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quinta-feira, 17 de novembro de 2011

RECURSO DE CONTRA-ORDENAÇÃO - Acórdão do Tribunal da Relação de Évora - 11/10/2011


Acórdãos TRE
Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
892/09.8TBABF.E1
Relator: FÁTIMA MATA-MOUROS
Descritores: RECURSO DE CONTRA-ORDENAÇÃO
SENTENÇA
NULIDADE
VÍCIOS

Data do Acordão: 11-10-2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S

Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO

Sumário: I - Sendo desejável que qualquer decisão condenatória se apresente o mais completa possível, procurando fornecer pela sua simples leitura todos os elementos relevantes para a imediata apreensão do seu conteúdo, a omissão da data do diploma em que se baseia a condenação, podendo embora redundar num esforço acrescido (porquanto escusado) para o seu destinatário na identificação das normas legais aplicáveis, não traduz, porém, elemento absolutamente imprescindível à completude da decisão. Ponto é que pelos restantes elementos identificadores divulgados seja possível aceder à mencionada fonte legislativa.
II – Sem prejuízo de o artigo 50.º do Regime Geral das Contra-Ordenações dever ser analisado à luz dos princípios do artigo 32.º da Constituição, não deverá ignorar-se, tão-pouco, que a imputação ao arguido pela autoridade administrativa de uma contra-ordenação e subsequente estabelecimento do contraditório nos termos previstos no artigo 50.º do Regime Geral das Contra-Ordenações não traduz ainda uma acusação pública, surgindo esta apenas com a apresentação ao juiz dos autos remetidos pelo Ministério Público na sequência da apresentação de impugnação judicial da decisão administrativa nos termos do artigo 62.º do mesmo diploma legal.
III – O respeito pelos direitos de defesa e contraditório bem como o princípio da presunção de inocência não impõem a observância no procedimento e decisão administrativa do mesmo grau de exigências formais impostas a uma decisão judicial produzida no termo de um processo moldado por compreensível maior rigidez reivindicada pela condição e natureza de instrumento último de tutela dos direitos fundamentais.

IV – Sendo a forma o primeiro instrumento contra o arbítrio e irmã gémea da liberdade (na formulação conhecida de Jehring), compreende-se, no entanto, que nem todas as regras procedimentais especificamente impostas no processo penal sejam transponíveis para a fase inicial do procedimento contra-ordencional conducente à prolação da decisão pela autoridade administrativa. De resto, o próprio direito de impugnação judicial da decisão condenatória proferida pela autoridade administrativa é expressão daquela diferenciação, garantindo a via judiciária no acesso ao direito e tutela dos direitos fundamentais.



Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 1.a Secção (Criminal) do Tribunal da Relação de Évora:
I – Relatório

1. Por decisão proferida no processo de contra ordenação n.º 506 457 591 foi a arguida F, Lda sancionada pela Câmara Municipal de Albufeira com a coima de 2.600,00 €

A arguida interpôs recurso de impugnação judicial da aludida decisão pugnando pela sua absolvição.

Por decisão proferida em 7 de Abril de 2011 no Tribunal Judicial de Albufeira, Processo n.º 892/09.8TBABF (e na sequência já de anulação de sentença anteriormente proferida, resultante da apreciação neste Tribunal da Relação de Évora, de recurso sobre a mesma incidente), foi aquele recurso de impugnação julgado improcedente e em consequência, mantida na íntegra a decisão da autoridade administrativa que lhe aplicou a coima referia.


2. Mais uma vez inconformada recorre a arguida, pugnando pela declaração das nulidades invocadas e o consequente arquivamento dos autos, rematando a motivação com extensas, ainda que algo repetitivas, conclusões, que na essência aqui se reproduzem:

1. Da análise dos autos e da sentença de que ora se recorre, entende a recorrente que a sentença é omissa, pelo menos, no que toca a uma das questões expressamente invocadas pela recorrente na impugnação judicial apresentada.

2. Na verdade, a ora recorrente invocou expressamente a violação do direito de defesa, nomeadamente porque os elementos de direito que lhe foram transmitidos em sede de procedimento administrativo e na decisão administrativa são insuficientes.

3. A Autoridade Administrativa não transmitiu à arguida (quer durante a fase administrativa, quer na decisão administrativa) a identificação completa do diploma em causa nos autos, nomeadamente a referência à publicação do Regulamento em causa no Diário da República.

4. Tal foi expressamente alegado nos pontos 29 a 31 e 102 e 105 das conclusões da impugnação judicial.

5. Da análise da sentença verifica-se que o Meritíssimo Juiz reconheceu que tal nulidade foi invocada.

6. Todavia, a única referência que consta da sentença sobre ta nulidade consta a fls. 50, onde se refere que “não é imprescindível que conste da decisão a data do Diário da República que aprovou o Regulamento.”.

7. Tal frase é uma expressão demasiado vaga e genérica e não permite à ora recorrente aferir os fundamentos que sustentam tal posição.

8. Os elementos que foram transmitidos à recorrente em sede de procedimento administrativo são insuficientes.

9. Qualquer diploma legal tem de ser publicado em jornal oficial, sendo que a referência a qualquer diploma deve ser efectuada com menção do modo como foi publicitado. Qualquer cidadão apenas pode aceder ao diploma em causa e analisá-lo se souber a data da sua publicação em Diário de República.

10. A decisão é portanto nula por omissão de pronúncia (art. 379.º/1c) do CPP).

11. Caso não se entenda que existe omissão de pronúncia, sempre se dirá que a sentença é nula em tal parte porquanto não se mostra fundamentada, nomeadamente em termos de direito.

12. Entendemos que a sentença não se encontra fundamentada por omissão dos concretos argumentos jurídicos que permitiram ao Meritíssimo Juiz entender que o vício concretamente invocado pela recorrente não existe, na medida em que, o Meritíssimo Juiz se limitou a genericamente alegar que o vicio apontado não existe, sem fundamentar adequadamente a sua pretensão, designadamente, em termos jurídicos.

13. O dever de fundamentação a que alude os artigos 205.° da CRP e o artigo 97.° da CPP é plenamente aplicável ao presente processo.

14. A falta de fundamentação da sentença constitui causa de nulidade da sentença nos termos dos artigos 379.° n."l alínea a), 374.° n.? 2 e 97.° do CPP e artigo 205.° da CRP.

15. Assim, e uma vez que a sentença, nesta parte não se mostra correctamente fundamentada, deverá o Tribunal da Relação anular a decisão proferida pela 1.° instância.

16. Entende a recorrente que a sentença é nula porquanto o tribunal de 1ª instância não se pronunciou sobre factos essenciais concretamente invocados na impugnação judicial, nomeadamente, não tendo tais factos ficado a constar da listagem dos factos provados nem dos factos não provados.

17. Na verdade, a ora recorrente fez constar das conclusões de recurso, vários factos.

18. Todavia (…) não foi tomada qualquer posição relativamente a alguns factos expressamente invocados pela recorrente e essenciais para a descoberta da verdade:

Após as 03h não entrara quaisquer clientes no estabelecimento (nem no interior nem na esplanada).

Após as 0 h a arguida não facturou qualquer venda.

Após as 03h não foram servidas quaisquer bebidas nem prestados serviços.

A esplanada do estabelecimento dá acesso directo à via pública.

As mesas e cadeiras da esplanada ficam na esplanada e não são arrumadas por qualquer forma durante o tempo em que o estabelecimento está encerrado.

A porta que dá acesso a interior do estabelecimento está fechada.

No interior do estabelecimento os bancos já estavam em cima das mesas, como é habitual.

No interior do estabelecimento apenas estava funcionários a arrumar e a fazer limpezas, a carregar frigoríficos, a arrumar o mobiliário, etc.

O estabelecimento comercial em causa nos autos em concreto e consequentemente a actividade da arguida encontravam-se a atravessar dificuldades financeiras.

19. Relativamente aos factos supra elencados o Meritíssimo Juiz não tomou qualquer posição, o que configura a nulidade a que alude o artigo 379.º n.º 1 alínea c) do CPP, a qual se invoca, sendo que, relativamente aos factos alegados pela recorrente teriam os mesmos de constar da lista dos factos provados ou dos não provados e sempre o Meritíssimo Juiz teria de fundamentar tal opção, o que não fez.

20. Da análise dos factos provados da decisão administrativa e da análise dos factos provados e não provados da sentença proferida facilmente se constata que a arguida foi condenada por factos que não constavam na decisão administrativa.

21. Na verdade, os factos que constam na sentença (na última parte do ponto 3 e do ponto 5 dos factos provados) não constavam da decisão administrativa.

22. Independentemente de se considerar que tais alterações são substanciais ou não, o certo é que não foi dada à arguida qualquer possibilidade de se pronunciar sobre os mesmos, em violação do artigo 32.º da CRP e dos artigos 358.º e 359.º do CPP.

23. A sentença é pois nula nos termos do artigo 379.º n.º 1 alínea b) do CPP.

24. O Meritíssimo Juiz entende que não houve violação do artigo 50.º do RGCO.

25. Todavia, não podemos concordar. Vejamos.

26. Da análise do processo administrativo verifica-se que foi aplicada à arguida uma coima sem que lhe fosse dada a possibilidade de se pronunciar adequadamente sobre a contra-ordenação e sanções em causa pois não foram comunicados à arguida todos os elementos essenciais (de facto e de direito) que permitia imputar a conduta em causa à arguida, a que acresce que a AA deu como provados na decisão administrativa factos diversos daqueles que foram comunicados a arguida. Além disso, após a notificação da arguida para exercer o seu direito de defesa, a AA efectuou diligências e proferiu decisão se dar oportunidade à arguida de se defender de tais provas e factos.

27. Entendemos que os vícios apontados constituem violação do artigo 50º do RGCO.

28. Entendemos que face às gravosas consequências para os cidadãos e para a economia em geral, o art. 50.º do RGCO deve ser analisado à luz dos princípios do artigo 32.º da CRP, nomeadamente: o direito do arguido a uma ampla e efectiva defesa (que não respeita apenas à decisão final, mas a todas as diligências e fases processuais que impliquem restrições de direitos ou que possam condicionar a solução definitiva do caso), o princípio da presunção da inocência (…), a estrutura acusatória do processo (…) e o princípio do contraditório (…)

29. Tais direitos e princípios são também válidos quando a arguida é uma pessoa colectiva, pois esta goza dos mesmos direitos que a pessoa singular (art. 12.º da CRP), nomeadamente no que toca a aspectos essenciais, como o direito de defesa.

30. Da análise do procedimento contra-ordenacional verifica-se que não foram realizadas diligências requeridas pela arguida, o que configura uma violação do direito de defesa e audição – cfr. Art. 50º do RGCO, nomeadamente não foram inquiridas as testemunhas arroladas e não foi junto aos autos a identificação das pessoas que se encontravam no estabelecimento.

31. A ora recorrente indicou testemunhas, designadamente, a testemunha Lino, a qual não foi inquirida em sede de instrução, sendo que tal diligência se reputa de essencial.

32. Durante o procedimento administrativo não foi a ora recorrente informada que a testemunha não iria ser inquirida nem a razão pela qual a AA não iria proceder à sua audição.

33. Por outro lado, a arguida requereu a junção aos autos da identificação das pessoas que se encontravam no interior do estabelecimento.

34. Tal diligência é essencial pois só assim se pode confirmar se as pessoas e causa não eram os empregados da arguida e quem são tais pessoas, sendo que sempre se poderia requerer a sua inquirição.

35. Todavia, a AA não realizou tal diligência nem se pronunciou sobre o requerido.

36. Entende assim a recorrente que foi violado o direito de defesa.

37. Como tem sido entendimento unânime da jurisprudência e da doutrina o direito de defesa e audição p. e p. pelos artigos 50.º do RGCO e 32. n.º 10 da CRP não se compadece com a remessa de uma notificação à arguida, mas abrange o direito de intervir no procedimento, apresentando provas e requerendo a realização de diligências.

