Acerca de mim

A minha foto
Porto, Porto, Portugal
Rua de Santos Pousada, 441, DE Telefone: 225191703; Fax: 225191701; E-mail: cabecaisdecarvalho@gmail.com

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

CONTRATO DE SEGURO PRÉMIO VARIÁVEL - CONTRATO DE SEGURO PRÉMIO VARIÁVEL - 11/10/2011


Acórdãos TRP
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
670/2002.8.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FERREIRA DA COSTA
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
PRÉMIO VARIÁVEL

Nº do Documento: RP20111011670/2002.8.P1
Data do Acordão: 11-10-2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1

Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: PROVIDO.
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .

Sumário: I – No contrato de seguro de acidentes de trabalho, a prémio variável, por folhas de retribuição, é pelos montantes aí declarados que a empregadora transfere para a seguradora a sua responsabilidade pela reparação de tais acidentes.
II – Tendo a empregadora declarado à seguradora uma retribuição inferior à real, a responsabilidade pela reparação do acidente é efectuada na proporção da parte transferida e da parte não transferida, assumindo a seguradora a correspondente à transferência e a empregadora a restante.
III – Referindo-se o Art.º 37.º, n.º 3 da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, à “diferença” e à “proporção” da responsabilidade pela reparação do acidente de trabalho, deve entender-se que o pagamento de todas as prestações é efectuado na proporção da responsabilidade transferida e da não transferida, pois com tal lei o cálculo das pensões e das indemnizações deixou de ser efectuado com referência ao salário mínimo nacional.
Reclamações:

Decisão Texto Integral: Reg. N.º 804
Proc. N.º 670/2002.8.P1

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

Nestes autos emergentes de acidente de trabalho, com processo especial, em que figuram como sinistrada B…, patrocinada pelo Ministério Público e como entidades responsáveis C… - Companhia de Seguros, S.A. e D…, S.A., veio aquela em 2011-01-05 requerer exame médico de revisão com fundamento em que se agravaram as lesões resultantes do acidente de trabalho que sofreu em 2001-11-15, dependendo da ajuda de terceira pessoa.
Submetida aos requeridos exames médicos, singular e colegial, o Tribunal a quo proferiu o seguinte despacho:
“B…, residente na Rua …, nº .. – .º Dt.º Frente, em Braga, veio a fls. 764 requerer exame médico de revisão, ao abrigo do disposto no art. 145º do C.P.T., por necessitar de assistência de terceira pessoa.
No exame por Junta Médica, os Srs. Peritos Médicos consideraram, por unanimidade, que a sinistrada necessita agora de assistência de terceira pessoa durante duas horas diárias.
Não se vislumbra útil ou necessária a realização de outras diligências.
Cumpre decidir.
Nos termos do disposto no art. 25º nº 1 da Lei nº 100/97, de 13-09 (em vigor à data do acidente), quando se verifique modificação da capacidade de ganho do sinistrado proveniente de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão que deu origem à reparação, as prestações poderão ser revistas e aumentadas, reduzidas ou extintas, de harmonia com a alteração verificada.
No caso concreto, como resulta do supra exposto, foi demonstrado que a sinistrada necessita agora de assistência de terceira pessoa durante duas horas diárias.
Assim, assiste à Autora o direito à respectiva prestação suplementar para assistência de terceira pessoa (art. 19º da Lei nº 100/97, de 13-09), a partir do dia seguinte à data da apresentação do requerimento de revisão (06-01-2011), no montante correspondente à remuneração mínima mensal garantida vigente para cada ano (que se cifra em € 485,00 x 14 meses/ano, no presente ano de 2011), na proporção de ¼ do horário normal de trabalho diário, ascendendo por isso neste momento a €121,25 x 14 meses/ano.
A responsabilidade pelo pagamento desta prestação suplementar cabe integralmente à seguradora, já que o respectivo montante é fixado por lei com base na r.m.m.g. e não na retribuição devida ao sinistrado e na retribuição que se encontra coberta pela apólice de seguro.
Na verdade, o cálculo deste subsídio não sofre qualquer variação consoante as remunerações abrangidas pelo contrato de seguro correspondam ou não à totalidade das auferidas pelo sinistrado.
Como decorre do disposto no art. 37º nº 3 da Lei nº 100/97, de 13-09, a regra da proporcionalidade apenas se encontra imposta no tocante às prestações que respeitem a hospitalização, assistência clínica e transporte.
Pelo exposto, decide-se condenar a Ré Seguradora a pagar à sinistrada uma prestação suplementar para assistência de terceira pessoa, correspondente a ¼ da remuneração mínima mensal garantida vigente para cada ano, ascendendo por isso neste momento a € 121,25 x 14 meses/ano, com efeitos a partir de 06-01-2011.”.
Inconformada com o assim decidido, veio a seguradora interpôr recurso de apelação, tendo formulado a final as seguintes conclusões:

1 - Na decisão sob recurso o Meritíssimo Juiz "a quo" entendeu que a responsabilidade pelo pagamento da prestação suplementar por assistência de terceira pessoa cabe integralmente à seguradora, visto que o respectivo montante é fixado por lei com base na r.m.m.g. e não na retribuição devida ao sinistrado e na retribuição que se encontra coberta pela apólice de seguro.
2 - Entendeu, igualmente, que a regra da proporcionalidade constante do nº 3, do artigo 37, da Lei 100/97, apenas se encontra imposta no tocante às prestações que respeitem a hospitalização, assistência clínica e transporte.
3 - Trata-se de um entendimento errado, pois decorre, claramente, do artigo 12° das Condições Gerais da Apólice Uniforme do Ramo Acidentes de Trabalho que, no caso da retribuição declarada ser inferior à efectivamente paga, o Tomador de Seguro responderá, além do mais, proporcionalmente pelas despesas de hospitalização, assistência clínica, transportes e estadas, despesas judiciais e de funeral, subsídios por morte, por situações de elevada incapacidade permanente e de readaptação, prestação suplementar por assistência de terceira pessoa e todas as demais despesas realizadas no interesses do sinistrado.
4 - Por outro lado, o ensinamento que se colhe do Supremo Tribunal de Justiça é o de que assume carácter meramente exemplificativo a individualização constante do nº 3, do artigo 37°, da Lei 100/97.
5 - Ao decidir que cabe integralmente à seguradora a responsabilidade pelo pagamento da prestação suplementar por assistência de terceira pessoa quando tal responsabilidade deveria ter sido repartida na proporção de 47,51 % para a seguradora e 52,49% para a entidade patronal, o Meritíssimo Juiz "a quo" violou o disposto no artigo 37°, nº 3, da Lei 100/97 e o disposto no artigo 12° das Condições Gerais da Apólice Uniforme do Ramo Acidentes de Trabalho.

A sinistrada apresentou a sua contra-alegação, concluindo pelo não provimento do recurso.
O Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto, nesta Relação, teve vista nos autos.
Recebido o recurso, elaborado o projecto de acórdão e entregues as respectivas cópias aos Exm.ºs Juízes Desembargadores Adjuntos[1], foram colhidos os vistos legais.

Cumpre decidir.

Estão provados os factos constantes do relatório que antecede, para além do seguinte:
1 - A sinistrada auferia a retribuição anual de € 11.023,63 e a empregadora havia transferido a sua responsabilidade pela retribuição anual de € 374,10 por 14 meses.
2 - Por sentença proferida na acção declarativa em 2004-07-13, o Tribunal a quo decidiu condenar as RR. a efectuar à A. as seguintes prestações, acrescidas de juros à taxa de 7% até 30-04-2003 e de 4% desde então até integral pagamento, quanto aos montantes fixados:
I - A R. "C… - Companhia de Seguros, S.A.":
a) com início em 25-02-2003, a pagar a pensão anual e vitalícia de € 4.189,92 (quatro mil, cento e oitenta e nove euros e noventa e dois cêntimos) e de € 418,99 (quatrocentos e dezoito euros e noventa e nove cêntimos), actualizável anualmente nos termos do art. 6º do Dec.-Lei nº 142/99, de 30-04 e a pagar nos termos do art. 51° do Dec.-Lei nº 143/99, de 30-04;
b) a pagar a quantia de € 3.724,48 (três mil, setecentos e vinte e quatro euros e quarenta e oito cêntimos) a título de subsídio por situação de elevada incapacidade permanente;
c) fornecer todas as prestações em espécie indicadas no art. 23° nºs 1 e 2 do Dec.-Lei nº 143/99, de 30-04, que se venham a mostrar necessárias ao restabelecimento do seu estado de saúde e à sua recuperação para a vida activa, na proporção de 47,51 % do respectivo valor; e
d) a pagar a quantia de € 20,00 (vinte euros) a título de transportes;
II - A R. "D…, S.A."
a) com início em 25-02-2003, a pagar a pensão anual e vitalícia de € 4.628,98 (quatro mil, seiscentos e vinte e oito euros e noventa e oito cêntimos) e de € 462,90 (quatrocentos e sessenta e dois euros e noventa cêntimos), actualizável anualmente nos termos do art. 6º do Dec.-Lei nº 142/99, de 30-04 e a pagar nos termos do art. 51° do Dec.-Lei nº 143/99, de 30-04;
b) a pagar a quantia de € 285,88 (duzentos e oitenta e cinco euros e oitenta e oito cêntimos) a título de subsídio por situação de elevada incapacidade permanente;
c) fornecer todas as prestações em espécie indicadas no art. 23° nºs 1 e 2 do Dec.-Lei nº 143/99, de 30-04, que se venham a mostrar necessárias ao restabelecimento do seu estado de saúde e à sua recuperação para a vida activa, na proporção de 52,49% do respectivo valor; e
d) a pagar a quantia de € 5.232,36 (cinco mil, duzentos e trinta e dois euros e trinta e seis cêntimos) a título de indemnização pelas incapacidades temporárias.

