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quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

INIR, VIA VERDE, PROCESSO CONTRA-ORDENACIONAL, EXECUÇÃO FISCAL - Acórdão do Tribunal de Relação de Évora - 11/10/2011


Acórdãos TRE
Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
8/11.0T3ASL.E1
Relator: JOÃO GOMES DE SOUSA
Descritores: PROCESSO DE CONTRA-ORDENAÇÃO
DECISÃO ADMINISTRATIVA

Data do Acordão: 11-10-2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S

Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO

Sumário: 1 - À decisão da entidade administrativa aplicam-se – ex vi do estatuído no art. 41º do RGCO – o regime das nulidades da sentença contido nos artigos 374º, nº 2 e 379º, nº 1, al. a) do CPP. Ou seja, existe um regime próprio para as invalidades de decisão e estas são de conhecimento oficioso.

2 - Se uma decisão em processo contra-ordenacional não consta dos autos e apenas deles consta uma proposta de decisão e uma notificação de uma eventual decisão, o vício verificado é o de inexistência de decisão.


Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

A - Relatório:

No recurso de contra-ordenação que corre termos na Comarca do Alentejo Litoral – Alcácer do Sal, Juízo de Instância Criminal - com o número supra indicado, por despacho proferido em 02 de Maio de 2011, a fls.40-44, o Exmo. Juiz, declarou a nulidade da decisão administrativa, o que obstou à apreciação do mérito da causa e, por consequência, determinou, após trânsito da presente decisão, o reenvio dos presentes autos à autoridade administrativa [Instituto de Infra-Estruturas Rodoviárias, I.P.], a fim de que seja proferida nova decisão em que se mostrem supridas as apontadas nulidades.
*
Numa notificação da “decisão administrativa”, dada a conhecer em data indeterminada, o Instituto de Infraestruturas Rodoviárias, I.P. condenou o arguido JC, pela prática de uma contra-ordenação, p. e p. pelos artigos 5.º, al. a) e 7.º, ambos da Lei n.º25/2006, de 30-06, na coima no valor de €. 204,00, acrescido do pagamento da taxa de portagem no valor de €. 13,60 e das custas no valor de €. 12,75.
*
Inconformado com uma tal decisão, dela interpôs o Mº Pº recurso pedindo seja concedido provimento ao mesmo no sentido de revogar o despacho recorrido, com as seguintes conclusões:

1 - Nos presentes autos, foi proferida decisão datada de 02/05/2011, onde se declarou a nulidade da decisão da autoridade administrativa que condenou o arguido JC, pela prática de uma contra-ordenação, p. e p. pelos artigos 5.°, 01. a) e 7.°, ambos da Lei 25/2006 de 30 de Junho.

2 - Fundamentou-se no facto de não constar dos autos a decisão da entidade com competência decisória, remetendo apenas para os fundamentos de facto e de direito de uma "proposta de decisão".

3 - Continua, fundamentando, além do mais, que da mesma não consta qualquer facto concreto que permita determinar a coima concreta da contra-ordenação imputada à arguida nem relativos à sua culpa.

4 - Conclui a decisão recorrida pelo não preenchimento dos requisitos previstos no artigo 58° do RGCO.

5 - Ora, o Ministério Público não concorda com tal entendimento, conforme infra pensamos demonstrar.

6 - Consta dos presentes autos um documento informatizado, intitulado "notificação da decisão condenatória", onde é reproduzido o teor da proposta de decisão, também constante dos autos a fls. 13.
7 - No 1.° parágrafo desse documento pode ler-se: " (...) fica o arguido JC, notificado da presente decisão condenatória, objecto de Deliberação do Conselho Directivo do INIR, I.P. de 20091103 que se transcreve:(... )", e que se encontra assinada pelo Presidente e por um Vogal do Conselho Directivo.

8 - Assim, apesar do nome do documento "Notificação do decisão condenatória", não podemos deixar de concluir que o mesmo se trata da decisão propriamente dita, e portanto, salvo o devido respeito, não poderia a decisão recorrida ter concluído pela sua inexistência.

9 - E, do seu teor consta a identificação da arguida, a enumeração dos factos imputados, a indicação das provas obtidas e das normas violadas, bem como das penas aplicáveis.