38. A autoridade administrativa, em tese, tal como o Ministério Público em sede de inquérito, poderá recusar a realização de diligências.

39. Todavia, tem de fundamentar tal recusa com base no facto de tal diligência ser inútil para a descoberta a verdade.

40. A AA não se pronunciou sobre as diligências requeridas, sendo que a condenação com a omissão de pronúncia sobre questões que devessem ser apreciadas constitui nulidade da decisão administrativa.

41. Nos presentes autos, o direito de defesa da arguida não foi respeitado, desde logo porque a autoridade administrativa não realizou diligências requeridas pela defesa, sendo que não fundamentou tal omissão.

42. Trata-se de uma nulidade insanável que se invoca nos termos dos artigos 50.º, 32.º, 41.º do RGCO, 32.º n.º 10 da CRP e 119.º e 122.º do CPP e que implica que se deverá declarar nulo todo procedimento contra-ordenacional.

43. O procedimento administrativo e decisão administrativa são nulos na medida em que, quer na notificação efectuada quer na decisão administrativa, não constam os elementos de direito necessários, nomeadamente, a data da publicação em Diário de República do Regulamento em causa.

44. Nos termos do artigo 5.° do Código Civil a lei só se torna obrigatória depois de publicada no jornal oficial.

45. O artigo 119.° da Constituição da República Portuguesa fixa os actos que são publicados no Diário da República.

46. A consequência da omissão de publicação de tal acto é a ineficácia jurídica.

47. Acresce que os regulamentos camarários têm de obedecer às regras a que se aludem nos artigos 114.° e ss e 127 e ss do Código do Procedimento Administrativo.

48. Entendemos que todos os regulamentos camarários, como o que está em causa nos autos, devem ser publicados no Diário da Republica (o que aconteceu, por exemplo, com o Regulamento Municipal dos Horários de Funcionamento dos Estabelecimentos Comerciais e Prestação de Serviços do Município de Santarém, que foi publicado no Diário da República, 2.3 série - N. o 240 - 14 de Dezembro de 2009, Aviso n. o 22409/2009) e que devem obedecer a todos os requisitos previstos no CPA.

49. Todos estes elementos (data da publicação no DR, data da publicação dos editais e data da aprovação) não constam quer da única notificação enviada para a arguida durante a fase administrativa, nem da decisão administrativa nem da decisão judicial.

50. Aliás, diga-se que a Câmara Municipal de Albufeira juntou aos autos uma cópia do alegado regulamento onde também não constam tais elementos, sendo que a recorrente, logo que tomou conhecimento do mesmo o impugnou, não tendo o Meritíssimo Juiz tomado qualquer posição sobre o valor de tal documento.

51. Relativamente à correcta identificação de um regulamento veja-se por exemplo o Acórdão do TRE de 11-11-2008 onde se pode ler na parte relativamente à fundamentação de direito da sentença de 1.° instância "( .. .) cumpre ainda salientar que, relativamente ao Regulamento, tendo em vista o cumprimento do disposto no Código do Procedimento Administrativo (nomeadamente os artigos 117. o e 118. O), o projecto inicial, após a sua aprovação em reunião de Câmara, foi publicado na JI Série do Diário da República do dia 9 de Abril de 1997, Suplemento com o número 83 ".

52. O procedimento administrativo e a decisão administrativa são ainda nulos por violação do princípio do contraditório, nomeadamente, porque a Autoridade Administrativa, após ter dado cumprimento à notificação a que alude o artigo 50.º, efectuou diligências oficiosamente, sem dar conhecimento do resultado das mesmas à ora recorrente. Acresce que a ora recorrente foi condenada por factos diversos daqueles que lhe foram comunicados.

53. A ora recorrente não foi informada da decisão da AA, das datas agendadas, nem do teor das declarações prestadas pelas testemunhas, não se tendo podido defender de tais meios de prova, pelo que foram violados os princípios do contraditório, da defesa e da audiência – art. 50.º do RGCO.

54. Assim, o direito de defesa foi violado por terem sido efectuadas diligências, após a remessa à arguida da notificação do artigo 50.°, sendo que foi proferida decisão sem a arguida se poder pronunciar sobre tais factos e/ou diligências.

55. Neste sentido veja-se os citados autores Sirnas Santos e Lopes de Sousa in anotação ao artigo 50.° in obra citada onde se pode ler "A realização de diligências posteriores à apresentação de defesa deverá ser seguida da concessão de nova possibilidade ao arguido para se pronunciar sobre elas, como é exigido pelo direito de audiência, constitucional e legalmente reconhecido "

56. Por outro lado, cumpre referir que a arguida foi condenada na decisão administrativa por factos diversos daqueles que lhe foram comunicados.

57. Na verdade, na única notificação efectuada à arguida foi-lhe comunicado apenas que o estabelecimento estava aberto e em pleno funcionamento, tendo a ora recorrida apresentado defesa tendo em conta os factos que lhe foram comunicados.

58. Na decisão administrativa constam factos diversos, sobre os quais não foi dada à arguida a oportunidade de se defender, nomeadamente, que os clientes estavam "a consumir produtos fornecidos no local".

59. Independentemente de se considerar tal alteração substancial e/ou não, a verdade é que a ora recorrida deveria ter tido oportunidade de se pronunciar sobre tais factos.

60. Trata-se de uma nulidade insanável que se invoca para todos os efeitos no termos dos artigos 50.°, 58.°, 32.0 e 41.° do RGCO, 32.0 n." 10 da CRP e 119.°, 122.° e 359.0 do CPP e que implica que se deverá declarar nulo todo o procedimento contra-ordenacional e ser ordenado o arquivamento dos presentes autos.

61. A notificação efectuada pela Autoridade Administrativa e a decisão administrativa são nulas por omissão de factos concretos do tipo objectivo e do tipo subjectivo essenciais para imputar a contra-ordenação à arguida (pessoa colectiva).

62. Da análise da notificação efectuada e da decisão administrativa, entendemos que os factos são vagos e insuficientes para imputar a contra-ordenação em causa a pessoa colectiva.

63. Da análise da notificação efectuada pela Autoridade administrativa apenas consta de forma vaga e genérica que no dia 17-1-2007, pelas 3h35, o estabelecimento encontrava-se aberto ao público, em pleno funcionamento, com 25 clientes, estando autorizado a funcionar até às 03h00.

64. Na notificação apenas consta uma conclusão – que no citado dia e hora o estabelecimento encontrava-se aberto ao público – sendo que não foram comunicados os factos concretos de onde se pode retirar tal conclusão (ou seja, p. ex. quem eram os clientes, se entra as pessoas se inclui os empregados, qual a identificação dos funcionários e os clientes, se estava a ser servidas bebidas, se existiam empregados no local e o que estavam a fazer, se entraram pessoas após as 03h00, se foram efectuados pagamentos após as 3h, se foram efectuados serviços após a hora, se foram pagos alguns produtos, quais os funcionários que prestaram serviços, etc…).

65. Acresce que, tratando-se de pessoa colectiva, tornava-se necessário que dos factos comunicados constasse a identificação dos agentes que praticaram a infracção, por forma, nomeadamente, a apurar-se se os factos foram praticados em nome e no interesse da sociedade arguida e de acordo com ordens emanadas pela mesma.

66. Acresce que, tratando-se de pessoa colectiva, tornava-se necessário que dos factos comunicados constasse a identificação dos agentes que praticaram a infracção, por forma a, nomeadamente, a apurar-se se os factos foram praticados em nome e no interesse da sociedade arguida e de acordo com ordens emanadas pela mesma.

67. Na notificação efectuada e na decisão administrativa não consta a identificação dos agentes singulares que praticaram a infracção, nomeadamente, o nome dos funcionários que alegadamente serviram bebidas ou comidas ou outros que se encontrassem no estabelecimento, por forma, nomeadamente, a averiguar-se se agiram de acordo com instruções da sociedade arguida, facto essencial, atendendo a que a arguida é uma pessoa colectiva. Pela sua similitude e porque perfilhamos praticamente na íntegra os fundamentos e raciocínios relativamente a esta matéria que constam na decisão proferida em 1.° instancia e em sede de recurso pelo Tribunal da Relação de Évora no âmbito do acórdão datado de 03-12-2009, onde é citada diversa jurisprudência e doutrina

68. Aliás, ainda que os factos correspondam à verdade, sempre se dirá que a sociedade arguida não poderia colocar os clientes à força na rua e que não lhe era exigível qualquer outra postura. Efectivamente, não entraram quaisquer clientes no estabelecimento após a hora do fecho nem foram pagos quaisquer produtos. Assim, ainda que existissem clientes na esplanada que dá directamente para a via pública, o certo é que os mesmos entraram no estabelecimento antes da hora do fecho e solicitaram e pagaram produtos e bebidas antes da hora do fecho.

69. Por outro lado, da análise da notificação e da decisão verifica-se que não constam os factos concretos e necessários relativos ao elemento subjectivo integradores da contra-ordenação imputada à arguida.

70. Aliás, sempre se dirá que o que consta do último parágrafo da notificação e nada é a mesma coisa, pois trata-se de uma fórmula genérica de onde não constam quaisquer factos.

71. Tratando-se a arguida de uma pessoa colectiva tornava-se também essencial que constasse o nome do agente da infracção e que o mesmo actuava de acordo com as instruções da arguida.

72. Na notificação remetida à arguida não constam quaisquer elementos concretos de onde se retire que a contra-ordenação é imputada à arguida a titulo de dolo ou negligência, nomeadamente que a arguida sabia que o horário de fecho é ás 03hOO, que tenha pretendido prestar serviços e vendido produtos não obstante saber que já passava das 03hOO e que tenham sido os funcionários da arguida que de acordo com as ordens desta tenham servido clientes após a hora do fecho.

73. Na verdade não constam da notificação nem da decisão quaisquer elementos concretos de onde se retire que a contra-ordenação é imputada à arguida a título de dolo ou negligência.

74. Acresce que, tratando-se a arguida de uma pessoa colectiva, não consta da decisão quaisquer elementos que permitam concluir que os funcionários que se encontravam no local tivessem agido de acordo com as instruções da sociedade arguida e no interesse desta, e não no seu próprio interesse e contra as ordens da sociedade arguida (v.g. por os alegados clientes serem seus familiares e por estarem à espera daqueles na esplanada do estabelecimento e de os produtos que estavam a consumir terem sido entregues pelos funcionários sem qualquer contrapartida para a arguida e em oposição com o que são as instruções da sociedade arguida).

75. Na verdade, do processo não constam quaisquer elementos que permitam concluir que a arguida agiu com intenção de ter o estabelecimento aberto, desde logo porque não entraram novos clientes após a hora do fecho nem foram facturadas quaisquer vendas.

76. Aliás, os proprietários dos estabelecimentos não têm qualquer vantagem em manter os estabelecimentos em funcionamento. O que acontece é que, não podem colocar as pessoas à força na rua e que as pessoas têm o direito de consumir os produtos que pagaram e lhes foram entregues antes da hora do fecho.

77. A conduta em causa nos autos, em tese, apenas poderá, quanto muito (o que se diz sem conceder), ser imputada a titulo de negligência, designadamente por a arguida não ter efectuado todas as diligências com vista a assegurar que à hora do fecho não estivessem clientes na esplanada do estabelecimento.

78. Na verdade, como se pode aceitar que a arguida quisesse ter o estabelecimento aberto se nada ganhava com isso, pois se não entraram clientes e se não recebeu qualquer contrapartida, qual a vantagem?

79. À arguida não lhe era exigível, na situação em causa nos autos, que tomasse outra atitude, desde logo porque não podia usar da força física para colocar os clientes na rua.

