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domingo, 31 de julho de 2011

AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO NA AUSÊNCIA DO ARGUIDO - Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra - 27-04-2011

Acórdãos TRC
Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
142/09.7T3ETR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALICE SANTOS
Descritores: AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO NA AUSÊNCIA DO ARGUIDO

Data do Acordão: 27-04-2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: ESTARREJA
Texto Integral: S

Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 333º CPP

Sumário: I - Faltando o arguido à audiência para que fora regularmente notificado, esta deve prosseguir, porque só é adiada se o Tribunal considerar que a sua presença é absolutamente indispensável desde o seu inicio;
II- Não havendo esse juízo de indispensabilidade da presença do arguido, segue a regra geral: não há adiamento e a audiência tem de ter lugar e o arguido pode ser ouvido até ao fim da audiência e o seu defensor pode requerer que seja ouvido na 2ª data designada para audiência;

III- As medidas previstas no nº 1 do artº 333º CPP só são necessárias, quando a audiência não deva, nem possa, iniciar-se sem a presença do arguido, pois visam fazê-lo comparecer contra sua vontade e como modo de evitar o adiamento da audiência.


Decisão Texto Integral: No processo supra identificado, após a realização de audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença que condenou a arguida, ON..., pela prática de:
- um crime de injúrias, p. e p. pelo art 181, nº 1 do CPenal, na pena de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de € 5.50.

- dois crimes de difamação, p. e p. pelo art 180, do CPenal, na pena de 140 (cento e quarenta) dias de multa, à taxa diária de € 5.50, por cada crime.

- um crime de ameaças, p. e p. pelo art 153, nº 1 do CPenal, na pena de 90 (noventa) dias de multa, à taxa diária de € 5.50.

- Em cúmulo condenou a arguida na pena única de 320 (trezentos e vinte) dias de multa à taxa diária de € 5.50.
Julgou parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido por AP…, por si e na qualidade de representante legal de seus filhos menores, SD… e OS..., condenando ON... a pagar à demandante AP… uma indemnização no valor de € 500,00 (quinhentos euros), a título de danos não patrimoniais, acrescidos de juros de mora à taxa legal, desde a data da notificação do pedido de indemnização civil até integral pagamento.

Desta sentença interpôs recurso a arguida ON....
São do seguinte teor as conclusões, formuladas na motivação do recurso, interposto pelo arguido:
1- "4- A assistente teria, há 15 dias atrás, cortado o cabelo à NN...;
5- De seguida, a arguida deixou a filha em casa, fechando a porta à chave, e abeirou-se do automóvel em cujo interior estavam a assistente e seu companheiro e, com violência, deu vários murros na porta do vidro do condutor e, dirigindo-se à assistente disse, em altos berros, em tom agressivo e repetidamente" filha da puta, cortaste o cabelo à minha filha, sua puta, eu mato-te, sua filha da puta e espicaço-­te toda"; 6- A arguida só parou quando um dos agentes policiais ali presentes interveio, levando-a para a porta de sua casa. ; 7- E quando o Sr. Agente BG..., depois de ter chamado pela arguida e esta ter aberto a porta de entrada, mas sem sair do espaço interior da habitação, lhe ter pedido que fosse buscar a NN... para se entregue ao pai, em vista, a arguida recusou-se novamente a fazê-lo e afirmou, em altos berros: " A minha filha não vai com essas pessoas que eu não deixo, cortaram-lhe o cabelo e ela não quer ir com eles, os filhos dela violaram a minha filha e eles há dias deixaram-na sozinha num café"

2- Das declarações da testemunha IC..., cujo excerto transcrito deixa supra. E tal como consta da douta motivação a fls (…) e do que referiu a assistente ON... que a arguida saiu de casa e se dirigiu ao veículo no interior do qual se encontrava a assistente e começou a dar murros no mesmo com violência ao mesmo tempo que lhe chamava “puta” e “filha da puta” e lhe dizia que a matava e a espicaçava toda, tendo parado com tal comportamento apenas quando houve intervenção de um dos agentes presentes no local.
3- Ainda segundo a mesma douta fundamentação a propósito do depoimento da testemunha IC…, de cujo depoimento se deixa um excerto da transcrição supra pode ler-se, que, relatou esta testemunha a recusa da entrega da menor, alegando inicialmente que esta se encontrava doente e que a dada altura a arguida sai de casa e dirige-se ao veículo onde se encontrava o pai da menor e assistente, sua companheira, começando a bater na referida viatura e dirigir insultos a assistente acusando-a de ter cortado o cabelo à filha.
4- Dos excertos acima transcritos, bem como da integral audição do depoimento prestado por esta testemunha, poderemos verificar que o mesmo infirma o depoimento prestado pela assistente e não o corrobora, pelo contrário. Aliás o próprio BG... tem versão diferente para o sucedido, quando no seu depoimento afirma que quando chegou ao local em nenhuma circunstância ouvir quaisquer injúrias ou ameaças dirigidas à assistente – as mesmas teriam ocorrido em momento anterior à sua chegada, tal como confirma o seu colega VV.... Tal como resulta das declarações da testemunha BG... e VV... que se deixaram supra transcritas.
5- Esta testemunha, não presenciou as injúrias, nem as ameaças, chegou depois, tal como o seu colega, afirma que o seu colega IC... foi quem assistiu às injúrias e ameaças, mas este conforme vimos do seu depoimento, não assistiu, recorda-se de uma conversa, fora do carro, do seu teor genérico, mas quem assistiu, ouviu e retirou a arguida do lugar terá sido o G..., que afinal chegou depois.
6- Tal como resulta do depoimento da testemunha VV..., pelos vistos, os agentes (no plural, pelo menos dois) agarraram a arguida, depois de esta ter batido no vidro dom carro e quase ter partido, enquanto insultava e ameaçava a assistente. Ora não podemos deixar de convir, ser esta, uma versão bem diferente daquela que trazem outros intervenientes, nomeadamente a testemunha IC.... Atente-se, que ao contrário do que sustenta o tribunal, os murros terão sido desferidos, na versão da assistente, no vidro da parte da frente da viatura, em frente ao pendura, e não no vidro lateral.
7- Resulta do acervo destes depoimentos que se encontra mal julgada a matéria de facto dada como assente nos arts 4,5,6 e 7 pelo que deve ser alterada e considerada não provada.
8- Depoimento da testemunha G... supra transcrito e tal como se alcança deste testemunho cujo excerto se transcreve, é que as expressões eventualmente proferidas pela arguida, de que os filhos da assistente terão violado a sua filha menor é que as mesmas não apresentaram qualquer credibilidade. Logo desprovidas de qualquer credibilidade,, não evidenciam ter sido proferidas com dolo, nem sequer dolo eventual, não preenchendo assim o tipo.
9- A Constituição da República estabelece no seu art. 32º, nº 1 uma cláusula geral de garantia a conferir ao arguido, instituindo que “o processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso", especificando no seu n.º 2 em que consistem essas mesmas garantias.
10- Uma delas é o direito de presença do arguido na audiência de julgamento, que apenas pode ser afastado em casos excepcionais.
Por sua vez, no art. 20º nº 4 da Constituição também se assegura que "Todos têm direito a que uma causa em que intervenham sejam objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo".
11- A noção de processo equitativo tem igualmente consagração na Convenção Europeia dos Direitos Humanos [C.E.D.H], através do seu art. 6.º, segundo o qual
12- No âmbito do processo penal, o acusado deve dispor de um processo equitativo, o só é possível se lhe forem conferidas as devidas oportunidades para o mesmo se poder defender, não o colocando, de forma directa ou indirecta, numa posição de desvantagem face aos seus oponentes.
13- O preceituado no art. 118.º, do Código de Processo Penal, é expresso,
por sua vez, em cominar no seu n.º 1 que "A violação ou a inobservância das
disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei", logo se dizendo no subsequente n.º 2 que "Nos casos em que a lei não cominar nulidade, o acto ilegal é irregular". Resulta do art. 119.º al. c), que "A ausência do arguido ou do seu defensor, nos casos em que a lei exigir a respectiva comparência", é uma nulidade que assume natureza insanável.
14-Trata-se de resto de um dos seus direitos processuais gerais, tal como decorre do art. 61º, nº 1, al a), onde se diz que “o arguido goza em especial, em qualquer fase do processo e salvas as excepções da lei, dos direitos de:Estar presente aos actos processuais que directamente lhe disserem respeito”.
15- O legislador, com a lei Constitucional nº 1/97 através do seu art. 15.º,
a aditar o já referido nº 6 ao artº 32º da C. Rep, preceituando que “A lei define os casos em que assegurados os direitos de defesa, pode ser dispensada a presença do arguido ou acusado em julgamento".
16- Uma dessas situações em que se permite o julgamento na ausência do arguido é, segundo o citado art. 333.º, n.º 1, quando o mesmo" regularmente notificado não estiver presente na hora designada para o
início da audiência," sendo certo que "o presidente toma as medidas necessárias e legalmente admissíveis para obter a sua comparência, e a audiência só é adiada se o tribunal considerar que é absolutamente indispensável para a descoberta verdade material a sua presença desde o início da audiência".
17- No caso em apreço como se pode constatar da acta da audiência de julgamento o tribunal lia quo" não tomou quaisquer providências para que o arguido fosse presente a julgamento, antes proferindo despacho no sentido de prosseguir a audiência, mesmo estando designada uma segunda data, e tendo a arguida comunicado estar impedida de comparecer na primeira data por motivo de doença.
Afigura-se-nos que para se assegurar um processe justo e equitativo devemos deixar esse ónus de convocação ou requisição aos tribunais e aos serviços de justiça, porquanto os meios materiais ao seu dispor são, em regras, superiores àqueles de que um normalmente arguido dispõe.
18- Nesta conformidade e no caso da arguida, depois de ter sido notificada da data da audiência de julgamento, e não comparece deve o Tribunal indagar dessa situação, e agindo em conformidade, havendo urna segunda data já marcada, onde presumivelmente a arguida estaria presente realizar a audiência apenas nessa data. Não o tendo feito, foi indevidamente preterida a presença do arguido na audiência de julgamento, o que gera uma nulidade insanável, face ao disposto no art. 119.º, al. c) do CPP.
Foram violados o artº 32º da CRP, 119 al c) do CPP, 118 do CPP, 359 do CPP, 379º do CPP, 410 nº 2 al a) do CPP.

O recurso foi admitido para subir imediatamente, nos próprios autos, sem efeito suspensivo.

Respondeu o Digno Procurador Adjunto, manifestando-se pela improcedência do recurso.

Nesta instância o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual se manifesta pela improcedência do recurso.

xxx
Colhidos os vistos legais e efectuada a conferência, cumpre agora decidir.

O recurso abrange matéria de direito e de facto já que a prova foi documentada.

Da discussão da causa resultaram provados os factos seguintes constantes da decisão recorrida:


1. No processo de alteração da regulação do poder paternal n.º 479/06.7TBETR-C, do Juízo de Família e Menores de Estarreja, foi judicialmente determinado, em 31-01-2008, que o pai da menor NN... , nascida em …, poderia ter a criança consigo, pernoitando em sua casa de sábado para domingo, indo buscá-la a casa da mãe pelas 10h do dia de sábado e entregando-a em casa desta até às18h de domingo;
2. Perante as várias recusas por parte da arguida em entregar filha menor NN... ao seu progenitor JL..., com quem a assistente, desde inícios de Janeiro de 2006, vive em união de facto em 13.05.2008 foi judicialmente ordenado que tal entrega fosse acompanhada por um elemento da GNR, vestido à civil em viatura não caracterizada, incumbindo a este elemento da força policial a entrega da criança ao pai;
3. No dia 23 de Maio de 2009 (sábado), pelas 10h, a arguida não deixou a criança sair da residência, sita na Rua …, da freguesia de …, em ..., informando o Sr. Agente da GNR, que ali se encontrava para efectuar entrega da menor ao progenitor, que não a entregaria;
4.Alegando, para tanto, que a assistente teria, há 15 dias atrás, cortado o cabelo à NN...;
5. De seguida, a arguida deixou a filha em casa, fechando a porta à chave, e abeirou-se do automóvel em cujo interior estavam a assistente e seu companheiro e, com violência, deu vários murros no vidro da porta do condutor e, dirigindo-se à assistente disse, em altos berros, em tom agressivo e repetidamente: «filha da puta, cortaste o cabelo à minha filha, sua puta, eu mato-te, sua filha da puta e espicaço-te toda»;
6. A arguida só parou quando um dos agentes policiais ali presentes interveio, levando-a para a porta de sua casa;
7. E quando o Sr. Agente BG..., depois de ter chamado pela arguida e esta ter aberto a porta de entrada, mas sem sair do espaço interior da habitação, lhe ter pedido que fosse buscar a NN... para ser entregue ao pai, em visita, a arguida recusou-se novamente a fazê-lo e afirmou, em altos berros: «A minha filha não vai com essas pessoas que eu não deixo, cortaram-lhe o cabelo e ela não quer ir com eles; os filhos dela violaram a minha filha e eles há dias deixaram-na sozinha num café»;
8. As palavras e expressões acima referidas, para além de constituírem imputações falsas, foram proferidas, em voz alta, pela arguida com o claro propósito de ofender a honra e consideração devidas quer à assistente, quer aos seus representados, filhos menores, SD… e OS...;
9.Com a expressão "os filhos dela" mencionada no ponto 7) quis a arguida referir-se aos aludidos dois únicos filhos da assistente, em relação aos quais a assistente detém o exercício do poder paternal;
10. As expressões proferidas pela arguida, ao dirigir-se à assistente dizendo «eu mato-te e espicaço-te toda» são meio idóneo a provocar mede e inquietação, o que aconteceu, na medida em que a ofendida, em consequência dos mesmos, ficou a temer pela sua vida e integridade física;
11. A arguida sabia que a sua conduta era apta a causar medo e inquietação na ofendida e prejudicar a sua liberdade de determinação, o que quis, não se abstendo de agir do modo descrito;
12. A arguida agiu de forma deliberada, livre e consciente ao proferir as palavras e expressões acima descritas, bem sabendo que as mesmas são tidas objectiva e subjectivamente como ofensivas da honra e consideração social, e não obstante isso, voluntariamente proferiu tais expressões, pois que queria ofender a assistente e os seus filhos;
13. Sabia ainda a arguida que agia de forma proibida e punida por lei;
14. Em consequência das condutas da arguida acima descritas, a assistente sentiu-se envergonhada, triste, desgostosa, revoltada e humilhada;
15. A assistente é considerada boa mãe, pessoa séria, educada e carinhosa;
16. A arguida já foi condenada no âmbito dos seguintes processos:
a.) Proc. n. o 92/08.4GCETR, do Juízo de Instância Criminal de Estarreja, pela prática, em 17.2.2008, de dois crimes de injúria, p. e p. no art. 181.0 CP, na pena única de 130 dias de multa à taxa diária de 5 €, por decisão datada de 24.6.2009;
A arguida é operária fabril, mas encontra-se actualmente desempregada e a auferir 387 € mensais de subsídio de desemprego, recebendo ainda 143 € a título de pensão de alimentos devidas à sua filha menor, e abono de família no valor mensal de 43 €; vive em casa de um filho, tem um veículo de marca Seat, modelo Ibíza, de 1999, relativamente ao qual paga um empréstimo no valor de 11 I € mensais e tem o 6.º ano de escolaridade.