1 O - Foi entendido pelo Tribunal da Relação de Lisboa de 17/05/2006, disponível para consulta em www.dgsi.pt.que "não viola nenhuma das exigências de forma enumeradas no art. 58. ° do RGCO (DL n. ° 433/82, de 27 de Outubro), nem qualquer outro preceito legal ou constitucional, sendo por isso válida, a decisão condenatória proferida, em processo de contra-ordenação, pela autoridade administrativa competente, se a mesma remeter, dando-o como da mesma fazendo parte integrante, para o "Relatório Final" elaborado pelo instrutor do respectivo processo; II - Tanto mais que, e para além de não existir qualquer normativo que proíba aquela remissão, no caso concreto o relatório em causa é bem explícito quanto à enumeração dos factos imputados ao arguido, à indicação das provas obtidas e das normas violadas, bem como das penas aplicáveis;

III - O que quer significar que o arguido, sem qualquer dificuldade, pôde, face à decisão da autoridade administrativa, exercer, plenamente, o seu direito de defesa, conforme o disposto no art. 32.°, n. ° 10 da Constituição da República."

11 - Citando o Acórdão de 09/09/2008 do TRE, pr. 1680/08-1, disponível para consulta em www.dgsi.pt.a propósito do artigo 58° do RGCO: "os requisitos previstos neste artigo para a decisão condenatória visam assegurar ao arguido a possibilidade de exercício efectivo dos seus direitos de defesa ... A lei não define qual o âmbito ou rigor da fundamentação que aqui se impõe, mas é entendimento que não se impõe aqui uma fundamentação com o rigor e exigência que se impõem no art. 374.°, n. 2 do C.P.P ... porque esta é uma decisão administrativa que não se confunde com a sentença penal ... Não faz assim qualquer sentido que a decisão administrativa tenha de obedecer aos requisitos da sentença penal .. .Tal fundamentação será suficiente desde que se justifique as razões pelas quais é aplicada esta ou aquela sanção ao arguido, de modo que este, lendo a decisão, se possa aperceber, de acordo com os critérios da normalidade de entendimento, das razões pelas quais é condenado e, consequentemente, impugnar tais fundamentos".

12 - Ora, a decisão proferida pelo Tribunal "o quo" fundamentou-se, para além do mais, na ausência de factos que permitam concluir pelo culpa do arguido e determinar a coima concreta da contra-ordenação que lhe é imputada.

13 - Ainda que a decisão recorrida entenda que dos factos dados como provados não se retiram as conclusões descritas pela autoridade administrativa, são indicados os motivos por que se deram como provados os factos constantes da decisão, bem como são indicadas os bases legais para a condenação, não se podendo concluir pelo existência dos vícios elencados no artigo 58.0 do RGCO.

14 - Além de que a decisão administrativa faz referência expressa ao dolo, o que basta para fundamentar a decisão tomada.

15 - Pelo exposto, ao declarar a nulidade da decisão da autoridade administrativa, a decisão proferida pelo Tribunal "a quo" violou o disposto nos artigos 580 do RGCO, 3740 e 3790 do CPP.

16 - Termos em que deverá ser dado provimento ao recurso, devendo a decisão recorrida ser revogada, e substituída por outra que declare válido a decisão da autoridade administrativa e que conheça do mérito do recurso.
*
Nesta Relação, o Exmº Procurador-geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

Foi observado o disposto no nº 2 do artigo 417° do Código de Processo Penal.

Colhidos os vistos, o processo foi à conferência.

B.1 - Fundamentação:
No recurso de contra-ordenação que corre termos na Comarca do Alentejo Litoral – Alcácer do Sal, Juízo de Instância Criminal - com o número supra indicado, por despacho proferido em 02 de Maio de 2011, a fls.40-44, o Exmo. Juiz, proferiu o seguinte despacho, na parte relevante, porque objecto do recurso:
“……
Desde já se diga que, nesta sede, decidiu o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 17-10-2006, publicado em www.dgsi.pt, que as nulidades da decisão administrativa são de conhecimento oficioso, na medida em que o disposto no art. 379.º, n.º2 do Cód. Proc. Penal, aplicável por via do art. 41.º do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, resulta que tais nulidades devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, sendo que esta última referência não faria qualquer sentido se não pudessem ser conhecidas independentemente de arguição.