80. Assim, sempre se dirá, que a aceitar a factual idade, sempre teria a Autoridade Administrativa de fazer uso do artigo 9.° do RGCO.

81. O princípio da culpa constitui uma máxima fundamental do direito penal, do que deriva a exigência de que a aplicação de qualquer pena supõe sempre que o ilícito típico foi praticado com culpa, traduzindo-se esta numa censura dirigida ao agente pela prática do facto.

82. Tal princípio é plenamente aplicável às pessoas colectivas.

83. Ora, o tipo de culpa doloso verifica-se quando, perante um ilícito típico doloso, "se comprova que o seu cometimento deve imputar-se a uma atitude íntima do agente contrária ou indiferente ao Direito e às suas normas; se uma tal comprovação se não alcançar ou dever ser negada o facto só poderá eventualmente vir a ser punido a título de negligência" (Figueiredo Dias, in "Direito Penal - Parte Geral" Tomo I, pág. 488).

84. De acordo com o Prof Eduardo Correia, Direito Criminal I, pág.s 316 e 321, culpa" é a censura ético-juridica dirigida a um sujeito por não ter agido de modo diverso" e "Elementos do juízo de culpa são pois: a imputabilidade do agente. a sua actuação dolosa ou por negligência, a inexistência de circunstâncias que tornam não exigível outro comportamento".

85. Relativamente a questão em análise (falta de factos que concretizem a culpa da arguida), e numa situação idêntica foi proferido o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 28-04-2004 disponível em www.dgsi.pt.

86. A decisão administrativa é ainda nula por falta e cumprimento integra do disposto no artigo 58.º, n.º 2 alínea b) do RGCO.

87. Da análise da decisão administrativa verifica-se que não consta da mesma que o tribunal pode decidir mediante audiência ou, caso o arguido e o Ministério Público não se oponham, mediante simples despacho.

88. Tal informação deve constar integralmente da decisão administrativa, o que não sucede na decisão em causa nos autos, pois não consta o segmento de onde resulta que a decisão apenas pode ser proferida põe despacho “caso exista concordância do arguido e do Ministério Público”.

89. Assim, a decisão administrativa encontra-se ferida de nulidade.

90. a decisão administrativa é ainda nula por violação do disposto no artigo 379.º, 374.º, 358.º e 35.º do Código de Processo Penal (aplicáveis por força do disposto no artigo 41.º do RGCO).

91. O artigo 41.º do RGCO sob a epígrafe “Direito subsidiário” estabelece que “sempre que o contrário não resulte deste diploma, são aplicáveis, devidamente adaptados, os preceitos reguladores do processo criminal”.

92. E, como o contrário não resulta daquele diploma, ao caso é aplicável, por mera remissão literal, o regime contido nos artigos 374° e 379° do Código de Processo Penal.

93. Da análise da decisão administrativa verifica-se que a decisão é nula por violação do disposto nos artigos 379.°, 374.°, 358.° e 359.° do CPP (aplicáveis por força do disposto no artigo 41.° do RGCO) porquanto: - a decisão não contém todas as menções referidas no n." 2 e na alínea b) do n." 3 do artigo 374.°; - a decisão condenou por factos diversos dos descritos nos autos de noticia e da notificação efectuada nos termos do artigo 50.0 do ROCa; - a decisão foi proferida fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358.° e 359.° do CPP;

- a autoridade administrativa deixou de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar; - a decisão administrativa conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento; - a decisão não consta as indicações tendentes á identificação da arguida (designadamente os elementos que constam da certidão comercial da arguida); - a decisão não contem fundamentação, designadamente não consta a enumeração dos factos provados e não provados; - a decisão não contém uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção da autoridade administrativa; - o dispositivo da decisão não contém as disposições legais aplicáveis. - não foi feito exame critico das provas; - não foram elencados os factos não provados;

94. Trata-se de uma nulidade insanável que se invoca para todos os efeitos no termos dos artigos 50.°, 58.°, 32.° e 41.° do RGCa, 32.0 n." IOda CRP e 119.° e 122.° do CPP e que implica que se deverá declarar nulo todo o procedimento contra-ordenacional e ser ordenado o arquivamento dos presentes autos.

95. A sentença padece dos vícios a que alude o artigo 410.º n.º 2 do Código de Processo Penal, nomeadamente, por insuficiência para a decisão a matéria de facto provada.

96. Da análise dos factos provados verifica-se que os mesmos são insuficientes para ter sido proferida a decisão judicial, nomeadamente, por omissão de factos sobre a identificação do agente singular que praticou os fatos, por omissão de elementos que permitam concluir que os factos foram praticados no interesse e em nome da arguida, por omissão de factos que permitam imputar a infracção a título de dolo, por não ser exigível à arguida a adopção de qualquer outro comportamento e por omissão de elementos que permitam concluir pelo benefício económico.

97. Tratando-se a arguida de pessoa colectiva, teria a AA e o Tribunal de averiguar qual o agente físico que praticou os factos e se os praticou em nome e no interesse da arguida.

98. Acresce que, ainda que os factos tenham acontecido, o certo é que se teria de provar a que horas os clientes solicitaram os produtos, a que horas os produtos lhe foram entregues e se o funcionário em causa serviu tais produtos de acordo com ordens da arguida e no interesse desta.

99. Aliás, para concluir que o estabelecimento estava em funcionamento e aberto ao público seria necessário que tivesse sido dado como provado que a arguida tinha vendido ou prestado qualquer serviço após as 03h, que após as 03h tinham sido servidas bebidas e que tinham sido prestados serviços, que se encontravam clientes no interior do estabelecimento (sem ser na esplanada) após as 3 h e que após as 03 h entraram clientes no estabelecimento (no interior ou na esplanada) -- factos que constam da impugnação judicial apresentada (cfr. nomeadamente, pontos 253, 254, 255, 256 e 257 das conclusões constantes da impugnação judicial) e que sobre os quais a decisão é completamente omissa, o que também configura nulidade e que se alega expressamente.

100. Aliás, diga-se que também não consta dos factos provados que a banca de cachorros a que o Meritíssimo Juiz alude na sentença fosse explorada pela arguida, que na explanada existisse local onde fossem servidas bebidas e que tais locais estivessem a funcionar de acordo com as instruções da arguida, factos essenciais para permitir imputar à arguida a prática da contra¬-ordenação.

101. Não constam ainda dos factos provados quaisquer factos concretos que permitam imputar à arguida a contra-ordenação a titulo de dolo, pelo que, quanto muito teria a contra¬-ordenação de ser imputada a titulo de negligência.

102. Acresce que ainda que os factos tenham ocorrido, o certo é que, não se provou que os produtos tivessem sido adquiridos pelos clientes após a hora do fecho.

103. Admitindo que os factos tenham ocorrido, o certo é que se um cliente pedir a um funcionário de um estabelecimento comercial um determinado serviço antes da hora do fecho, tem o direito a ser servido, não podendo o dono do estabelecimento se recusar a servir o mesmo, sob pena de serem lesados os direitos do cliente na qualidade de consumidor. E após ser colocado o produto à disposição do cliente, tem este o direito de o consumir calmamente e de acordo com a sua vontade.

104. Assim, não existindo prova de que entraram clientes no estabelecimento após a hora do fecho e de que foram solicitados produtos após a hora do encerramento, não podia o Meritíssimo Juiz ter proferido a decisão, por manifesta insuficiência da matéria de facto.

105. Aliás, diga-se que, ainda que se encontrassem clientes no interior do estabelecimento, que a arguida não os poderia colocar à força na Rua (espaço contíguo e onde os clientes se encontravam), pelo que não era exigível à arguida outra conduta, sendo que sempre a conduta da arguida não deveria ser punida por exclusão da ilicitude e da culpa.

106. Aliás, sempre se dirá, que qualquer proprietário de um estabelecimento não coloca os clientes na rua, apenas por ser hora do fecho, limitando-se a fazer, como o fez a arguida, a desligar a música, as luzes, a não deixar entrar clientes e a não servir mais produtos Assim, estaríamos perante uma situação de erro sobre a ilicitude e a proibição, sendo que o erro não é censurável, pelo que a conduta não deverá ser punida (cfr. artigos 8.° e 9.° do ROCO).

107. Assim, as circunstâncias em concreto em concreto fazem excluir a ilicitude e a culpa da arguida por não poder ser exigível à arguida que tivesse outra conduta.

108. Relativamente ao benefício económico também não consta dos factos provados quaisquer factos concretos de onde se retire tal conclusão, nomeadamente que a arguida tivesse recebido alguma contrapartida por vendas de produtos após as 3h, o que não aconteceu, sendo que apenas com tal facto se poderia concluir que tivesse tido benefício económico. Na verdade, o mero facto de os clientes estarem a consumir produtos fornecidos pela arguida não significa que os mesmos tenham sido solicitados pelos clientes após as 3 horas, que tenha sido recebido dinheiro após as 3 horas ou que os produtos tenham sido colocados à disposição dos clientes após as 3 horas.

109. Assim a douta decisão recorrida violou as normas jurídicas supra citadas, nomeadamente, o disposto nos artigos 32.º, 421.º, n.º 1, 50.º, 54.º, 58.º, 64.º, 66.º do RGCO, os artigos 12.º, 13.º, 119.º e 205.º da CRP, o artigo 13.º nº 6 e n.º 7 do DL 17/91, de 10 de Janeiro, os artigos 97.º, 119.º a 122.º, 238.º 340.º, 363º, 373.º, 374.º, 379.º e 410.º do CPP, os artigos 364.º nº 1 e 5 do Código Civil e artigos 114.º e ss E 127.º e ss do Código de Procedimento administrativo e o DL 48/96 de 15 de Maio.

3. Em resposta, o Ministério Público pugnou pela improcedência do recurso e manutenção da sentença recorrida, invocando, em síntese, que:

a) A decisão administrativa não padece de qualquer dos vícios invocados.

b) Não é necessário que na notificação seja indicada a data da publicação em Diário da República do Regulamento que prevê a contra-ordenação, desde que dela constem todos os elementos essenciais que permitam a defesa do Recorrente, como efectivamente aconteceu.

c) O Tribunal “a quo” não deixou de apreciar as questões pertinentes, só não o fazendo relativamente a questões sobre a matéria de facto que considerou irrelevantes.

d) Não foi a Recorrente condenada por factos diversos dos constantes na decisão Administrativa nem viu agravados os limites máximos das sanções aplicáveis.

e) Dos factos provados na douta sentença recorrida temos de concluir que a matéria de facto provada é suficiente para a decisão de direito.

4. A Exma. Procuradora-Geral Adjunta nesta Relação pronunciou-se também pela improcedência do recurso, entendendo não merecer qualquer censura a sentença recorrida, concluindo, do seguinte modo:

1 - O Recurso foi tempestivamente interposto e motivado por quem tem legitimidade e interesse em agir.

2 - São de manter o regime de subida e o efeito ao Recurso atribuído no douto despacho de admissão.

3 - Nada obsta a conhecimento do recurso em conferência, atento o disposto no art. 411.º, nº 5 do CPP.

4 - O Recurso deve ser julgado improcedente.

5. Cumprido o disposto no at. 417.º/2 do CPP e efectuado o exame preliminar foi considerado não haver razões para a rejeição do recurso.

6. Colhidos os vistos legais, cumpre agora apreciar e decidir.

II – Fundamentação

1. Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer

Mediante o presente recurso a recorrente submete à apreciação deste Tribunal Superior em síntese as seguintes questões:

- nulidade da sentença por omissão de pronúncia;

- nulidade da sentença por condenação por factos diferentes dos descritos na decisão administrativa e nulidade da decisão administrativa por violação do disposto nos arts. 358.º e 359.º do CPP;

- violação do direito de defesa e audição estabelecido no art. 50.º do RGCO.