Não se provou que:
a) Em consequência das condutas da arguida acima descritas, os filhos da assistente se sentiram envergonhados, tristes, desgostosos, revoltados e humilhados;

Motivação de Facto e Exame Crítico das Provas
Para prova dos factos supra referidos foram decisivas as declarações prestadas pelo assistente e pelas testemunhas ouvidas em audiência de julgamento, analisadas de per si e conjugadas entre elas, bem como com os documentos juntos aos autos e com as regras da experiência comum e da normalidade.
Na verdade, a assistente AP… referiu que no dia mencionado na acusação, quando estava com o seu companheiro e ex-marido da arguida, à espera no carro, para que se fizesse a entrega da menor NN... através de agentes da GNR, a dada altura e após ter recusado entregar a menor, a arguida saiu de casa e dirigiu-se ao veículo no interior do qual se encontrava e começou a dar murros no mesmo, com violência, ao mesmo tempo que lhe chamava «puta» e «filha da puta», e lhe dizia que a matava e a espicaçava toda, sendo que só parou com tal comportamento mediante a intervenção de um dos agentes da GNR presentes no local.
Mais referiu que entretanto ficou dentro da viatura enquanto os agentes da GNR conversavam com a arguida, tendo sabido poucos dias mais tarde que a arguida havia referido aos agentes da GNR que os filhos da assistente (menores, os quais se encontram à guarda da mãe, a quem cabe o exercício do poder paternal, conforme melhor resulta dos assentos de nascimento de fIs. 7 a 10) haviam violado a menor NN..., alegação esta, referida como justificação para não permitir a entrega da menor ao pai.
Em consequência destes factos ficou a assistente muito transtornada, nervosa, e humilhada, assim co-no receosa e intranquila, face às ameaças proferidas pela arguida, em tom sério e agressivo.
As declarações da assistente mereceram inteira credibilidade, pela forma coerente e serena com) foram prestadas, não obstante o conflito existente com a arguida, o qual, entretanto, se encontra mais pacificado.
Por outro lado, a descrição dos factos feita pela assistente foi corroborada pelo depoimento da testemunha JL..., seu companheiro, o qual se encontrava também no interior do veículo, aguardando pela entrega da menor. Confirmou também a testemunha o estado de abalo psicológico sofrido pela assistente, a qual, designadamente, não voltou a acompanhá-lo na recolha e entrega da menor, por ter ficado transtornada, receosa e intranquila face aos factos e às expressões proferidas pela arguida.
Por outro lado, foi também inquirida a testemunha IC..., agente da GNR, que confirmou que no dia em causa participou na diligência com vista à entrega da menor NN... ao pai, nos termos ordenados pelo tribunal, no âmbito do processo de regulação d i exercício do poder paternal, o que fez a pedido de colegas do NIC de ...(a quem caberia originariamente tal função), uma vez que estes se encontravam impedidos numa outra diligência.
Relatou então esta testemunha que a arguida se recusou a entregar a menor, alegando inicialmente que esta se encontrava doente e que não queria ir com o pai. Não obstante as tentativas da testemunha para tentar conseguir que a menor fosse entregue ao pai, a dada altura a arguida saiu de casa e dirigiu-se ao veículo onde se encontrava o pai da menor e a assistente, sua companheira, começando a bater na referida viatura e a dirigir insultos à assistente, acusando-a de ter cortado o cabelo à filha.
Afirmou ainda que, atento o estado de exaltação da arguida e a sua recusa em entregar a menor, contactou com os colegas do NIC de ..., solicitando a sua comparência, sendo que foram estes, após a respectiva chegada, que tiveram contacto mais directo com a arguida.
Referiu também esta testemunha que se recorda de a arguida ter dito qualquer coisa relativamente aos filhos da assistente, mas não conseguiu precisar o conteúdo exacto de tais expressões e afirmações.
Foi também ouvida a testemunha BG…, cabo da GNR a prestar serviço no NIC de ..., que referiu que era um dos agentes incumbidos de fazer a entrega da menor, conforme ordenado pelo tribunal. No dia em causa nos autos, uma vez que estava impedido numa outra diligência solicitou aos colegas da GNR de ... que procedessem à referida diligência. No entanto, acabou por ser contactado por estes últimos, uma vez que se estavam a verificar dificuldades na entrega, pelo que se deslocou, logo que possível, para o local (acompanhado do colega VV…), onde foi logo informado pelo agente IC… que a arguida se havia recusado a entregar a menor e havia armado desacatos com a assistente.
Referiu que quando chegou já a arguida se encontrava no interior da sua residência, pelo que tocou à campainha e quando a arguida assomou à porta disse que não entregava a menor porque a assistente lhe tinha cortado o cabelo, que os seus filhos tinham violado a NN... e que o pai e a assistente a haviam deixado sozinha num café. Na verdade, esta testemunha confirmou integralmente o teor do relatório de informação de fls. 35 a 37, por si subscrito.
Quando estava a informar o pai de que a arguida se recusava a entregar a menor, aquela saiu de: casa, fazendo-se transportar no seu veículo automóvel e provavelmente levando consigo a menor, inviabilizando, assim, a entrega pretendida.
O relatado por esta testemunha foi também confirmado pela testemunha VV…, também cabo da GNR, a prestar serviço no NIC de ..., sendo que ambos as testemunhas depuseram com isenção e coerência, tendo, pois, merecido credibilidade.
Foram também analisados os documentos de fls. 104 a 111, relativos ao estipulado em sede de regulação do exercício do poder paternal da menor NN....
Por outro lado, foram também inquiridas as testemunhas GC…, RL… e GG…, as quais atestaram o estado de abalo psicológico em que ficou a assistente, em consequência do supra descrito comportamento da arguida.
Entretanto, já na segunda sessão de audiência de discussão e julgamento, a arguida prestou declarações sobre os factos imputados, negando genericamente a prática dos mesmos, afirmando que quando se dirigiu o veículo onde se encontrava o pai da menor, o fez calmamente e sem agressividade, apenas para lhe comunicar que a menor não queria ir, lendo que nunca insultou ou ameaçou a assistente, nem disse ao cabo BG... as afirmações contidas no relatório de informação junto aos autos.
Ora, tais declarações da arguida contrariam frontalmente toda a restante prova produzida, a qual se revelou coerente, circunstanciada e verosímil.
Por outro lado, em sede de defesa, foram inquiridas as testemunhas … (companheiro da irmã da arguida) e … (filho da arguida), as quais referiram não terem conhecimento directo dos factos descritos nas acusações, mas que afirmaram terem dificuldade em acreditarem que a arguida os tenha praticado, uma vez que a consideram pessoa calma e afectuosa.
Por fim, foi inquirida também a testemunha irmão da arguida, que afirmou, que no dia em questão, por coincidência, justamente à hora em que os factos ocorreram, passou na rua, tendo ouvido, por isso, uma discussão entre a arguida e a assistente, em que ambas se insultavam mutuamente, chamando­-se «filha da puta», mas nunca ouviu a arguida a ameaçar a assistente, fosse de que forma fosse.
Ora, uma vez que o depoimento desta testemunha contraria o declarado por outras testemunhas já ouvidas, que não referiram a presença de mais ninguém no
local, e atendendo a que esta testemunha, até pela deficiência motora de que padece (deslocando-se de cadeira de rodas), dificilmente passaria no local sem ser notada (uma vez que se trata de uma rua com pouco trânsito e afirmou ter estado precisamente em frente ao local onde se desenrolaram os factos, mas do outro lado da rua), foi requerida e ordenada a acareação entre esta testemunha e as testemunhas JL..., IC..., BG... e VV…, assim como relativamente a um outro agente da GNR que acompanhava o agente IC... na patrulha (RP…).
Ora, foi realizada a referida acareação entre a testemunha OJ... e as testemunhas JL..., IC... e RP…, sendo que estas últimas afirmaram convictamente e sem qualquer hesitação que a testemunha OJ… não se encontrava no local aquando dos factos em apreciação.
Por seu lado, a testemunha RP… esclareceu que acompanhava o agente IC... na entrega da menor, confirmando o depoimento deste última e referindo até que foi ele próprio quem disse ao agente IC... para retirar a arguida do local e a acompanhar até casa, quando esta estava a bater no carro onde se encontrava a assistente, insultando-a e dirigindo-lhe outras expressões que não soube concretizar.
Assim, o conjunto da prova produzida, analisada concatenadamente e atenta a credibilidade que mereceram os depoimentos da assistente e das testemunhas da acusação, permite concluir que os factos se passaram conforme descritos nas acusações, particular e pública, deduzidas.
Quanto ao facto não provado, o mesmo foi assim considerado, uma vez que foi referido por diversas testemunhas, entre elas JL..., GC… e RL…, que os menores SD... e OS...nunca chegaram a ter conhecimento das afirmações proferidas pela arguida, sendo que tais factos sempre foram ocultados, designadamente para não afectar a relação entre eles e a menor NN....
Para prova dos antecedentes criminais da arguida foi decisiva a consulta do respectivo CRC, juntos ais autos a fls. 181.


***
Questões a decidir:
- se o Tribunal deveria ter adiado o julgamento, por falta da arguida;
- se os factos dados como provados nos pontos 4, 5, 6, e 7 foram incorrectamente julgados;

A recorrente sustenta que foi violado o seu direito a estar presente na audiência de discussão e julgamento, e que foi violado o disposto nos artigos 20° n.º 4 e 32° n.º 1 e n.º 2 da Constituição da República Portuguesa e o artigo 61°, n.º 1 al. a) do Código de Processo Penal.
Entende, que “(…) tribunal não tomou qualquer providências para que a arguida fosse presente a julgamento, antes proferindo despacho no sentido de prosseguir a audiência, mesmo estando designada uma segunda data, e tendo a arguida comunicado estar impedida de comparecer na primeira data por motivo de doença.
(…) Não o tendo feito, foi indevidamente preterida a presença da arguida na audiência de julgamento, o que gera uma nulidade insanável, face ao disposto no artigo 119º al c) do CPP."
Não tem razão a recorrente.
Do disposto no artº 333º1 a 3 CPP resulta que em face da falta do arguido á audiência de julgamento, para que fora regularmente notificado, a audiência deve prosseguir, porque só é adiada se o Tribunal considerar que a presença do arguido é absolutamente indispensável desde seu inicio. Não havendo esse juízo de indispensável sobre a presença do arguido, segue a regra geral: não há adiamento e a audiência tem de ter lugar e o arguido pode ser ouvido até ao fim da audiência e o seu defensor pode requerer que seja ouvido na 2ª data designada para audiência (nºs 2 e 3). Assim, perante a falta do arguido o Tribunal apenas tem de proferir despacho, (e este é de adiamento), se considerar a sua presença absolutamente indispensável, porque não sendo assim tem de proceder á audiência de julgamento, e o arguido será ouvido se comparecer, como é seu dever, no seu decurso ou se o seu defensor requerer a sua audição na 2ª data de julgamento designada.
A falta de tomada de medidas, coactivas, para obter o comparecimento do arguido, por parte do Tribunal, não é cominada pela lei com qualquer sanção, donde não constitui nulidade (artºs 118º1 e 120º1CPP) e muito menos insanável, dado que a lei permite (artº 332º1CPP) e até impõe (artº 333º 1 e 2 CPP) a realização do julgamento do arguido na sua ausência em caso de regular notificação e prestação de TIR e se porventura se pudesse considerar uma irregularidade, ela não foi tempestivamente arguida, como não afecta o valor do julgamento realizado (artº 123º CPP) face às possibilidades legais que o arguido tinha para comparecer e ser ouvido, que não usou, pois “… não pode permitir-se a sua total desresponsabilização em relação ao andamento do processo, ou ao seu julgamento …” in Exposição da Proposta de Lei, in M.Gonçalves, CPP anotado, 16º ed. Pág. 704, uma vez que esteve sempre representado pelo seu defensor, assegurando os seus direitos de defesa - nº3;
Tendo em conta a situação concreta do processo e das normas legais, não é caso de aplicação da nulidade insanável do artº 119ºc) CPP, pois esta apenas existe quando se verifica “A ausência do arguido ou do seu defensor, nos casos em que a lei exigir a respectiva comparência”, e no caso a arguida foi ouvida à 2ª data e esteve sempre devidamente representada pelo seu defensor e a lei permite ao arguido que falte sabendo ele como sabia em face da notificação que lhe foi feita (e do TIR prestado) qual era a consequência: julgado na ausência e representado pelo seu defensor, sendo a prova gravada.
O arguido notificado regularmente, como a lei lhe permite fez a sua opção: entre faltar ou comparecer decidiu faltar, situação que fica sujeita ao regime das faltas, que é diverso de uma situação de “ausência” que não ocorreu – cfr. Ac. R. Ev. 3/2/04 Proc. 2232/03-1, www.dgsi.pt/jtre, e pressuposto na doutrina do Ac. STJ 2/5/07 proc. 07P1018 www.dgsi.pt/jstj.
O Tribunal não tinha opção a não ser proceder ao julgamento (pois em face da matéria de facto a apurar constante da acusação e modo como os factos decorreram - a presença da arguida não era indispensável para a descoberta da verdade, promovendo o adiamento da audiência) – artº 333º1 CPP
Ora em face das normas legais e do processado, a regra é a de que se deve proceder ao julgamento na ausência do arguido, e isso foi determinado; a excepção seria a decisão de adiamento porque a presença da arguida era indispensável á descoberta da verdade, mas como tal não ocorreu, não podia deixar de se proceder ao julgamento, na ausência da arguida, que veio a ser ouvida na segunda data designada.
As medidas previstas no nº1 só fazem sentido e devendo por isso ser adoptadas, ou seja, só são necessárias, quando a audiência não deva, nem possa, iniciar-se sem a presença da arguida, pois visam fazê-la comparecer contra sua vontade e como modo de evitar o adiamento da audiência.
Não sendo esse o caso, não há outros reparos a fazer.
Não se vislumbrando, quer na lei quer no decidido violação das normas constitucionais citadas pela recorrente (artºs 20º, 32º CRP), tendo a prova sido gravada e disponibilizada ao recorrente, tendo-lhe sido asseguradas todas as garantias de defesa, que a arguida usou.