Por outra banda, entendemos que os autos fornecem todos os elementos para que tal questão seja desde já resolvida.

No que para aqui releva, nos termos do art. 58.º, n.º1 do R.G.C.O., a decisão que aplique uma coima deverá conter a identificação do arguido, a descrição dos factos imputados, com a indicação das provas obtidas, a indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão, a coima e sanções acessórias.

Em anotação a tal preceito legal, ensinam MANUEL SIMAS SANTOS e JORGE LOPES DE SOUSA, [in op. cit., p. 386 e 387] que: “os requisitos previstos neste artigo para a decisão condenatória do processo contra-ordenacional visam assegurar ao arguido a possibilidade de exercício efectivo dos seus direitos de defesa, que só poderá existir com um conhecimento perfeito dos factos que lhe são imputados, das normas legais em que se enquadram e condições em que pode impugnar judicialmente aquela decisão”.

Atenta a natureza para-criminal do regime contra-ordenacional não restam dúvidas de que à decisão proferida pela autoridade administrativa, cujos requisitos se fixam no supra aludido preceito legal, se aplicam outrossim as exigências de forma gerais, coincidentes com as previstas para o processo penal. A decisão administrativa deve pois conter os elementos essenciais para que, em caso de impugnação judicial da mesma, possa valer como uma acusação e, caso não seja impugnada, possa valer como uma decisão condenatória.

Por outra banda, em termos substanciais, deve dizer-se que a decisão administrativa condenatória deve, por referência ao supra citado art. 58.º do RGCOC, e aos artigos 374.º e 379.º, ambos do CPP, conter uma descrição dos factos que permitam satisfazer o preenchimento da conduta tipificada como ilícita, querendo com isto significar que os factos relevantes devem apresentar-se de forma naturalística e não “juridificada”, genérica e conclusiva, porque é nos factos relevantes que está a salvaguarda do mérito da decisão condenatória.

Assim sendo, mesmo do domínio da contra-ordenação, deve considerar-se que da narração acusatória devem constar, necessariamente, os factos relativos à culpabilidade, onde se reconheça o conhecimento (representação) e vontade de realização do facto material típico – do tipo objectivo [elementos objectivos, naturalísticos ou normativos] de uma infracção.

Os requisitos previstos neste preceito legal para a decisão condenatória visam, por outro lado e como já se enfatizou, assegurar ao arguido a possibilidade de exercício efectivo dos seus direitos de defesa, que só poderá existir com um conhecimento perfeito dos factos que lhe são imputados, das normas legais em que se enquadram e as condições em que pode impugnar judicialmente aquela decisão.

No caso vertente, verificamos que apenas consta uma “notificação da decisão administrativa”, na qual se transcreve parte de uma alegada deliberação do Conselho Directivo do Instituto de Infra-Estruturas Rodoviárias, I.P., sem que a referida deliberação conste dos presentes autos.

É manifesto que dos autos consta também uma “proposta de decisão”, todavia, não consta dos autos a decisão da entidade com competência decisória remetendo para os fundamentos de facto e de direito dessa “proposta de decisão”.

Ora, na senda do decidido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, no seu acórdão de 23-04-2003, disponível em www.trc.pt: “Face às características e natureza do procedimento contra-ordenacional não se vê que sejam diminuídas as garantias de defesa pelo facto de ser o instrutor a elaborar a proposta de decisão de onde conste o designado “relatório” e a “fundamentação”, ficando o decisor incumbido de proferir a decisão em sentido próprio, isto é, a determinar a coima e eventualmente as sanções acessórias que ao caso couberem remetendo quanto à fundamentação de facto e de direito, quanto aos elementos da agravação ou da atenuação da culpa e às normas legais que se aplicam à infracção, para a proposta do instrutor”.

O que no caso vertente não se verifica.

Com efeito, mesmo considerando a citada jurisprudência, não se dispensa a decisão propriamente dita do órgão decisor, o que não aconteceu nos presentes autos.