- verificação na sentença dos vícios previstos no art. 410.º/2 do CPP, designadamente insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.

2. Passemos, pois, ao conhecimento das questões alegadas.

2.1 Para tanto, recordemos, antes de mais, o conteúdo da decisão recorrida, no que respeita à sua fase factual.


Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos, com interesse para a decisão:

1. O estabelecimento comercial denominado “(…) Bar”, sito na Avenida (…), Albufeira é explorado pela sociedade arguida «F Lda”, de que é legal representante, M;

2. Na sequência de solicitação feita pelo Tribunal, a Câmara Municipal de Albufeira emitiu o escrito de fls. 235 dos autos, no essencial com o seguinte teor: “Exmo Senhor Juiz de Direito, 3º Juízo do Tribunal Judicial de Albufeira. (...) Sua comunicação de 24/06/2009 (...) Assunto: Proc. 892/09.8TBABF – Recurso (Contra-ordenação). Pelo presente, na sequência da vossa comunicação supra mencionada, remete-se a V. Exa os horários de funcionamento do estabelecimento denominado por “(…) Bar” (visados nesta Câmara Municipal de Albufeira no ano 2003) respeitantes ao estabelecimento de bebidas (Doc nº 1) e ao estabelecimento de restauração (Doc nº 2). Mais se refere que o horário a realizar no estabelecimento de bebidas terá de ser adaptado ao plasmado no nº 2 do artigo 4º do Regulamento dos Horários e Funcionamento de Estabelecimentos Comerciais do Município de Albufeira (Doc nº 3). Assim, na data dos factos referentes ao Processo de Contra-ordenação nº 139/2007, o estabelecimento em análise deveria encerrar às 3 horas. Com os melhores cumprimentos. O Presidente da Câmara Municipal (....);

3. No dia 17 de Janeiro de 2007, cerca das 3 horas e 35 minutos, militares da Guarda Nacional Republicana de Albufeira, no decurso de uma acção de fiscalização, dirigiram-se ao estabelecimento denominado “(…) Bar” e constataram que no interior do mesmo estavam ainda alguns clientes, em número não concretamente apurado, os quais estavam a consumir bebidas e produtos alimentares, nomeadamente cachorros e hambúrgueres;

4. Alguns dos funcionários do estabelecimento procediam já a limpezas e algumas mesas já tinham as cadeiras colocadas por cima;

5. O legal representante da sociedade arguida agiu de forma livre, deliberada e consciente, e bem sabia que ao manter o estabelecimento comercial aberto para além das 3 horas incorria na prática de uma contra-ordenação, mas mesmo assim, conformou-se com tal resultado;

6. A sociedade arguida não tem averbado nos registos da Câmara Municipal de Albufeira, a prática de qualquer contra-ordenação.

Factos não provados:

Com interesse para a decisão, não se provaram os seguintes factos, alegados pela sociedade arguida na sua impugnação:

- Os militares da GNR não entraram no interior do estabelecimento e do exterior (da via pública e da esplanada) não se consegue visualizar o interior do estabelecimento, devido ao tratamento dos vidros existentes;

- A arguida não teve qualquer benefício económico porque não vendeu nem prestou qualquer serviço após as 3 horas;

- No dia em causa a música foi desligada em momento bastante anterior às 3 horas;

- Não existiam quaisquer clientes no interior do estabelecimento, com excepção dos funcionários que estavam a fazer arrumações e limpezas;

- A música, as luzes e os reclamos luminosos sempre foram desligadas antes da hora do fecho, o que aconteceu no dia dos factos;

- A porta que dá acesso ao interior do estabelecimento estava fechada;

- No interior do estabelecimento não existiam quaisquer clientes aquando da chegada da GNR nem após as 3 horas.

Quanto ao mais alegado pela arguida na sua impugnação, trata-se de matéria conclusiva e/ou de direito, ou de factos sem qualquer relevância para a decisão.

Motivação da decisão da matéria de facto:

O tribunal considerou os factos provados a partir da análise critica das provas disponíveis, considerando os depoimentos das testemunhas, o auto de notícia e os documentos juntos aos autos.

O Tribunal valorou o depoimento de (…), militar da Guarda Nacional Republicana, (…), depoimento que se revelou sério e credível, denotando a testemunha conhecimento directo dos factos, esclarecendo que não se recordava, em concreto, da acção de fiscalização que deu origem aos presentes autos, mas recorda-se que enquanto prestou serviço em Albufeira deslocou-se várias vezes ao “(…) Bar”, não só porque haviam queixas acerca do ruído, mas também porque por vezes o estabelecimento estava a funcionar para além do horário, sendo que o horário de fecho no Inverno era às 3 horas da manhã, sendo que quando iam lá avisavam o responsável para que respeitasse o horário de encerramento, mas passado algum tempo a situação repetia-se e terá sido por já o terem avisado várias vezes que nesta ocasião foi levantado o auto de noticia.

Foi valorado o depoimento de (…), militar da Guarda Nacional Republicana, do posto de Olhos de Água, esclarecendo que quando estava de patrulha com o militar (…), entre as 3 horas e as 3 horas e 15 minutos passaram junto ao “(…) Bar”, constatando que o mesmo ainda tinha as luzes ligadas, encontrando-se algumas pessoas no seu interior, e passados cerca de 15 minutos voltaram, encontrando-se ainda as luzes da esplanada ligadas e na esplanada e junto ao balcão estavam cerca de 20 pessoas, as quais estavam a consumir bebidas e também cachorros e hambúrgueres que eram servidos numa pequena banca que estava na zona da esplanada, contactando a depoente com o responsável pelo estabelecimento, e foi chamada ao local outra patrulha, já que algumas das pessoas estavam bastante exaltadas, sendo que a depoente deslocou-se mais vezes aquele estabelecimento e não era a primeira que o mesmo estava a funcionar para além da hora estabelecida no horário de funcionamento.

Foi valorado o depoimento de (…), militar da Guarda Nacional Republicana, (…) esclarecendo que prestou serviço no posto de Olhos de Água entre 2005 e Fevereiro de 2007, sendo que o (…) estava sistematicamente aberto para além do horário de funcionamento e por diversas vezes as autoridades se deslocavam lá por causa das queixas acerca do ruído proveniente da música, e naquela noite o depoente estava de patrulha com a militar (…) e pouco depois das 3 horas passaram em frente ao (…) e verificaram que o mesmo ainda estava aberto, e cerca das 3 horas e 30 minutos voltaram lá e o bar continuava aberto com cerca de 20 clientes no seu interior os quais estavam a consumir bebidas e comidas, vendo o depoente alguns dos clientes receberem a comida, e também viu servirem algumas bebidas na zona do balcão, encontrando-se a porta do estabelecimento aberta, sendo que nas outras ocasiões em que as autoridades foram chamadas ao local, o responsável era advertido de que deveria fechar à hora constante no horário de funcionamento e não deveria emitir ruído para além da hora fixada na lei, mas passado pouco tempo a situação repetia-se.

O Tribunal valorou o depoimento de (…), esclarecendo que é o proprietário do edifício onde está instalado o “(…) Bar”, tendo trabalhado no mesmo como empregado de mesa durante cerca de 2 anos, vivendo num apartamento situado por cima do “(…) Bar”, sendo que se recorda da ida da Guarda Nacional Republicana ao bar, já que desde cerca das 2 horas e 30 minutos estava sentado na esplanada com um grupo de amigos, e cerca de 10 minutos antes das 3 horas a música deixou de tocar, chegando a Guarda Nacional Republicana ao bar cerca das 3 horas e 15 minutos, encontrando-se algumas pessoas na esplanada, não recordando o depoente se o quiosque que está na esplanada e onde servem cachorros e hambúrgueres estava a funcionar naquele momento, sendo que a militar da Guarda Nacional Republicana que estava a falar com o responsável pelo bar dizia que as mesmas não podiam estar ali aquela hora e o depoente meteu-se na conversa, admitindo agora que não teve a atitude mais correcta naquele momento.

Foi valorado o depoimento de (…), músico, residente em Paderne, referindo que trabalhou durante cerca de 17 anos no “(…) Bar”, sendo que durante esse período nunca viu serem servidas bebidas ou comida depois da hora fixada para o encerramento, sendo que no dia 17 de Janeiro de 2007 o depoente não estava presente no estabelecimento.

Foi valorado o depoimento de (…), esclarecendo que é cliente do “(…) Bar” e no dia 17 de Janeiro de 2007 estava no bar quando chegaram lá 3 ou 4 militares da Guarda Nacional Republicana, sendo que apenas estavam algumas pessoas na esplanada a terminarem as bebidas e os cachorros e hambúrgueres que lhes tinham sido servidas antes, e o depoente não viu servir quaisquer bebidas depois das 3 horas, sendo que o depoente tinha visto anteriormente militares da Guarda Nacional Republicana no bar, numa ocasião.

O Tribunal valorou o depoimento de (…), de 26 anos, Segurança, esclarecendo que trabalhou no “(…)-Bar” cerca de 4 anos, sendo que encerravam às 3 horas da manhã, e habitualmente na esplanada eram servidos cachorros, hambúrgueres e tostas, efectuando o cliente o pagamento no balcão no interior do estabelecimento e depois recebia uma senha para levantar o cachorro, o hambúrguer ou a tosta no quiosque que estava implantado na esplanada, recordando-se o depoente de uma noite em que se encontrava no bar o dono do edifício, de nome (…) e quando compareceram no local uns militares da Guarda Nacional Republicana, o mesmo exaltou-se com os militares, sendo que os militares por vezes deslocavam-se ao estabelecimento porque alguém se queixava do ruído e falavam com o depoente que se encontrava habitualmente à porta, sendo que a zona da esplanada é fechada e faz parte do “(…) Bar”.

Foi valorado o depoimento de (…), barman, esclarecendo que trabalhou no “(…)-Bar” cerca de 5anos, deixando de trabalhar lá há cerca de 2/3 anos, referindo que era habitual os militares da Guarda Nacional Republicana dirigirem-se ao estabelecimento, mas nunca teve conhecimento do levantamento de qualquer auto de notícia.

Foi valorado o depoimento de (…), Segurança, residente em Paderne, esclarecendo que é cliente habitual do (…)-Bar” e viu lá várias vezes militares da Guarda Nacional Republicana, e sempre que se dirigiu ao “(…)-Bar” o mesmo fechou à hora estabelecida no horário de funcionamento, sendo que na esplanada existe um quiosque onde servem cachorros e hambúrgueres, mas não servem bebidas e por vezes acontece que as pessoas ficam na esplanada a comer depois do bar fechar, sendo que numa ocasião quando já passava das 3 horas da manhã a porta do bar estava aberta e os militares da Guarda Nacional Republicana entraram, recordando-se o depoente desse episódio porque nessa noite estava no bar um conhecido jogador de futebol, conhecido por “(…)”.

Foi valorado o depoimento de (…), Arquitecto, esclarecendo que elaborou o projecto de alterações do “(…)-Bar”, sendo que frequenta o estabelecimento desde 2006, normalmente às terças-feiras e nunca se recorda de ter visto lá quaisquer militares da Guarda Nacional Republicana.

Concatenando os depoimentos das testemunhas inquiridas, ficou o Tribunal convencido que no dia 17 de Janeiro de 2007, cerca das 3 horas e 35 minutos o estabelecimento comercial denominado “(…)-Bar” continuava ainda aberto ao público, encontrando-se cerca de 15 clientes no interior do bar e cerca de 10 clientes na esplanada, sendo que de acordo com o horário de funcionamento deveria ter encerrado às 3 horas, sendo certo que a esplanada, ao contrário do que quiseram fazer crer algumas das testemunhas inquiridas, faz parte integrante do estabelecimento comercial.