Sustenta a recorrente que foram incorrectamente julgados os factos dados como provados, nomeadamente, os constantes dos pontos 4, 5, 6 e 7, uma vez que o tribunal apenas deveria ter dado credibilidade a pequenas partes dos depoimentos prestados pelas testemunhas BG..., IC… e VV....
Portanto, o recorrente discorda com a forma como na decisão recorrida foi apreciada a prova produzida em julgamento e as conclusões de convicção probatória a que ali se chegou.
De acordo com o disposto no art 412 nº 3 al b) do Código Processo Penal, a matéria de facto impugnada só pode proceder, quando o recorrente tendo por base o raciocínio lógico e racional feito pelo tribunal na decisão recorrida, indica provas que “imponham decisão diversa”.
O recorrente não pode fazer o seu julgamento esquecendo a convicção formada pelo tribunal à luz das regras da experiência comum. Se aquela resulta clara destas, demonstradas no exame crítico das provas que a lei lhe impõe (art 374 nº 2 do Código Processo Penal) o raciocínio feito pelo tribunal não pode ceder perante um qualquer outro raciocínio do recorrente. Exige-o o princípio da livre apreciação da prova (art 127 do referido diploma).
O recorrente ao pretender a alteração da matéria de facto pretende que o Tribunal faça tábua rasa às declarações prestadas pela assistente e restantes testemunhas. Ora, tal não é indicar provas que imponham decisão diversa.
O Tribunal ao decidir teve em consideração todos os depoimentos prestados e os documentos juntos aos autos. Foi no conjunto de todos os elementos que o tribunal fundou a sua convicção.
O que afinal a recorrente faz é impugnar a convicção adquirida pelo tribunal a quo sobre determinados factos em contraposição com a que sobre os mesmos ele adquiriu em julgamento, esquecendo a regra da livre apreciação da prova inserta no art 127.
De acordo com o disposto no art 127 a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.
“O art 127 do Código Processo Penal estabelece três tipos de critérios para avaliação da prova, com características e naturezas completamente diferentes: uma avaliação da prova inteiramente objectiva quando a lei assim o determinar; outra também objectiva, quando for imposta pelas regras da experiência; finalmente, uma outra, eminentemente subjectiva, que resulte da livre convicção do julgador.
A prova resultante da livre convicção do julgador pode ser motivada e fundamentada mas, neste caso, a motivação tem de se alicerçar em critérios subjectivos, embora explicitados para serem objecto de compreensão” (Ac STJ de 18/1/2001, proc nº 3105/00-5ª, SASTJ, nº 47,88).
Tal como refere o Prof Germano Marques da Silva no Curso de Processo Penal, Vol II, pg 131 “... a liberdade que aqui importa é a liberdade para a objectividade, aquela que se concede e que se assume em ordem a fazer triunfar a verdade objectiva, isto é, uma verdade que transcende a pura subjectividade e que se comunique e imponha aos outros. Isto significa, por um lado, que a exigência de objectividade é ela própria um princípio de direito, ainda no domínio da convicção probatória, e implica, por outro lado, que essa convicção só será válida se for fundamentada, já que de outro modo não poderá ser objectiva”.
Ou seja, a livre apreciação da prova realiza-se de acordo com critérios lógicos e objectivos.
Sobre a livre convicção refere o Professor Cavaleiro de Ferreira que esta « é um meio de descoberta da verdade, não uma afirmação infundada da verdade» -Cfr. "Curso de Processo Penal", Vol. II , pág.30. Por outras palavras, diz o Prof. Figueiredo Dias que a convicção do juiz é "... uma convicção pessoal -até porque nela desempenha um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais -, mas em todo o caso, também ela uma convicção objectivável e motivável , portanto capaz de impor-se aos outros ."- Cfr., in "Direito Processual Penal", 1º Vol., Coimbra Ed., 1974, páginas 203 a 205.
O principio da livre apreciação da prova assume especial relevância na audiência de julgamento, encontrando afloramento, nomeadamente, no art. 355 do Código de Processo Penal. É ai que existe a desejável oralidade e imediação na produção de prova, na recepção directa de prova.
No dizer do Prof. Germano Marques da Silva "... a oralidade permite que as relações entre os participantes no processo sejam mais vivas e mais directas, facilitando o contraditório e, por isso, a defesa, e contribuindo para alcançar a verdade material através de um sistema de prova objectiva, atípica, e de valoração pela intima convicção do julgador (prova moral), gerada em face do material probatório e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento dos homens". -Cfr. "Do Processo Penal Preliminar", Lisboa, 1990, pág. 68”.
O principio da imediação diz-nos que deve existir uma relação de contacto directo, pessoal, entre o julgador e as pessoas cujas declarações irá valorar, e com as coisas e documentos que servirão para fundamentar a decisão da matéria de facto.
Citando ainda o Prof. Figueiredo Dias, ao referir-se aos princípios da oralidade e imediação diz o mesmo:
«Por toda a parte se considera hoje a aceitação dos princípios da oralidade e da imediação como um dos progressos mais efectivos e estáveis na história do direito processual penal. Já de há muito, na realidade, que em definitivo se reconheciam os defeitos de processo penal submetido predominantemente ao principio da escrita, desde a sua falta de flexibilidade até à vasta possibilidade de erros que nele se continha, e que derivava sobretudo de com ele se tomar absolutamente impossível avaliar da credibilidade de um depoimento. (...) .Só estes princípios, com efeito, permitem o indispensável contacto vivo e imediato com o arguido, a recolha da impressão deixada pela sua personalidade. Só eles permitem, por outro lado, avaliar o mais correctamente possível a credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais ". -In "Direito Processual Penal", 10 Vol., Coimbra Ed., 1974, páginas 233 a 234 .
Assim, e para respeitarmos estes princípios se a decisão do julgador, estiver fundamentada na sua livre convicção e for uma das possíveis soluções segundo as regras da experiência comum, ela não deverá ser alterada pelo tribunal de recurso. Como se diz no acórdão da Relação de Coimbra, de 6 de Março de_2002 (C.J. , ano XXV|II, 20 , página 44) "quando a atribuição da credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear na opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum".
Ora, se atentarmos aos factos apurados e compulsada a fundamentação temos de concluir que os juízos lógico-dedutivos aí efectuados são acertados, designadamente no que se refere aos factos apurados e postos em questão pela recorrente.
O Sr juiz na decisão recorrida, nomeadamente, em sede de convicção probatória, explica de forma clara e coerente os seus juízos lógico-dedutivos, analisando as provas tidas em consideração.
A recorrente com a sua argumentação apenas pretende e com já se referiu extrair dos elementos analisados uma diferente convicção.
A recorrente faz o seu próprio julgamento pretendendo, agora impor o seu próprio raciocínio.
A decisão recorrida encontra-se devidamente fundamentada, não apontando o recorrente qualquer fundamento válido que a possa abalar.
A recorrente ao impugnar a matéria de facto esquece os elementos de prova nos quais o tribunal se baseou. É no conjunto de todos esses elementos que se fundamenta a convicção e não, apenas, num ou noutro dos mesmos elementos (Rec nº 2541/2003 do Tribunal da Relação de Coimbra).
Tendo a factualidade apurada apoio na prova produzida em julgamento a questão a decidir é a de saber se a escolha do tribunal está fundamentada. Hoje exige-se que o tribunal indique os fundamentos necessários para que através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção do facto dado como provado e como não provado.
O objectivo dessa fundamentação e no dizer do prof. Germano Marques da Silva, no Curso de Processo Penal, pg 294, III Vol é a de permitir “a sindicância da legalidade do acto, por uma parte e serve para convencer os interessados e os cidadãos em geral acerca da sua correcção e justiça, por outra parte, mas é ainda um importante meio para obrigar a autoridade decidente a ponderar os motivos de facto e de direito da sua decisão, actuando, por isso como meio de autodisciplina”.
A ratio da exigência de fundamentação é a de submeter a decisão judicial a uma maior fiscalização por parte da colectividade e é também consequência da importância que assume no novo processo o direito à prova e à contraprova, nomeadamente o direito de defender-se, probando”.
Não dizendo a lei em que consiste o exame crítico das provas, esse exame tem de ser aferido com critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita avaliar cabalmente o porquê da decisão e o processo lógico-formal que serviu de suporte ao respectivo conteúdo (Ac STJ de 12/4/2000, proc nº 141/2000-3ª, SASTJ nº 40,48).
Portanto esse exame crítico deve indicar no mínimo e não tem que ser de forma exaustiva, as razões de ciência e demais elementos que tenham na perspectiva do tribunal sido relevantes, para assim se poder conhecer o processo de formação da convicção do tribunal.
É o juiz de julgamento que tem em virtude da oralidade e da imediação, uma percepção própria do material probatório que nós, neste Tribunal, não temos. O juiz do julgamento tem um contacto vivo e imediato com a todas as partes, ele questiona, ele recolhe todas as impressões e está atento a todos os pormenores.
O juiz perante dois depoimentos contraditórios por qual deve optar? “Esta é uma decisão do juiz do julgamento. “Uma decisão pessoal possibilitada pela sua actividade congnitiva, mas também por elementos racionalmente não explicáveis e mesmo puramente emocionais.
Como refere Damião da Cunha (RPCC, 8º, 2º pg 259) os princípios do processo penal, a imediação e a oralidade, implicam que deve ser dada prevalência às decisões da 1ª instância” (Ac RP nº 6862/05).
Ora, analisando a decisão recorrida encontra-se devidamente fundamentada e, de forma exaustiva faz uma exposição dos motivos de facto que fundamentaram a decisão e faz um exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal. O acórdão recorrido indica de forma clara e na medida do que é necessário, as provas que serviram para a formação da convicção do tribunal.
O depoimento da assistente e do seu companheiro mereceram total credibilidade pela forma coerente e serena como foram prestados.
Por outro lado a testemunha IC…, agente da GNR, confirmou que no dia em causa participou na diligência com vista à entrega da menor NN... ao pai, e que a arguida se recusou a entregar a menor, e que a dada altura a arguida saiu de casa e dirigiu-se ao veículo onde se encontrava o pai da menor e a assistente, sua companheira, começando a bater na referida viatura e dirigir insultos à assistente, acusando-a de ter cortado o cabelo à filha, sendo certo que disse não se recordar o que a arguida tenha dito relativamente aos filhos da assistente.
A testemunha BG…, que não viu a arguida a bater na dita viatura, afirmou que a arguida disse que não entregava a menor porque a assistente lhe tinha cortado o cabelo, que os seus filhos tinham violado a NN... e que o pai e a assistente a haviam deixado sozinha num café. Na verdade, esta testemunha confirmou integralmente o teor do relatório de informação de fls. 35 a 37, por si subscrito.
O relatado por esta testemunha foi também confirmado pela testemunha VV…, também cabo da GNR, a prestar serviço no NIC de ..., sendo que ambas as testemunhas depuseram com isenção e coerência, tendo, pois, merecido credibilidade.

Como refere, o Prof. Enriço Altavilla, “o interrogatório, como qualquer testemunho, está sujeito à crítica do juiz, que poderá considerá-lo todo verdadeiro ou todo falso, mas poderá também aceitar como verdadeiras certas partes e negar crédito a outras” – Psicologia Judiciária, Vol II, Arménio Amado, Editor, Sucessor, Coimbra, 3ª edição, pg 12.

Ora, as declarações da assistente e das testemunhas ao contrário da interpretação subjectiva feita pela recorrente na motivação do recurso, não é inverosímil, nem foge às regras da experiência comum, quando enquadradas no ambiente em que foram proferidas.

Nada impede pois que o Tribunal recorrido, no âmbito da imediação e da oralidade, tenha dado credibilidade às declarações da assistente e das referidas testemunhas.
O facto de a testemunha JL... ser companheiro da assistente não é sinónimo de falta de credibilidade ou de seriedade. A recorrente não indica qualquer dado objectivo que possa abalar a credibilidade que o tribunal deu ao depoimento desta testemunha e este tribunal também não vê motivos para o fazer.