Fundamentação.
Sendo pelas conclusões do recurso que se delimita o respectivo objecto[2], como decorre do disposto nos Art.ºs 684.º, n.º 3 e 685.º-A, n.º 1, ambos do Cód. Proc. Civil, na redacção que lhe foi dada pelo diploma referido na nota (1), ex vi do disposto no Art.º 87.º, n.º 1 do Cód. Proc. do Trabalho, salvo tratando-se de matérias de conhecimento oficioso de que o Tribunal ad quem pode conhecer por sua iniciativa, o que não ocorre in casu, a única questão a decidir nesta apelação consiste em saber se a responsabilidade pelo pagamento da prestação suplementar por assistência de terceira pessoa deve ser repartida na proporção de 47,51 % para a seguradora e 52,49% para a entidade patronal.
Vejamos.
In casu, como vem provado, a sinistrada auferia a retribuição anual de € 11.023,63 e a empregadora havia transferido a sua responsabilidade pela retribuição anual de € 374,10 por 14 meses.
Por outro lado, por sentença proferida na acção declarativa em 2004-07-13, o Tribunal a quo decidiu condenar as RR. a efectuar à A. as seguintes prestações, acrescidas de juros à taxa de 7% até 30-04-2003 e de 4% desde então até integral pagamento, quanto aos montantes fixados:
I - A R. "C… - Companhia de Seguros, S.A.":
a) com início em 25-02-2003, a pagar a pensão anual e vitalícia de € 4.189,92 (quatro mil, cento e oitenta e nove euros e noventa e dois cêntimos) e de € 418,99 (quatrocentos e dezoito euros e noventa e nove cêntimos), actualizável anualmente nos termos do art. 6º do Dec.-Lei nº 142/99, de 30-04 e a pagar nos termos do art. 51° do Dec.-Lei nº 143/99, de 30-04;
b) a pagar a quantia de € 3.724,48 (três mil, setecentos e vinte e quatro euros e quarenta e oito cêntimos) a título de subsídio por situação de elevada incapacidade permanente;
c) fornecer todas as prestações em espécie indicadas no art. 23° nºs 1 e 2 do Dec.-Lei nº 143/99, de 30-04, que se venham a mostrar necessárias ao restabelecimento do seu estado de saúde e à sua recuperação para a vida activa, na proporção de 47,51 % do respectivo valor; e
d) a pagar a quantia de € 20,00 (vinte euros) a título de transportes;
II - A R. "D…, S.A."
a) com início em 25-02-2003, a pagar a pensão anual e vitalícia de € 4.628,98 (quatro mil, seiscentos e vinte e oito euros e noventa e oito cêntimos) e de € 462,90 (quatrocentos e sessenta e dois euros e noventa cêntimos), actualizável anualmente nos termos do art. 6º do Dec.-Lei nº 142/99, de 30-04 e a pagar nos termos do art. 51° do Dec.-Lei nº 143/99, de 30-04;
b) a pagar a quantia de € 285,88 (duzentos e oitenta e cinco euros e oitenta e oito cêntimos) a título de subsídio por situação de elevada incapacidade permanente;
c) fornecer todas as prestações em espécie indicadas no art. 23° nºs 1 e 2 do Dec.-Lei nº 143/99, de 30-04, que se venham a mostrar necessárias ao restabelecimento do seu estado de saúde e à sua recuperação para a vida activa, na proporção de 52,49% do respectivo valor; e
d) a pagar a quantia de € 5.232,36 (cinco mil, duzentos e trinta e dois euros e trinta e seis cêntimos) a título de indemnização pelas incapacidades temporárias.
Ora, estabelece, adrede, o Art.º 37.º, n.º 3 da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro:
Quando a retribuição declarada para efeito do prémio de seguro for inferior à real, a entidade seguradora só é responsável em relação àquela retribuição. A entidade empregadora responderá, neste caso, pela diferença e pelas despesas efectuadas com a hospitalização, assistência clínica e transportes, na respectiva proporção.[3]
Tal norma contém uma redacção semelhante às suas correspondentes na Lei n.º 2127, de 1965-08-03[4] e na Lei n.º 1942, de 1936-07-27[5], sendo por isso necessário indagar a razão pela qual se distingue a diferença da proporção.
Em cada uma destas leis, quando a retribuição declarada pelo segurado à seguradora fosse inferior à paga ao sinistrado, as pensões e indemnizações tinham de atender no seu cálculo à parte declarada e à parte não declarada da retribuição porque não se atendia à totalidade da retribuição auferida efectivamente pela vítima. Na verdade, na Lei n.º 1942, de 1936-07-27, na parte em que o salário fosse superior a 15$00 diários, mais tarde aumentado para 30$00[6], só se atendia a metade da pensão devida – Art.º 19.º – e se o salário fosse superior a 50$00, mais tarde aumentado para 100$00[7] – Art.º 18.º – não se atendia no cálculo da pensão e da indemnização à parte da retribuição que ultrapassasse este limite. Por isso é que o empregador tinha de responder pela diferença quando não tivesse transferido para a seguradora a totalidade da retribuição auferida/devida pelo sinistrado e não na proporção, pois o salário auferido não tinha repercussões idênticas nos cálculos, consoante fosse igual ou inferior a 15$00 ou 30$00 – contava por inteiro – superior a estas quantias – contava por inteiro até estas quantias e acima delas contava apenas por metade – ou superior ainda a 50$00 ou 100$00 – acima deste limite irrelevava, como se o sinistrado não auferisse retribuição superior. Já quanto às despesas de hospitalização, assistência clínica e transportes era a entidade empregadora que respondia pelo seu pagamento e na totalidade, solução que não foi acolhida nas leis posteriores, que estabeleceram a proporção, como melhor se referirá adiante, certamente na ideia de que aquela solução era excessivamente punitiva para o empregador.
De igual modo, a Lei n.º 2127, de 1965-08-03, instituiu um sistema semelhante, pois no Art.º 50.º do seu regulamento, aprovado pelo Decreto n.º 360/71, de 21 de Agosto, estabeleceu que apenas se atenderia a metade da retribuição que o sinistrado auferisse acima de 100$00 diários, estabelecendo um máximo de 300$00, também diários e, com a redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 459/79, de 23 de Novembro, apenas se passou a atender a 70% - nas incapacidades temporárias e nas permanentes inferiores a 50% - ou a 80% - nas incapacidades permanentes iguais ou superiores a 50% - do que o sinistrado auferisse acima do salário mínimo nacional. Daí que, não tendo toda a retribuição auferida pelos sinistrados iguais repercussões no cálculo das indemnizações e das pensões, fosse necessário atender nos casos de transferência parcial da responsabilidade, à diferença entre a retribuição declarada para efeito de prémio de seguro e a auferida ou devida efectivamente e não à proporção de uma e outra parte. Porém, já no que se refere às despesas de hospitalização, assistência clínica e transportes esta lei estabeleceu a proporção entre a parte da retribuição declarada à seguradora e a parte a cargo do empregador, porque não transferida para aquela.
Ora, em ambas estas duas leis, atento o sistema instituído, importa em primeiro lugar calcular o valor da indemnização e da pensão com base na retribuição declarada à seguradora; depois, calcula-se os referidos valores com base na retribuição global auferida/devida ao sinistrado; o primeiro produto constitui as prestações da responsabilidade da seguradora sendo da responsabilidade da patronal a diferença entre estas e as calculadas com base na retribuição global auferida ou devida.
Porém, no âmbito da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro e seu regulamento[8], nenhuma norma obriga a atender apenas a parte da retribuição efectivamente auferida pelo sinistrado[9], pelo que para calcular a pensão e a indemnização devidas atende-se à totalidade da retribuição auferida, sem qualquer limitação, contrariamente ao que sucedia nas anteriores leis. Tal significa, assim, que no caso de a retribuição declarada pela entidade empregadora à seguradora ser inferior à real, à efectivamente paga ou devida ao sinistrado, as entidades responsáveis respondem na proporção da retribuição que cada uma delas assume, tal como sucede com as despesas de hospitalização, assistência clínica e transportes, deixando de ter qualquer interesse a diferença que se verificava nas leis anteriores.
Ora, sendo claro à luz da vigente lei que as entidades responsáveis respondem na proporção da retribuição que cada uma delas assume, tanto ao nível das indemnizações e pensões, como ao nível das despesas de hospitalização, assistência clínica e transportes, por identidade de razão o mesmo deverá acontecer com todas as restantes prestações, mesmo que calculadas com base no salário mínimo nacional. Na verdade, o critério da diferença ou da proporção no cálculo das prestações assenta na circunstância de a lei mandar atender apenas a parte ou à totalidade da retribuição auferida/devida e não à circunstância de o montante das prestações ser determinado com base no salário mínimo nacional.[10]
Daí que se discorde da decisão recorrida quando coloca a obrigação de pagar a totalidade da prestação suplementar por assistência de terceira pessoa a cargo da seguradora, quando esta apenas é responsável na proporção da retribuição declarada para efeito de contrato de seguro, devendo o empregador suportar a parte não transferida da retribuição.[11]
In casu, auferindo a sinistrada a retribuição anual de € 11.023,63 e tendo a empregadora transferido a sua responsabilidade para a seguradora pela retribuição anual de € 374,10 por 14 meses, esta responderá na proporção de 47,51% e a empregadora, na proporção de 52,49%.
Tendo a seguradora sido condenada a pagar à sinistrada a prestação suplementar por necessidade de auxílio de terceira pessoa no montante de € 121,25 x 14, devida desde 2011-01-06, mas sendo a responsabilidade repartida entre as RR., na proporção assinalada supra, à seguradora caberá pagar durante o ano de 2011 a quantia de € 57,61 x 14 e à empregadora a quantia de € 63,64, x 14 meses, igual procedimento devendo ser observado nos anos subsequentes, sendo caso disso.
Procedem, destarte, as conclusões da apelação.

Decisão.
Termos em que se acorda em conceder provimento à apelação, assim revogando a decisão recorrida, que se substitui pelo presente acórdão em que se condena as entidades responsáveis a efectuarem o pagamento da prestação suplementar por necessidade de auxílio de terceira pessoa, na proporção de 47,51% para a seguradora e na proporção de 52,49% para a empregadora, pelo que, durante o ano de 2011, àquela caberá pagar a quantia de € 57,61 x 14 e à empregadora a quantia de € 63,64, x 14 meses, igual procedimento devendo ser observado nos anos subsequentes, sendo caso disso.
Sem custas, dada a isenção da sinistrada.

Porto, 2011-10-11
Manuel Joaquim Ferreira da Costa
António José Fernandes Isidoro
Paula Alexandra Pinheiro Gaspar Leal Sotto Mayor de Carvalho
_______________
[1] Atento o disposto no Art.º 707.º, n.º 2 do CPC, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, ex vi do disposto nos Art.ºs 11.º, n.º 1 – a contrario sensu – e 12.º, n.º 1, ambos deste diploma.
[2] Cfr. Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, volume V, reimpressão, 1981, págs. 308 a 310 e os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 1986-07-25 e de 1986-10-14, in Boletim do Ministério da Justiça, respectivamente, n.º 359, págs. 522 a 531 e n.º 360, págs. 526 a 532.
[3] Tal redacção, com diferenças de pormenor e separada em dois números, foi acolhida no Art.º 303.º do Cód. do Trabalho, n.ºs 4 e 5.
[4] Que é a Base L, do seguinte teor:
Quando o salário declarado, para efeito do prémio de seguro, for inferior ao real, a entidade seguradora só é responsável em relação àquele salário. A entidade patronal responderá, neste caso, pela diferença e pelas despesas efectuadas com a hospitalização, assistência clínica e transportes, na respectiva proporção.
[5] Que é o Artigo 28.º, do seguinte teor:
Quando o salário declarado, para efeito do prémio de seguro, for inferior ao auferido pelo sinistrado, a patronal responde pela respectiva diferença e pela totalidade das despesas feitas pela entidade seguradora, nomeadamente as de hospitalização, assistência clínica e transportes.
[6] Cfr. Art.º 1.º do Decreto-Lei n.º 38 539, de 1951-11-24.
[7] Cfr. Art.º 2.º do Decreto-Lei n.º 38 539, de 1951-11-24.
[8] Constante do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril.
[9] Isto, apesar de a lei continuar a referir diferença e proporção, como nas leis anteriores, o que ocorre certamente por inadvertência ou inércia, mas sem qualquer razão substancial, o que se afirma por mero dever de ofício. Aliás, na mesma senda, pode ver-se o disposto no Art.º 12.º da Apólice Uniforme do Seguro de Acidentes de Trabalho para Trabalhadores por Conta de Outrém, aprovada pela Norma n.º 12/99-R, de 8 de Novembro:
No caso de a retribuição declarada ser inferior à efectivamente paga, ou não havendo declarações de qualidade de praticante, aprendiz ou estagiário, e respectivas retribuições de equiparação, o tomador de seguro responderá: i) pela parte excedente das indemnizações e pensões; ii) proporcionalmente pelas despesas de hospitalização, assistência clínica, transportes e estadas, despesas judiciais e de funeral, subsídios por morte, por situações de elevada incapacidade permanente e de readaptação, prestação suplementar por assistência de terceira pessoa e todas as demais despesas realizadas no interesse do sinistrado (sublinhados e negrito nossos).
Apesar do referido, veja-se o que dispõe a nova Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro:
Artigo 79.º
Sistema e unidade de seguro
4 — Quando a retribuição declarada para efeito do prémio de seguro for inferior à real, a seguradora só é responsável em relação àquela retribuição, que não pode ser inferior à retribuição mínima mensal garantida.
5 — No caso previsto no número anterior, o empregador responde pela diferença relativa às indemnizações por incapacidade temporária e pensões devidas, bem como pelas despesas efectuadas com a hospitalização e assistência clínica, na respectiva proporção.
Portanto, devemos acabar esta nota como a começamos:
Isto, apesar de a lei continuar a referir diferença e proporção, como nas leis anteriores, o que ocorre certamente por inadvertência ou inércia, mas sem qualquer razão substancial, o que se afirma por mero dever de ofício.
[10] Cfr., sobre a matéria, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2006-11-29, in www.dgsi.pt e, Processo 06S2443, bem como os Acórdãos da Relação do Porto de 2005-07-11, da Relação de Coimbra de 2005-05-18 e da Relação de Lisboa de 1998-11-04, in, respectivamente, www.dgsi.pt, Colectânea de Jurisprudência, Ano XXX- 2005, Tomo III, págs. 57 a 59 e Ano XXIII-1998, Tomo V, págs. 154 a 157.
[11] Até aqui seguimos de muito perto os Acórdãos desta Relação do Porto de 2006-12-04 e de 2011-04-04, o primeiro in www.dgsi.pt e o segundo, inédito, ao que se supõe.
_________________
S U M Á R I O
I – No contrato de seguro de acidentes de trabalho, a prémio variável, por folhas de retribuição, é pelos montantes aí declarados que a empregadora transfere para a seguradora a sua responsabilidade pela reparação de tais acidentes.
II – Tendo a empregadora declarado à seguradora uma retribuição inferior à real, a responsabilidade pela reparação do acidente é efectuada na proporção da parte transferida e da parte não transferida, assumindo a seguradora a correspondente à transferência e a empregadora a restante.
III – Referindo-se o Art.º 37.º, n.º 3 da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, à “diferença” e à “proporção” da responsabilidade pela reparação do acidente de trabalho, deve entender-se que o pagamento de todas as prestações é efectuado na proporção da responsabilidade transferida e da não transferida, pois com tal lei o cálculo das pensões e das indemnizações deixou de ser efectuado com referência ao salário mínimo nacional.