Na verdade, os militares da Guarda Nacional Republicana inquiridos, prestaram depoimentos sérios e credíveis, denotando conhecimento directo dos factos, esclarecendo que estiveram no local naquela noite, sendo que passaram uma primeira vez pelo estabelecimento cerca das 3 horas e 15 minutos, verificando que o mesmo ainda estava aberto, e quando cerca de 15 minutos volvidos voltaram a passar em frente ao estabelecimento, verificaram que o mesmo ainda não estava encerrado, encontrando-se as luzes ligadas e algumas pessoas no seu interior, pelo que resolveram actuar, levantando o auto de noticia, até porque segundo alguns dos militares inquiridos, já não era a primeira vez que constatavam que o estabelecimento não respeitava o horário de funcionamento, advertindo o responsável, mas nunca tinham levantado qualquer auto de notícia, fazendo-o apenas no dia 17 de Janeiro de 2007.

Ou seja, o Tribunal ficou plenamente convencido que cerca das 3,35 horas ainda se encontravam no interior do estabelecimento, esplanada incluída, cerca de 20 a 25 clientes, os quais estavam a consumir produtos que vendidos no estabelecimento, nomeadamente bebidas e hambúrgueres e/ou cachorros.

O Tribunal considerou também o auto de notícia junto aos autos a fls. 3 a 4 e os documentos de fls. 435 a 445.

Quanto aos factos dados como não provados, o Tribunal considerou-os como tal porque não foi feita qualquer prova acerca da respectiva verificação e/ou porque foi feita prova do facto contrário.

Na verdade, a arguida alegou que os militares da Guarda Nacional Republicana não chegaram a entrar no estabelecimento, o que foi contrariado não só pelos depoimentos dos militares da Guarda Nacional Republicana, mas também por algumas das testemunhas arroladas pela própria arguida, nomeadamente pelo proprietário do imóvel, (…) que admitiu que se exaltou com os militares porque os mesmos pretendiam que os clientes saíssem do estabelecimento, o que ilustra bem que os militares entraram no estabelecimento.

Também foi feita prova de que as luzes estavam ligadas quando os militares entraram no estabelecimento, cerca das 3h35 minutos encontrando-se no estabelecimento, para além dos funcionários, alguns dos quais efectuavam já as limpezas, cerca de 25 clientes, razão pelo qual o Tribunal deu como não provada a versão alegada pela arguida de que as luzes estavam desligadas e de que não se encontravam no estabelecimento quaisquer clientes.

Quanto ao benefício económico, o Tribunal considera que a arguida obteve beneficio económico, dando como não provada a alegação da arguida no sentido de que não obteve qualquer benefício económico, porque alguns dos militares da Guarda Nacional Republicana referiram que viram ser servidas bebidas e alimentos a alguns clientes o que necessariamente significou o recebimento de quantia monetária pela arguida, sendo isso o que resulta das regras da experiência comum.

3. Cumpre apreciar e decidir.

Pretende, em primeiro lugar, a recorrente que a sentença recorrida enferma de nulidade por omissão de pronúncia, designadamente quanto à invocação da violação dos direitos de defesa, por a arguida não ter recebido da autoridade administrativa a identificação completa do diploma em que se fundamentou a sua condenação.

Lida a sentença recorrida logo se verifica, porém, que a mesma não é omissa quanto a esta matéria. Tal como de resto a recorrente não deixa de reconhecer, a sentença debruça-se sobre a questão, ainda que de forma sucinta, entendendo que «não é imprescindível que conste da decisão a data do Diário da República que aprovou o Regulamento».

Diferentemente do pretendido pela recorrente, não fica, todavia, por aqui a apreciação feita na sentença do pretendido vício de omissão de pronúncia quanto à invocada violação dos direitos de defesa. Lembrando os requisitos a que deve obedecer a prolação de uma decisão de aplicação de uma coima, previstos no art. 58.º do Regime Geral das Contra-Ordenações e coimas (identificação do arguido, descrição dos factos imputados, indicação das provas reunidas e das normas fundadoras da punição, fundamentação e determinação da coima e sanções acessórias), e socorrendo-se de doutrina da especialidade (anotações doutrinárias ao regime legal em presença), a sentença recorrida é bem clara ao afirmar que as finalidades que se visam prosseguir com as referias exigências legais são assegurar o exercício dos direitos de defesa, razão pela qual «deverão considerar-se satisfeitas quando as indicações contidas na decisão sejam suficientes para permitir ao arguido o exercício desses direitos». Ora, tal como ainda se explicitou na sentença recorrida, a decisão administrativa objecto da impugnação judicial deduzida pela agora recorrente «identifica a arguida, descreve os factos que lhe são imputados (manter o estabelecimento “(…)-Bar” aberto ao público quando eram 3h35, mantendo-se no seu interior cerca de 25 clientes, quando o horário de funcionamento apenas lhe permitia manter o estabelecimento aberto até às 3 horas), indicando ainda as provas (auto de notícia e depoimentos de testemunhas inquiridas), e (…) contém a indicação das normas aplicáveis e a sanção aplicável, nomeadamente o montante da coima aplicada, fazendo também menção da moldura abstracta a considerar».

É quanto basta para negar a verificação da pretendida omissão de pronúncia.

Pretende, porém, a recorrente que mesmo a entender-se que não se verificou a referida nulidade por omissão de pronúncia, sempre a sentença enfermaria de nulidade por falta de fundamentação de direito, por omissão dos concretos argumentos jurídicos que permitiram ao juiz entender que o vício invocado pela recorrente não existe.

Reconhece-se razão à recorrente quando sublinha ser o dever de fundamentação aludido nos arts. 205.º da CRP e 97.º do CPP plenamente aplicável ao presente processo. O que não acolhemos é a sua insistente reclamação de nulidade da sentença por esta não ter dado a relevância por si pretendida à omissão da indicação da data da publicação do diploma fundamentador da sanção que lhe foi aplicada em violação do seu direito de defesa. Essencial à defesa de qualquer arguido é que a decisão contenha todos os elementos essenciais à respectiva preparação. Ora, tal como se refere ainda na sentença ora em análise, a decisão da autoridade administrativa mostrou-se suficientemente clara para garantir à arguida o exercício efectivo dos seus direitos de defesa, e que, de resto, a mesma continuou a exercer através dos sucessivos recursos apresentados.

Sendo desejável que qualquer decisão condenatória se apresente o mais completa possível, procurando fornecer pela sua simples leitura todos os elementos relevantes para a imediata apreensão do seu conteúdo, a omissão da data do diploma em que se baseia a condenação, podendo embora redundar num esforço acrescido (porquanto escusado) para o seu destinatário na identificação das normas legais aplicáveis, não traduz, porém, elemento absolutamente imprescindível à completude da decisão. Ponto é que pelos restantes elementos identificadores divulgados seja possível aceder à mencionada fonte legislativa. No caso em presença é bem patente que a referida omissão em nada impediu a arguida de se defender, apresentando, como apresentou impugnação judicial da decisão administrativa.

Ainda em sede de omissões de pronúncia invocadas no recurso, sustenta a recorrente que o tribunal não tomou posição relativamente a factos essenciais invocados pela defesa. Refere-se à descrição do espaço que integrava o estabelecimento, posição e situação das mesas e bancos, pessoas que ali se encontravam à hora indicada nos autos e encerramento dos serviços prestados e da facturação verificada naquela data.

Não tem, porém, razão a sustentação de que o tribunal a quo não se pronunciou sobre aquele quadro de factos. Na verdade, como bem se compreende, o que a impugnante pretendia com a respectiva invocação era contrariar a afirmação (que se encontra na base da sua condenação) de que o seu estabelecimento se encontrava aberto. Ora sobre esse dado de facto a sentença é bem clara na descrição factual que ocupa os arts. 3.º e 4.º do elenco dos factos provados:

«No dia 17 de Janeiro de 2007, cerca das 3 horas e 35 minutos, militares da Guarda Nacional Republicana de Albufeira, no decurso de uma acção de fiscalização, dirigiram-se ao estabelecimento denominado “(…)-Bar” e constataram que no interior do mesmo estava ainda alguns clientes, em número não concretamente apurado, os quais estavam a consumir bebidas e produtos alimentares, nomeadamente cachorros e hambúrgueres.

Alguns dos funcionários do estabelecimento procedia já a limpezas e algumas mesas já tinham as cadeiras colocadas por cima».

Por seu lado, do elenco dos factos não provados resulta também com clareza que não se apurou que os militares da GNR não tivessem entrado no interior do estabelecimento; a arguida não tivesse qualquer benefício económico porque não vendeu nem prestou qualquer serviço após as 3 horas; no dia em causa a música fosse desligada em momento bastante anterior às 3 horas; não existissem quaisquer clientes no interior do estabelecimento; a música, as luzes e os reclamos luminosos fossem sempre desligados antes a hora do fecho; a porta que dá acesso ao interior do estabelecimento estivesse fechada.

Como se vê, todos os factos invocados com relevo para a decisão a proferir foram objecto de conhecimento, e contemplados com menção expressa no elenco dos factos provados ou não provados. Não se compreendendo, pois, como ou por que razão ousa a recorrente sustentar o contrário no seu recurso, escusado se afigura tecer qualquer consideração adicional a este respeito.

Termos em que não colhe o primeiro fundamento do recurso.

Pretende, de seguida, a recorrente que os factos que constam na sentença (na última parte do ponto 3 e do ponto 5 dos factos provados) não constavam da decisão administrativa pelo que se verificou alteração dos factos objecto da condenação sem que a arguida tivesse oportunidade de se defender dos mesmos.

Mais uma vez não tem razão.

O facto descrito na parte final do ponto 3 (os bens alimentares que era consumidos pelos clientes ainda presentes no estabelecimento) constitui mera concretização do facto essencial que levou ao sancionamento pela autoridade administrativa: estabelecimento comercial aberto para além da hora autorizada. A sua especificação na sentença em nada pode constituir uma surpresa para a defesa, antes tudo indica que terá decorrido precisamente do exercício desta, negando a arguida que o seu estabelecimento ainda estivesse aberto ou que ali permanecessem anda clientes, concretamente a consumir. Não deixa de ser curioso que a recorrente reclame (anda que sem razão como acima já se deixou apreciado) contra a não apreciação de factos por si alegados, tendentes a demonstrar o estado de encerramento em que o estabelecimento se encontrava no momento da intervenção das autoridades, e de seguida se insurja contra a especificação vertida no final do art. 3 dos factos provados, constituindo esta precisamente resultado da prova reunida no concernente à concreta situação (ao nível do funcionamento) em que se encontrava o estabelecimento.

Este, é com efeito, um facto que, no que de relevante significa para a decisão (estabelecimento aberto), nada de novo representa, traduzindo as especificações adiantadas mera concretização resultante de factos necessariamente alegados pela defesa (negação da abertura ou funcionamento do estabelecimento).

Quanto a facto vertido em 5) dos factos provados, trata-se, como é bom de ver, da concretização em termos juridicamente apreensíveis do elemento subjectivo da infracção que, no caso, e com mais adiante se alude também na sentença (p. 60), foi praticada a título dolo, já que responsável pelo estabelecimento se encontrava no mesmo, tendo agido de forma livre e deliberada, como desde logo na decisão administrativa também se entendeu Tal como se sublinhou ainda na sentença recorrida, «a decisão em causa refere também que a arguida (por intermédio do seu representante legal) representou de forma livre e consciente (…), pois é evidente que estando o representante legal no estabelecimento, o mesmo sabia que caso não o encerrasse ás 3 horas incorria necessariamente em responsabilidade contra-ordenacional, e mesmo assim não se absteve de manter o estabelecimento aberto até à chegada das autoridades policiais».

