 51 e 56, impõe o não aumento da pensão de alimentos peticionada nestes autos, julgamos improcedentes os fundamentos da apelação.
Com efeito, aos pais compete, nos termos da legislação civil aplicável, designadamente do artº 1885º do Código Civil, promover o desenvolvimento físico, intelectual e moral dos filhos e proporcionar-lhes adequada instrução geral e profissional.
Relativamente ao conteúdo das responsabilidades parentais, dispõe o art.º 1878º-n.º1 do código Civil, que “ Compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los (…) “.
De harmonia com o preceituado no artº 2003º, nºs 1 e 2 do C.Civil, entende-se por alimentos tudo aquilo que é indispensável ao sustento, habitação, vestuário, instrução e educação do menor e nos termos do nº1 do artº 2004º do referido diploma legal, o quantitativo será calculado em função dos meios daquele que houver de prestá-los e das necessidades daquele que houver de recebê-los.
Assim, no tocante aos alimentos há salientar que o encargo com a educação e alimentação dos filhos ficará a cargo de ambos os progenitores, de acordo e na proporção da situação económica de cada um deles, tendo sempre em vista os superiores interesses dos menores, sendo que quer a titularidade destas responsabilidades parentais, quer o seu exercício, cabem a ambos os progenitores, em condições de plena igualdade, tal como decorre do art. 36º- nº 3, da Constituição da República Portuguesa, o qual estipula o princípio de igualdade de deveres de ambos os progenitores na manutenção dos filhos.
E, no tocante á decisão a proferir, em sede de Regulação do Exercício do Poder Paternal, nomeadamente, no tocante à fixação da pensão de alimentos, deverá procurar encontrar-se a solução mais adequada a uma equitativa composição dos interesses em presença, com o primado, sempre, do superior interesse da criança, sendo este interesse que determinará sempre tal decisão.
No caso em apreço, atento o factualismo concretamente apurado, com relevância para apreciação da situação económica de cada um dos progenitores e necessidades da menor, a nível geral, respeitante à sua alimentação, sustento e educação, e, em particular, relativamente à protecção da sua saúde, resultando provado que sempre foi a progenitora quem tem suportado a assistência médica, medicamentosa e a formação escolar da menor (facto provado n.º 10), é manifesta a insuficiência dos seus rendimentos para continuar a fazer face a tais despesas, na totalidade, quer pelo natural acréscimo das necessidades da menor, com relevância no aumento dos custos, quer por, em concreto, necessitar ora a menor de intervenções médicas e curativas dispendiosas decorrentes de problema de estomatologia de que padece (v. factos provados n.º 7 a 9).
E, no que se refere à situação pessoal e económica do progenitor, resulta do factualismo apurado que “ O requerido auferiu em Setembro e Outubro de 2010, 610 e 711 €, e as quantias de € 101,69 a título de subsídio de férias e igual quantia a título de subsídio de Natal, respectivamente”.
Está assim, indubitavelmente, provado que o pai da menor tem capacidade para trabalhar, exercendo ou tendo exercido actividade profissional, circunstancialismo este que, só por si, e, nos termos das disposições legais aplicáveis, determina a obrigação de o requerido prover ao necessário sustento da sua filha menor, pois que, não obstante não resulte dos factos provados qual a concreta condição e capacidade económica do requerido, não se provou qualquer circunstancialismo concreto do qual decorra estar o requerido absoluta e definitivamente incapacitado para obter os necessários rendimentos para sustento da filha, obrigação esta a que se encontra adstrito face á sua condição de pai, sendo responsabilidade de ambos os progenitores o sustento dos filhos menores.
Em igual posição, se decidiu já, entre vários outros, no Ac. TRL, de 10/5/2011, P.3823/08.9TBAMD.L1.7:
“ I - Só a efectiva e irrefutável demonstração da inexistência de capacidade patrimonial do obrigado justifica que a titularidade do direito a alimentos se torne, por esse motivo, materialmente inconsequente, nenhuma importância pecuniária sendo afinal, a esse título, judicialmente atribuída ao sujeito carenciado.
II - Comprovadas as necessidades da menor, impõe-se portanto à entidade jurisdicional competente a fixação dum montante pecuniário que dê alguma efectividade ao direito subjectivo reconhecido ao seu titular; em tal decisão se declarando “ … Competia ao requerido - único interessado na prova desse facto - a demonstração de que não dispunha de condições materiais para realizar o pagamento da pensão alimentícia que, desde logo pela sua condição de pai, lhe era exigível.
Tal circunstância habilita perfeitamente o Tribunal a fixar um montante equitativo que corresponda à sua devida comparticipação nas despesas para a subsistência da menor, sua filha…”.
E, no mesmo sentido, v. Ac. TRL de 26/6/2007, P.5797/2007-7, in www.dgsi.pt:
“ I- É inerente ao poder paternal o dever de “ prover ao sustento” do filho menor, dever que também decorre do artigo 2009.º/1, alínea c) do Código Civil e que tem assento no artigo 36.º da Constituição da República.
II- Por isso, e porque ao tribunal cabe decidir “ de harmonia com o interesse do menor”, é esta a prioridade que o Tribunal deve ter em consideração que sobreleva a questão da indeterminação ou do não conhecimento dos meios de subsistência do obrigado a alimentos.
III- Deve o Tribunal deve proceder à fixação de alimentos a favor do menor ainda que desconheça a concreta situação de vida do obrigado a alimentos designadamente por ser desconhecido o seu paradeiro.
IV- O ónus da prova da impossibilidade total ou parcial de prestação de alimentos cabe ao obrigado a alimentos (artigo 342.º/2 do Código Civil).”
Impõe-se, assim, a fixação de uma pensão de alimentos a cargo do requerido e a favor da menor dos autos correspondente às concretas necessidades da menor, o que, no caso, e face ao já acima exposto, se traduz no aumento do valor da pensão alimentícia fixada, pois que comprovadas circunstâncias supervenientes a tal determinam (art.º 182-n.º1 da OTM).
Nesta conformidade, e tomando em consideração o critério do artº 2004º do Código Civil e a factualidade apurada relativa á situação pessoal e económica de cada um dos progenitores e necessidades da menor, normais gastos de alimentação e vestuário, e demais gastos e despesas inerentes à sua própria idade e condição, decorrente dos autos, e gastos de protecção da saúde, nomeadamente os expressamente indicados nos factos provados, julga-se adequada a alteração da prestação alimentícia fixada na sentença recorrida, e que se confirma.
Conclui-se, nos termos expostos, pela improcedência da apelação, confirmando-se a Alteração da Regulação do Exercício do poder paternal da menor C… , operada pela sentença recorrida.

DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelo apelante.

Guimarães, 10 de Novembro de 2011
Luísa Duarte
Raquel Rego
António Sobrinho

http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/b0768660b28e4d2480257965004266bb?OpenDocument

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES FUNDO DE GARANTIA DE ALIMENTOS A MENORES - Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães - 17-11-2011


Acórdãos TRG
Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
656/03.2TMBRG-B.G1
Relator: JORGE TEXEIRA
Descritores: ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES
FUNDO DE GARANTIA DE ALIMENTOS A MENORES

Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 17-11-2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S

Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE

Sumário: I- São requisitos para que o FGADM assegure o pagamento das prestações de alimentos devidas a menores residentes no território nacional que:
a) A pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos não satisfaça a prestação pelas formas coactivas previstas na lei (art. 3º, nº 1, a) do DL 164/99, de 13/05);

b) O menor não tenha rendimento líquido superior ao salário mínimo nacional nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre (art. 3º, nº 1, b) do DL 164/99, de 13/05).

II- O rendimento a ter em consideração para a determinação da capitalização do rendimento do agregado familiar em que se insere o menor é o rendimento líquido e permanente, desse mesmo agregado.

II- Assim, logrando demonstrado que, nos termos do art. 3º, nº 3 do DL 164/99 (na redacção introduzida pelo art. 16º do DL 70/2010, de 16/06) e art. 5º do DL 70/2010, o rendimento per capita do agregado em que o menor se encontra integrado é inferior ao salário mínimo nacional, terá de concluir-se resultarem preenchidos os pressupostos legais de que depende a obrigação do FGADM assegurar o pagamento da prestação de alimentos fixada judicialmente, e que o progenitor não satisfaz, nomeadamente, com recurso aos meios coactivos legalmente previstos.



Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:



I – RELATÓRIO.


Recorrente: C… .


Recorrido: Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P..


Tribunal de Família e Menores de Braga.





Na sequência de informações que solicitou sobre as condições económicas do agregado familiar da requerente, veio o Mº Pº, por entender que respectivos rendimentos permitem uma capitação superior ao salário mínimo nacional, promover se declarasse cessada a responsabilidade do Fundo de Garantia.


A Mmº Juíz a quo, pelos fundamentos aduzidos pelo Mº. Pº., declarou cessada a sub-rogação.





Inconformado com tal decisão, dela interpôs recurso a requerente, de cujas alegações extraiu, em suma, as seguintes conclusões:


“1. A requerente não se conforma com a decisão proferida pelo Meritíssimo Juiz a fls.


2. Pois, com a devida vénia, é da opinião que a mesma enferma de vícios de facto e de direito.


Senão vejamos,


3- Compulsados os recibos de vencimento da requerente é possível constar que a mesma recebe a seguinte quantia a título de remuneração certa: € 672,OO (salário base) + € 87,90 (diuturnidade) + € 24,94 (prémio eventual) + € 75,99 (subsídio nocturno 10%) + € 86,35 (Comp. Cláus. 3. CCT 2006) = € 947,18.


4. A este valor acresce a quantia de € 29,19, por cada um dos dois dependentes, o que perfaz € 1.005,56.


5- Sendo este o valor do rendimento ilíquido, e não aquele apresentado pelo Sr. Dr. Procurador da República.


6- Quanto à capitação limite até à qual o Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, conjugando as normas previstas no Art. 1.° da Lei n.º 75/98, de 19 de Setembro, e no Art. 5.° do Decreto-Lei n.º 70/2010, de 16 de Junho, obtemos o seguinte limite: (€ 485,OO * 1 requerente) + (€ 485,OO * 0,7 filha maior) + (€ 485,OO * 0,5 filho menor) = € 1.067,00.


7- Assim, compulsados ambos os valores, verifica-se que a capitação do agregado familiar é inferior ao salário mínimo nacional.”


Contra-alegou o Ministério Público, concluindo pela improcedência do recurso e consequente manutenção do decidido.


Colhidos os vistos, cumpre decidir.


II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO.

O objecto da presente apelação, tal qual se mostra delimitado pelas conclusões do recorrente, consiste em apurar do preenchimento dos pressupostos legais para que se conclua impender sobre o FGADM o dever de pagar prestação de alimentos ao J… , em substituição do seu progenitor.

III – FUNDAMENTAÇÃO.


Fundamentação de facto.


A factualidade relevante e a ter em consideração é a seguinte:


1. O agregado familiar do J… é formado por ele, J… , pela mãe, C… , e por uma irmã já maior, C… ;


2. O salário auferido pela C… no mês de Dezembro de 2010 foi de € 1.188,18, ilíquidos, e de € 946,89, líquidos;


3. E, no mês de Janeiro de 2011 foi de € 1.237,59, ilíquidos, e de 972,98, líquidos;


4- Nos meses de Fevereiro e de Março de 2011 foi de € 995,38 e de € 1.069,86, ilíquidos, e de € 817,60 e de 848,90, líquidos, respectivamente.


4- Acrescendo ainda a esses montantes o do abono de família que o J… e a sua irmã, C… , recebem, no valor de € 29,19, cada um;


Fundamentação de direito.

O direito e o dever dos pais de educação e manutenção dos filhos (art. 36º, nº 5 da Constituição da República Portuguesa) são um verdadeiro direito-dever subjectivo, conceptualmente designados de obrigação de cuidado parental ou, simplesmente, como responsabilidades parentais, que envolve especialmente – art. 1878º, nº 1 do C.C. – o dever de prover ao sustento dos filhos, dentro das capacidades económicas dos pais, até que eles estejam em condições (ou tenham obrigação) de o fazer, aí radicando o verdadeiro fundamento da obrigação de alimentos por parte do progenitor que não vive com os filhos, consagrada na Convenção sobre os Direitos da Criança - artigo 27 -, que determina terem todas as crianças o direito a que os progenitores lhe propiciem as condições económicas adequadas ao seu crescimento sadio e equilibrado, ao seu “desenvolvimento físico, mental, espiritual, moral e social”.
Todavia, a natural necessidade de protecção das crianças, levou a que tenha obtido consagração constitucional – artigo 69, nº 1, da C.R.P., que “as crianças têm direito à protecção da sociedade e do Estado com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra todas as formas de abandono”.