Manuel Joaquim Ferreira da Costa

http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/d1d5ce625d24df5380257583004ee7d7/92651a10ea5066a18025792d00459acc?OpenDocument

Faculdade de Direito da Católica novamente entre as melhores do mundo - Renascença

Faculdade de Direito da Católica novamente entre as melhores do mundo - Renascença

terça-feira, 29 de novembro de 2011

PERÍODO EXPERIMENTAL - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa - 28/09/2011


Acórdãos TRL
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
269/10.2TTVFX.L1-4
Relator: NATALINO BOLAS
Descritores: PERÍODO EXPERIMENTAL

Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 28-09-2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Parcial: S

Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO

Sumário: I - À contagem do tempo referente ao período experimental não é aplicável a norma constante do art. 278.º al. b) do Código Civil.
II – Se o trabalhador iniciou a execução do contrato em 21.09.2009, tendo faltado um dia em Outubro (falta que não é considerada para efeitos do período experimental), e a ré denunciou o contrato de trabalho no dia 21.12.2009, fê-lo no 91.º dia do período experimental (10 dias em Setembro + 30 dias em Outubro + 30 dias em Novembro + 21 dias em Dezembro);
III – A cessação do contrato de trabalho por denúncia do empregador, após decorrido o período experimental, tem de ser entendida como um despedimento sem justa causa.
(Elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

I – Relatório

A instaurou, em 07/04/2010, a presente acção declarativa sob a forma de processo comum contra
«B, LDA..»,
pedindo que seja declarada ilícito o seu despedimento e, consequentemente, seja a Ré condenada a pagar-lhe as retribuições, vencidas e vincendas, desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da presente decisão; a quantia de € 2.395,08 a título de retribuições vencidas (€ 282,60 por conta de férias e subsídio de férias referente ao tempo de serviço prestado no ano 2009 e € 2.112,48 relativo a trabalho suplementar prestado entre 01/10/2009 e 18/12/2009); e ainda, € 1.695,63 a título de indemnização por antiguidade, tudo acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde o vencimento até integral e efectivo pagamento.
Para tanto, alega que foi verbalmente admitido para, sob a autoridade, direcção e fiscalização da Ré, exercer, a partir de 21/09/2009, as funções de motorista de
pesados mediante o pagamento de € 565,21 mensais, acrescido de € 220,00 a título de ajudas de custo e subsídio de alimentação, e que entre 01/10/2009 a 18/12/2009, pese embora tenha sido acordado um período de trabalho de 40 horas semanais, a prestar de 2ª a 6ª, sempre trabalhou das 03h00 às 19h00, trabalho suplementar cujo pagamento reivindicou à Ré e ao que esta, em 21/12/2009, lhe comunicou a denúncia do contrato, invocando o n.º 2 do artigo 114º do Código do Trabalho, sendo certo que o período experimental de 90 dias havia cessado há dois dias.
Contestando, a Ré nega que tenha acordado o pagamento de € 220,00 a título de ajudas de custo e subsídio de alimentação, esclarecendo que somente foi acordado o pagamento de € 100,00 a título de subsídio de alimentação e uma quantia variável a pagar em função do trabalho suplementar ou nocturno prestado, horas de trabalho que pagou ao Autor e que incluiu nos recibos sob a rubrica “ajudas de custo variáveis”, negando contudo que o Autor haja realizado 15 horas de trabalho diárias.
Por fim, alega que apesar da denúncia do contrato ter ocorrido no 92º dia após o início da prestação de trabalho, fê-lo em prazo porquanto o Autor faltou ao trabalho nos dias 23/10/2009 e 20/11/2009, sendo certo que a falta de aviso prévio de 7 dias não fere de ilícita a cessação.

Procedeu-se a julgamento, tendo a matéria de facto sido decidida sem reclamações.
Foi proferida sentença cuja parte dispositiva se transcreve:
“Pelo exposto, o Tribunal julga a acção parcialmente procedente e, em
consequência, decide:
1. Declarar ilícito o despedimento de «A»..
2. Condenar «B,, LDA..» a pagar a «A» o valor correspondente às retribuições que deixou de auferir entre a data do despedimento e o trânsito em julgado da presente decisão, deduzidos os montantes a que alude o n.º 2 do artigo 390º do Código do Trabalho e as quantias obrigatoriamente devidas ao Fisco e à Segurança Social, a quem devem ser entregues, acrescida da quantia devida por conta de juros de mora, à taxa de 4% ao ano, desde a data de vencimento de cada uma das prestações em dívida até integral e efectivo pagamento.
3. Condenar «B, LDA..» a pagar a «A» a indemnização de antiguidade no valor de € 1.695,63 (mil seiscentos e noventa e cinco euros e sessenta e três cêntimos), acrescida da quantia devida por conta de juros de mora, à taxa de 4% ao ano, desde a citação até integral e efectivo pagamento.
4. Absolver «B, LDA..» do demais peticionado por «A».
5. Condenar «A» e «B, LDA..» no pagamento das custas processuais, na proporção do respectivo decaimento, que se fixa em 1/2 para o primeiro, sem prejuízo da dispensa de pagamento de que beneficia.”

Inconformada com a sentença, veio a Ré interpor recurso de apelação para este Tribunal da Relação, apresentando doutas alegações, com as seguintes conclusões:
(…)

O Autor contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.

Admitido o recurso na forma, com o efeito e no regime de subida devidos, subiram os autos a este Tribunal da Relação.
O Exmo. Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer nos termos legais.
Nada obstando ao conhecimento da causa, cumpre decidir.

O âmbito do recurso é limitado pelas questões suscitadas pelos recorrentes nas conclusões das alegações (art.ºs 690º e 684º, n.º 3 do Cód. Proc. Civil) , salvo as questões de conhecimento oficioso (n.º 2 in fine do art.º 660º do Cód. Proc. Civil).
Assim, a questão essencial a que cumpre dar resposta no presente recurso consiste em saber se a denúncia do contrato foi efectuada dentro do período experimental

II - FUNDAMENTOS DE FACTO
Os factos considerados provados são os seguintes:
1. O A. foi admitido para trabalhar por conta e sob a direcção da R., nas instalações desta de Vialonga, Vila Franca de Xira, no dia 21 de Setembro de 2009, mediante contrato de trabalho verbal e sem termo, para exercer as funções de motorista de pesados.
2. Foi acordado entre A. e R. que o salário mensal do A. ascendia a € 565,21, acrescido de subsídio de alimentação.
3. Em 21 de Dezembro de 2009 a R. entregou ao A. a comunicação da denúncia do contrato de trabalho com base no nº 2 do artº 114º do Código do Trabalho, onde ainda referiu ao mesmo que no final do mês de Dezembro lhe seriam pagos os duodécimos correspondentes a férias, subsídio de férias e dias trabalhados, visto já ter recebido o subsídio de Natal.
4. Uma das viaturas conduzidas pelo A. no período que trabalhou para a R. tem a matrícula 00-00-00 e dispõe de um sistema de leitura de cartão magnético onde cada motorista coloca o seu próprio cartão a fim de ser controlado o período de condução.
5. A outra viatura conduzida pelo A. com a matrícula 11-11-11 dispõe de um sistema de tacógrafo, onde cada motorista introduz um disco por forma a ser controlado o respectivo período de condução.
6. O A. conduziu a viatura referida em 4. nos dias e períodos referidos a fls. 61-108, atribuídos ao cartão magnético inserido com o nº ....
7. O A. recebeu da R. a título de ajudas de custo variáveis os montantes de € 180,71, € 389,38 e € 210,25 relativamente aos meses, respectivamente, de Setembro, Outubro e Dezembro.
8. Nas ajudas de custo variáveis a R. incluía o pagamento de horas extraordinárias, de subsídio de alimentação e do prémio de cargas e descargas, sendo este último variável em função do número de serviços efectuados.
9. O A. faltou ao trabalho um dia em Outubro de 2009.
10. A R. pagou ao A., em Dezembro de 2009, o montante de € 141,30 a título de subsídio de Natal.

III – FUNDAMENTOS DE DIREITO
A questão colocada nos autos consiste em saber se a ré fez cessar o contrato de trabalho no período experimental.
A sentença recorrida entendeu que a ré/recorrente despediu o autor ilicitamente porquanto fez cessar o contrato de trabalho no 91.º dia sendo certo que o período experimental era de 90 dias.
Contudo a recorrente, defendendo que à contagem do período experimental se aplica o art. 279.º al. b) do CCivil, que estabelece que, “Na contagem de qualquer prazo não se inclui o dia (…) em que ocorrer o evento a partir do qual o prazo começa a correr”, afirma que a ré fez cessar o contrato no 90.º dia, ou seja no último dia do período experimental.
Vejamos os factos.
O autor foi admitido ao serviço da ré no dia 21 de Setembro de 2009, mediante contrato de trabalho verbal e sem termo, para exercer as funções de motorista de pesados.
Em Outubro de 2009 o A. faltou ao trabalho um dia.
Em 21 de Dezembro de 2009 a R. entregou ao A. a comunicação da denúncia do contrato de trabalho com base no nº 2 do artº 114º do Código do Trabalho.
Entre 21 de Setembro e 21 de Dezembro decorreram 92 dias (10 dias em Setembro + 31 dias em Outubro + 30 dias em Novembro + 21 dias em Dezembro) – tempo de duração do contrato.
Vejamos, então, se o contrato foi denunciado no período experimental conforme defende a ré/recorrente.
Os art.s 111.º a 114.º do Código do Trabalho na redacção introduzida pela Lei 7/2009 de 12.02, aplicável ao caso dos autos dado que a relação laboral se iniciou em Setembro de 2009 e terminou em Dezembro do mesmo ano, regulam o período experimental do seguinte modo:
Artigo 111.º
Noção de período experimental
1 — O período experimental corresponde ao tempo inicial de execução do contrato de trabalho, durante o qual as partes apreciam o interesse na sua manutenção.
2 — No decurso do período experimental, as partes devem agir de modo que possam apreciar o interesse na manutenção do contrato de trabalho.
3 — O período experimental pode ser excluído por acordo escrito entre as partes.

Artigo 112.º
Duração do período experimental
1 — No contrato de trabalho por tempo indeterminado, o período experimental tem a seguinte duração:
a) 90 dias para a generalidade dos trabalhadores;
b) 180 dias para os trabalhadores que exerçam cargos de complexidade técnica, elevado grau de responsabilidade ou que pressuponham uma especial qualificação, bem como os que desempenhem funções de confiança;
c) 240 dias para trabalhador que exerça cargo de direcção ou quadro superior.
2 — No contrato de trabalho a termo, o período experimental tem a seguinte duração:
a) 30 dias em caso de contrato com duração igual ou superior a seis meses;
b) 15 dias em caso de contrato a termo certo com duração inferior a seis meses ou de contrato a termo incerto cuja duração previsível não ultrapasse aquele limite.
3 — No contrato em comissão de serviço, a existência de período experimental depende de estipulação expressa no acordo, não podendo exceder 180 dias.
4 — O período experimental, de acordo com qualquer dos números anteriores, é reduzido ou excluído, consoante a duração de anterior contrato a termo para a mesma actividade, ou de trabalho temporário executado no mesmo posto de trabalho, ou ainda de contrato de prestação de serviços para o mesmo objecto, com o mesmo empregador, tenha sido inferior ou igual ou superior à duração daquele.
5 — A duração do período experimental pode ser reduzida por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho ou por acordo escrito entre partes.
6 — A antiguidade do trabalhador conta-se desde o início do período experimental.