Sendo ainda certo que, na nossa óptica, a decisão do órgão decisor que se limita a colocar “Concordo”, não preenche os requisitos do citado art. 58.º do RGCOC, dado que, tal como é referido no citado acórdão, o decisor fica incumbido de proferir a decisão em sentido próprio, isto é, de determinar a coima e eventualmente as sanções acessórias que ao caso couberem remetendo, apenas quanto à fundamentação de facto e de direito, para a aludida proposta do instrutor do processo.

Com efeito, como defende ANTÓNIO BEÇA PEREIRA [in Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, Anotado, p. 116]: “No caso de ser proferido apenas um despacho de concordo reportando-se a um parecer que antecede, estar-se-á perante uma verdadeira inexistência de decisão, visto que se desrespeitou em absoluto os requisitos estabelecidos nesta norma [art. 58.º]”.

Para além disto, deve ainda acrescentar-se que nenhum facto concreto foi levado à decisão recorrida que permita, atentos os critérios legais, determinar a coima concreta da contra-ordenação imputada ao recorrente. É que não foi sequer indagada a situação económica do recorrente nem o benefício económico que o mesmo retirou da alegada prática da contra-ordenação, para além de não constar dos factos provados qualquer referência, através de factos concretos, relativamente à culpa do recorrente, pelo que se fica sem saber porque é que a autoridade administrativa fixou a coima no valor que fixou e não em qualquer outro.

Pelo exposto, impõe-se desde já declarar a nulidade da decisão administrativa, devendo o processo ser reenviado à autoridade administrativa competente para a prolação de nova decisão que observe cabalmente o disposto no art. 58.º do RGCOC”.

Desde já se diga outrossim que com a declaração de nulidade da decisão administrativa nos termos supra expostos ficam prejudicadas as demais questões que haviam sido suscitadas pelo recorrente”.

*****
B.2 - O objecto do recurso penal é delimitado pelas conclusões da respectiva motivação – art.º 403, nº1, e 412º, n.º 1, do Código de Processo Penal.

A questão abordada no recurso reconduz-se, pois, a apurar se existe nulidade da decisão da entidade administrativa.
***
B.3 – O recorrente insurge-se contra o despacho recorrido por este ter afirmado a existência de nulidade da decisão da entidade administrativa.

Dispõe o art. 62º, nº 1 do RGCO que a autoridade administrativa deve enviar os autos ao Ministério Público, “que os tornará presentes ao juiz, valendo este acto como acusação”.

Pressupõe-se que dos autos conste a decisão. Ora, o que verificamos é que nos autos não existe qualquer decisão.

Em rigor, desconhecemos se ela existe na posse da entidade administrativa, pressupondo a decisão sob recurso que ela existirá e que esteja na posse daquela entidade.

Assim, que realidade processual é que o Ministério Público enviou para julgamento? Simples: uma proposta de decisão e uma notificação de uma eventualmente existente decisão.

Assim, que é que o Ministério Público “converteu” em acusação? Uma proposta de decisão e uma notificação.

Como já afirmámos no acórdão desta Relação de 28-10-2008 (no processo nº 1441/08-1):

“Com o assento nº 1/2001 do STJ se pode afirmar que a fase judicial do processo contra-ordenacional se inicia com a apresentação ao juiz, pelo Ministério Público, da acusação definitiva prevista no artigo 62º, nº 1 daquele diploma (“7.1 - A «entrada do processo no foro do juiz» (ou seja, o início da fase judicial do processo contra-ordenacional) opera-se, pois, não com a impugnação judicial — ante a autoridade administrativa — da acusação provisória (artigo 59.º, n.º 3), mas, apenas, com a ulterior apresentação ao juiz, pelo Ministério Público, da acusação definitiva (artigo 62.º, n.º 1).”).

É a transmissão dos autos ao tribunal pelo Ministério Público que o converterá em processo com natureza judicial, tendo em vista assegurar o acesso ao tribunal e o efectivo direito ao recurso. Resta saber se a fase anterior è exclusivamente administrativa e até onde.