No entanto, a criação de um sistema estadual (público) de garantia de satisfação dos alimentos devidos a menores, instituído no nosso ordenamento pela Lei 75/98, de 19/11, resultou não só do cumprimento da norma constitucional programática do art. 69º da C.R.P., mas resultou também de outras normas vinculativas de direito internacional, designadamente, das Recomendações do Conselho da Europa R (82) 2, de 4/02, relativa à antecipação pelo Estado de prestações de alimentos devidos a menores e R (89) 1, de 18/01, relativa às obrigações do Estado em matéria de prestações de alimentos a menores em caso de divórcio dos pais.

Por último, determinante para se instituir a garantia estadual de satisfação dos alimentos devidos a menores foi também a evidente constatação de que a evolução negativa das condições socio-económicas e as consequentes alterações dos padrões de comportamento têm determinado um significativo aumento das situações de incumprimento das prestações alimentares por parte dos progenitores e, designadamente, de obrigações fixadas por decisões judiciais, com os inerentes e consideráveis riscos de comprometimento do harmonioso de desenvolvimento de muitos menores.

E é neste contexto que surge a Lei 75/98, de 19/11, que veio fazer recair sobre o Estado, através do FGADM, a obrigação de assegurar a satisfação dos alimentos a menores residentes em território nacional quando a pessoa judicialmente obrigada à sua prestação o não venha a fazer por qualquer das formas previstas no art. 189º da O.T.M, e o alimentado não disponha de um rendimento líquido superior ao salário mínimo nacional, nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre - arts. 1º e 6º da Lei 75/98.

A propósito do segundo requisito, estabeleceu-se dever entender-se que o alimentado não beneficia de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, superiores ao salário mínimo nacional, quando a capitação de rendimentos do agregado familiar não seja superior àquele salário.

Delimitou-se a intervenção do Estado por referência ao valor do salário mínimo nacional, considerando-se não se justificar a sua intervenção quando o menor tiver disponível para si, face à capitação dos rendimentos do agregado familiar onde esteja inserido (e onde esteja inserida a pessoa a cuja guarda se encontre), rendimento superior ao salário mínimo nacional. Ponderou-se que em tais casos não existe situação de risco que ameace a existência digna do menor – sendo certo que este é o fundamento para a intervenção estadual.

Com a entrada em vigor do Decreto-Lei 70/2010, de 16/06, procedeu-se a uma redefinição das condições de acesso aos apoios sociais, estabelecendo-se regras para a determinação dos rendimentos, composição do agregado familiar e capitação de rendimentos do agregado familiar para a verificação das condições de recursos a ter em conta no reconhecimento e manutenção do direito a prestações dos subsistemas de protecção familiar e de solidariedade, designadamente quanto ao pagamento das prestações de alimentos, no âmbito do FGADM (art. 1º, nº 2, c) do DL 70/2010).

O artigo 5, desta Lei 70/2010 – que entrou em vigor no dia 1/08/2010 -, veio, assim, estabelecer que para o apuramento da capitação dos rendimentos do agregado familiar, a ponderação de cada elemento é efectuada de acordo com escala de equivalência segundo a qual ao requerente é atribuído o peso de 1, por cada indivíduo maior do agregado é atribuído o peso de 0,7 e por cada indivíduo menor do mesmo agregado é atribuído o peso de 0,5.

No caso dos autos, o menor está confiado à sua progenitora, sendo o seu agregado, como supra se referiu, composto por ele próprio, pela mãe e por uma irmã, maior de idade.

Ora, analisados os documentos de fls. 7 e 8 atinentes ao processamento salarial da mãe do menor, C… , relativos aos meses de Dezembro de 2010 e Janeiro de 2011, constata-se que o valor destes dois salários ascendeu aos montantes de € 1.188,18 e € 1.237,59, ilíquidos, e de € 946,89 e € 972,98, líquidos, respectivamente.