Artigo 113.º
Contagem do período experimental
1 — O período experimental conta a partir do início da execução da prestação do trabalhador, compreendendo acção de formação determinada pelo empregador, na parte em que não exceda metade da duração daquele período.
2 — Não são considerados na contagem os dias de falta, ainda que justificada, de licença, de dispensa ou de suspensão do contrato.

Artigo 114.º
Denúncia do contrato durante o período experimental
1 — Durante o período experimental, salvo acordo escrito em contrário, qualquer das partes pode denunciar o contrato sem aviso prévio e invocação de justa causa, nem direito a indemnização.
2 — Tendo o período experimental durado mais de 60 dias, a denúncia do contrato por parte do empregador depende de aviso prévio de sete dias.
3 — Tendo o período experimental durado mais de 120 dias, a denúncia do contrato por parte do empregador depende de aviso prévio de 15 dias.
4 — O não cumprimento, total ou parcial, do período de aviso prévio previsto nos n.os 2 e 3 determina o pagamento da retribuição correspondente ao aviso prévio em falta.

Da noção dada pela lei do que é o período experimental e para que serve, (corresponde ao tempo inicial de execução do contrato de trabalho, durante o qual as partes apreciam o interesse na sua manutenção) não restam dúvidas de que a contagem deste período se refere à execução do contrato – período em que o trabalhador exerce a sua actividade, e conta-se “ … a partir do início da execução da prestação do trabalhador” (art. 113.º n.º 1).
Parece não se conceber que, para efeitos de contagem do período experimental, o primeiro dia de execução do contrato não conte, conforme entende a ré.
Se o período experimental se destina a apreciar o interesse na manutenção do contrato de trabalho, não se vê qualquer justificação para que se suprima o primeiro dia de trabalho.
Conforme se decidiu no douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Outubro de 1999, in CJ/III/202, o vício de raciocínio da ré está em considerar como “prazo” um “tempo de execução do contrato”.
Repare-se que a lei, que acima transcrevemos, em parte alguma refere tratar-se de um “prazo”, referindo, sempre, “período experimental” que se conta desde o início da execução.
A seguir-se a interpretação defendida pela ré/recorrente, teríamos de contar a antiguidade do trabalhador a partir do dia seguinte ao início da execução do contrato e, não, como determina o n.º 6 do art. 112.º ao estabelecer que “A antiguidade do trabalhador conta-se desde o início do período experimental”(sublinhado nosso)
Permita-se-nos trazer aqui à colação um exemplo que nos parece elucidativo de que o raciocínio da recorrente não colhe: como se sabe, o trabalhador tem direito a um período de férias em cada ano civil. Supondo que o trabalhador tem direito a gozar 22 dias úteis de férias e que acorda com a entidade empregadora gozar esse 22 dias úteis desde o início do mês de Julho. Será que a ré também iniciaria a contagem deste período de férias socorrendo-se do estabelecido no art. 278.º al. b) do CCivil?
Certamente que não!
Entendemos, assim, não ser aplicável ao período experimental, o normativo invocado pela ré.
Face a esta conclusão, e tendo em conta que o autor/trabalhador iniciou a execução do contrato em 21.09.2009, tendo faltado um dia em Outubro (falta que não é considerada para efeitos do período experimental), e a ré denunciou o contrato de trabalho no dia 21.12.2009, fê-lo no 91.º dia do período experimental (10 dias em Setembro + 30 dias em Outubro + 30 dias em Novembro + 21 dias em Dezembro) pelo que essa denúncia tem de ser entendida, tal como foi na sentença, como um despedimento sem justa causa, com as consequências ali estabelecidas.
Improcedem, deste modo, as conclusões de recurso, sendo de manter a sentença recorrida, que fez correcta aplicação do direito aos factos provados, não violando qualquer das normas referidas pela recorrente.

IV - DECISÃO
Em conformidade com os fundamentos expostos, nega-se provimento ao recurso e confirma-se inteiramente a sentença impugnada.
Custas nesta instância pela recorrente

Lisboa, 28 de Setembro de 2011

Natalino Bolas
Albertina Pereira
Leopoldo Soares

http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/e6e1f17fa82712ff80257583004e3ddc/9f412b32c3e9a3d380257925003e118b?OpenDocument

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

CONTA BANCÁRIA DEPÓSITO BANCÁRIO CONVENÇÃO DE CHEQUE - Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra - 18/10/2011


Acórdãos TRC
Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
46/10.0T2AND.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: HENRIQUE ANTUNES
Descritores: CONTA BANCÁRIA
DEPÓSITO BANCÁRIO
CONVENÇÃO DE CHEQUE
PRINCÍPIOS ORIENTADORES DA RESPONSABILIDADE DO BANQUEIRO PELO PAGAMENTO DE CHEQUE FALSIFICADO

Data do Acordão: 18-10-2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA – JUÍZO DE MÉDIA E PEQ. INSTÂNCIA CÍVEL DE ANADIA
Texto Integral: S

Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTºS 362º, 363º E 408º DO CÓDIGO COMERCIAL; 1º DO DL Nº 430/91, DE 2 DE NOVEMBRO; 4º E 8º, NºS 1 E 2 DO RGIC, APROVADO PELO DL Nº 298/92, DE 31 DE DEZEMBRO.

Sumário: I - A abertura de conta (bancária) é um contrato celebrado entre um banqueiro e o seu cliente, pelo qual ambos assumem deveres recíprocos e diversas práticas bancárias. Trata-se de um contrato bancário nuclear ou central, que, embora sem regime legal explícito, constitui a moldura dos diversos actos bancários subsequentes.
II - O contrato de abertura de conta conclui-se pelo preenchimento de uma ficha, pela aposição da assinatura em local bem demarcado e tem por conteúdo necessário uma conta-corrente bancária, como operação associada o deposito bancário e, como elemento eventual, entre outros, o negócio de concessão de crédito por descoberto em conta.

III - O depósito bancário, proprio sensu, é um depósito em dinheiro constituído junto de um banqueiro, operação que surge sempre associada a uma abertura de conta. Tratando-se de depósitos à ordem, existe uma única convenção, anexa à abertura de conta e que vincula o banqueiro a receber, levando à conta, as diversas remessas feitas a título de dinheiro depositado.

IV - A convenção de cheque é o contrato, expresso ou tácito, pelo qual o depositante fica com o direito de dispor de uma provisão, por meio de cheque, obrigando-se o banco a pagar o cheque até ao limite da quantia disponível, quer esta resulte de um depósito antecipadamente efectuado ou de crédito concedido pelo banqueiro. Esta convenção tem por fim a atribuição ao cliente do direito de dispor de fundos por meio de um ou mais cheques: o direito de dispor de fundos por cheque equivale ao direito de sacar cheques.

V - A convenção de cheque adstringe as partes – necessariamente o banqueiro e o seu cliente – a uma pluralidade de deveres, alguns ainda que puramente acessórios.

VI - O dever principal que para o banco decorre da convenção de cheque é, naturalmente, o de pagar o cheque que seja sacado sobre a conta que detenha no seu estabelecimento, à custa de fundos que nessa conta se encontrem disponíveis. Todavia, ao lado deste dever é possível recortar, diversos deveres acessórios entre os quais se contam o dever de fiscalização e o dever de competência técnica.

VII - O banqueiro deve actuar com um elevado grau de diligência e profissionalismo nos diversos aspectos atinentes ao manuseio dos cheques: deve verificar com cuidado, por exemplo, a assinatura do cliente e deve, na dúvida, ser cauteloso, recusando o pagamento de cheques menos claros ou relativamente aos quais exista um qualquer motivo de suspeita.

VIII - A jurisprudência orienta-se nítida e maioritariamente, para a determinação da imputação do dano decorrente do pagamento cheque falsificado, pelos princípios da responsabilidade ex-contractu, assacando-a, ora ao banco ora ao cliente, de harmonia com a sua culpa.

IX - O dano decorrente do pagamento do cheque adulterado deve ser imputada em função da culpa que possa ser assacado ao banqueiro ou ao sacador, assente na violação dos deveres contratuais que para um e para outro emergem da convenção de cheque que reciprocamente os vincula. Demonstrando-se que a contribuição de ambos para produção do facto danoso, a responsabilidade deverá ser repartida proporcionalmente à respectiva culpa (artº 570 do Código Civil).

X - Por força da presunção de culpa que vulnera o banco, a este cabe, por aplicação dos princípios gerais, a prova de que cumprimento defeituoso não procede de culpa sua (artº 799 nº 1 do Código Civil). Nestas condições, para se exonerar da sua responsabilidade, o banqueiro deve fazer a prova de que a falsificação do cheque é imputável a uma culpa do cliente ou que, no caso, cumpriu deveres de diligência e cuidado cuja observância lhe era exigível e, correspondentemente, que a sua conduta não concita um juízo de censurabilidade.


Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

1. Relatório.

M… e cônjuge, H…, interpuseram recurso ordinário de apelação da sentença do Sr. Juiz de Direito do Juízo de Média e Pequena Instância Cível da Anadia, da Comarca do Baixo Vouga, que julgando improcedente a acção declarativa de condenação, com processo comum, sumário pelo valor, que propuseram contra Banco …, SA, absolveu este do pedido.

Os recorrentes pedem no recurso a revogação desta decisão e a sua substituição por outra que, julgando procedente a acção, condene o recorrido a pagar-lhes a quantia de € 15.150,00, acrescida dos juros remuneratórios que deixaram de auferir.

Os recorrentes condensaram a sua discordância relativamente à sentença impugnada nas conclusões seguintes:



Na resposta, o recorrido concluiu pela improcedência do recurso.

2. Factos provados.

O tribunal de que provém o recurso julgou provados os seguintes factos:



3. Fundamentos.

3.1. Delimitação objectiva do âmbito do recurso.

Além de delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida e pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, o âmbito, subjectivo ou objectivo, do recurso pode ser limitado pelo próprio recorrente. Essa restrição pode ser realizada no requerimento de interposição ou nas conclusões da alegação (artº 684 nºs 2, 1ª parte, e 3 do CPC).

Nas conclusões da sua alegação, é lícito ao recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso (artº 684 nº 2 do CPC). Porém, se tiver restringido o objecto do recurso no requerimento de interposição, não pode ampliá-lo nas conclusões[1].

Maneira que, tendo em conta a vinculação temática deste Tribunal ao conteúdo das alegações do recorrente e da decisão impugnada, a questão concreta controversa que importa resolver é a de saber se a sentença impugnada deve ser revogada substituída por acórdão que condeno o apelado no pedido.

A resolução deste problema vincula ao exame do contrato ou da convenção de cheque e dos deveres que dela decorrem para o banco e para o cliente, e à determinação da natureza da responsabilidade do banqueiro pelo pagamento de cheque comprovadamente falsificado.

3.2. A convenção de cheque e os deveres do banqueiro e do cliente.

A abertura de conta e o depósito bancário são operações, rectior, contratos bancários, reservadas a banqueiros (artºs 362 do Código Comercial e 4 e 8 nºs 1 e 2 do RGIC, aprovado pelo DL nº 298/92, de 31 de Dezembro).

As operações bancárias são reguladas pelas disposições especiais respectivas aos contratos que representarem ou que afinal se resolverem (artº 363 do Código Comercial).

As noções de abertura de conta e de depósito bancário devem ser cuidadosamente recortadas e separadas.

A abertura de conta é, muitas vezes, confundida quer com a conta-corrente quer com o depósito bancário. Trata-se, porém, de realidades bem distintas.

A abertura de conta é um contrato celebrado entre um banqueiro e o seu cliente, pelo qual ambos assumem deveres recíprocos e diversas práticas bancárias[2]. Trata-se de um contrato bancário nuclear ou central, que, embora sem regime legal explícito, constitui a moldura dos diversos actos bancários subsequentes[3].

O contrato de abertura de conta conclui-se pelo preenchimento de uma ficha, pela aposição da assinatura em local bem demarcado e tem por conteúdo necessário uma conta-corrente bancária, como operação associada o deposito bancário e, como elemento eventual, entre outros, o negócio de concessão de crédito por descoberto em conta.