Conclui-se, assim, que os factos em referência nada têm de novo relativamente à matéria que fundou a condenação proferida pela autoridade administrativa. A sua menção na sentença não constituiu factor de surpresa para a defesa, antes resultou da cuidadosa análise da globalidade da prova produzida com vista ao apuramento da verdade condicionada pelas versões contraditórias apresentadas pela acusação e defesa.

Improcede também neste ponto o recurso.

Entende ainda a recorrente, diferentemente do entendimento sufragado na sentença recorrida, que no processo administrativo foi violado o disposto no art. 50.º do RGCO, não tendo sido comunicados à arguida todos os elementos essenciais (de facto e de direito) que permitiam imputar-lhe a conduta em causa, tendo sido dados como provados factos diversos dos que lhe foram comunicados e tendo sido efectuadas diligências após a notificação da arguida para exercer o seu direito de defesa.

A este respeito, recorde-se o que diz a sentença recorrida:

A arguida alega ainda que a notificação que lhe foi endereçada pela autoridade administrativa é nula por falta de factos essenciais do tipo objectivo da contra-ordenação, já que na mesma consta apenas a conclusão que no dia 17 de Janeiro de 2007 cerca das 03h35 o estabelecimento comercial (…) encontrava-se aberto ao público em pleno funcionamento, com 25 clientes, estando autorizado a funcionar até às 03h30, mas não indica os factos concretos de onde se pode retirar tal conclusão, nomeadamente não dizendo quem eram os clientes.

Bem, em primeiro lugar diga-se que certamente por lapso é que a arguida fez referência às 3h30, já que o que resulta dos autos é que o horário de funcionamento aplicável no mês de Janeiro de 2007 apenas permitia que o estabelecimento estivesse aberto até ás 3 horas.

Depois, quanto aos elementos objectivos, para que os mesmos se verifiquem, basta que o estabelecimento esteja aberto ao público, ou seja que tenha clientes no seu interior, independentemente do seu número e da respectiva identificação, para além da hora a que estava autorizado a funcionar, e a verdade é que no auto de notícia elaborado pelas autoridades policiais constam todos os elementos integrativos da contra-ordenação imputada à arguida, e a arguida entendeu-os perfeitamente e apresentou a respectiva impugnação.

O mesmo se diga em relação ao elemento subjectivo, já o mesmo está também está bem definido na decisão da autoridade administrativa, considerando-se que a arguida agiu de forma dolosa, o que bem se compreende, já que alguns dos militares inquiridos relataram que não era a primeira vez que se dirigiam aquele estabelecimento por o mesmo estar a funcionar para além do horário, não levantando qualquer auto de notícia, limitando-se a advertir o responsável para que não tal não voltasse a suceder, mas o mesmo ignorava tal advertência, pelo que forçoso é concluir que não estamos perante uma actuação negligente, já que o legal representante da sociedade arguida sabia que não encerrando o estabelecimento na hora fixada incorria necessariamente em responsabilidade contra-ordenacional, mas mesmo assim manteve o estabelecimento aberto para além das 3 horas.

A arguida alega também que a decisão é nula por omitir a data do Diário da Republica onde foi publicado o Regulamento em causa nos autos, que a decisão é nula por omissão da realização de diligências requeridas pela arguida, nomeadamente a não inquirição da testemunha Lino, voltando a insistir na nulidade por falta de inquirição do legal representante da sociedade arguida, omissão de realização de diligências requeridas pela arguida, nomeadamente a identificação das pessoas que se encontravam no interior do estabelecimento, nulidade por a entidade administrativa não ter apreciado o requerimento apresentado pela arguida em 10/07/2007, nulidade por não ter sido comunicada à arguida a realização de diligências determinadas oficiosamente, a nulidade por falta de contraditório (declarações dos agentes da autoridade), nulidade devido à alteração substancial dos factos sem comunicação à arguida, nulidade por a decisão da autoridade administrativa não conter todos os elementos constantes do artigo 58º, do Regime Geral das Contra Ordenações e Coimas, nulidade por falta de fundamentação da gravidade da conduta da arguida, nulidade da decisão administrativa por falta de fundamentação do benefício económico, da nulidade insanável relativamente ao benefício económico e situação económica da arguida, da nulidade da decisão da autoridade administrativa por omissão da legislação aplicável no dispositivo da decisão propriamente dita, da nulidade por falta de fundamentação da coima concretamente aplicada à arguida, da nulidade por violação do disposto no artigo 58º, nº 2, alínea b), do Regime Geral das Contra Ordenações e Coimas, da nulidade por violação do disposto no artigo 58º, nº 1, alínea a), do Regime Geral das Contra Ordenações e Coimas, da nulidade por não indicação dos factos provados e factos não provados, da nulidade por falta de exame crítico, da nulidade por violação do disposto nos artigos 379º, 374º, 358º e 359º, do Código de Processo Civil, aplicáveis por força do disposto no artigo 41º do Regime Geral das Contra Ordenações e Coimas, da nulidade da alteração substancial dos factos sem o exercício do contraditório, da nulidade dos autos de notícia, da nulidade da incompetência da autoridade fiscalizadora, da nulidade da omissão de instrução do procedimento administrativo (não junção do comprovativo do horário autorizado e demais prova documental); da nulidade do procedimento administrativo por ultrapassagem do prazo máximo de instrução, da inconstitucionalidade das contra-ordenações que punem de forma mais grave as condutas das pessoas colectivas, da nulidade por falta de constituição como arguida e da não comunicação dos direitos e deveres, da nulidade por falta de competência da entidade que proferiu a decisão e da nulidade pela não notificação à arguida da data da inquirição das testemunhas arroladas.

Preceitua o artigo 43º, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas que “O processo das contra-ordenações obedecerá ao princípio da legalidade”.

Em anotação a esta norma, pode ler-se in Contra-Ordenações, Anotações ao Regime Geral, dos Insignes Conselheiros Manuel Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa, 2º edição da Vislis “Por força do disposto no artigo 266º, nº 1, da CRP, toda a actividade das autoridades administrativas está subordinada ao principio da legalidade (...) O principio da legalidade, consubstanciando-se na obediência à lei e ao direito não se limita ao dever de acatamento da lei em sentido estrito, abrangendo também a subordinação a todos os valores jurídicos, normativos ou não, como as normas e princípios de direito internacional e comunitário, as normas regulamentares, as situações definidas judicial ou administrativamente e as obrigações contratualmente assumidas. Por outro lado, por força do nº 2 do mesmo artº 266º, a actuação da administração para ser legal, terá de estar em sintonia com os princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé que, tendo um conteúdo próprio, não deixam de fazer parte do bloco de legalidade que tal actuação deve respeitar.”

Alega a sociedade arguida que o Tribunal não apreciou a questão por si suscitada acerca da não apreciação do requerimento por si apresentado no dia 10 de Julho de 2007 na Câmara Municipal de Albufeira.

Compulsados os autos constato que a fls. 298 e ss consta um requerimento manuscrito, o qual tem aposto o carimbo da sociedade/arguida (cfr. fls. 298 e 303) onde é requerido, se bem percebemos, que seja efectuada nova notificação da sociedade arguida e onde a fls. 303 são indicadas como testemunhas, (…).

O requerimento apresentado pela sociedade arguida foi objecto do despacho do Senhor Presidente da Câmara Municipal de Albufeira, o qual consta a fls. 289 dos autos, sendo dirigida notificação ao legal representante da sociedade arguida, datada de 16 de Julho de 2007 para que viesse apresentar um exemplar legível, porquanto o requerimento apresentado em 10/07/2007 (manuscrito) não estava legível.

Não vislumbramos nos autos a resposta da sociedade arguida a tal notificação que lhe foi dirigida pela autoridade administrativa, o que equivale a dizer que não encontramos nos autos um exemplar legível do requerimento manuscrito apresentado pela sociedade arguida na Câmara Municipal de Albufeira no dia 10 de Julho de 2007 e que faz fls. 298 a 303 dos autos.

Porém a verdade é que apesar disso, a autoridade administrativa solicitou ás autoridades policiais que procedessem à inquirição das testemunhas indicadas pela sociedade arguida, o que foi executado, tal como resulta de fls. 264 a 286, tendo sido inquiridas as testemunhas (…).

Ou seja, ao contrário do alegado pela arguida, o requerimento por si apresentado na Câmara Municipal de Albufeira no dia 10 de Julho de 2007 foi efectivamente apreciado, pese embora não esteja legível, sendo certo que era perceptível na parte onde arrolava testemunhas, as quais, como já se referiu e repete-se, foram inquiridas pelas autoridades policiais e os autos de declarações foram remetidos para os autos, pelo que a arguida teve a possibilidade de tomar conhecimento dos mesmos na fase administrativa.

Ainda sobre o dito requerimento e apesar do mesmo não estar legível, diga-se que não faz qualquer sentido alegar que não teria sido dirigida notificação à sociedade arguida, quando é a sociedade arguida que subscreve aquele requerimento, com a aposição do respectivo carimbo (cfr. fls. 298 e 302, o que só pode significar que a sociedade arguida estava regularmente notificada e estava a exercer o seu direito de defesa.

A autoridade administrativa não notificou a sociedade arguida das datas designadas para inquirição das testemunhas arroladas pela sociedade arguida e em rigor não estava em condições de faze-lo, posto que solicitou às autoridades policiais a realização das inquirições.

Mas mesmo que tivesse sido a própria autoridade administrativa a realizar as inquirições, ainda assim, não estava obrigada a notificar a sociedade arguida das datas para inquirição.

Como referem António de Oliveira Mendes e José dos Santos Cabral, in Notas ao Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, 3ª edição da Almedina, a pág. 152 “No âmbito do processo de contra-ordenação definem-se duas fases de natureza distinta: a primeira – fase da investigação e instrução – da competência da entidade administrativa, tem por finalidade a prática dos actos de investigação da entidade administrativa, tem por finalidade a prática dos actos de investigação e de recolha de prova que permitam determinar a existência de uma contra-ordenação e, no caso afirmativo, os elementos que revelam, nos termos do artigo 18º do Regime Geral, em termos de medida da coima, ou seja, gravidade da contra-ordenação, culpa situação económica do agente e beneficio que este retirou da prática da contra-ordenação. (…) A segunda fase – fase judicial – inicia-se com o denominado recurso de impugnação judicial. Naquela primeira fase o direito de audição e defesa do arguido tem a sua pedra angular no artigo 50º do Regime Geral no qual se define que não é possível aplicar uma coima, ou uma sanção acessória, sem antes se ter assegurado ao arguido a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar e, por tal forma, exercer o contraditório.”

A nosso ver, na fase da investigação e instrução, não está a autoridade administrativa obrigada a notificar a arguida das diligências que vai levar a cabo, sendo que nessa fase a autoridade administrativa está assim obrigada a ouvir a arguida antes de lhe aplicar a coima, o que foi feito.

Anote-se que se aplica às contra-ordenações, subsidiariamente as normas do Código de Processo Penal (cfr. artigo 41º, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas) e de acordo com o disposto no artigo 132º, nº 4 do Código de Processo Penal as testemunhas têm a possibilidade de ser acompanhadas por advogado quando prestem depoimento, ainda que no decurso de acto vedado ao público (como é o caso das inquirições das testemunhas na fase administrativa), mas o advogado não pode intervir na inquirição, acrescentando o nº 5 daquela disposição legal que não pode acompanhar testemunha advogado que seja defensor de arguido no processo.

Transpondo o que se acaba de expor para os presentes autos, temos que à data das inquirições do agente autuante e das restantes testemunhas, a arguida não tinha mandatário constituído nos autos, pelo que não vemos como poderia a autoridade administrativa notifica-la das datas das inquirições e mesmo que tivesse mandatário constituído, atento o disposto no nº 5 do citado artigo 132º, do Código de Processo Penal, o mesmo, porque defensor da sociedade arguida nem poderia acompanhar os depoimentos das testemunhas.