Assim, de todo evidente resulta que na promoção de fls. 11, destes autos, para cujos fundamentos remete o despacho recorrido, constante de fls. 13, também dos autos, o valor dos salários tomados em consideração foi o seu valor ilíquido - de € 1.188,18 e € 1.237,59, como aí expressamente se refere -, e não o líquido - de € 946,89 e € 972,98 -, como devia, em conformidade, com o regime plasmado nas supracitadas normas da Lei nº 75/98, de 19/11, que manda atender ao rendimento líquido, o mesmo sucedendo com o Decreto - Lei 164/99, de 13/05, que regulamentou esta Lei, e que na al. b), do nº 1), do seu artigo 3, reafirma este mesmo pressuposto de concessão da prestação de alimentos pelo Fundo de Garantia.

Considerados os valores líquidos do salário auferido pela C… , acrescidos dos € 29,19, que cada um dos seus filhos recebe, a título de abono der família, conclui-se que, nos meses em referência, o rendimento global do agregado a considerar – por ter sido com base nele que se determinou o a cessação da responsabilidade do Fundo, e não se ter demonstrado outros, posteriores, de valor superior -, nos temos do artigo art. 3º do DL 70/2010, ascende ao montante global de € 1.005,27 e de € 1031,36, respectivamente.

É este rendimento global do agregado familiar do menor que releva para apuramento da capitação dos rendimentos familiar.

Cumpre ainda esclarecer que, em nosso entender, é a mãe do menor, e não este último, quem deve ser considerada a requerente, para efeitos de capitação do rendimento do agregado familiar, prevista no artigo 5, da Lei 70/2010, de 16/06.

Na verdade, como se refere no Acórdão desta Relação, de 2/11/10 Cfr. Acórdão da Relação de Guimarães, de 2/11/10, proferido no processo 2569/09.5TBVCT.G1, relatado pelo Juiz Desembargador António Ribeiro. , “(…) o art. 5º do DL 70/2010, ao estabelecer a capitação dos rendimentos por agregado familiar, que se aplica a todos os casos previstos no art. 1º e não apenas às prestações alimentares a cargo do FGADM”, não parece consentir que se considere o menor como requerente “uma vez que nos arts. 3º e 4º da Lei nº 75/98, de 19.11, os menores credores de alimentos nunca são considerados os requerentes para aquele efeito, identificando esse diploma, como tal, «aqueles a quem a prestação de alimentos deveria ser entregue» ou «ao representante legal do menor ou a pessoa à guarda de quem se encontrem»”.


(…)


E, continua: “No preâmbulo do DL nº 70/2010 lê-se que «no âmbito do actual contexto global, de crise económica e financeira internacional, e à semelhança da economia mundial, também a economia portuguesa tem sentido os impactos adversos daí resultantes. Neste contexto, o Governo definiu, no Programa de Estabilidade e Crescimento 2010-2013, um conjunto significativo de políticas indispensáveis para a promoção do crescimento económico e do emprego, bem como um conjunto de medidas de consolidação orçamental, algumas delas estruturais.


Faz parte integrante desse conjunto de medidas, que visam conter de forma sustentada o crescimento da despesa pública, a redefinição das condições de acesso aos apoios sociais. Deste modo, o presente decreto-lei procede, não só à harmonização das condições de acesso às prestações sociais não contributivas, possibilitando igualmente que a sua aplicação seja mais criteriosa, como estende a sua aplicação a todos os apoios sociais concedidos pelo Estado, cujo acesso tenha subjacente a verificação da condição de rendimentos».


Ao nível do sistema de segurança social, a criação de um quadro harmonizado de acesso às prestações sociais não contributivas permitirá, por um lado, atribuir maior coerência na concessão das prestações sociais não contributivas e, por outro, reforçar de forma significativa a eficiência e o rigor, nomeadamente ao nível do controlo da fraude e evasão prestacional».


Acontece que é ao Governo que compete estabelecer o âmbito, parâmetros e extensão das prestações sociais que tem por necessárias e sustentáveis na situação económico-financeira existente em cada momento, bem como fixar-lhes limites, como os que decorrem do art. 5º, relativos ao rendimento do agregado familiar, que estendem a sua aplicação «a todos os apoios sociais concedidos pelo Estado, cujo acesso tenha subjacente a verificação da condição de rendimentos».