A conta-corrente bancária é uma conta-corrente comum mas celebrada entre o banqueiro e o cliente que se inclui no negócio jurídico mais vasto representado pela conta bancária: através dela fica assente o modo pelo qual a conta é movimentada em termos de débito e de crédito e tem por elemento nuclear o saldo, verdadeiramente autónomo em relação aos créditos que o antecedem (artº 344 do Código Comercial).

Se é perfeitamente admissível a conclusão de um contrato de abertura de conta, com a inerente conta-corrente bancária, sem um depósito inicial, a verdade é que o depósito é uma operação que surge, normalmente, associada a uma abertura de conta: aquando da conclusão deste último contrato, surge para o banqueiro, em regra, a obrigação de receber depósitos bancários.

O depósito bancário, em sentido estrito ou próprio, ou depósito de dinheiro ou disponibilidades monetárias, é o contrato pelo qual uma pessoa entrega uma quantia pecuniária a um banco, que dela passa a dispor livremente e se obriga a restituí-la, a solicitação do depositante, nas condições convencionadas (artºs 408 do Código Comercial e 1 do DL nº 430/91, de 2 de Novembro)[4].

O depósito bancário, proprio sensu, é portanto, um depósito em dinheiro constituído junto de um banqueiro, operação que surge sempre associada a uma abertura de conta. Tratando-se de depósitos à ordem, existe uma única convenção, anexa à abertura de conta e que vincula o banqueiro a receber, levando à conta, as diversas remessas feitas a título de dinheiro depositado.
A natureza jurídica precisa do depósito bancário é muito discutida. Alguma doutrina, e sobretudo a jurisprudência[5], considera-o um depósito irregular; outra sustenta que tem a natureza de mútuo[6]; finalmente há quem o encare como figura unitária, típica, autónoma, próxima do depósito irregular[7].

Um outro negócio subsequente à abertura de conta é a convenção de cheque, que tanto pode ser expressa ou meramente tácita. Em regra, a convenção de cheque surge associada a um contrato de abertura de conta. Trata-se, porém, de uma convenção autónoma e não um simples acto integrado no negócio mais vasto da abertura de conta.

De forma deliberadamente simplificadora, bem pode dizer-se que o cheque é um documento, em regra normalizado, do qual consta uma ordem de pagamento, dada por um cliente ao seu banco, para que proceda a um determinado pagamento a um terceiro, ao portador ou até ao dador dessa ordem (artº 1, 2 e 12 nº 2 da LUCh)[8].

O cheque enuncia uma ordem de pagamento que se dirige a um banqueiro, no estabelecimento do qual devem existir fundos à disposição do primeiro, em regra uma provisão constituída pelo emitente do título (artº 3 da LUCh). É assim cheque o meio pelo qual se mobilizam fundos, quer em benefício do emitente – cheque a favor do depositante – quer a favor de um terceiro. O cheque pode apresentar-se como título de crédito à ordem quando indica o nome do beneficiário da ordem de pagamento; é então correntemente denominado cheque nominativo, designação, contudo, imprópria, dado que a sua forma de transmissão é o simples endosso (artº 12, 1º § da LUCh). Quando seja ao portador, o cheque transmite-se por simples traditio (artº 5 da LUCh).

O cheque pressupõe, portanto, uma convenção de cheque e uma relação de provisão, de harmonia com a qual o banqueiro deve ter fundos à disposição do emitente do título. Não é necessário que o sacador tenha previamente depositado esses fundos no banco; basta, por exemplo, que este tenha concedido àquele um limite de crédito.

A convenção de cheque é, assim, o contrato, expresso ou tácito pelo qual o depositante fica com o direito de dispor de uma provisão, por meio de cheque, obrigando-se o banco a pagar o cheque até ao limite da quantia disponível, quer esta resulte de um depósito antecipadamente efectuado ou de crédito concedido pelo banqueiro. Esta convenção tem por fim a atribuição ao cliente do direito de dispor de fundos por meio de um ou mais cheques: o direito de dispor de fundos por cheque equivale ao direito de sacar cheques.

A convenção de cheque adstringe as partes – necessariamente o banqueiro e o seu cliente – a uma pluralidade de deveres, alguns ainda que puramente acessórios.

O dever principal que para o banco decorre da convenção de cheque é, naturalmente, o de pagar o cheque que seja sacado sobre a conta que detenha no seu estabelecimento, à custa de fundos que nessa conta se encontrem disponíveis. Todavia, ao lado deste dever é possível recortar, diversos deveres acessórios entre os quais se contam o dever de fiscalização e o dever de competência técnica[9].

Este dever de fiscalização ou de verificação – que sendo acessório é também instrumental relativamente ao dever principal do banqueiro - resolve-se no dever de verificar cuidadosamente o cheque[10], designadamente de controlar a autenticidade do módulo, a regularidade do saque e de confirmar a autoria da assinatura do cliente por semelhança com aquela que o cliente oportunamente lhe confiou. Verificação que deve ser tanto mais especiosa quanto maior for o valor do cheque, dado que é precisamente em torno da inobservância deste dever, na vertente de controlo do saque, que gira a controvérsia no caso de falsificação do cheque.

O dever acessório de competência técnica[11] - que, é aliás transversal a toda a actividade bancária, não sendo específico da convenção de cheque – projecta-se nos cuidados e cautelas que o banqueiro deve observar no pagamento do cheque e no processo da respectiva compensação. Por força deste dever, o banco deve controlar, tão rigorosamente quanto possível, o cheque e, caso não o faça, deve assumir a responsabilidade por esse facto, sempre que uma eventual falsificação do cheque seja detectável (artº 75 do RCGI).

Este dever tem ainda a virtualidade de dar medida a diligência exigível ao banqueiro no cumprimento das obrigações que para ele emergem da convenção de cheque.

Na lei civil fundamental portuguesa, o cuidado objectivamente devido e concretizado com apelo ao bom pai de família, portanto, ao cidadão normal, ao homem médio (artºs 799 nº 2 e 487 nº 2 do Código Civil). O critério definidor do esforço que é objectivamente exigível a cada pessoa é, portanto, além de normativo, objectivo e generalizador, e, portanto, não entra em linha de conta com as capacidades pessoais do agente concreto, caso estas sejam inferiores às do homem médio.

Todavia, a concretização do bom pai de família faz-se na específica área de interesses e de competência técnicas em que se insere o devedor. Ao banqueiro será, por isso, exigível – designadamente na área sensível da verificação do cheque - elevados níveis de competência técnica e de organização. A bitola do esforço exigível é, por isso, mais exigente que a comum: requer um esforço acrescido, por se dirigir a uma entidade altamente qualificada e especializada[12].

O banqueiro deve, pois, actuar com este grau de diligência e profissionalismo nos diversos aspectos atinentes ao manuseio dos cheques: deve verificar com cuidado, por exemplo, a assinatura do cliente[13] e, deve, na dúvida, ser cauteloso, recusando o pagamento de cheques menos claros ou relativamente aos quais exista um qualquer motivo de suspeita[14].

Mas é claro que da convenção ou do contrato de cheque também emergem deveres para o cliente, entre os quais avultam os deveres de adequada guarda e conservação dos módulos de cheques[15] e o de cuidado no preenchimento e na entrega do cheque aos tomadores ou beneficiários, de modo a obstar ou, ao menos, a não facilitar a adulteração por terceiro dos elementos inscritos no cheque ou desapossamentos ou descaminhos que comprometam a sua normal utilização. Todavia, o cliente está ainda vinculado a um outro dever: o de verificar os extractos bancários para aferir a sua regularidade e, em especial, os débitos dos cheques emitidos, pelo seu valor[16].

A diligência exigível ao cliente no cumprimento destes deveres, essa é aferida pelo critério geral: o do bonus pater familias.

3.3. Princípios orientadores da responsabilidade do banqueiro pelo pagamento de cheque falsificado.

Problema particularmente espinhoso é o da responsabilidade do banqueiro, no domínio extracambiário, no caso de falsificação do cheque, designadamente, na hipótese de falsidade material das suas menções, no plano da sua literalidade, nomeadamente no caso - que constitui a ocorrência mais vulgar - das referidas à quantia nele originariamente inscrita. Trata-se, portanto, de saber a quem deve ser imputado o dano resultante do pagamento pelo banco sacado de um cheque comprovadamente falso, designadamente no seu conteúdo, por não serem verdadeiros, em consequência de actos materiais, os factos nele representados, i.e., se esse prejuízo deve ser assacado ao banco ou ao sacador, ou antes repartido por um por outro.

Nem é outra, de resto, a questão em torno da qual gravita, no caso do recurso, a controvérsia das partes.

Uma primeira proposta de solução, propõe-se resolver o problema a partir da natureza jurídica do depósito bancário na qual o valor inscrito no cheque foi descontado: assentando na natureza irregular desse depósito, conclui, por aplicação do princípio res suo domino perit, que a responsabilidade pelas vicissitudes que o dinheiro depositado sofra correm por conta do depositário, sendo irrelevante a culpa deste. Ergo, o banco é responsável pelo pagamento do cheque falsificado, com inteira independência da culpa, tanto do sacador como do sacado[17].

Para uma segunda, a responsabilidade pelo pagamento do cheque falsificado deve determinar-se por aplicação dos princípios gerais da responsabilidade civil: o banqueiro só é responsável pelo pagamento do cheque no caso de culpa sua, mesmo que o cliente a não tenha[18].

Diferentemente, uma terceira, assentando no carácter irregular do depósito bancário, na natureza contratual da responsabilidade do banqueiro – e na correspondente presunção de culpa que o vulnera - sugere que o banco e, em princípio, responsável pelo pagamento do cheque falsificado, a não ser que prove a culpa do sacador (artº 799 nº 1 do Código Civil)[19].

Finalmente, outra doutrina, partindo da nulidade do cumprimento do cheque falsificado, por ter sido feito a credor aparente, remete para o sacador a prova de que o incumprimento ou cumprimento defeituoso não lhe é imputável; caso não a faça, o banco terá direito ao ressarcimento pelo dano da prestação realizada a terceiro (artº 799 nº 1 do Código Civil)[20].

Já a jurisprudência orienta-se nítida e maioritariamente, para a determinação da imputação do dano decorrente do pagamento cheque falsificado, pelos princípios da responsabilidade ex-contractu, assacando-a, ora ao banco ora ao cliente, de harmonia com a sua culpa[21]. E é esta resposta que se tem por exacta.

O dano decorrente do pagamento do cheque adulterado deve ser imputada em função da culpa que possa ser assacado ao banqueiro ou ao sacador, assente na violação dos deveres contratuais que para um e para outro emergem da convenção de cheque que reciprocamente os vincula. Demonstrando-se que a contribuição de ambos para produção do facto danoso, a responsabilidade deverá ser repartida proporcionalmente à respectiva culpa (artº 570 do Código Civil)[22].

Por força da presunção de culpa que vulnera o banco, a este cabe, por aplicação dos princípios gerais, a prova de que cumprimento defeituoso não procede de culpa sua (artº 799 nº 1 do Código Civil). Nestas condições, para se exonerar da sua responsabilidade, o banqueiro deve fazer a prova de que a falsificação do cheque é imputável a uma culpa do cliente ou que, no caso, cumpriu deveres de diligência e cuidado cuja observância lhe era exigível e, correspondentemente, que a sua conduta não concita um juízo de censurabilidade.

As dificuldades sobem, porém, de tom no caso de não se provar a culpa nem do sacador nem do banco. Nesta conjuntura, alguma jurisprudência sustenta a divisão proporcional do risco entre o sacador e o sacado, com a correspondente repartição da responsabilidade pelo dano[23].

A doutrina sugere, porém, a resolução do problema a partir da responsabilidade objectiva do banqueiro[24], sugestão a que a jurisprudência se tem mostrado sensível sublinhando, que a jurisprudência (do STJ) tem hesitado, parecendo tender para a responsabilidade objectiva dos bancos (caso se não prove a culpa do titular da conta)[25].

Estas considerações são mais que suficientes para resolver a questão concreta controversa, objecto do recurso.