Voltando à sentença, nomeadamente à motivação, constatamos que a mesma está fundamentada, aprofundando as razões que determinaram a formação da convicção do tribunal acerca dos factos que deu como apurados e como não apurados. A motivação não se basta a enunciar e elencar os meios de prova relevantes e decisivos, antes procedeu a uma análise critica dessas provas, de modo que possibilita, olhar-se e ver-se o percurso efectuado na decisão em recurso.
Como já referimos da motivação e do exame critico da prova resultam as razões pelas quais o tribunal deu como provados determinados factos, permitindo ao arguido todos os meios de defesa e a este Tribunal, reconstruir retrospectivamente o caminho percorrido na decisão recorrida.
Perante os factos apurados e a sua motivação não procede a critica dos recorrentes. Estes esquecem a prova produzida e as regras da experiência e sobrevalorizam a sua apreciação subjectiva do que deveria ter sido considerado provado, querendo fazer prevalecer a sua versão dos factos, sem apoio na prova produzida.
É de notar que o juiz da 1ª instância é o juiz da oralidade e da imediação da audiência de julgamento, logo está numa posição que lhe permite apreender as emoções, a sinceridade, a objectividade, as contradições, todas os pequenos gestos que escapam no recurso. Portanto, o juiz do julgamento, em virtude da oralidade e da imediação, portanto, do seu contacto, com arguidos, testemunhas, tem uma percepção que escapa aos juízes do tribunal da Relação.
O Tribunal da Relação apenas pode controlar e sindicar a razoabilidade da sua opção, o bom uso do princípio da livre convicção, com base na motivação da sua escolha.
Ora, da motivação resulta que a convicção do tribunal não é puramente subjectiva, intuitiva e imotivável, mas antes resultou da livre apreciação da prova, da análise objectiva e critica da prova. A solução a que chegou o tribunal é razoável atendendo á prova produzida e está fundamentada. Na verdade, face a todo o material probatório tudo indica que o tribunal recorrido captou a verdade material.
Sustenta, ainda, a recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro notório na apreciação da prova.
A recorrente incorre no erro usual de tratar os vícios do art 410 nº 2 do CPP, como verdadeiros vícios do julgamento, o que não está certo. Os vício do art 410 nº 2 do CPP, não podem ser tratados como vícios do julgamento, mas sim como vícios da decisão.
“Errada apreciação das provas não é o mesmo que erro notório na apreciação da prova, sendo que este vício só releva se identificável no texto da decisão recorrida, art 410 nº 2 do CPP. A errada apreciação da prova é algo de muito diverso, configura erro no julgamento, o que não é detectável no texto da decisão recorrida e só pode ser averiguado se ocorrer, impugnação da matéria de facto nos termos do art 410 nº 3 e respectivas alíneas. (ac da RP cit).
Lida a decisão recorrida conclui-se que nenhum dos vícios elencados no art 410 nº 2, nomeadamente, o do erro na apreciação da prova, está patente na decisão recorrida.

Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em julgar improcedente o recurso, mantendo-se a douta sentença recorrida.


Custas pelo recorrente fixando-se a taxa de justiça em 5 uc (artº 513 do CPP e artº 8º nº 5 e tabela III do RCP)


Alice Santos (Relatora)
Belmiro Andrade

http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/45302906f21686ad8025788600397a51?OpenDocument&Highlight=0,poder,paternal

sábado, 30 de julho de 2011

ALIMENTOS DEVIDOS A MAIOR, COMPETÊNCIA - Acórdão do Tribunal da Relação do Porto - 05/05/2011

Acórdãos TRP
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
871-C/1995.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: LEONEL SERÔDIO
Descritores: ALIMENTOS DEVIDOS A MAIOR
COMPETÊNCIA

Nº do Documento: RP20110505871-C/1995
Data do Acordão: 05-05-2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1

Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: REVOGADA.
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .

Sumário: I - Tendo sido fixada judicialmente a prestação alimentícia a filho menor em acção ainda pendente, o pedido de alimentos por parte do mesmo filho, já maior, deve correr por apenso àquela acção.
II - Havendo elementos que demonstrem existir um verdadeiro litígio entre as partes, não se justifica o recurso prévio ao procedimento tendente à formação do acordo a que alude o art.º 5.º, n.º 1 do DL n.º 272/2001, de 13/10, podendo a acção ser logo instaurada no tribunal.
III - Mesmo quando a acção de alimentos tiver que ser intentada na conservatória do registo civil, a petição não deve ser indeferida liminarmente por não se estar perante a excepção da incompetência absoluta do tribunal, devendo antes ser remetida para a conservatória competente, a fim de aí ser tramitado a aludido procedimento.
Reclamações:

Decisão Texto Integral: Apelação n.º 871-C/1995.P1
Relator – Leonel Serôdio (125)
Adjuntos – Des. José Ferraz e Des. Amaral Ferreira

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

B… apresentou no Tribunal de Família e Menores do Porto requerimento para fixação de alimentos a filho maior a pagar pelo seu pai C….

Por despacho datado de 10.01.2011 foi indeferida liminarmente a petição, por ser o Tribunal de Família absolutamente incompetente, em razão da matéria.

A Requerente apelou e terminou a sua alegação com as seguintes conclusões que se transcrevem (em síntese):
1º - A Requerente, apresentou uma petição a 22/11/2010, no Tribunal de Família e Menores do Porto para fixação de alimentos a filho maior, nos termos do disposto no artigo 1412º do Código de Processo Civil, e do artigo 1880º do Código Civil contra o Requerido.
2º - Foi a mesma distribuída, a 23/11/2010, ao 3º Juízo 2ª Secção do Tribunal de Família e Menores tendo-lhe sido atribuído o n.º 2738/10.5TMPRT.
3º - Por despacho de 25/11/2010, transitado em julgado, o Meritíssimo Dr. Juiz ordenou “Remeta estes autos para apensação ao processo de RPP id. a fls. 2 nos termos do artigo 1412 do C. Civil.”
4º - A 16/12/2010 a petição foi remetida para apensação ao processo n.º 871/1995, que correu termos no 1º Juízo 1ª Secção do mesmo Tribunal, respeitante ao divórcio por mútuo consentimento no qual se regulou o exercício do poder paternal da Requerente.
5º - A Meritíssima Dr.ª Juiz do 1º Juízo - 1º Secção, a 10/01/2011, na Douta Sentença, a fls.31 e 32 dos autos, declarou o tribunal absolutamente incompetente, em razão da matéria, e em consequência indeferiu liminarmente a petição inicial, por entender que a fixação de alimentos a filho maior é regulada actualmente pelo D.L. 272/01, de 13/10.
Com o que se discorda
6º - O procedimento tendente à atribuição de alimentos a filho maior ou emancipado previsto no art.º 1880º do C.C. é desde 01/01/2002 por força do artigo 5º e seguintes do Dec.- Lei n.º 272/2001 de 13 de Outubro da competência, em principio, do Conservador do Registo Civil.
7º - O Conservador só tem competência decisória no caso de não haver oposição, porém se existir conflito entre os interessados que seja de prever a inviabilidade do acordo a competência para o processo cabe somente aos Tribunais.
8º - Como se alegou na petição inicial, existe um conflito desde 2009 pelo que o Conservador não tem competência para dirimir o conflito.
9º - Como se alcança dos autos a 22/02/2008 a mãe da Requerente alegando dificuldades económicas e aumento das despesas com os estudos da filha, à época com 16 anos, veio requerer a alteração da pensão de alimentos conforme fls. 1 a 7 do processo n.º 871-B /1995.
10º - A 17/03/2008 o Requerido respondeu dizendo que a pensão deveria ser mantida a fls. 42 e 43 do processo n.º 871-B /1995.
Da Acta da conferência de 11/06/2008 a fls. 102 do processo n.º 871-B /1995 alcança-se que a Meritíssima Juiz tentou o acordo e não conseguiu.
11º - Pelo exposto e com base nos autos existe uma situação de conflito de ordem tal que impede o acordo e nestes termos o processo cabe somente aos Tribunais, tal como se alcança do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 16-11-2010, Processo n.º579/10.9TBTMR.C! (…)
12º - Seria perda de tempo e de meios e não faria sentido recorrer à Conservatória uma vez que tal procedimento para além de votado ao insucesso iria contra o princípio da celeridade processual
Acresce que
13º - O nº2 do artigo 1412º manda correr por apenso a processo onde tenha havido uma decisão respeitante a alimentos a pretensão do jovem maior aliás é esta a opinião quer da doutrina quer da jurisprudência.
(…)
16º - Com o devido e merecido respeito por opinião contrária e, que maior não pode ser a Douta Sentença deu interpretação errada aos artigos 5º e segs. do DL 272/01, de 13/10.
17º -A Requerente considera que foram violados os artigos 20º e 202º n.º 1 e 2 da CRP pois incumbe ao tribunal assegurar a defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos nos termos do art.º 1412 do CPC e 1880º do CC.”
A final pede que se revogue o despacho recorrido e se considere competente o Tribunal de Família e Menores.

Não houve contra-alegações.

Cumpre decidir

A factualidade a atender é a seguinte:

1 - A Requerente B…, apresentou, no Tribunal de Família e Menores do Porto, em 22.10.2010, uma acção para fixação de alimentos a filho maior, nos termos do disposto no artigo 1412º do Código de Processo Civil, e do artigo 1880º do Código Civil contra o seu pai.
2 - A acção foi distribuída, a 23.11.2010, ao 3º Juízo 2ª Secção do Tribunal de Família e Menores tendo-lhe sido atribuído o n.º 2738/10.5TMPRT.
3 - Por despacho de 25.11.2010, foi ordenada a remessa dos autos, “para apensação ao processo de RPP id. a fls. 2 nos termos do artigo 1412 do C. Civil.”
4 - A 16.12.2010 a petição foi remetida para apensação ao processo n.º 871/1995, que correu termos no 1º Juízo, 1ª Secção do mesmo Tribunal, respeitante ao divórcio por mútuo consentimento no qual se regulou o exercício do poder paternal da Requerente.
5- O despacho recorrido indeferiu a petição com a seguinte fundamentação:
“B…, melhor id. nos autos, veio apresentar neste Tribunal de Família e Menores do Porto requerimento para fixação de alimentos a filho maior, a pagar pelo seu pai, nos termos do artº 1412º do C.P.C. e 1880º do C.C.
O presente pedido é regulado, actualmente e já desde 2002, pelos artigos 5º e segs. do D.L. 272/01, de 13/10, entrado em vigor em 01/01/02, tendo passado para as Conservatórias do Registo Civil a competência sobre tal matéria.
Assim, terá de concluir-se pela incompetência material deste tribunal para preparar e julgar a presente acção, cabendo tal competência à Conservatória supre referida.
Tal incompetência é absoluta artº 101º do Código de Processo Civil, de conhecimento oficioso - art. 102º e 103º do C.P.Civil – e implica a absolvição do réu da instância ou o indeferimento liminar, se o processo o comportar.
No caso em apreço, face ao disposto no atº 187º da O.T.M., aplicável “ex vi” do artº 1412º do C.P.C., o processo comporta despacho liminar, motivo pelo qual, nos termos das disposições dos artºs, nº 4 ali.a) e 234º-A nº 1 do C.P.C., pode a petição inicial ser liminarmente indeferida.”
*
A questão que se coloca é a de saber se a presente acção tinha necessariamente de ser intentada na Conservatória do Registo Civil e se podia com esse fundamento o tribunal indeferir liminarmente a petição, por incompetência em razão da matéria.
*
A competência é a medida de jurisdição de um tribunal. O tribunal é competente para o julgamento de certa causa quando os critérios determinativos da competência lhe atribuem a medida de jurisdição que é suficiente e a adequada a essa apreciação. (cf. Miguel Teixeira de Sousa, “A Competência Declarativa dos Tribunais Comuns”, pág. 31).
A competência pode ser interna ou internacional. A interna é aferida por diversos critérios legais e determina-se, quanto aos tribunais judiciais, em razão da matéria, da hierarquia, do valor e do território (art.17º n.º 1 da LOFTJ - Lei n.º 3/99, de 13/1).
A competência material dos tribunais judiciais é aferida por critérios de atribuição positiva e de competência residual.
Os tribunais de competência genérica constituem a regra, enquanto que os tribunais de competência especializada são a excepção, pois têm a sua competência limitada às matérias que lhe são atribuídas (cf. artigos 77º e 78º da LOFTJ).
Assim, o tribunal de família e menores só é competente quando as questões a decidir se enquadrem em alguma das várias alíneas dos artigos 81º e 82º da LOFTJ.
No caso, apenas importa o artigo 82º n.º 1 al. e) que estipula:
“Compete igualmente aos tribunais de família:
(…)
e) Fixar os alimentos devidos a menores e aos filhos maiores ou emancipados a que se refere o artigo 1880º do Código Civil e preparar e julgar as execuções por alimentos.”

O despacho recorrido decidiu que a presente acção atento o disposto nos artigos 5º e segs. do D.L. 272/01, de 13/10, entrado em vigor em 01/01/02, passou a ser da competência das Conservatórias do Registo Civil.

Nos termos do art. 101º do C. P. Civil, a infracção das regras de competência em razão da matéria, determina a incompetência absoluta do tribunal.
E estabelece o art.102º, nº. 1 do C. P. Civil, que a incompetência absoluta pode ser arguida pelas partes e deve ser suscitada oficiosamente pelo tribunal em qualquer estado do processo, enquanto não houver sentença com trânsito em julgado proferida sobre o fundo da causa.
Contudo apesar do disposto no DL n.º 272/01 que adiante se analisará, o citado art. 82º n.º 1 al. e) da LOTFTJ (Lei n.º 3/99, de 13.01), a que corresponde com idêntica redacção o art.115 n.º 1 al. e) da nova LOFTJ de 52/2008, de 28.08, é inequívoco que o Tribunal da Família e Menores continua a ser competente em razão da matéria para conhecer e decidir as acções de fixação de alimentos a filhos maiores, quando houver litigio.
Assim sendo, não se podem invocar os citados artigos 101º e 102º do CPC e declarar o Tribunal de Família incompetente em razão da matéria.
O que poderá ocorrer é a verificação de uma excepção dilatória inominada (cf. artigos 288 n.º 1 al. e), 494º e 495º do CPC).

A obrigação dos pais proverem ao sustento dos filhos e assumirem as demais despesas com a segurança, saúde e educação na medida em que em estes estejam em condições de, pelo seu trabalho, suportar esses encargos, termina, em princípio, com a maioridade dos filhos (art. 1879º do C.C).
Porém, “se no momento em que atingir a maioridade ou for emancipado o filho não houver completado a sua formação profissional, manter-se-á a obrigação a que se refere o artigo anterior na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete” (artigo 1880º do CC).
Trata-se das situações que, apesar da maioridade legal, continua a haver como que uma menoridade económica/financeira, porque o filho ainda não se encontra, do ponto de vista da formação técnica e profissional, com autonomia suficiente para angariar por si os meios de subsistência, para autonomamente prover ao seu sustento.