Por último, diga-se que ainda que se entendesse que a autoridade administrativa estava obrigada a notificar a sociedade arguida das datas designadas para inquirição daquelas testemunhas, tal omissão não configuraria uma nulidade insanável, já que não está prevista no artigo 119º, do Código de Processo Penal, aplicável por força do disposto no artigo 41º, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, tratando-se sim de uma nulidade dependente de arguição e, por respeitar à instrução deveria ser arguida no prazo de cinco dias após a decisão da autoridade administrativa, tendo aplicação o disposto no artigo 120º, do Código de Processo Penal, devidamente adaptado, equiparando-se, apenas para este efeito especifico, a decisão da autoridade administrativa ao despacho de encerramento do inquérito.

Mesmo que se admitisse que se tratava de uma nulidade (o que a nosso ver não é o caso), a mesma deveria ser invocada pela arguida no prazo de cinco dias a contar da notificação da decisão da autoridade administrativa, sendo certo que a arguida foi notificada da decisão da autoridade administrativa em 26 de Março de 2009 e apenas a veio invocar no requerimento de impugnação, o qual deu entrada em Juízo em 27 de Abril de 2009, ou seja muito depois de decorrido o prazo de cinco dias, o que equivale a dizer que mesmo que se admitisse tratar-se de uma nulidade, a mesma ficou sanada.

A sociedade arguida alega também que o Tribunal não se pronunciou sobre o comportamento da autoridade administrativa ao omitir a comunicação à arguida da realização das diligências determinadas oficiosamente.

Compulsados os autos constata-se que a autoridade administrativa decidiu inquirir o agente autuante e os militares da Guarda Nacional Republicana referidos no auto de notícia, constando os respectivos autos de declarações a fls. 306 a 307, 310, 354 e 355 a 356.

Em relação à não notificação da arguida das datas das inquirições, remetemos para o que supra expusemos sobre a não notificação das datas das inquirições das testemunhas arroladas pelas arguidas, voltando a frisar-se que a arguida não tinha à data mandatário constituído, e mesmo que o tivesse, o mesmo não poderia assistir às inquirições do agente autuante e das restantes testemunhas indicadas no auto de noticia, atendendo ao disposto no nº 5 do artigo 132º, do Código de Processo Penal.

Acresce que, após as inquirições do agente autuante e das testemunhas indicadas no auto de noticia, cujos autos de declarações constam a fls. 306 a 307, 310, 354 e 355 a 356, inquirições realizadas em 02 de Junho de 2007, 07 de Junho de 2007 e 16 de Maio de 2007, a autoridade administrativa em missiva recebida pelo seu legal representante em 15 de Junho de 2007, notificou a sociedade arguida para, para efeito de audiência prévia, designando mesmo o dia 09 de Julho de 2007 para o efeito (cfr. fls. 330 a 332), pelo que não se compreende como pode a arguida dizer que não lhe foi respeitado o principio do contraditório, posto que aquando de tal notificação dirigida à arguida já constavam nos autos os referidos autos de declarações do agente autuante e das restantes testemunhas indicadas no auto de noticia.

A propósito desta questão da não notificação da sociedade arguida da datas designadas para inquirição das testemunhas, veja-se o acórdão do Venerando Tribunal da Relação do Porto de 01/10/2008, Processo nº 41676, disponível na Base Documental ITIJ, onde se pode ler “I - Não viola os direitos de defesa e de audiência do arguido a sua não notificação da data designada para uma inquirição de testemunhas por si requerida na fase administrativa do processo de contra-ordenação. II – O objecto do processo de contra-ordenação não se circunscreve ao auto da autoridade administrativa subsequente à acção inspectiva que deu origem ao processo”

A sociedade arguida alega que o auto de notícia é omisso quanto a factos essenciais do tipo objectivo e do tipo subjectivo da contra-ordenação, porquanto no mesmo consta de forma vaga e genérica que no dia 17/01/2007, pelas 03h35, o estabelecimento (…) encontrava-se aberto ao público, em pleno funcionamento, com 25 clientes, estando autorizado a funcionar até as 03h00, não tendo sido comunicados os factos concretos de onde se pode retirar tal conclusão (ou seja por exemplo quem eram os clientes, se entre as 25 pessoas se incluiu os empregados, se estavam a ser servidas bebidas, se existiam empregados no local e o que estavam a fazer, se entraram pessoas após as 03h00, se foram efectuados pagamentos após as 03h00, se foram prestados serviços após a hora, se foram pagos alguns produtos, etc), sendo que face a tal omissão não pode a arguida exercer adequadamente o seu direito de defesa.

Não assiste qualquer razão à sociedade arguida, pelo menos a nosso ver.

Na verdade analisando o auto de noticia que faz fls. 242 dos autos, verifica-se que a autoridade policial que constatou a prática da infracção exarou no mesmo os factos que constatou e esses factos foram que no dia 17 de Janeiro de 2007, pelas 3 horas e trinta e cinco minutos o estabelecimento bar denominado (…), Albufeira encontrava-se aberto ao público com cerca de 15 clientes no seu interior e 10 clientes na esplanada, prestando serviços que o permitem enquadrar quanto ao tipo em estabelecimento de bebidas estando autorizado a funcionar até às 3 horas.

Mais consta em tal auto de noticia que tal facto (o estar aberto às 3 horas e 35 minutos com 15 clientes no seu interior e 15 cliente na esplanada quando estava autorizado a funcionar apenas até às 3 horas) constitui infracção ao artigo 4º do Regulamento dos Horários de Funcionamento de Estabelecimentos Comerciais do Município de Albufeira, punida como contra-ordenação prevista no nº 2 do artigo 12º do mesmo diploma com coima graduada entre € 2.493,99 a € 24.939,89 tratando-se de pessoa colectiva.

Consta ainda no dito auto de notícia que o estabelecimento em causa é propriedade da firma (…).

Do exposto resulta que no auto de notícia estão descritos todos os elementos objectivos susceptíveis de, em abstracto, integrarem a prática de uma contra-ordenação, resultando também do mesmo as normas legais aplicáveis e a moldura abstracta da coima a considerar.

Acresce que o auto de notícia é bem claro, pelo que não vemos como pode a arguida afirmar que não pode exercer adequadamente o seu direito de defesa.

A questão de determinar quem eram os clientes, se estavam a ser servidas bebidas se entraram pessoas após as 3 horas são todos factos acessórios que não integram os elementos objectivos da contra-ordenação, razão pela qual não têm que constar necessariamente no auto de noticia.

Em relação ao elemento subjectivo, como é bom de ver, não é exigível que o mesmo conste no auto de noticia, posto que o auto de noticia tem como finalidade relatar factos constatados pelo agente autuante e por eventuais testemunhas, dando-se assim inicio ao processo de contra-ordenação e depois na fase administrativa, na chamada fase da instrução, investigação é que se irão realizar as diligências tendentes a apurar as circunstâncias em que foi cometida a infracção, apurando-se então se a mesma foi cometida a titulo doloso ou negligente.

Pelo exposto, improcede o alegado pela arguida, já que o auto de noticia elaborado pela autoridade policial contém todos os elementos objectivos da infracção que a final veio ser imputada à sociedade arguida pela autoridade administrativa, e os elementos subjectivos só se podem apurar após realizada a investigação e instrução que compõem a fase administrativa.

(…)

Em relação ao alegado pela arguida acerca da não realização de diligências essenciais, cumpre chamar à colação o afirmado por António de Oliveira Mendes e José dos Santos Cabral, in obra citada a pág. 153 “O arguido tem o direito de se pronunciar sobre a contra-ordenação e sobre a sanção ainda na fase administrativa. Igualmente não se vislumbra motivo para negar naquela fase a possibilidade de o arguido requerer a prática de diligências relevantes para a sua defesa em termos perfeitamente equiparados aos que sucedem em fase de inquérito relativamente à autoridade judiciária. Questão diversa será a de saber se a autoridade administrativa está obrigada à prática dos actos requeridos pelo arguido e aí entendemos que a resposta terá de ser negativa. Na verdade se aquela entidade preside à investigação e instrução apenas deverá praticar os actos que se proponham atingir as finalidades daquela fase processual o que pode não coincidir, necessariamente, com os actos propostos.”

No mesmo sentido se pronunciaram os insignes Juízes Conselheiros, Manuel Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa, in Contra-Ordenações, Anotações ao Regime Geral, da Vislis, 2ª edição, onde se pode ler a páginas 307 a 308 “Porém, o direito de defesa não se limita à possibilidade de o arguido ser ouvido no processo de contra-ordenação, abrangendo o direito de intervir neste, apresentando provas ou requerendo a realização de diligências. Caberá, no entanto, à entidade que dirige o processo de contra-ordenação deferir ou não a realização das diligências requeridas, devendo abster-se de realizar as que se lhe afigurem de utilidade para a descoberta da verdade. A realização de diligências posteriores à apresentação de defesa deverá ser seguida da concessão de nova possibilidade ao arguido para se pronunciar sobre elas, como é exigido pelo direito de audiência, constitucional e legalmente reconhecido.”

Ora, no caso em apreço a autoridade administrativa (Câmara Municipal de Albufeira) que dirigiu o processo de contra-ordenação na sua fase administrativa realizou as diligências que considerou pertinentes para atingir as finalidades daquela fase processual, pelo que não assiste qualquer razão à arguida quando alega que não foram realizadas todas as diligências essenciais.

Quanto à não constituição da sociedade como arguida e da não comunicação dos direitos e deveres, diremos que tal figura não está prevista no âmbito do procedimento contra-ordenacional.

Segundo o disposto no artigo 7º, nº 1, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas “As coimas podem aplicar-se tanto às pessoas singulares como às pessoas colectivas, bem como às associações sem personalidade jurídica”, acrescentando o nº 2 da mesma disposição legal que “As pessoas colectivas ou equiparadas serão responsáveis pelas contra-ordenações praticadas pelos seus órgãos no exercício das suas funções.”

Também com interesse para a questão ora apreciada, o disposto no artigo 87º, nº 1, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas “As pessoas colectivas e as associações sem personalidade jurídica são representadas no processo por quem legal ou estatutariamente as deva representar.”

Também com interesse para esta questão veja-se o Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-geral da República nº 10/94, de 07/07/94, publicado no Diário da República II Série de 28-04-95, pág. 4576, em cujo sumário se pode ler “1. As pessoas colectivas ou equiparadas actuam necessariamente através dos titulares dos seus órgãos ou dos seus representantes, pelo que os factos ilícitos que estes pratiquem, em seu nome e interesse, são tratados pelo direito como factos daquelas, nomeadamente quando deles advenha responsabilidade criminal, contra-ordenacional ou civil (…) 3 A responsabilidade da pessoa colectiva, qua tale, normalmente cumula-se com a responsabilidade individual dos agentes que levaram a cabo a prática concreta de cada infracção (…) 8 A audição da pessoa colectiva como arguida de responsabilidade contra-ordenacional considera-se cumprida desde que ao seu representante legal seja dada a possibilidade de se pronunciar, inclusive através de mandatário forense, sobre a imputação concreta que lhe é feita, por qualquer forma segura de comunicação”

Depois destes considerando, voltando ao caso dos autos, temos que as autoridades policiais identificaram logo no local o legal representante da sociedade arguida, (…) (vide auto de noticia de fls. 242), o qual foi notificado desde a primeira hora como legal representante da sociedade e apresentou diversos requerimentos nos autos em nome da sociedade arguida, pelo que foi cumprido o previsto na lei, não se verificando qualquer nulidade por falta de constituição da sociedade como arguida.