3.4. Concretização.

Na espécie do recurso não oferece dúvida a vinculação recíproca dos apelantes e do apelado, designadamente pela convenção de cheque e a emissão, pela apelante, de um cheque, datado de 25 de Abril de 2005, sacado sobre a conta bancária à ordem detida pelo apelado, que sofreu, nas menções relativas à quantia que deveria ser paga uma adulteração ou viciação material: onde constava, por algarismos e por extenso, € 150.00 e Cento e cinquenta euros, fez-se constar, € 15 150,00 e Quinze mil, Cento e Cinquenta euros, respectivamente.

O cheque que foi passado à ordem do filho dos apelantes, P…, desapareceu da carteira deste, tendo sido depositado, no dia 27 de Novembro de 2007, na conta de E…, detida pela agência de Mafra do Banco ...

Na sequência de comunicação da apresentação do cheque na câmara de compensação, a apresentação a pagamento daquele cheque levantou suspeitas ao gerente do balcão do apelado na Anadia, que determinou que o apelante fosse telefonicamente para o questionar sobre o cheque. Porém, o balcão só conseguiu esse contacto no dia seguinte, portanto, depois do pagamento do cheque. O apelado debitou na conta dos apelantes a respectiva soma, do qual os últimos se viram desembolsados.

A sentença apelada foi terminante em declarar que nenhuma responsabilidade pode ser imputada ao apelado – por outra conduta, que não a tentativa de contactar o apelante, lhe não ser exigível – e em assacar aos apelantes um conduta pouco diligente em relação ao cheque, perdendo o seu rasto por mais de dois anos, sem curarem de, observando a respectiva conta bancária, e verificando que o mesmo demorava a ser descontado, saber o que lhe sucedera.

A matéria de facto é insuficiente para formular qualquer juízo sobre a cognoscibilidade da adulteração material do cheque. É, porém, clara quanto ao arco temporal que mediou entre a emissão daquele título e a sua apresentação a pagamento: 2 anos e 7 meses.

Concorda-se com a sentença quando assaca aos apelantes a violação de um dever objectivo cuidado que, no caso, sobre eles juridicamente impedia. Realmente, os recorrentes, pela simples consulta dos extractos da sua conta bancária à ordem detida pelo réu poderiam aperceber-se, com extrema facilidade do facto anormal – de harmonia com regras de experiência e critérios sociais - da não apresentação a pagamento do cheque em data próxima à da sua emissão e entrega ao filho de ambos. Todavia, como os próprios apelantes admitem na sua alegação, só depois do telefonema do réu é que tomaram conhecimento do que sucedera com o cheque. Quer dizer: durante mais de dois anos os apelantes mostraram-se inteiramente alheados e indiferentes ao destino dado ao cheque.

Portanto, esta conduta dos apelantes é nitidamente contrária ao cuidado objectivamente devido, a cuja observância estavam contratualmente vinculados: o sacador que emite um cheque e não cuida de controlar o seu débito na conta sacada infringe um dever – contratual – de cuidado, ofensa que permite fundamentar uma culpa negligente.

Todavia, os factos postos à disposição da sentença, permitem também comprovar uma culpa negligente do apelado e, correspondentemente, a vinculação daquele ao dever de reparar o dano (artº 798 do Código Civil).

Como se declara na decisão da matéria de facto, a apresentação a pagamento do cheque levantou suspeitas ao funcionário do apelado, suspeitas decerto fundadas, dado que para as dissipar, tentou, sem êxito, contactar o apelante e, apesar dessa suspeição, pagou o cheque.

Porém, essa suspeita, não obrigava o apelado apenas ao cuidado de tentar afastar ou confirmar a suspeita – mas antes lhe impunha esta cautela: não pagar o cheque. Realmente, o banqueiro que paga um cheque que julgou suspeito, viola o dever de cuidado, objectiva e contratualmente devido.

A culpa pressupõe um juízo de ilicitude, pois que aquela culpa decorre da censurabilidade que pode ser dirigida ao agente pelo facto de não se ter comportado em conformidade com um determinado dever-ser, e de ter violado, ainda que só com negligência, um imperativo, legal ou contratual

No caso, nem os apelantes nem o apelado se comportaram em conformidade com os deveres de cuidado a que estavam adstritos, constatação de que decorre o reconhecimento de que, nas circunstâncias concretas em que actuaram, poderiam ter conformado a sua conduta de molde a assegurar a satisfação daqueles dever de cuidado cujo cumprimento lhes era exigível nos mesmos condicionalismos. Tanto a conduta dos apelantes como o comportamento do recorrido são passíveis de um juízo, normativo ou valorativo, de censurabilidade. Numa palavra ambos agiram com uma culpa negligente.

Nestas condições, a responsabilidade pelo dano deve ser repartida pelos apelantes e pelos apelados, de harmonia com o seu grau de culpa (artº 570 do Código Civil).

E comprovada a culpa, tanto dos apelantes como de recorrido, está, evidentemente, prejudicada a imputação do dano ao último, com fundamento numa responsabilidade puramente objectiva.

Assim, tendo em conta a maior intensidade da violação pelo apelado do dever cuidado a que estava adstrito – resultante, desde logo, do dever acrescido de diligência a que se mostra vinculado – julga-se adequado repartir essa responsabilidade na proporção de 60% para o recorrido e de 40% para os recorrentes.

Os recorrentes pedem na acção, além da restituição do valor inscrito no cheque, os juros remuneratórios que deixaram de auferir caso tivessem depositado a quantia correspondente num depósito a prazo.

Não está demonstrado – nem, aliás, foi alegado – que os apelantes pretendiam depositar a quantia inscrita no cheque objecto da falsificação num conta a prazo com o escopo de auferirem os respectivos juros. Nestas condições, não há a mínima razão para vincular o apelado ao dever de indemnizar pelo valor correspondente aos juros remuneratórios que, eventualmente, seriam produzidos pelo depósito daquela quantia num depósito bancário a prazo.

Também não há razão para ponderar a adstrição do apelado ao dever de indemnizar pelo atraso na restituição da quantia inscrita no cheque, correspondente aos juros legais, dado que os recorrentes nem sequer formularam um tal pedido (artºs 3 nº 1 e 661 nº 1 do CPC).

De outro aspecto, o dano sofrido pelos apelantes não consiste na totalidade da quantia inscrita no cheque – mas na diferença entre a quantia originária e genuinamente inscrita no cheque e aquela que, por adulteração material, nele foi posteriormente aposta (artº 566 nº 3 do Código Civil). É que se o cheque não tivesse sido adulterado, o banqueiro sempre o teria pago pelo valor que originariamente ostentava.

O recurso deve, pois, proceder – mas apenas parcialmente.

O conjunto da argumentação disponibilizada de que decorre a procedência parcial do recurso, pode resumir-se nestas proposições conclusivas: a responsabilidade pelo pagamento de um cheque falsificado é regulada pelos princípios da responsabilidade contratual, portanto, de harmonia com o princípio da culpa; no caso de concorrência de culpas do banqueiro e do cliente, a responsabilidade dever ser repartida de harmonia com o grau de culpa que deva ser assacada a um e a outro; no caso de falsificação do cheque no tocante à quantia nele inscrita, o dano restringe-se à diferença entre o valor nele originária e genuinamente inscrito e o valor que, por adulteração material, nele foi posteriormente aposto.

As custas do recurso deverão ser suportadas pelos recorrentes e pelo recorrido, na proporção da respectiva sucumbência (artº 446 nºs 1 e 2 do CPC).

Dada a pouca complexidade do tratamento processual do objecto do recurso, a respectiva taxa de justiça deve ser fixada nos termos da Tabela I-B que integra o RCP (artº 6 nº 2).

4. Decisão.

Pelos fundamentos expostos, concede-se parcial provimento ao recurso e, consequentemente, condena-se o recorrido, Banco …, SA, a pagar aos recorrentes, a quantia de € 9 000,00.

Custas do recurso pelos recorrentes e pelo recorrido na proporção da respectiva sucumbência, devendo a taxa de justiça ser fixado nos termos da Tabela I-B integrante do RCP.


11.10.18
Henrique Antunes
Regina Rosa
Artur Dias



[1] Acs. do STJ de 16.10.86, BMJ nº 360, pág. 534 e da RC de 23.03.96, CJ, 96, II, pág.24.
[2] António Menezes Cordeiro, Manual de Direito Bancário, 3ª edição, 2006, págs. 410 a 416.
[3] José Simões Patrício, Direito Bancário Privado, Quid Iuris, Lisboa, 2004, págs. 139 a 141 e Acs. da RC de 09.03.99, CJ, XXIV, II, pág. 21 e do STJ de 19.12.06, www.dgsi.pt; cfr. a Directiva 2002/65/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 23 de Setembro – JO L 271, de 9 de Outubro, considerando 17 e a Instrução do Banco de Portugal nº 48/96, de 17 de Junho (Boletim Oficial do Banco de Portugal nº 1/96, de 17 de Junho de 1996) relativa aos requisitos a observar pelas instituições de credito na aberturas de contas de depósito, designadamente quanto à identificação dos respectivos titulares e representantes.
[4] Cfr. Paula Ponces Camanho, Do Contrato de Depósito Bancário, Almedina, Coimbra, 1998, págs. 93 a 98 e Carlos Barata, Estudos em Honra do Professor Doutor Galvão Telles, Volume II, Direito Bancário, Almedina, Coimbra, 2002, págs. 7 a 66.
[5] V.g. Acs. do STJ de 09.02.95, CJ, STJ, III, I, pág. 75, e da RL de 07.10.99, CJ, XXXIV, IV, pág. 119.
[6] – V.g. Paula Ponces Camanho, cit. págs. 145 a 210 e Carlos Ferreira de Almeida Contratos II, Conteúdo – Contratos de Troca, Almedina, Coimbra, 2007, págs. 158 e 159.
[7] V.g. António Menezes Cordeiro, Manual de Direito Bancário, cit. pág. 482.
[8] Oliveira Ascensão, Direito Comercial, Volume III, Títulos de Crédito, Lisboa, 1982, pág. 243 e 244.
[9] Paulo Olavo Cunha, Cheque e Convenção de Cheque, Almedina, Coimbra, 2009, págs. 461 e 462.
[10] Ac. da RL de 28.04.05, CJ, XXX, 2005, II, pág. 114 e Sofia de Sequeira Galvão, O Contrato de Cheque, Lex, Lisboa, 1992, pág. 51
[11] Ac. do STJ de 25.10.07, www.dgsi.pt.
[12] Paulo Olavo Cunha, Cheque e Convenção de Cheque, cit. pág. 483 e António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil,
[13] Ac. do STJ de 10.11.94, CJ, STJ, I, pág. 130.
[14] Ac. da RP de 21.09.93, BMJ nº 429, pág. 875, António Menezes Cordeiro, Manual de Direito Bancário, cit., pág. 489 e Sofia de Sequeira Galvão, O Contrato de Cheque, cit. pág. 66.
[15] Ac. da RE de 13.12.90, CJ, XV, V, pág. 265
[16] Paulo Olavo Cunha, Cheque e Convenção de Cheque, cit. pág. 463.
[17] Ac. do STJ de 21.05.96, BMJ nº 457, pág. 343.
[18] Fuzeta da Ponte, “Da problemática da responsabilidade civil dos bancos decorrente do pagamento de cheques com assinaturas falsificadas, Revista da Banca, separata, 1994, pág. 81, Fernando J. Correia Gomes, A Responsabilidade civil dos bancos pelo pagamento de cheques falsificados, Vislis, Lisboa, 2004, pág. 40 e Ac. do STJ de 03.10.95, BMJ nº 485, pág. 117.
[19] L. P. Moitinho de Almeida, Responsabilidade Civil dos Bancos pelo Pagamento de Cheques Falsificados, Coimbra, 1982, pág. 76.
[20] José Maria Pires, O Cheque, Rei dos Livros, Lisboa, 1999, pág. 111.
[21] Acs. do STJ de 16.05.69, BMJ nº 187, pág. 156, de 18.03.75, BMJ nº 245, pág. 505, de 22.05.80, BMJ nº 297, pág. 368, de 16.06.81, BMJ nº 308, pág. 255, de 10.11.93, CJ, STJ, I, III, pág. 130 e de 06.09.11, www.dgsi.pt e da RC de 26.04.89, CJ, XIV, II, pág. 72.
[22] Ac. do STJ de 17.10.02, www.dgsi.pt.
[23] Ac. da RE de 13.12.90, CJ, XV, V, pág. 265.
[24] Paulo Olavo Cunha, Cheque e Convenção de Cheque, cit., págs 667 e 668, Manuel Gonçalves, “Responsabilidade civil dos bancos pelo pagamento de cheques falsos ou falsificados, RMP, Ano 10º, nº 39, Lisboa, 1989, pág. 71 e Oliveira Ascensão, Direito Comercial, vol. III, Títulos de Crédito, cit. pág. 256.
[25] Ac. do STJ de 03.03.98, BMJ nº 475, pág. 714.