Sobre o meio processual de concretização desse direito a alimentos do filho maior dispõe o art.1412º do CPC:
“1 - Quando surja a necessidade de se providenciar sobre alimentos a filhos maiores ou emancipados, nos termos do artigo 1880º do Código Civil, seguir-se-á, com as necessárias adaptações, o regime previsto para os menores;
2 - Tendo havido decisão sobre alimentos a menores ou estando a correr o respectivo processo, a maioridade ou emancipação não impedem que o mesmo se conclua e que os incidentes de alteração ou de cessação dos alimentos corram por apenso”.
Antes da vigência do DL 272/2001, de 13.10 a acção de alimentos a filhos maiores corria termos nos Tribunais de Família e Menores ou nos Tribunais de competência genéricas nas comarcas onde aqueles não existam.
No entanto, como resulta do preâmbulo deste DL 272/2001 procedeu-se à transferência de competências para as conservatórias do registo civil em matérias respeitantes a um conjunto de processos de jurisdição voluntária relativos a relações familiares, nomeadamente em matéria de alimentos a filhos maiores, com vista a aliviar os tribunais judiciais de processos em que, por natureza, não se consubstanciam verdadeiros litígios ou conflitos de interesses, privilegiando-se o acordo como forma de solução, e, dessa forma, efectivar a tutela dos direito em causa de uma forma mais célere.
Na transferência de competências para as conservatórias o referido diploma distingue no capitulo III, na secção I, os procedimentos tendentes à formação de acordo das partes perante o conservador, regulados nos arts. 5º a 11º e na secção II, os procedimentos da competência exclusiva do conservador, regulados nos arts 12º e segs.
A tramitação dos primeiros visa a obtenção do acordo das partes, a composição pelas próprias partes, e não proferir decisão em desacordo com alguma delas.
Daí que não obstante esse procedimento, fica sempre aberto acesso à via judicial quando haja oposição do requerido ou não for possível o acordo (artigo 8º), ao contrário das situações previstas no artigo 12º, da sua exclusiva competência. (cf. neste sentido, acórdão desta Relação de 13.01.05, proferido no processo n.º 0436819, relatado pelo Des. José Ferraz).
Assim, nos procedimentos referidos no art. 5º quando não haja acordo é ao tribunal (competente em razão da matéria) que cabe decidir.
Por isso, como se referiu, é incorrecto defender que o Tribunal de Família é incompetente para decidir a acção para a fixação de alimentos a maiores, pois como decorre do citado DL, havendo litígio a competência é sempre deste tribunal.

No entanto, dos artigos 5º n.º 1 e 6º a 8 do DL n.º 272/01 resulta que nas acções de alimentos a maiores há uma fase inicial que corre termos na Conservatória do Registo Civil.

Assim, a petição, em principio, deve dar entrada em qualquer conservatória do registo civil, nos termos do art. 6º n.º1, do citado DL, na redacção dada pelo DL n.º 324/2007, de 28.09 e não no Tribunal de Família e Menores ou tribunal de comarca.
Quando a acção seja intentada directamente no Tribunal verifica-se uma excepção dilatória inominada.
Ora, o indeferimento liminar da petição, excluindo a hipótese que não se coloca de manifesta improcedência, só é possível, nos termos do art. 234º-A n.º 1 do CPC, quando as excepções dilatórias sejam evidentes, de conhecimento oficioso e insupríveis.
A insupribilidade é, desde a reforma do CPC de 95/96, atento o disposto nos artigos 265º n.º 2 e 288 n.º 3, residual respeitando apenas às excepções que, pela sua natureza ou por via do seu regime, não consentem suprimento, oficioso ou mediante convite às partes (cf. Lebre de Freitas, CPC Anotado, vol. I, pág. 399).
Assim e acrescendo estar-se perante processo de jurisdição voluntária, a solução que se impunha, em abstracto, era a remessa da petição para a Conservatória que a Requerente após convite para o efeito indicasse e não o indeferimento liminar.
Por outro lado, no caso em apreço, a referida excepção dilatória, não era evidente, pelo contrário é discutível, atendo o n.º2 do art. 5º do DL n.º 272/01 que estipula:
“O disposto na presente secção não se aplica às pretensões referidas nas alíneas a) – alimentos devidos a menores - a d) do número anterior que sejam cumuladas com outros pedidos no âmbito da mesma acção judicial, ou constituam incidente ou dependência de acção pendente, circunstâncias em que continuam a ser tramitadas nos termos previstos no Código de Processo Civil”.

Sobre a interpretação deste normativo decidiu o acórdão deste Tribunal proferido em 25.01.2010, no processo n.º 1279/05.7TMPRT-A.PI, relatado pelo Des. Abílio Costa, o seguinte:
«Não estando em causa pedidos cumulativos, é a tramitação prevista no art.1412º, nº2, do CPC.
Ou seja, tendo havido uma decisão sobre alimentos na menoridade do requerente, que está pendente, isto é, a ser cumprida, aquele, agora maior, deverá deduzir o respectivo incidente por apenso àquela acção. O que se justificará, sobretudo, por razões de economia processual.
Este, parece-nos, o regime que resulta da lei. Assim o entendendo, igualmente, a doutrina.
Assim, REMÉDIO MARQUES in Algumas Notas sobre Alimentos (Devidos a Menores), 394 e ss., escreve: “se … numa acção de divórcio litigioso, em matéria de regulação do exercício do poder paternal, for fixada uma quantia a título de alimentos a favor de um filho menor do casal desavindo, a ulterior pretensão do filho, agora maior de 18 anos, deverá ser apreciada por apenso a essa acção, no tribunal de competência especializada (Família e Menores), de competência específica (juízos ou varas cíveis) ou de competência genérica, conforme os casos, dispondo este jovem maior de legitimidade processual exclusiva para deduzir esse pedido incidental. Trata-se de um incidente processual a deduzir nestes autos. Isto porque o art.1412.º/2 do CPC manda correr a pretensão do jovem maior ou emancipado por apenso a processo onde tenha havido uma decisão respeitante a alimentos, maxime, ao processo de regulação do exercício do poder paternal ou de homologação do acordo dos progenitores quanto a essa questão. A partir da maioridade, o processo adequado para “actualizar” o regime dos alimentos que tenha sido anteriormente fixado para a menoridade é o estipulado no art.1412.º/2 do CPC, a requerimento do jovem maior.”
(…) “O mesmo entendimento parece ser perfilhado, igualmente, por LOPES DO REGO in Comentários ao CPC, II, 543.»

Ora, no caso presente, o exercício do poder paternal relativamente à requerente de alimentos foi regulado no processo nº 817/95, de divórcio por mútuo consentimento, que correu os seus termos no 1º Juízo, 1ª Secção, do Tribunal de Família e Menores do Porto e não consta que tenha sido proferida qualquer decisão a declarar a cessação dos alimentos.
Assim e seguindo o entendimento do citado acórdão, nos termos do art. 5º n.º 2 do DL n.º272/2001 e 1412º n.º 2 do CPC, a acção de alimentos a favor da Requerente, agora maior, corre por apenso àquele processo, pelo que era o tribunal a quo o competente para a sua apreciação.
Por outro lado, há um entendimento jurisprudencial que tem decidido que quando há elementos que demonstrem existir um verdadeiro litígio entre as partes, não se justifica o recurso prévio ao procedimento tendente à formação de acordo das partes a que alude o citado art.5º, nº. 1, podendo a acção ser instaurada, desde logo, no tribunal judicial. (cf. Ac. da Relação de Lisboa proferido em 10.07.2008, no processo n.º5243/2008.6, relatado pela Des. Fátima Galante e Ac. da Relação de Guimarães proferido em 01.02.2007, no processo n.º 64/07.2, relatado pela Des. Rocha Thcing, todos recolhidos do sitio do MJ – www.dgsi.pt).
Para além disso, no presente processo, como consta da factualidade assente, a acção foi distribuída, ao 3º Juízo 2ª Secção do Tribunal de Família e Menores e por despacho de 25.11.2010, foi ordenada a apensação ao referido processo n.º 871/1995.
Assim tendo sido proferido despacho que implicitamente acolheu a interpretação da não aplicabilidade do procedimento previsto nos artigos 5º n.º 1 e seguintes do DL n.º 272/2001, por força do n.º 2 do art. 5º do citado DL e 1142º n.º2 do CPC e ordenou que a presente acção prosseguisse por apenso ao processo onde se regulou o exercício do poder paternal da Requerente, foi reconhecida pelo Tribunal de Família do Porto a competência para tramitar desde o início a presente acção.
Por ultimo, não se vislumbra que a circunstância do processo correr termos deste o início nos Tribunais Judiciais possa acarretar para qualquer das partes menor protecção dos seus direitos, mesmo quanto à obtenção em tempo razoável de uma decisão definitiva.

Resumindo e concluindo:
É defensável que a acção de alimentos a maior quando tenha corrido termos acção de regulação do poder paternal ou outra, em que tenha sido fixado judicialmente a prestação alimentícia ao requerente enquanto menor e não tiver sido decretada a cessação da obrigação alimentar, não tem de ser intentada na Conservatória do Registo Civil, nos termos do art. 5º n.º 1 do DL n.º 272/2001, podendo correr por apenso àquela acção que fixou a prestação alimentar. Não é, pois, manifesto que a presente acção tivesse de ser intentada na Conservatória do Registo Civil
Mesmo quando é indiscutível que a acção de alimentos a maior deve ser intentada na Conservatória, a petição não deve ser liminarmente indeferida, sendo certo que não se está perante incompetência absoluta do Tribunal de Família e Menores, antes remetida para a Conservatória a indicar pela autora, onde deve ser tramitada a 1ª fase, por aplicação do disposto nos artigos 265º n.º 2 e 288 n.º 2 e 3 do CPC.
Por ultimo, tendo sido proferido despacho no presente processo a ordenar a apensação da acção ao processo em que foi fixada a prestação de alimentos à Requerente, o Tribunal de Família e Menores reconheceu ser o competente, logo na fase inicial, para tramitar e conhecer a presente acção.
Assim, o despacho recorrido a julgar o Tribunal de Família e Menores absolutamente incompetente em razão da matéria tem de ser revogado, devendo o processo prosseguir os seus ulteriores termos, no 1º Juízo – 1ª secção do Tribunal de Família e Menores do Porto, nos termos dos artigos 1412º o CPC e 186º e segs. da OTM.

DECISÃO
Pelo exposto, julga-se a apelação procedente e revoga-se o despacho recorrido, ordenando-se o prosseguimento da acção.

Sem custas (dado que a questão foi oficiosamente suscitada pelo Tribunal a quo e a recorrente obteve vencimento, sem oposição do outro interessado, sendo manifestamente violadora do direito ao acesso aos tribunais, na dimensão inicial do direito de acção, consagrado no art.20º n.º 1 da Constituição da Republica, estar a onerar as partes com as custas de um recurso a que não deram causa e dele não tiram qualquer beneficio, dado que se limita a determinar o prosseguimento do processo).

Porto, 05.05. 2011
Leonel Gentil Marado Serôdio
José Manuel Carvalho Ferraz
António do Amaral Ferreira

http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/98aa6e7e5baa1d9b80257896002e9628?OpenDocument&Highlight=0,poder,paternal

sexta-feira, 29 de julho de 2011

REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS, ALIMENTOS, INUTILIDADE DA LIDE - Acórdão do Tribunal da Relação do Porto - 04-07-2011

Acórdãos TRP
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2174/08.03TBPVZ.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CAIMOTO JÁCOME
Descritores: REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
ALIMENTOS
INUTILIDADE DA LIDE

Nº do Documento: RP201107042174/08.3TBOAZ.P1
Data do Acordão: 04-07-2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1

Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: REVOGADA.
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .

Sumário: I - Ao afirmarem, no processo de divórcio, que existe uma filha menor, cujo exercício das responsabilidades parentais já se encontra regulado neste processo, sendo que a questão do valor dos alimentos a essa menor ainda não estava definitivamente resolvida, com essa declaração, as partes não pretenderam pôr termo a este processo de regulação exercício do poder paternal.
II - Não se verifica, pois a inutilidade superveniente da lide conducente à extinção da instância nesta acção, visto que permanece por decidir as questão dos alimentos.
Reclamações:

Decisão Texto Integral: Proc. nº 2174/08.3TBPVZ.P1 () - APELAÇÃO

Relator: Caimoto Jácome(1218)
Adjuntos: Macedo Domingues()
António Eleutério()