Não obstante se aceitar que a fase judicial do processo contra-ordenacional só se inicia com o envio dos autos ao juiz (artigo 62º, nº 1 do RGCO e Assento citado) certo é que a fase administrativa termina com a possibilidade de revogação da decisão pela entidade administrativa.

Cria-se, assim, uma fase intermédia entre aquelas duas naturezas do processo – a administrativa e a judicial – em que o processo se encontra na disponibilidade do MP e que designaremos por fase “acusatória”.

Não sendo já uma fase administrativa (a entidade administrativa já não pode revogar a decisão) ainda não é uma fase judicial.

Tal fase só se justifica pela necessidade de o MP decidir se concorda ou não com a decisão da entidade administrativa em termos de estrita legalidade (exclusão do princípio da oportunidade). O Ministério Público não se pode limitar a ser “correia de transmissão” de uns papéis de uma matéria “menor” e sem valor suficiente para justificar uma tomada de posição sobre a matéria tratada no processo.

E a tal fase só se podem entender aplicáveis, subsidiariamente, os artigos 277º e 283º do Código de Processo Penal, com as necessárias adaptações.

Ora, no caso sub judicio estamos perante uma perplexidade: como pode o Ministério Público enviar para a fase judicial um processo sem decisão?

Sim, porque formal e substancialmente não existe qualquer decisão nos autos. Existe algo que a antecede (uma proposta de decisão) e algo que lhe sucede (uma notificação).
*
B.4 – Falta, pois, um elemento formal e substancialmente essencial num processo sancionatório: uma decisão sancionatória.

Podemos raciocinar, como faz o recorrente de forma implícita, com a menor dignidade deste direito sancionatório, consagrado no nosso ordenamento jurídico sob o epíteto dúbio de contra-ordenacional, que lhe permitirá dispensar a existência de uma decisão administrativa em processo contra-ordenacional?

A constatação de que a Convenção Europeia dos Direitos do Homem pode concordar com a inexistência de distinção – “substancial” – entre direito penal e direito contra-ordenacional para efeitos do direito de defesa não aconselha.

Como já afirmámos no acórdão supra citado:

“De facto, dispõe o artigo 6°, nº 1 (Direito a um processo equitativo) que qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela.

Dir-se-ia, à primeira vista, face ao ordenamento jurídico português e às loas ao direito de mera ordenação social que correm no “mundo” jurídico interno, que tal artigo não é aplicável no caso de estarmos perante regime contra-ordenacional.

Não tem sido esse o sentido da jurisprudência do TEDH, que entende a expressão acusação em matéria penal (aliás, equivalente às contidas nos nsº 2 e 3 do mesmo preceito – “acusada de uma infracção” do nº 2 e “O acusado” do nº 3) com diferente amplitude.

E tal entendimento não surge por qualquer interpretação extensiva ou analógica por referência aos processos disciplinares (nomeadamente militares) da jurisdição austríaca (acórdão Engel v. Holanda - 1976) ou contravencional da jurisdição francesa (acórdãos Peltier v. França e Malige v. França), o que sempre seria possível, sim por referência à própria legislação alemã sobre contra-ordenações (Ordnungswidrigkeit).

De facto, já no citado aresto Engel o Tribunal veio a delimitar critérios que desenvolveu e repetiu nos acórdãos Ozturk v. Alemanha (1984) e Lutz v. Alemanha (1987).[1]

Não obstante o governo alemão ter defendido perante o Tribunal que o artigo 6º da convenção não era aplicável aos casos na medida em que não havia uma “acusação em matéria penal”, invocando que se estava perante contra-ordenações (“Ordnungswidrigkeit”, ou na terminologia do Tribunal Europeu, "regulatory offence" ou "contravention administrative"), certo é que acabou por concluir que o artigo 6º da convenção era aplicável.

Para concluir que estava perante uma acusação em matéria penal, conceito com autonomia e que deve ser interpretado no sentido da Convenção, o Tribunal utilizou os seguintes critérios: a qualificação jurídica da infracção no direito nacional; a verdadeira natureza do ilícito; a natureza e o grau de severidade da sanção.

O primeiro critério – qualificação no direito nacional – tem carácter meramente formal e relativo, simples ponto de partida da análise a envidar (Engel), à luz do “denominador comum das legislações respectivas dos diversos Estados”.