http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc/0d5d640ef8b885528025793300520438?OpenDocument

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

DOCUMENTO EM PODER DA PARTE CONTRÁRIA - Acórdão do Tribunal da Relação de Évora - 22/09/2011


Acórdãos TRE
Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
281/10.1TBVVC-A.E1
Relator: JOÃO GONÇALVES MARQUES
Descritores: DOCUMENTO EM PODER DA PARTE CONTRÁRIA

Data do Acordão: 22-09-2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: VILA VIÇOSA
Texto Integral: S

Meio Processual: APELAÇÃO

Sumário:
1 - A exigência de a parte indicar quais os factos que por meio do documento quer provar, destina-se, em primeiro lugar, a habilitar o juiz a deferir ou indeferir o requerimento e em segundo lugar a desencadear a sanção a que hoje alude o artº 529º, com referência ao nº2 do artº 519º (v.g., livre apreciação da eventual recusa do notificado para efeitos probatórios).
2 - Se é verdade que, interpretado à letra, o nº 4 do artº 266º faz depender a intervenção do juiz na remoção do obstáculo consistente em dificuldade séria de obtenção de determinado documento ou informação que condicione o eficaz exercício de faculdade ou o cumprimento de ónus ou dever processual de a parte alegar justificadamente tal dificuldade, também verdade se afigura que, quando tal dificuldade salta à evidência, não deve a respectiva falta de invocação constituir motivo de indeferimento da requerida intervenção do tribunal.


Decisão Texto Integral:
Acordam no tribunal da Relação de Évora:

Na acção declarativa de condenação com processo ordinário que M… e mulher F… movem contra L… COMPAHIA DE SEGUROS, procedeu-se oportunamente à selecção da matéria de facto assente e controvertida com a organização, quanto a esta, da base instrutória, sendo que, na subsequente fase do oferecimento das provas, requereu a Ré, alem do mais, que se ordenasse aos AA. a junção dos autos de declarações de IRS relativas aos rendimentos auferidos em 2006, 2007 e 2008 e, para o caso de estes não cumprirem, que se oficiasse repartição de finanças da área da sua residência para juntar cópias de tais declarações. Requereu, ainda a notificação dos AA. para identificarem as terceiras pessoas que substituíram o A. M… na realização dos trabalhos agrícolas e de pecuária, a fim de as mesmas serem arroladas como testemunhas para contra-prova dos quesitos 24º e 25 da base instrutória.
Tais pretensões vieram, porém a ser indeferidas, nos seguintes termos:
Quanto às declarações de IRS:
«Dispõe o artº 528º, nº 1 do Código de Processo Civil que “quando se pretenda fazer uso de documento em poder da parte contrária, o interessado requererá que ela seja notificada para apresentar o documento dentro do prazo que for designado; no requerimento a parte identificará quanto possível o documento e especificará os factos que com ele quer provar” (sublinhado nosso)
Ora, compulsando o requerimento probatório em causa, constata-se que não se mostram especificados os factos que se pretende provar com a junção dos aludidos documentos, não permitindo ao tribunal, neste momento, aferir da sua pertinência, razão pela qual se indefere o requerido, sem prejuízo de o Tribunal oportunamente, ex officio ordenar a sua junção»
Quanto à identificação das pessoas que substituíram o A. M….
«Ora, dispõe o artº 266º, nº 4 do Código de Processo Civil que:
“Sempre que alguma das partes alegue justificadamente dificuldade séria em obter documento ou informação que condicione o eficaz exercício de faculdade ou o cumprimento do ónus ou dever processual, deve o juiz, sempre que possível, providenciar pela remoção do obstáculo”.
In casu, analisando o requerimento em causa, constata-se que não é invocada justificadamente qualquer dificuldade séria em obter a aludida informação, razão pela qual se indefere o requerido, sem prejuízo de o Tribunal oportunamente, ex officio, determinar a inquirição de tal ou tais pessoas».
Do assim decidido interpôs a Ré o presente recurso de apelação em separado em cuja alegação formula as seguintes conclusões úteis:
1. Encontra-se controvertida de interesse para o presente recurso a seguinte factualidade constante da base instrutória:
19º

As lesões sofridas pelo A. M… em consequência dos factos aludidos am A) determinaram-lhe um período de trinta dias de incapacidade para o trabalho?
20º
Período durante o qual efectivamente não trabalhou?
21º
O A. M… é agricultor?
22º
(…) implicando o exercício desta actividade profissional a realização de grandes esforços físicos, condução de máquinas agrícolas, carregamento de pesos e deslocações a pé e em viaturas pelo campo?
23º
Antes dos factos aludidos em A) tinha o A. M… o rendimento médio mensal de € 3.628,84 (Três mil seiscentos e vinte e oito euros e oitenta e quatro cêntimos) que retira do seu trabalho?
24º
Teve que contratar terceiros para o substituírem na realização dos trabalhos agrícolas e de pecuária?
25º
Com a contratação de trabalhadores para o substituírem no exercício das suas tarefas profissionais o A. M… despendeu a quantia de € 500,00 (quinhentos euros)?
51º
A A. F… tem o rendimento médio mensal de € 1,189,07 (mil cento e oitenta e nove euros e sete cêntimos?

2. Da descrição da factualidade constante da base instrutória desde logo ressalta que a diligência de prova requerida pela ré (junção aos autos das declarações de IRS) se inscrevia abertamente no âmbito da matéria de facto controvertida, ressaltando, por isso a sua pertinência.
3. Sem tais documentos fica a ora recorrente impossibilitada de contra-provar a matéria alegadas autores e consequentemente fica o douto tribunal desprovido de todos os elementos probatórios para a boa decisão da causa.
4. É lícito e correcto que uma das partes requeira, o R. in casu, a notificação das partes para juntarem aos autos elementos (probatórios relativos aos factos em discussão nos autos) cujo ónus de contra-prova cabe a esta parte.
5. Os documentos cuja junção aos autos se requereu com vista a servir de contra-prova têm manifesto interesse para a decisão da causa, pois caberá à Ré fazer contra-prova do que os AA. alegam.
6. A serem definitivamente indeferidas as diligências de prova requeridas pela R. é impedido à mesma oferecer qualquer contra-prova credível do alegado pelos AA., bem como de apresentar contra-prova que contrarie a prova (mesmo que só testemunhal) que vier a produzir, desse modo se violando o disposto no artº 346º do Código Civil.
7. E violar-se-á o disposto nos artºs 265º, nº 3 e 531º, ambos do CPC, pois não só se torna seguramente mais difícil e dúbia a descoberta da verdade, como preclude uma das partes do exercício de um direito processual que lhe é garantido por lei.
8. Ora, a obtenção das declarações de IRS referentes aos AA. é necessária à boa decisão da causa, não é ilegal nem ofensiva das normas processuais, pois é matéria controvertida a questão de saber se, antes da ocorrência do sinistro dos autos o A. M… tinha o rendimento mensal de € 3.628,84 que retirava do seu trabalho (quesito 23 da base instrutória), bem como se a Autora F… tem o rendimento médio mensal de € 1.189,07 do seu trabalho (quesito 51º da base instrutória).
9. Pelo que devem as diligências probatórias requeridas pela R. ser admitidas para contra-prova da matéria em discussão nos autos, nomeadamente quanto à factualidade vertida nos quesitos 23º e 51º da base instrutória.
10. Daí que se afigure absolutamente imprescindível ao exercício do direito de defesa da R. a possibilidade de acesso a tais documentos.
11. A matéria em relação á qual a diligência de prova se destinava era relevante para a justa decisão da causa.
12. Ora, a lei não impõe á parte que identifique ao factos que pretende provar com a junção de documentos por reporte à alínea da base instrutória, ou da matéria assente, onde os mesmos constem.
13. Na verdade, ainda que se admita que, ao identificar-se, por reporte à base instrutória, os concretos factos que se pretende contra-provar, possa resultar mais clara a pretensão da Ré, não se pode concordar, contudo, salvo o devido respeito, que tal circunstância reconduza ao seu indeferimento.
14. Todavia, no caso do douto tribunal entender que não era possível no momento aferir da pertinência da junção aos autos dos documentos, ao juiz assiste o poder-deveder de convidar as partes a esclarecer os autos o que se propunha provar de forma a não comprometer o sucesso da lide.
15. O convite ao aperfeiçoamento das peças processuais recuperáveis é resultado do princípio geral da cooperação, constante do nº do artigo 265º, conjugado com o artº 266º do C.P.C.
16. De resto, ainda que a R. não tivesse requerida as diligências em causa, “incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos que lhe é lícito conhecer” (artº 265º nº 3 do CPC).
17. A Ré requereu ainda a notificação doa autores para virem aos autos identificar as terceiras pessoas que substituíram o A. M… na realização dos trabalhos agrícolas, o que o tribunal indeferiu.
18. de todo o teor da douta p.i não se retira o nome dos terceiros contratados pelo A.
19. Os AA. não identificarem os aludidos “terceiros”.
20. Não dispõe a R. forma de identificar o inidentificável.
21. A identificação de terceiros está na posse dos AA. e, por isso, compreende-se a dificuldade séria ou, mesmo, a impossibilidade da R. poder identificar os terceiros e obter tal informação.
22. Nessa circunstâncias, caberá também ao juiz, sendo possível, como é no acso, providenciar pela remoção do obstáculo, como resulta expressamente do disposto no nº 4 do artº 266º do CPC.
23. Somente os AA. têm a informação /identificação dos terceiros , não dispondo a Ré de nenhum meio para obter tal informação. Provada está a séria dificuldade em obter pela R. a aludida informação.
Termina impetrando a revogação do despacho recorrido e a sua substituição por outro que admita as diligências de prova requeridas pela Ré.
Não foi oferecida contra-alegação.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir, mostrando-se para tanto suficientes os elementos constantes do precedente relatório.
Relativamente à pretensão da Ré de se ordenar aos AA. a junção das declarações de rendimentos:
Perante o disposto no artº 528º nº 1 e 2 do C.P.Civil, a primeira questão que se deve colocar é a de saber se o documento em poder da parte contrária interessa ou não à decisão da causa e não tanto a de indagar a quem cabe o ónus da prova dos factos que o mesmo atestará.
Com efeito, como se refere no Acórdão do STJ de 15.02.2000, citado em Abílio Neto, Código de Processo Civil Anotado, 21ª Edição, em anotação 3 ao referido preceito, o meio de prova ali previsto pode ser requerido em relação a factos alegados pela parte contrária àquela a quem cabe o ónus da prova, com a finalidade de simples contraprova desses factos.
Como ensinava o Prof. Alberto dos Reis em anotação ao então artº 553º, a obrigação de a parte que requeria a notificação da parte contrária para juntar determinado documento esclarecer em que é que o mesmo consistia (hoje o artº 528º transpondo, aliás uma expressão dos Ilustre Mestre fala em identificar quanto possível o documento) visava dar conhecimento ao notificado de qual o documento que dele se requisitava, esclarecendo que “...não basta que se indique a espécie em abstracto, é necessário que se caracterize a espécie, que se individualize o documento…” .
Por seu turno, a exigência de a parte indicar quais os factos que por meio do documento quer provar, destina-se, no dizer de mesmo Autor, em primeiro lugar, a habilitar o juiz a deferir ou indeferir o requerimento e em segundo lugar a desencadear a sanção a que hoje alude o artº 529º, com referência ao nº2 do artº 519º (v.g., livre apreciação da eventual recusa do notificado para efeitos probatórios).
Ora no caso, a razão do indeferimento da pretensão da apelante esteve em que a mesma não especificou os factos que pretendia provar com a junção dos documentos o que não permitiria ao tribunal aferir neste momento da sua pertinência.
Sendo verdade que a apelante não procedeu à aludida especificação, afigura-se, de todo o modo, que esse circunstancialismo não justificava, por si só, o indeferimento.
Com efeito, e como se alcança dos autos, o requerimento foi dirigido precisamente ao mesmo juiz que organizara a base instrutória em que incluíra os quesitos 23º perguntando se “Antes dos factos aludidos em A) tinha o A. Manuel ramalho o rendimento mensal de € 3.628,84 (três mil seiscentos e vinte e oito euros e oitenta e quatro cêntimos) que retira do seu trabalho) e 51º perguntando se “Felícia Ramalho tem o rendimento médio mensal de €1.189,07 (mil cento e oitenta e nove euros e sete cêntimos) que retira do seu trabalho”, contexto em que ao contrário do que no despacho se consignou, o tribunal não estava impedido de aferir, nesse momento, da pertinência das declarações de IRS de cada um dos autores. E ainda que se admitisse que o Mº Juiz não tinha presente, naquele momento, o teor da base instrutória que ele próprio organizara, o poder aferir da pertinência ou não dos documentos em causa, ter-se-ia bastado com a mera notificação dos AA. para prestarem o pertinente esclarecimento.
Ou seja, o tribunal enveredou pela via de um excessivo rigorismo que, no caso em apreço, se em nada se justificava.
Quanto ao pedido de notificação dos AA para identificaram as pessoas que terão substituído o A. M… na realização dos trabalhos agrícolas e de pecuária:
Como acima se viu, tal pretensão foi indeferido com o fundamento de não ser invocada justificadamente qualquer dificuldade séria em obter a aludida informação.
É verdade que, interpretado à letra, o nº 4 do artº 266º faz depender a intervenção do juiz na remoção do obstáculo consistente em dificuldade séria de obtenção de determinado documento ou informação que condicione o eficaz exercício de faculdade ou o cumprimento de ónus ou dever processual de a parte alegar justificadamente tal dificuldade, o que, com efeito, a apelante não fez.
Mas também verdade se afigura que quando tal dificuldade salta à evidência, não deve a respectiva falta de invocação constituir motivo de inacção do tribunal.
Ora, no caso em apreço, deparando com uma acção em que é demandada uma Companhia de Seguros, com sede em Lisboa, por cidadãos de que certamente nunca ouvira falar e que alegam, perante ela, terem-se socorrido de terceiros para determinados trabalhos em virtude de incapacidade temporária decorrente de lesões sofridas no acidente, perguntar-se-á legitimamente como poderia ela, sem a colaboração dos próprios AA. identificar esses terceiros, sendo certo assistir-lhe o direito de os arrolar como testemunhas para contra-prova dos quesitos que indicou no seu requerimento.
Concluindo-se, assim, que não havia razão para o indeferimento das diligências probatórias requeridas e concedendo procedência à apelação, revogam as decisões impugnadas que devem ser substituídas por outra que ordene a notificação dos AA. nos termos requeridos quer quanto á junção das declarações de rendimentos quer quanto à identificação dos terceiros que terão substituído o A. M… na realização dos trabalhos agrícolas e de pecuária.
Custas pela parte vencida a final.
Évora, 22.09.2011
João Gonçalves Marques
Eduardo José Caetano Tenazinha
António Manuel Ribeiro Cardoso