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

1- RELATÓRIO

B…, com os sinais dos autos, veio intentar contra C…, identificado nos autos, acção de regulação do exercício do poder paternal (responsabilidades parentais) relativamente à menor D…, filha de ambos.
**
Realizou-se a conferência de pais, em 24/09/2008, tendo sido acordado um regime provisório (guarda, visitas e alimentos).
O valor (provisório) da pensão de alimentos foi fixado na respectiva acta de 24.09.2008, tendo a Requerente declarado que o pai da menor pode pagar valor superior e, por isso, não prescindia da diferença entre o valor provisório da prestação e o que vier a ser fixado em termos definitivos.
**
Foi junto aos autos o relatório social de fls. 50 a 57, relativo à progenitora, e, a fls. 122, o relatório social respeitante ao progenitor.
**
Foi designada nova conferência de pais (04/11/2009), nos termos do disposto nos arts.º 175.º e 182.º, n.º 4, da OTM, constando da respectiva acta o seguinte:
“(…)Seguidamente, a Mmª Juiz de Direito tentou obter o acordo, em relação ao exercício do poder paternal da menor D…, no que logrou ter êxito na parte concernente à guarda e exercício das responsabilidades parentais da menor, bem como ao regime de visitas, tendo os requeridos dito que acordam no seguinte:
= ACORDO =
“1 – A menor D… ficará a residir com a mãe, a qual exercerá as responsabilidades parentais relativas aos actos de vida corrente da menor, sendo que as decisões relevantes relativas à educação, incluindo as actividades extra curriculares, e saúde da menor, serão decididas conjuntamente pelos progenitores.
2.a) – Em semanas alternadas, o pai poderá estar com a menor todas as Segundas e Terças-feiras, sendo que o pai irá buscar a menor pelas 16:30 horas de Segunda-Feira e entregará a menor na casa da mãe pelas 20:30 horas de Terça-Feira, pernoitando, assim, a menor na casa do pai de Segunda para Terça-feira.
2. b) – Na semana seguinte, o pai poderá estar com a menor às Segundas e Terças-feiras, indo buscar a menor pelas 16:30 horas e entregar a menor na casa da mãe pelas 20: 30 horas, quer nessas Segundas-feiras, quer nessas Terças-feiras, pernoitando a menor de Segunda para Terça-Feira na casa da mãe.
2.c) – O pai poderá ainda estar com a menor aos fins-de-semana, de 15 em 15 dias, sendo que o fim de semana que a menor passará com o pai coincidirá com a semana em que as visitas do pai à menor ocorrerão nas segundas e terças feiras em que a menor não pernoitará de um para outro desses dias, com o pai.
Nos fins-de-semana o pai irá buscar a menor na casa da mãe pelas 10:00 horas de Sábado e entregará a menor na casa da mãe até às 20:30 horas do Domingo seguinte.
No fim-de-semana, dias 14 e 15 de Novembro de 2009, a menor pernoitará já com o pai.
3 – Decorridos que estejam seis meses do início do presente regime, ou seja a partir de Maio do próximo ano, os fins-de-semana que o pai passará com a menor iniciar-se-ão na Sexta-feira, indo o pai buscar a menor ao infantário e entregar na casa da mãe no Domingo seguinte pelas 20:30 horas
4 – O período de Natal, Ano Novo e Páscoa serão passados alternadamente com o pai e com a mãe.
No próximo Natal, a menor passará com a mãe a noite de 24 para 25 e no dia 25, a partir das 10:00 horas, almoçará com o pai com quem passará o resto do dia.
5 – No dia de anos da menor, ela fará pelos menos uma refeição com cada um dos progenitores.
6 – O pai poderá passar 15 dias de férias com a menor, que podem ser gozados em semanas alternadas, em datas a acordar entre os progenitores.
*
Seguidamente, foi dada a palavra à Digna Procuradora Adjunta e pela mesma foi dito nada ter a opor, uma vez que os interesses do menor se encontram devidamente acautelados.
*
Após, foi pedida a palavra pelos Ilustres Mandatário que no seu uso disseram requerer o prazo de 10 dias a fim de aferirem acerca da possibilidade de chegarem a acordo também quanto ao valor a fixar e a pagar pelo pai à menor a título de alimentos ou, não sendo este possível, indicarem nos autos os meios que concretamente pretendem ver produzidos acerca do ponto que se mantém em litígio, ou seja, do valor a pagar a título de prestação de alimentos.
***
Seguidamente, a Mmª Juiz proferiu a seguinte:
= SENTENÇA =
Por se afigurar válido, quer por o objecto ser disponível, quer pela qualidade dos intervenientes, mostrando-se acautelado os interesses do menor D… e por se considerar que o acordo celebrado corresponde aos seus interesses, estando assegurada, nomeadamente a relação de proximidade com ambos os progenitores homologo-o, pela presente sentença e condeno os progenitores B… e C… a cumpri-lo nos seus precisos termos (artº 177º da O.T.M. e 1905º, 1906º e 1907º do Código Civil.
Custas a suportar em partes iguais pelos progenitores, com taxa de justiça reduzida a metade (artº14º, nº1, al.o) do C.C.J.).
Relega-se para o final a fixação do valor tributário da acção.
Registe e notifique.
Após trânsito em julgado cumpra-se o artº 78º do C.R.Civil.”
*
Nos autos, e na mesma ocasião foi ainda proferido o seguinte despacho:
“Os autos prosseguirão quanto à questão do valor da prestação dos alimentos a pagar pelo pai à menor, ficando, por ora, os autos a aguardar o prazo requerido pelas partes. Findo tal prazo, abra conclusão.”.
**
Nos termos da acta constante do processo de divórcio n.º 2088/10.7TBVCD, do 2º Juízo Cível de Vila do Conde, e cuja certidão se encontra junta aos autos, não foi estabelecido qualquer acordo expresso entre os cônjuges com respeito à fixação do valor dos alimentos devidos à menor. Da mesma forma, na decisão de homologação do divórcio por mútuo consentimento, nada consta quanto ao valor dos alimentos devidos aos menores, nem sequer por via de remissão para o valor provisório fixado nos presentes autos.
**
A 28 de Julho de 2010, no âmbito de uma conferência de pais, foi obtido um acordo, quanto às férias de Verão de 2010.
**
Conclusos os autos, o julgador da 1ª instância, no despacho de 26/11/2010, após várias considerações, decidiu (dispositivo):
“Assim, e ao abrigo do preceituado no art. 287.º, e) do C.P.C., julgo extinta a presente instância, por inutilidade superveniente da lide.
Custas por ambos os requeridos, em partes iguais (atentos os motivos da inutilidade).”.
**
Inconformada, a mãe da menor apelou daquela decisão, tendo, nas suas alegações, formulado as seguintes conclusões:
A – Por sentença de 4 de Novembro de 2009, foi definitivamente fixado e homologado nos presentes autos o regime de exercício do poder paternal (agora rebaptizado apenas para efeitos de divórcio de responsabilidades parentais – esqueceu-se o legislador rebaptizar a Secção III do livro da Família do Cód. Civil...), tendo prosseguidos os presentes autos apenas para a fixação de alimentos;
B – Nos presentes autos, não houve acordo entre os progenitores sobre o valor dos alimentos devidos à menor, e o valor atribuído a título provisório foi fixado, com a declaração da Requerente de que não renunciava à diferença entre o valor dos alimentos fixados provisoriamente e os alimentos a fixar a final;
C-Nos termos da acta constante do Proc. n.º 2088/10.7TBVCD do 2º Juízo Cível de Vila do Conde, e cuja certidão se encontra junta aos autos, não foi estabelecido qualquer acordo expresso entre os cônjuges com respeito à fixação do valor dos alimentos devidos à menor. Da mesma forma, na decisão de homologação do divórcio por mútuo consentimento, nada consta quanto ao valor dos alimentos devidos aos menores, nem sequer por via de remissão para o valor provisório fixado nos presentes autos;
D – Nos termos do Art.º 1.905º do Cód. Civil, a fixação do valor dos alimentos devidos a menor tem que ser expressa, e sujeita a decisão de homologação, decisão essa que não foi proferida nos presentes autos, nem nos autos de divórcio;
E – Não respeita o princípio da equidade do processo, a decisão de atribuição de efeitos extintivos da acção de regulação de poder paternal que prosseguiu para fixação dos alimentos devidos, por mero efeito da decisão de homologação de divórcio por mútuo consentimento, quando não consta de tal decisão a existência de acordo expresso quanto ao valor dos alimentos;
F-Com efeito, o processo tem que respeitar os direitos fundamentais constantes dos Arts.º 36º e 69º da CRP, dos quais decorre a relevância da prestação alimentar para a efectiva protecção de tais direitos, não representando respeito por tais direitos a decisão que, à margem da concreta expressão da vontade dos cônjuges atribui efeitos à decisão homologatória do divórcio que esta manifestamente não comportou, e que não resulta de qualquer declaração proferida pelas partes;
G-A decisão proferida nos presentes autos viola o disposto nos Arts.º Arts. 1.421º n.º 2 do CPC, e 1.905º do Cód. Civil, e Arts.º 20º n.º 4, 36º, e 69º da CRP, devendo por tal facto ser objecto de revogação;
Termos em que deve o presente recurso ser julgado como procedente, ordenando-se a revogação da sentença em crise, e bem assim, o normal prosseguimento dos presentes autos, até final.

Na resposta às alegações o Ministério Público apoia o decidido.
**
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

2- FUNDAMENTAÇÃO

2.1- OS FACTOS E O DIREITO

O objecto do recurso é balizado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - arts. 684º, nº 3 e 685º-A, nº 1 e 3.
*
Os factos a considerar são os indicados no relatório.
Recorde-se que:
- Nos termos da acta constante do processo de divórcio Nº 2088/10.7TBVCD, do 2º Juízo Cível de Vila do Conde, e cuja certidão se encontra junta aos autos, não foi estabelecido qualquer acordo expresso entre os cônjuges com respeito à fixação do valor dos alimentos devidos à menor, limitando-se estes a declarar que existe uma filha menor, cujo exercício das responsabilidades parentais já se encontra regulado no processo nº 2174/08.3TBPVZ, ou seja os presentes autos;
- Na decisão de homologação do divórcio por mútuo consentimento, nada consta quanto ao valor dos alimentos devidos aos menores, nem sequer por via de remissão para o valor provisório fixado nos presentes autos;
- Nestes autos, não houve acordo entre os progenitores sobre o valor dos alimentos devidos à menor, e o valor atribuído, a título provisório, foi fixado, com a declaração da Requerente de que não renunciava à diferença entre o valor dos alimentos fixados provisoriamente e os alimentos a fixar a final;
- No aludido despacho proferido na acta de 04/11/2009, decidiu-se que “Os autos prosseguirão quanto à questão do valor da prestação dos alimentos a pagar pelo pai à menor (…)”.
*
O exercício do poder paternal (responsabilidades parentais) encontra-se regulado nos arts. 1901º a 1912º, do Código Civil(CC), e 174º a 185º, da OTM, aprovada pelo DL nº 314/78, de 27/10.
Trata-se de um processo de jurisdição voluntária (vd. arts. 150º, da OTM, 1409º e 1410º, do CPC), sendo que as questões a decidir pelo julgador estão definidas no artº 180º, da OTM, sem prejuízo do que se estabelecer na prévia conferência (arts. 175º a 178º, da OTM).
O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação (artº 660º, nº 1, do CPC).
Ponderou-se na decisão recorrida:
“Ora, do teor da certidão que antecede, constata-se que, efectivamente, os progenitores da menor, e partes nos presentes autos, vieram a divorciar-se e por mútuo consentimento, aceitando, como é óbvio e consequentemente – e expressamente, conforme alude o despacho de fls. 264 e seguintes - que as responsabilidades parentais da menor estavam já reguladas.
E, dado que tal acordo é um dos indispensáveis e que deve ser celebrado previamente à homologação de tal divórcio, sendo até uma das condições para o efeito (cfr. artigos 1775.º e 1779.º, n.º 2, ambos do C.P.Civil;
o que facilmente se percebe dada a importância das questões dos filhos menores estarem definidas antes de ser decretado o divórcio por acordo, pressupondo o legislador, como é óbvio, que antes mesmo da resolução das questões mais pessoais dos progenitores, como é o seu estado civil, aqueles encontrem uma solução para as questões mais importantes dos seus filhos), e atendendo ainda a que os próprios progenitores da menor D… invocaram até a regulação preexistente, consequentemente aceitaram converter em definitivo, na altura em que acordaram no divórcio, a regulação feita nestes autos a título provisório (quanto à questão essencial, e que suscita maior conflito, dos alimentos à filha menor), para além da parte do exercício das responsabilidades parentais da menor já reguladas, também por acordo, a título definitivo.
Face a tudo o que fica dito, a conclusão a retirar – tal como alude o Ministério Público na douta promoção que antecede – só pode ser a que se tornou inútil a tramitação destes autos.”
Com o devido respeito, pensamos que assiste razão à apelante em não conformar-se com o ajuizado na 1ª instância.
Vejamos.
O acordo das partes no processo de divórcio por mútuo consentimento, no tocante ao exercício do poder paternal, constitui um dos requisitos legais para a obtenção do divórcio (arts. 1775º, nº 1, al. b), e 1905º, do CC, na redacção dada pela Lei nº 61/2008, de 31/10, e 1419º, nº 1, al. d), do CPC).
Ora, ao afirmarem, no processo de divórcio, que existe uma filha menor, cujo exercício das responsabilidades parentais já se encontra regulado no processo nº 2174/08.3TBPVZ, as partes quiseram remeter para a situação jurídica (substantiva e adjectiva) já definida, no essencial (incluindo o montante provisório dos alimentos devidos à menor), no processo de regulação do exercício do poder paternal (responsabilidades parentais). Neste processo, a questão do valor dos alimentos ainda não estava definitivamente resolvida.
Com aquela declaração, as partes não pretenderam pôr termo a este processo de regulação exercício do poder paternal (responsabilidades parentais), quanto à questão da fixação do montante dos alimentos, ainda em aberto, tal como decidido no despacho constante da parte final da acta de 04/11/2009.
Pensamos ser esta a interpretação, objectiva e razoável, que deve fazer-se da mencionada declaração (arts. 236º, nº 1, e 238º, do CC, onde se consagra a doutrina objectivista da impressão do destinatário).
Esta interpretação não contraria, a nosso ver, os fundamentos da sentença de homologação do divórcio por mútuo consentimento, por desconsideração do aludido pressuposto ou requisito legal (arts. 1775º, nº 1, al. b) do CC, na redacção dada pela Lei nº 61/2008, de 31/10, e 1419º, nº 1, al. d), do CPC).
Não se verifica, pois, a inutilidade superveniente da lide, conducente à extinção da instância.
Em suma, devem os autos prosseguir com vista à fixação definitiva (sem prejuízo, obviamente, do estatuído nos arts. 182º, da OTM, e 1411º, nº 1, do CPC) da prestação de alimentos devidos à menor.
Procede, assim, o concluído na alegação do recurso.

3- DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal em julgar procedente a apelação, revogando-se o decidido na 1ª instância, devendo os autos prosseguir com vista à fixação definitiva da prestação de alimentos devidos à menor D…, provisoriamente determinada em 24/09/2008.
Custas pelo apelado.

Porto, 04/07/2011
Manuel José Caimoto Jácome
Carlos Alberto Macedo Domingues
António Eleutério Brandão Valente de Almeida

http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/0a2f6ab4e02af09f802578cd00474a43?OpenDocument&Highlight=0,poder,paternal

Tribunal Europeu dos Direitos do Homem condena Estado - Advocatus

"O Estado português tem perdido vários casos no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) relacionados com a morosidade dos processos judiciais, só no mês de Julho o Estado português foi condenado em cinco casos apresentados a este tribunal.