Não pode deixar de compreender-se que, num momento em que o País se debate com tão graves dificuldades financeiras, uma aplicação mais criteriosa das prestações sociais não contributivas seja necessária, até para que não fiquem sem protecção, esses sim, os casos mais desesperados cujo acompanhamento e solução não podem ser adiados.


Dispõem os nºs 1 e 3 do artigo 9º do Código Civil que «a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada» e que «na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados».


Não nos parece que a formulação do artigo 5º do DL 70/2010 possa comportar outra interpretação que não a de que, no apuramento da capitação dos rendimentos do agregado familiar, a ponderação de cada elemento é efectuada de acordo com a escala de equivalência constante da tabela anexa seguinte, para toda e qualquer das prestações sociais englobadas, assim se aplicando o peso de 0,5 por cada indivíduo menor, mesmo nos casos em que a estes são devidos os alimentos.”


Destarte, considerando o “peso” de “1” para a mãe dos menores, de “0,7” para a irmã, C… , e de “0,5” para o menor, e o rendimento do agregado familiar de € 1.031,36 (o mais elevado dos dois considerados), que corresponde à soma do valor do salário mensal da requerente com o valor dos abonos de família (em conformidade com as regras estabelecidas nos arts. 3º e 4º do DL 70/2010), temos uma capitação, ou rendimento per capita, de € 468,80, que é inferior ao rendimento mínimo mensal garantido em 2010 e em 2011 (de € 475,00, fixado pelo DL 5/2010, de 15/01, e de € 485,00, fixado pelo DL 143/2010, de 31/12, respectivamente).


Há ainda a considerar que todos os salários posteriores a Janeiro de 2011 são de valor inferior ao deste salário, originando, como é óbvio, e por consequência, uma capitação inferior.
E, assim sendo, contrariamente ao que se considerou na decisão recorrida, resulta verificado o requisito previsto na alínea b) do nº 1 do art. 3º do DL 164/99, de 13/05, ou seja, que o menor não beneficia de rendimentos superiores ao salário mínimo nacional, considerando a capitação dos rendimentos do agregado familiar resultante do nº 3, do art. 3º do DL 164/99 (na redacção introduzida pelo DL 70/2010) e do art. 5º do DL 70/2010.

Destarte, e em decorrência de tudo o acabado de expender, a apelação haverá de ser julgada procedente e, por consequência, revogada a decisão, com a consequente continuação do pagamento da prestação alimentar a cargo do FGADM.


Sumário - art. 713º, nº 7 do C.P.C..

I- São requisitos para que o FGADM assegure o pagamento das prestações de alimentos devidas a menores residentes no território nacional que:

a) A pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos não satisfaça a prestação pelas formas coactivas previstas na lei (art. 3º, nº 1, a) do DL 164/99, de 13/05);

b) O menor não tenha rendimento líquido superior ao salário mínimo nacional nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre (art. 3º, nº 1, b) do DL 164/99, de 13/05).

II- O rendimento a ter em consideração para a determinação da capitalização do rendimento do agregado familiar em que se insere o menor é o rendimento líquido e permanente, desse mesmo agregado.

II- Assim, logrando demonstrado que, nos termos do art. 3º, nº 3 do DL 164/99 (na redacção introduzida pelo art. 16º do DL 70/2010, de 16/06) e art. 5º do DL 70/2010, o rendimento per capita do agregado em que o menor se encontra integrado é inferior ao salário mínimo nacional, terá de concluir-se resultarem preenchidos os pressupostos legais de que depende a obrigação do FGADM assegurar o pagamento da prestação de alimentos fixada judicialmente, e que o progenitor não satisfaz, nomeadamente, com recurso aos meios coactivos legalmente previstos.

DECISÃO.
Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível em julgar procedente a apelação e, em consequência, revogar a decisão recorrida, determinando que o FGADM continue a efectuar o pagamento da prestação alimentícia ao menor J… .

Custas pelo Apelado.

Guimarães, 17/ 11/ 11
Jorge Teixeira
Manuel Bargado
Helena Melo

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