http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/cc2a280dd5ccdc55802579210056cc49?OpenDocument

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

DEPOIMENTO DE PARTE DEPOIMENTO DE TESTEMUNHA - Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães - 29/09/2011


Acórdãos TRG
Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
278/08.1TCGMR-B.G1
Relator: ANTERO VEIGA
Descritores: DEPOIMENTO DE PARTE
DEPOIMENTO DE TESTEMUNHA

Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 29-09-2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S

Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE

Sumário: I - Pode ouvir-se como testemunha aquele que, tendo embora sido representante da sociedade parte à data dos factos, deixou entretanto de o ser.
II - Ainda que à data dos factos o indicado a depor como testemunha não tivesse qualquer cargo na empresa, mas tenha entretanto sido nomeado representante da sociedade, não poderá depor como testemunha, podendo apenas depor como parte.
III - Só é admissível o depoimento do comparte se este toma posição ou alega factos diferentes do comparte que requer o seu depoimento, favoráveis a este e desfavoráveis àquele.


Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães.

Manuel… e Francisco…, deduziram acção ordinária contra:
Irmãos… & Ca., Lda., António… e mulher Maria…, pedindo a declaração de nulidade das deliberações tomadas na Assembleia geral de 16/7/2008, e a primeira ré a repor integralmente a situação dos autores, quer em termos laborais quer patrimoniais e os segundos réus solidariamente a desembolsarem os AA de todos os vencimentos que como gerentes da primeira lhes são devidos.
- A acção foi contestada.
- No requerimento de prova dos RR. foi arrolada a testemunha José… , e deu entrada no dia 16 de Junho de 2009.
3 - – O Autor Francisco… desistiu do pedido, no dia 07 de Setembro de 2009; cessou depois as funções de gerente da Ré “Irmãos… & C.ia, Lda.” e cedeu a sua quota, tudo conforme consta da certidão permanente do registo - Av.1, AP. 6/20091217, e Menção Dep 5759/2009-10-29;
- O José… foi eleito gerente da Ré “Irmãos… & C.ia, Lda.”, por deliberação do dia 06 de Novembro de 2009, conforme Insc. 5 AP. 7/20091217 da mesma certidão.
- Reaberta a audiência de julgamento a 10/5/2011, iniciou-se a inquirição de José… , o mesmo referiu aos costumes ser filhos dos RR. António… e Maria… e sobrinho do autor.
No decurso do seu depoimento o inquirido afirmou ter sido recentemente nomeado gerente da firma ré.
- Na sequência o Mmº Juiz proferiu despacho considerando o mesmo impedido de depor como testemunha, uma vez que poderiam depor como parte enquanto gerente da ré, nos termos do artigo 617 do CPC.
É deste despacho que inconformados recorrem os RR., apresentando as seguintes conclusões:
Primeiro – Os factos que constituem o fundamento ou “causa de pedir” na presente acção reportam-se todos a data anterior ao dia 31 de Julho de 2008, e parte deles dizem respeito ao dito José… , como alegado autor e beneficiário dos actos correspondentes a parte daqueles factos.
Segundo – Os Réus apresentaram o seu requerimento de prova no dia 16 de Junho de 2009, e nele arrolaram o referido José… , como testemunha.
Terceiro – O Autor Francisco… desistiu do pedido, no dia 07 de Setembro de 2009; cessou depois as funções de gerente da Ré “Irmãos… & C.ia, Lda.”, e cedeu a sua quota, tudo conforme consta da certidão permanente do registo - Av.1, AP. 6/20091217 – e Menção Dep 5759/2009-10-29; e o dito José… foi eleito gerente da Ré “Irmãos… & C.ia, L.da,”, por deliberação do dia 06 de Novembro de 2009, conforme Insc. 5 AP. 7/20091217 da mesma certidão.
Quarto – A acção foi movida contra os Réus Irmãos… & C.ia., Lda., e António… e mulher Maria…, em litisconsórcio voluntário passivo (artigo 29.º, 2.ª parte do C.P.C.); mas o Autor poderia ter proposto duas acções, em separado – uma contra a Ré sociedade, e outra contra os Réus singulares -, e em tal hipótese, não haveria qualquer obstáculo legal ao depoimento da testemunha, José…, na acção movida contra os Réus singulares.
Quinto – Os Réus singulares não podem ser prejudicados no seu direito à produção dos meios de prova, pelo facto de o Autor ter intentado uma só acção contra os Réus, e por tal motivo, o falado José… podia e devia ter sido ouvido, pelo menos, como testemunha dos Réus singulares, relativamente aos factos que a estes respeitam directa e exclusivamente.
Sexto – Uma vez que os factos “sub juditio” se reportam a um período de tempo anterior à eleição do referido José… para o cargo de gerente da Ré sociedade; e sendo-lhe imputada a autoria e o benefício de parte desses factos, era e é admissível a sua inquirição como testemunha, por ser conforme e ou não contrário ao espírito da norma do art.º 617.º do CPC.
Sétimo – A não se entender que o dito José… podia depor como testemunha, por ter passado a exercer o cargo de gerente da Ré sociedade, então podia e devia o mesmo ter sido ouvido em depoimento de parte, por ser da maior importância e verdadeiramente indispensável para o esclarecimento de factos relevantes para a boa decisão da causa.
Oitavo – O despacho recorrido viola ou não faz correcta interpretação e aplicação das normas dos art.ºs 265.º, n.º 3, 552.º, n.º 1 e 617.º do C.P.C: Nestes termos, e pelo douto suprimento, deve ser dado provimento ao presente RECURSO e, consequentemente, revogado o despacho recorrido e ordenada a inquirição do dito José…, como testemunha, ou que o mesmo seja ouvido em depoimento de parte sobre os factos da Base Instrutória a que foi indicado,
*
A factualidade com interesse é a resultante do precedente relatório.

Importa saber se a indicada testemunha, no entretanto nomeada gerente de uma das rés, pode ser inquirida nessa qualidade, e saber se tratando-se de litisconsórcio voluntário sempre poderá depor.

Dispõe o artigo 617 do CPC que são inábeis para depor os que podem depor como partes.

Dispõe a propósito o artigo 553 do mesmo diploma:
1 - O depoimento de parte pode ser exigido de pessoas que tenham capacidade judiciária.
2 - Pode requerer-se o depoimento de inabilitados, assim como de representantes de incapazes, pessoas colectivas ou sociedades; porém, o depoimento só tem valor de confissão nos precisos termos em que aqueles possam obrigar-se e estes possam obrigar os seus representados.
3 - Cada uma das partes pode requerer não só o depoimento da parte contrária, mas também o dos seus compartes.
Relativamente à inabilitação em causa, o que releva é o momento em que o depoimento deva ser prestado. Pode ouvir-se como testemunha um antigo administrador ou gerente, que sendo-o embora à data dos factos em causa no processo, já o não é à data em que deva ser colhido o seu depoimentos. Assim é porque, a essa data não pode o mesmo vincular a sociedade em termos confessórios. O seu depoimento não pode implicar confissão por banda da parte de que fora administrador ou gerente, podendo consequentemente depor como testemunha.
Por outro, ainda que à data dos factos o indicado a depor como testemunha, não tivesse qualquer cargo na empresa, mas tenha entretanto sido nomeado, como é o caso dos autos, e conquanto à data em que deva ser recolhido o depoimento mantenha cargo na empresa de representante desta, não poderá depor como testemunha, podendo apenas depor como parte. É que, sendo representante, pode confessar – artigo 352, 353 e 355 do CC -. E não releva o facto de haver outros réus na acção, em litisconsórcio voluntário, sendo de aplicar no caso o artigo nº 3 do artigo 553 do CPC – tratando-se de litisconsortes adversos –.
O sentido do art. 553.º- nº 3 CPC é o de permitir que se possa requerer o depoimento de comparte se este toma posição ou alega factos diferentes do comparte que requer o seu depoimento, favoráveis a este e desfavoráveis àquele.
Referem os recorrentes que o juiz devia ter determinado a audição como parte, aludindo ao artigo nº 3 do artigo 265 do CPC e 552, 1 do mesmo diploma.
Refere este último normativo que o juiz pode em qualquer estado do processo determinar a comparência pessoal das partes para a prestação de depoimento sobre factos que interessam à decisão da causa.
Ora, não tendo a parte na audiência efectuado requerimento tendo em vista essa pretensão, carece de sentido questionar ora a opção do julgador no sentido de não proceder oficiosamente à inquirição do indicado como parte.
Importa ainda não olvidar qual o objectivo do depoimento de parte, que é a obtenção de confissão favorável à parte contrária, o reconhecimento pela parte cujo depoimento se toma, de factos que lhe são desfavoráveis. Ainda quando a lei no artigo 361 do CC refere a livre apreciação do depoimento, reporta-se a factos desfavoráveis ao depoente, que não podem valer como confessórios.
Consequentemente improcede a apelação.
DECISÃO:
Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão.
Custas nesta relação pelo recorrente

Guimarães, 29 de Setembro de 2011
Antero Veiga
Raquel Rego
António Sobrinho

http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/9e44335e721f935980257930003c5d86?OpenDocument

Pesquisar neste blogue