Um dos casos que foi levado a este tribunal referia-se a um processo que se estendeu de 1974 até 2005, altura em que foi finalmente conhecida a sentença. Casos semelhantes tem sido apresentados ao TEDH que tem condenado o Estado português a pagar indeminizações aos queixosos.

De um modo geral, o TEDH considera que nestes casos relacionados com a morosidade dos processos judiciais em Portugal são lesados vários artigos da Convenção dos Direitos Humanos."

http://www.advocatus.pt/actual/3696-tribunal-europeu-dos-direitos-do-homem-condena-estado

quinta-feira, 28 de julho de 2011

REGULAÇÃO DO EXERCÍCIO DE RESPONSABILIDADES PARENTAIS, DETERMINAÇÃO DA RESIDÊNCIA DO FILHO - Acórdão do Tribunal da Relação do Porto - 28/06/2011

Acórdãos TRP
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1814/09.1TJVNF-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RODRIGUES PIRES
Descritores: REGULAÇÃO DO EXERCÍCIO DE RESPONSABILIDADES PARENTAIS
DETERMINAÇÃO DA RESIDÊNCIA DO FILHO

Nº do Documento: RP201106281814/09.1TJVNF-A.P1
Data do Acordão: 28-06-2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1

Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO.
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .

Sumário: I - Na regulação do exercício das responsabilidades parentais, onde se inclui a determinação da residência do filho, o critério fundamental ater em atenção é o do interesse do menor e na caracterização deste deverá atender-se a uma multiplicidade de factores que se poderão agrupar em duas áreas fundamentais: as necessidades do menor e a capacidade dos pais para as satisfazer.
II - Mesmo que o filho, ouvido em julgamento, tenha manifestado o desejo de viver , o tribunal determinará que este fique a residir com o pai se, avaliando toda a factualidade apurada, concluir que é esta a solução que melhor se harmoniza com o interesse do menor.
Reclamações:

Decisão Texto Integral: Proc. nº 1814/09.1 TJVNF-A.P1
Vila Nova de Famalicão – 1º Juízo Cível
Apelação
Recorrente: B…
Recorrido: C…
Relator: Eduardo Rodrigues Pires
Adjuntos: Desembargadores Pinto dos Santos e Ramos Lopes

Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto:
RELATÓRIO
B… veio intentar a presente acção de regulação do exercício das responsabilidades parentais contra C…, pedindo que sejam reguladas as responsabilidades parentais relativamente à filha menor de ambos, D….
Foi realizada a conferência de pais a que alude o art. 175º da Organização Tutelar de Menores, não se tendo alcançado acordo.
No âmbito dessa conferência foi fixado o regime provisório constante de fls. 18, depois alterado a fls. 60.
Notificada para alegar o que tivesse por conveniente, a requerente veio pedir que a menor fique a residir consigo, uma vez que o pai não demonstra ter capacidade para cuidar devidamente da menor, colocando em risco a sua saúde e bem-estar. Desde que foi residir com o pai, a menor não tem horários fixos para fazer refeições, nem para dormir e o progenitor para ir passear aos fins-de-semana deixa a menor com pessoas estranhas.
Pede assim que a menor fique a residir com a mãe, que sejam reguladas as visitas conforme descreve a fls. 39/40 e que o progenitor fique vinculado a pagar, a título de pensão de alimentos, a quantia mensal de €150,00.
Por seu turno, o requerido, notificado para o mesmo efeito, opôs-se ao alegado pela requerente e veio pedir que a regulação provisória seja convertida em definitiva.
Para prova do alegado ambos arrolaram testemunhas e juntaram prova documental.
Foi realizado exame psiquiátrico à progenitora, cujo relatório se encontra junto aos autos a fls. 71/75.
Foram solicitados relatórios sociais relativos à requerente e ao requerido, que se mostram juntos a fls. 108 e segs.
Com observância do legal formalismo, realizou-se audiência de discussão e julgamento, no âmbito da qual foi ouvida a menor.
Foi depois proferida sentença, na qual se fixou o seguinte regime:
1.º As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância, referentes à menor D…, ficarão a cargo de ambos os progenitores.
2.º A menor D… ficará a residir com o progenitor, que exercerá as responsabilidades parentais relativas às questões da vida corrente da menor.
3.º A menor passará o último fim-de-semana de cada mês com o pai; os restantes fins-de-semana passará com a mãe, entre as 20h de sexta-feira e as 20h de domingo.
4.º A menor poderá estar com a progenitora todas as quartas-feiras, entre o horário de saída da escola e as 21h, sem prejuízo dos horários de descanso e escolares da menor.
5.º A menor passará, alternadamente, as festividades do Natal, da passagem de ano e da Páscoa com cada um dos progenitores, sendo que, na falta de acordo, passará a próxima época festiva com a mãe.
6.º A menor passará metade dos seus períodos de férias escolares com cada um dos progenitores, sendo que, na falta de acordo, passará a primeira metade de cada um desses períodos com a mãe.
7.º A progenitora fica obrigada a entregar ao progenitor, a título de pensão de alimentos, a quantia mensal de € 100,00, pagamento esse que será efectuado até ao último dia de cada mês, através de transferência bancária, para a conta do progenitor.
8.º Os progenitores contribuirão com metade, cada um, das despesas médicas e medicamentosas, na parte não comparticipada, e nas despesas escolares da menor, que deverão ser pagas ao outro progenitor, da seguinte forma: no caso de a despesa ter sido paga pelo pai, será paga juntamente com a prestação seguinte à apresentação do respectivo recibo, ou, no caso de a despesa ter sido paga pela mãe, no prazo de trinta dias a contar da apresentação do respectivo recibo.
9.º A prestação de alimentos será actualizada, anualmente, de acordo com o índice de preços do consumidor, publicado pelo INE, devendo a primeira actualização operar-se em Janeiro de 2012.
Inconformada com esta sentença, dela interpôs recurso de apelação a requerente B… que finalizou as suas alegações com as seguintes conclusões:
1. A decisão recorrida, não respeitou o primado do interesse da menor D…, uma vez que, através dos factos dados como provados é possível constatar que o pai da menor D… demonstrou ser incapaz de velar pela sua segurança e saúde.
2. Ficou provado na douta sentença recorrida que a menor D… foi vítima de maus tratos por parte da companheira do pai.
3. Também consta dos factos provados que o pai da menor trabalha na construção civil, enquanto que a sua companheira está todo o dia em casa, de baixa.
4. É totalmente impossível ao pai supervisionar constantemente a relação entre a companheira e a filha, bem como impedir futuros maus tratos.
5. A incapacidade da companheira do pai para cuidar de crianças é tão notória, que até o próprio filho desta, actualmente com 14 anos, se encontra a residir com uma família de acolhimento.
6. A companheira do pai não está psicologicamente preparada para cuidar, nem tão pouco, para estar sozinha com menor D….
7. Enquanto não ficar demonstrada a mudança de comportamento da actual companheira do pai da menor D…, o casal não dispõe das condições necessárias para garantir a sua segurança, nem o seu normal desenvolvimento físico e psicológico.
8. A mãe da menor, aqui recorrente, tem feito grandes esforços para melhorar a sua situação social e económica, possuindo, actualmente, todas as condições necessárias para cuidar da sua filha.
9. A menor tem 12 anos de idade e manifestou, em sede de audiência de julgamento, o desejo de residir com a mãe.
10. O critério essencial a ter em conta na regulação do exercício das responsabilidades parentais é o do interesse do menor e, consequentemente, também na determinação da residência dos filhos e os direitos de visita de acordo [com] o estipulado no art. 1906º, n.º 5, Cód. Civil.
11. O interesse da menor deve ser entendido como o direito desta a um desenvolvimento são e normal no plano físico, intelectual, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade, sendo por isso, essencial para a sua determinação, a vontade por ela manifestada.
12. No presente caso, ao atribuir-se a guarda da menor D… ao seu pai, contra a sua vontade, mesmo sabendo que existe uma forte possibilidade de ela voltar a ser vítima de maus tratos por parte da companheira daquele, colocou-se em risco o seu normal desenvolvimento físico, psíquico e social.
13. A sentença recorrida faz uma errada interpretação e aplicação dos artigos 1878º, n.º 1 e 1906º, n.º 5, ambos do Código Civil.
14. O interesse da menor só ficará salvaguardado, se for decidido que a mesma passe a residir com a mãe, invertendo-se as posições dos progenitores na decisão recorrida, sendo fixado novo regime de responsabilidades parentais, nos seguintes termos:
a. As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância, referentes à menor D…, ficarão a cargo de ambos os progenitores.
b. A menor D… ficará a residir com a progenitora, que exercerá as responsabilidades parentais relativas às questões da vida corrente da menor.
c. A menor passará o último fim-de-semana de cada mês com a mãe; os restantes fins-de-semana passará com o pai, entre as 20h de sexta-feira e as 20h de domingo.
d. A menor poderá estar com o progenitor todas as quartas-feiras, entre o horário de saída da escola e as 21h, sem prejuízo dos horários de descanso e escolares da menor.
e. A menor passará, alternadamente, as festividades do Natal, da passagem de ano e da Páscoa com cada um dos progenitores, sendo que, na falta de acordo, passará a próxima época festiva com a mãe.
f. A menor passará metade dos seus períodos de férias escolares com cada um dos progenitores, sendo que, na falta de acordo, passará a primeira metade de cada um desses períodos com o pai.
g. O progenitor fica obrigado a entregar à progenitora, a título de pensão de alimentos, a quantia mensal de € 100,00 (cem euros), pagamento esse que será efectuado até ao último dia de cada mês, através de transferência bancária, para a conta da progenitora.
h. Os progenitores contribuirão com metade, cada um, das despesas médicas e medicamentosas, na parte não comparticipada, e nas despesas escolares da menor, que deverão ser pagas ao outro progenitor, da seguinte forma: no caso de a despesa ter sido paga pela mãe, será paga juntamente com a prestação seguinte à apresentação do respectivo recibo, ou, no caso de a despesa ter sido paga pelo pai, no prazo de trinta dias a contar da apresentação do respectivo recibo.
i. A prestação de alimentos será actualizada, anualmente, de acordo com o índice de preços do consumidor, publicado pelo INE, devendo a primeira actualização operar-se em Janeiro de 2012.
O requerido C… apresentou resposta, pronunciando-se pela confirmação do decidido.
Cumpre, então, apreciar e decidir.
*
Aos presentes autos, face à data da sua entrada em juízo, é aplicável o regime de recursos resultante do Dec. Lei nº 303/2007, de 24.8.
*
FUNDAMENTAÇÃO
O âmbito do recurso, sempre ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram – arts. 684º, nº 3 e 685º – A, nº 1 do Cód. do Proc. Civil.
*
A questão a decidir é a seguinte:
Apurar se a menor deverá ficar a residir com o pai – como se decidiu na sentença recorrida – ou com a mãe.
*
OS FACTOS
A factualidade dada como provada pela 1ª Instância é a seguinte:
1.º A menor D… nasceu no dia 17 de Agosto de 1998 e é filha de C… e de B….
2.º Os requeridos foram casados entre si, durante 10 anos, separaram-se em Março de 2008 e estão divorciados desde 14/09/2010.
3.º Após a separação, a menor D… ficou a residir com a mãe até que, em Março de 2009, passou a residir com o pai, na sequência de um processo de promoção e protecção que correu termos na Comissão de Protecção de Crianças e Jovens de Vila Nova de Famalicão.
4.º No âmbito desse processo, na sequência de sinalização efectuada pelo progenitor devido à exposição da menor a comportamentos de risco, foi aplicada uma medida de promoção e protecção de “Apoio junto aos pais”, neste caso, junto ao progenitor.
5.º Este processo foi encerrado porque a progenitora revogou o seu consentimento e, por outro lado, porque o perigo não subsistia.
6.º No âmbito deste processo foi fixado regime provisório à menor, no âmbito do qual esta ficou a residir com o pai, ficando a mãe obrigada a contribuir com a quantia mensal de alimentos de € 100,00 e com o seguinte regime de visitas: a menor passa os fins-de-semana com a mãe, das 20h de 6.ª feira às 20h de domingo.
7.º No início do ano de 2011, foi aberto novo processo de promoção e protecção relativamente à menor, por denúncia anónima, alegando maus tratos por parte da companheira do pai.
8.º Tal processo foi, porém, encerrado por o progenitor se ter vinculado a supervisionar a relação entre as duas e a não permitir comportamentos de agressão por parte da companheira, sendo que esta aceitou, paralelamente, rever algumas atitudes, designadamente, a não exigir tanto da D… nas tarefas domésticas.
9.º A menor reside com o pai, a companheira deste e os dois filhos destes, gémeos, com um ano de idade, num apartamento com boas condições de habitabilidade e onde a menor dispõe de um quarto só para si.
10.º A companheira do pai tem um filho, de 14 anos de idade, fruto de uma anterior relação daquela, que se encontra integrado numa família de acolhimento, que necessita de cuidados especiais e permanentes e que visita a mãe aos fins-de-semana.
11.º O requerido trabalha na construção civil e aufere cerca de € 475,00 mensais.
12.º A companheira do pai da menor trabalha na firma “E…, Lda.”, actividade pela qual aufere € 235,05 mensais, estando de baixa para cuidar dos gémeos.
13.º Auferem a título de prestações de abono familiar as quantias de € 281,52 (gémeos) e € 35,19 (menor D…).
14.º Têm como despesas mensais mais significativas, as seguintes:
- € 200,00, a título de renda de casa;
- € 135,00, infantário dos gémeos; e
- € 100,00, pelos consumos de gás e electricidade.
15.º O progenitor tem demonstrado que é um pai preocupado com a gestão do quotidiano e atento às necessidades e preocupações da filha.
16.º A menor frequenta o 5.º C da Escola …, sendo uma aluna que apresenta algumas dificuldades de aprendizagem e revela pouca maturidade para a sua faixa etária.
17.º A menor está a ser acompanhada pelo serviço de Psicologia na F….
18.º A menor demonstra ter afecto e proximidade com o pai, embora apresente dificuldades de convivência e aceitação da autoridade por parte da companheira deste.
19.º A progenitora vive com uma sobrinha, de nome G…, com o marido e com os dois filhos desta.
20.º A habitação onde reside o agregado onde a mãe se encontra inserida reúne boas condições de habitabilidade. 21.º A progenitora refere que trabalha numa empresa como costureira, auferindo à hora e sem fazer descontos, a quantia mensal de cerca de € 400,00.
22.º A progenitora contribui com € 150,00 mensais para as despesas da casa e alimentação onde reside.
23.º A sobrinha e o marido encontram-se desempregados e auferem ambos o subsídio de desemprego no valor mensal de € 603,00 e, ainda, € 70,38 a título de prestação de abono familiar.
24.º As principais despesas do agregado familiar onde a progenitora se insere são as seguintes:
- € 240,00, a título de crédito à habitação;
- € 88,50, a título de despesas com água, luz e gás; e
- € 39,00, de infantário.
25.º A progenitora tem antecedentes de alcoolismo, no entanto, encontra-se a desenvolver esforços para melhorar o seu projecto de vida.
26.º A progenitora foi submetida a perícia psiquiátrica, que concluiu do seguinte modo: “A examinanda mostrou à observação H… (é de crer que não ingira – ou fá-lo em doses moderadas – bebidas alcoólicas nos últimos meses) incidindo em personalidade imatura, intelectualmente pobre.”, cujo relatório integral data de Agosto de 2010, encontra-se a fls. 71 a 75, e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
27.º A progenitora assume, perante a menor, uma postura bastante permissiva, no que concerne à imposição de regras e limites no quotidiano e na educação.
28.º A menor tem uma boa relação de afecto com a mãe.
29.º O pai é reputado no meio onde vive, como sendo pessoa séria e trabalhadora.
*
Foram considerados como não provados os seguintes factos:
A) Que enquanto a menor viveu com a sua mãe, o requerido raramente visitava a filha e não contribuía para as suas despesas, mesmo sabendo que a requerente se encontrava desempregada.
B) Que a requerente e a sua filha tiveram que recorrer à ajuda de familiares e amigos, para conseguirem sobreviver.
C) Que desde que a menor reside com o pai, este tenta impedir que a menor visite a requerente, não permitindo mesmo que as duas falem por telefone.
D) Que a menor não tenha horários fixos para comer ou para dormir.
E) Que quando a menor adoece, o requerido não demonstre preocupação com a mesma e não tome as providências devidas para cuidar dela.
F) Que sempre que o requerido deseja ir passear ao fim-de-semana, deixa a sua filha aos cuidados de pessoas estranhas, cuja identidade a mãe desconhece, e que esse facto já se repetiu por diversas vezes.
*
O DIREITO
Até à maioridade ou emancipação os filhos estão sujeitos às responsabilidades parentais (cfr. art. 1877º do Cód. Civil).
As responsabilidades parentais compreendem a segurança e saúde do menor, o seu sustento, a sua educação, o seu desenvolvimento físico, intelectual e moral, devendo também os pais, de acordo com a maturidade dos filhos, ter em conta a sua opinião nos assuntos familiares importantes e reconhecer-lhes autonomia na organização da própria vida (cfr. arts. 1878º e 1885º do Cód. Civil).
Tanto a titularidade das responsabilidades parentais, como o seu exercício, cabem, em princípio, a ambos os progenitores, em condições de plena igualdade.
Em caso de divórcio, como sucede na situação dos autos, terá que se ter em atenção o art. 1906º do Cód. Civil, onde se preceitua o seguinte:
«1. As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho são exercidas em comum por ambos os progenitores nos termos que vigoravam na constância do matrimónio, salvo nos casos de urgência manifesta, em que qualquer dos progenitores pode agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível.
2 - Quando o exercício em comum das responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho for julgado contrário aos interesses deste, deve o tribunal, através de decisão fundamentada, determinar que essas responsabilidades sejam exercidas por um dos progenitores.
3 - O exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente do filho cabe ao progenitor com quem ele reside habitualmente, ou ao progenitor com quem ele se encontra temporariamente; porém, este último, ao exercer as suas responsabilidades, não deve contrariar as orientações educativas mais relevantes, tal como elas são definidas pelo progenitor com quem o filho reside habitualmente.
4 - O progenitor a quem cabe o exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente pode exercê-las por si ou delegar o seu exercício.
5 - O tribunal determinará a residência do filho e os direitos de visita de acordo com o interesse deste, tendo em atenção todas as circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro.
6 - Ao progenitor que não exerça, no todo ou em parte, as responsabilidades parentais assiste o direito de ser informado sobre o modo do seu exercício, designadamente sobre a educação e as condições de vida do filho.
7 - O tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles.»
A residência do filho, questão central do recurso interposto pela requerente, deverá ser decidida de acordo com o interesse do menor, conceito com o qual, aplicado em concreto, se pretende assegurar um desenvolvimento harmonioso da criança ou jovem, tendo em conta as suas necessidades, bem como a capacidade dos pais para as satisfazer e ainda os valores no meio comunitário envolvente. [1]
A reforma de 2008 (Lei nº 61/2008, de 31.10) transformou o que anteriormente era um “poder” [poder paternal] numa “responsabilidade” [responsabilidades parentais], o que significa ter reforçado também os deveres dos progenitores, quer entre si, quer em relação aos filhos, pretendendo-se deste modo acautelar da melhor forma o superior interesse destes.
Da nova redacção do art. 1906º do Cód. Civil, acima transcrita, introduzida pela dita Lei nº 61/2008, resulta que as responsabilidades parentais referentes às questões de particular importância da vida do filho são exercidas em comum por ambos os progenitores, salvo os casos de manifesta urgência em que qualquer dos progenitores pode agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível (nº 1).
Só se o exercício em comum for, nestes casos, julgado contrário aos interesses da criança, é que o tribunal deverá, através de decisão fundamentada, determinar que essas responsabilidades sejam exercidas apenas por um dos progenitores (nº 2).
Já quanto aos actos da vida corrente do filho o seu exercício incumbe ao progenitor com quem ele reside (nºs 3 e 4).
No caso “sub judice” está em causa a determinação da residência do filho e, como consequência, a definição de qual o progenitor a quem caberá o exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente do filho.
Como já se assinalou, esta questão, tal como flui do nº 5 do art. 1906º, será decidida tendo como critério fundamental o interesse do menor e na caracterização deste terá que se ter em conta uma multiplicidade de factores que se poderão agrupar em duas áreas fundamentais: as necessidades do menor e a capacidade dos pais para as satisfazer.
Na sentença recorrida, citou-se o que sobre esta matéria escreveu Maria Clara Sottomayor[2], que agrupou as circunstâncias a serem atendidas pelos tribunais em dois factores – os relativos à criança e os relativos aos pais – e que aqui se passa a transcrever:
“Os primeiros englobariam as necessidades físicas, religiosas, intelectuais e materiais da criança, a sua idade, sexo e grau de desenvolvimento físico e psíquico, a continuidade das relações da criança, a adaptação da criança ao ambiente extra-familiar de origem (escola, comunidade, amigos, actividades não escolares), assim como os efeitos de uma eventual mudança de residência causadas por uma ruptura com este ambiente, o seu comportamento social e a preferência por ela manifestada. Os segundos abrangem a capacidade dos pais para satisfazerem as necessidades dos filhos, o tempo disponível para cuidar destes, a saúde física e mental dos pais, o sexo destes (a preferência maternal ou o princípio da atribuição da guarda ao progenitor que tem o mesmo sexo da criança), a continuidade da relação de cada um dos pais com a criança, o afecto que cada um dos pais sente pela criança, o seu estilo de vida e comportamento moral, a sua religião, a sua situação financeira, a sua ocupação profissional, a estabilidade do ambiente que cada um pode facultar aos filhos, a vontade que cada um deles manifesta de manter e incentivar a relação dos filhos com o outro progenitor. Existem, ainda, outros factores, não ligados à pessoa dos pais ou da criança, que contribuem para a decisão final. São eles, por exemplo, condições geográficas, como a proximidade da casa de cada um dos pais da escola dos filhos, condições materiais, como as características físicas de cada casa, a possibilidade de criação de um espaço próprio para a criança, o número de ocupantes da casa e condições familiares, a companhia dos outros irmãos e a assistência prestada a um dos pais por outros membros da família, por exemplo, os avós.”.
Escreveu-se ainda na sentença recorrida que a menor D…, que tem 12 anos de idade, expressou a sua preferência em residir com a mãe, por não ter um bom relacionamento com a companheira do pai, tendo revelado preocupação em querer estar e conviver com ambos os progenitores e evidenciando ainda relação de afecto pelos dois.
Esta manifestação de vontade, proveniente de uma menor que completou já os 12 anos de idade, levar-nos-ia, numa primeira abordagem, a decidir no sentido da mesma passar a residir com a sua mãe.
Só que sempre terá que se equacionar se tal decisão se compagina com aquele que é o critério essencial a atender nestes casos – o do interesse do menor. Ou seja, com referência a toda a factualidade que se mostra assente, há que apurar qual das duas hipóteses (residir com o pai ou com a mãe) se afigura mais conforme com o interesse do menor, devendo privilegiar-se a que melhor assegure a realização daquele interesse, mesmo que não coincida com a vontade expressa pela filha.
E neste ponto não poderá deixar de se salientar que a menor revela pouca maturidade para a sua faixa etária (nº 16).
Vejamos então:
A menor reside com o pai, a companheira deste e os dois filhos destes, gémeos, com um ano de idade, num apartamento com boas condições de habitabilidade e onde dispõe de um quarto só para si (nº 9).
O pai trabalha na construção civil e a sua companheira presentemente está de baixa para poder cuidar dos gémeos (nº 11).
O progenitor tem demonstrado que é um pai preocupado com a gestão do quotidiano e atento às necessidades e preocupações da filha (nº 15).
É reputado no meio onde vive, como sendo pessoa séria e trabalhadora (nº 29).
A menor demonstra ter afecto e proximidade com o pai, embora apresente dificuldades de convivência e aceitação da autoridade por parte da companheira deste (nº 18).
No relatório social constante de fls. 108/112 expressa-se a posição de que não deverá haver alterações à situação estabelecida, continuando a menor a residir com o pai, justificando-se a vontade da menor ir viver com a mãe pelos modelos por esta veiculados serem muito mais permissivos.
Quanto à mãe, esta vive com uma sobrinha, de nome G…, com o marido e com os dois filhos desta, em habitação que reúne boas condições de habitabilidade (nºs 19 e 20).
Não tem, por conseguinte, um espaço habitacional próprio e independente.
Trabalha como costureira (nº 21).
Tem antecedentes de alcoolismo, encontrando-se, porém, a desenvolver esforços para melhorar o seu projecto de vida (nº 25).
Foi submetida a perícia psiquiátrica, que concluiu do seguinte modo: “A examinanda mostrou à observação H… (é de crer que não ingira – ou fá-lo em doses moderadas – bebidas alcoólicas nos últimos meses) incidindo em personalidade imatura, intelectualmente pobre.” (nº 26)
Assume, perante a menor, uma postura bastante permissiva, no que concerne à imposição de regras e limites no quotidiano e na educação (nº 27).
Confrontando a situação do pai e da mãe, concluiu-se na sentença recorrida que o pai é quem reúne as melhores condições materiais e emocionais para ter a menor a residir consigo, posição da qual não discordamos.
É certo que existem dificuldades no relacionamento entre a menor e a companheira do seu pai, que não são de ignorar. Todavia, na sequência de processo de promoção e protecção relativo à menor, o pai vinculou-se a supervisionar a relação entre as duas, de modo a não permitir agressões por parte da companheira, tendo esta aceitado rever algumas atitudes, nomeadamente no que toca a exigências feitas no plano de tarefas domésticas (nº 8).
Não há, por isso, motivos para considerar que a menor, permanecendo a residir com o pai, se encontre em situação de perigo, sem embargo, porém, da presente situação poder ser revista, caso venham a ocorrer episódios de violência da companheira do pai para com a menor, que não estão, neste momento, minimamente comprovados.
Com efeito, está apenas demonstrado que houve em Janeiro de 2011 uma denúncia anónima, na qual se alegaram, relativamente à menor, maus tratos por parte da companheira do pai (nº 7).
Neste contexto, à semelhança do que foi sustentado pela 1ª Instância, entendemos que a solução que melhor se compagina com o interesse da menor é que esta continue a residir com o progenitor, a quem caberá o exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da sua vida corrente.
Consequentemente, improcederá “in totum” o recurso interposto pela requerente.
*
Sumário (art. 713º, nº 7 do Cód. do Proc. Civil):
- Na regulação do exercício das responsabilidades parentais, onde se inclui a determinação da residência do filho, o critério fundamental a ter em atenção é o do interesse do menor e na caracterização deste deverá atender-se a uma multiplicidade de factores que se poderão agrupar em duas áreas fundamentais: as necessidades do menor e a capacidade dos pais para as satisfazer.
- Mesmo que o filho, ouvido em julgamento, tenha manifestado o desejo de viver com a mãe, o tribunal determinará que este fique a residir com o pai se, avaliando toda a factualidade apurada, concluir que é esta a solução que melhor se harmoniza com o interesse do menor.
*
DECISÃO
Nos termos expostos, acordam os juízes que constituem este Tribunal em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pela requerente B…, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas a cargo da recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido.

Porto, 28.6.2011
Eduardo Manuel B. Martins Rodrigues Pires
Manuel Pinto dos Santos
João Manuel Araújo Ramos Lopes
______________________
[1] Cfr. Ac. Rel. Porto de 7.4.2011, p. 180/05.9 TMMTS-B.P1 e Ac. Rel. Porto de 27.3.2008, p. 0831087, ambos disponíveis in www.dgsi.pt.
[2] In “Regulação do Exercício do Poder Paternal nos casos de Divórcio”, 4ª ed., Almedina, págs. 39 e segs.

http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/3cabe815d7be7de8802578cc004ca45f?OpenDocument&Highlight=0,poder,paternal

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