Os outros dois critérios não são cumulativos, sim alternativos, pelo que lhe bastou constatar que a verdadeira natureza da “infracção”, o carácter geral da norma, o seu objectivo simultaneamente preventivo e repressivo, assumiam natureza penal (Lutz), para concluir estarmos perante uma acusação em matéria penal.

Estes considerandos já seriam suficientes para se considerar essencial uma mais séria abordagem à questão da existência de uma decisão em sede de processo contra-ordenacional. [2]

Em suma, se não existe decisão não pode o Ministério Público “converter em acusação” uma decisão que não existe.

Naturalmente, não entrará este tribunal na análise da questão de saber se é possível a existência de uma decisão por adesão a considerandos constantes de uma proposta de decisão. Para tanto necessário seria constatar a existência de uma decisão.
*
B.5 – À decisão da entidade administrativa aplicam-se – ex vi do estatuído no art. 41º do RGCO – o regime das nulidades da sentença contido nos artigos 374º, nº 2 e 379º, nº 1, al. a) do CPP.

Não se mostra adequado aplicar no caso o regime dos vícios da acusação já que a fonte do vício é a decisão e os normativos citados mostram-se mais adequados porque prevendo vícios de acto com a mesma natureza (decisória)

Ou seja, existe um regime próprio para as nulidades de decisão e estas são de conhecimento oficioso – v. g. Acórdão da Relação de Évora de 17-10-2006, proc. 2.194/06, sendo relatora a Exmª Desemb. Guilhermina Freitas.

Ao caso são, pois, aplicáveis os princípios relativos às nulidades processuais, designadamente o princípio do máximo aproveitamento dos actos processuais e, consequentemente, o disposto no art. 122º do CPP.

Não por via da previsão do disposto no art. 410º, nº 2 do CPP – vícios de julgamento, que implicam o reenvio (não se trata aqui de reenvio porque não há erro de julgamento) – sim por via da previsão do nº 3 do art. 410º. Trata-se de requisito cominado sob pena de nulidade que se não encontra sanado. E que pode ser sanado por actividade instrutória e decisória da entidade administrativa.

Por isso podia o tribunal recorrido – nos termos do art. 122º do CPP - determinar a remessa dos autos à entidade administrativa para sanação do vício, com actividade instrutória, se necessário.

Mas, no caso, não se trata de nulidade de uma decisão, já que esta não existe. Trata-se de simples inexistência.

Logo, diferentes serão as consequências da declaração de invalidade existente nos autos. Não se trata de uma nulidade da decisão administrativa, mas sim de simples inexistência de decisão administrativa, que acarreta a inexistência de “acusação” nos autos.

Haverá, pois, que juntar aos autos a agora inexistente decisão – caso exista – para que o tribunal possa vir a conhecer dos vícios alegados, ou lavrar nova decisão.
*
C - Dispositivo:

Face ao que precede, os Juízes da 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora negam provimento ao recurso e, com diversa fundamentação, declaram inexistente a decisão nos presentes autos e determinam que deve a entidade administrativa juntar aos autos a eventualmente existente decisão lavrada nos identificados autos contra-ordenacionais ou lavrar decisão caso inexista.

Notifique.

Não são devidas custas.
Évora, 11 de Outubro de 2011
(Processado e revisto pelo relator)

João Gomes de Sousa

Ana Bacelar

_________________________________________________
[1] - Casos que incidiram sobre contra-ordenações estradais. Em ambos os casos estamos perante simples acidentes de viação entre veículos exclusivamente com danos materiais e aplicação de sanções pecuniárias (Geldbusse) de 125 DM mais 14 DM, por responsabilidade conjunta em acidente de viação (Lutz) e de 60 DM, por responsabilidade em acidente de viação (Ozturk).

[2] - E convém não olvidar que, no dizer do Prof. Figueiredo Dias (in Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, pag. 153, Coimbra Editora, 2004), o direito contra-ordenacional “se não é direito penal, é em todo o caso direito sancionatório de carácter punitivo”).

http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/0bf5d35552c2da5580257949003b684b?OpenDocument

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