Aqui chegados, cumpre sublinhar que, sem prejuízo de o art. 50.º do RGCO dever ser analisado à luz dos princípios do artigo 32.º da CRP, como sustentado é pela recorrente, não deverá ignorar-se, tão-pouco, como lembrado foi, neste caso pelo MP na resposta que apresentou a recurso em 1ª instância, que a imputação ao arguido pela autoridade administrativa de uma contra-ordenação e subsequente estabelecimento do contraditório nos termos previstos no art. 50.º do RGCO não traduz ainda uma acusação pública, surgindo esta apenas com a apresentação ao juiz dos autos remetidos pelo MP na sequência da apresentação de impugnação judicial da decisão administrativa nos termos do art. 62.º do mesmo diploma legal. O respeito pelos direitos de defesa e contraditório bem como o princípio da presunção de inocência não impõem a observância no procedimento e decisão administrativa do mesmo grau de exigências formais impostas a uma decisão judicial produzida no termo de um processo moldado por compreensível maior rigidez reivindicada pela condição e natureza de instrumento último de tutela dos direitos fundamentais. Sendo a forma o primeiro instrumento contra o arbítrio e irmã gémea da liberdade (na formulação conhecida de Jehring), compreende-se, no entanto, que, diferentemente do pretendido pela recorrente, nem todas as regras procedimentais especificamente impostas no processo penal sejam transponíveis para a fase inicial do procedimento contra-ordencional conducente à prolação da decisão pela autoridade administrativa. De resto, o próprio direito de impugnação judicial da decisão condenatória proferida pela autoridade administrativa é expressão daquela diferenciação, garantindo a via judiciária no acesso ao direito e tutela dos direitos fundamentais.

Lida a argumentação jurídica exaustivamente expendida na sentença recorrida como fundamento do não reconhecimento de qualquer violação do disposto no art. 50.º do RGCO, e que acima se deixou, em parte, transcrita (omitindo-se as repetições produzidas em resposta aos fundamentos repetidamente expostos na motivação do recurso de impugnação judicial interposto e agora, de novo, nas conclusões do presente recurso) nada mais se impõe acrescentar em sua sustentação. Não será, com efeito, por voltar a reproduzir, uma vez mais, os mesmos fundamentos que eles poderão ganhar em consistência, de que não carecem, ou sequer convencer uma recorrente apostada em insistir numa argumentação formal que confunde direitos de defesa com expedientes dilatórios desde o início rebatidos pelas sucessivas autoridades decisoras intervenientes no processo. Como aceitar, na verdade, a insistência na invocação da omissão de pronúncia relativamente a factos quando o tribunal dos mesmos conheceu tomando posição expressa sobre a sua verificação ou não. Como compreender que a recorrente se permita invocar a omissão de resposta ao seu requerimento em que apresentava um rol de testemunhas a inquirir quando, como bem se salienta na decisão recorrida, com excepção para a testemunha (…), as testemunhas arroladas pela defesa foram inquiridas apesar das dificuldades de leitura suscitadas pelo referido requerimento. No que respeita à testemunha (…), os autos evidenciam certidão de notificação negativa, com a informação de que se encontrava a trabalhar no estrangeiro, designadamente em Espanha, desconhecendo-se a sua actual morada (fls. 312), como tudo se consigna também na decisão administrativa.

Pretende ainda a recorrente que a sentença recorrida incorre nos vícios do art. 410.º/2 do CPP, por os factos provados se apresentarem como insuficientes para a decisão judicial proferida, nomeadamente por omissão de identificação do concreto agente que os praticou, por omissão de dados que permitam fazer concluir que os factos foram praticados em nome e no interesse da arguida, por omissão de factos que permitam imputar o dolo, por não ser exigível à arguida qualquer outro comportamento e por omissão de elementos que permitam concluir pela verificação de benefício económico.

A este respeito assinala-se na sentença sob escrutínio:

«A arguida invoca a nulidade da decisão da autoridade administrativa, defendendo que existe uma contradição insanável relativamente ao beneficio económico e situação económica da arguida, porquanto a entidade administrativa reconhece na decisão proferida que nada se sabe sobre a situação económica da arguida e na mesma decisão consta que a arguida obteve um relativo beneficio económico, sendo tais factos manifestamente contrários entre si.

Não assiste qualquer razão à arguida, como facilmente se demonstra.

De facto na decisão da autoridade administrativa que faz fls. 257 a 262 a fls. 262 pode ler-se que inexistem elementos relativamente à situação económica da arguida e pode ler-se também que se considera existir um relativo beneficio económico obtido com a prática da contra-ordenação, mas a nosso ver, estes factos não são contraditórios.

A autoridade administrativa não logrou apurar a situação económica da arguida por não ter sido junta aos autos, por exemplo, a última declaração de rendimentos e, como tal, na determinação da medida da coima não pode dar como assente qual a real situação económica da arguida, afigurando-se-nos que considerou que a arguida não apresentaria resultados económicos por aí além, já que ficou o montante da coima muito próximo do seu limite mínimo.

O facto da autoridade administrativa não ter apurado com rigor a situação económica da sociedade arguida, não significa que não pudesse concluir que a mesma obteve algum beneficio económico com a prática da contra-ordenação, e para chegar a tal conclusão basta socorrer-se das regras da experiência comum.

Efectivamente, se o estabelecimento comercial da arguida que estava obrigado a encerrar naquela noite ás 3 horas, quando eram 3 horas e 35 minutos ainda continuava aberto ao público, com cerca de 25 clientes, necessariamente se conclui que a arguida obteve com a prática da contra-ordenação as quantias pagas pelos referidos clientes referentes a bebidas e alimentos que foram servidos pela arguida após as 3 horas, sendo certo que a autoridade administrativa não apurou qual o concreto beneficio económico obtido pela sociedade arguida mas é certo que a mesma obteve algum beneficio, razão pela qual se sem necessidade de mais considerando se há-de concluir que inexiste qualquer contradição insanável na decisão da autoridade administrativa».

E um pouco mais adiante:

«Analisando agora o teor da decisão da autoridade administrativa, afigura-se-nos que a mesma respeita os requisitos elencados no artigo 58º, do Regime Geral das Contra Ordenações e Coimas e, ao contrário do alegado pela sociedade arguida, não padece de qualquer nulidade.

Os requisitos da decisão condenatória estão elencados no artigo 58º do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, que prescreve que a decisão que aplica a coima ou as sanções acessórias deve conter a identificação dos arguidos; a descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas; a indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão, e ainda a coima e as sanções acessórias.

Segundo os Ilustres Conselheiros Manuel Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa, in Contra-Ordenações – Anotações ao Regime Geral, 2ª edição 2002, da Vislis Editores, a pág. 334 “os requisitos previstos neste artigo para a decisão condenatória do processo contra-ordenacional visam assegurar ao arguido a possibilidade de exercício efectivo dos seus direitos de defesa, que só poderá existir com um conhecimento perfeito dos factos que lhe são imputados, das normas legais em que se enquadram e condições em que pode impugnar judicialmente aquela decisão. Por isso, as exigências aqui feitas deverão considerar-se satisfeitas quando as indicações contidas na decisão sejam suficientes para permitir ao arguido o exercício desses direitos.”

Analisando a decisão da autoridade administrativa que consta a fls. 257 a 262, verifica-se que a mesma identifica a arguida, descreve os factos que lhe são imputados (manter o estabelecimento (…) aberto ao público quando eram 3h35, mantendo-se no seu interior cerca de 25 clientes, quando o horário de funcionamento apenas lhe permitia manter o estabelecimento aberto até ás 3 horas), indicando ainda as provas (auto de noticia e depoimentos de testemunhas inquiridas), e a mesma contém a indicação das normas aplicáveis e a sanção aplicável, nomeadamente o montante da coima aplicada, fazendo também menção da moldura abstracta a considerar.

A decisão em causa refere também que a arguida (por intermédio do seu representante legal) representou de forma livre e consciente, a realização de um facto que preenche um tipo de contra-ordenação como consequência necessária da sua conduta, não se abstendo de o praticar, o que integra o elemento subjectivo (dolo necessário), pois é evidente que estando o representante legal no estabelecimento, o mesmo sabia que caso não o encerrasse ás 3 horas incorria necessariamente em responsabilidade contra-ordenacional, e mesmo assim não se absteve de manter o estabelecimento aberto até à chegada das autoridades policiais.

Acresce que a decisão da autoridade administrativa é suficientemente clara para garantir à arguida o exercício efectivo dos seus direitos de defesa, os quais a arguida exerceu no recurso apresentado.

Alega a arguida desconhecer como foram ponderados os elementos de determinação da medida da coima.

A nosso ver, também nesta parte não assiste qualquer razão à arguida, já que na referida decisão é dito pela autoridade administrativa que considera a infracção de gravidade elevada por estar em causa o direito constitucionalmente plasmado a um ambiente sadio e com qualidade de vida, que inclui o direito ao repouso e descanso dos moradores nas imediações onde o estabelecimento se situa.

Mais é referido na dita decisão que o estabelecimento (…) terá de cumprir as regras legais existentes, não podendo subtrair os direitos dos moradores nas suas imediações com o intuito de rentabilizar o local.

Quanto à determinação da coima, é referido na decisão da autoridade administrativa que a arguida retirou da mesma benefício económico, o qual embora não tenha sido quantificado se consubstancia no valor dos consumos efectuados pelos clientes entre as 3,00 horas e as 3,35 horas.

No que concerne à medida da coima, considerando que a infracção imputada à arguida é punível com coima entre 2.493,99 € e 24.939,89 €, apenas se dirá que a autoridade administrativa aplicou a mesma muito próximo do limite mínimo.

Assim, consideramos que a decisão da autoridade administrativa contém todos os requisitos elencados no artigo 58º do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas e o respectivo conteúdo foi perfeitamente apreendido pela arguida, exercendo a mesma, de forma efectiva o seu direito de defesa.

Em suma, diremos que durante a fase administrativa do processo foram garantidos todos os direitos de defesa da arguida, realizando a autoridade administrativa as diligências que considerou pertinentes para a descoberta da verdade, proferindo a final uma decisão que respeita os ditames legais, a qual é clara e foi bem compreendida pela arguida.

Pelo exposto, julgam-se improcedentes todas as nulidades invocadas pela sociedade arguida».

Conclui-se, assim, que também no que respeita à verificação de benefício económico foi tomada posição na sentença recorrida, ali se salientando que foi considerado «que a arguida obteve beneficio económico, dando como não provada a alegação da arguida no sentido de que não obteve qualquer benefício económico, porque alguns dos militares da Guarda Nacional Republicana referiram que viram ser servidas bebidas e alimentos a alguns clientes o que necessariamente significou o recebimento de quantia monetária pela arguida, sendo isso o que resulta das regras da experiência comum». E, mais adiante, já em sede de apreciação da medida da coima aplicada, observa-se ainda: «quanto à determinação da coima, é referido na decisão da autoridade administrativa que a arguida retirou da mesma benefício económico, o qual embora não tenha sido quantificado se consubstancia no valor dos consumos efectuados pelos clientes entre as 3,00 horas e as 3,35 horas. No que concerne à medida da coima, considerando que a infracção imputada à arguida é punível com coima entre 2.493,99 € e 24.939,89 €, apenas se dirá que a autoridade administrativa aplicou a mesma muito próximo do limite mínimo. Assim, consideramos que a decisão da autoridade administrativa contém todos os requisitos elencados no artigo 58º do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas e o respectivo conteúdo foi perfeitamente apreendido pela arguida, exercendo a mesma, de forma efectiva o seu direito de defesa».

Assim é, com efeito, sendo manifesto que a recorrente confunde vícios do art. 410.º do CPP, designadamente o vício da insuficiência da matéria de facto para a decisão proferida, com diferentes convicções formadas sobre a prova produzida, sendo que no caso a leitura da decisão sob recuso nenhuma observação ou censura suscita relativamente à percepção dos factos que afirmada foi pelo julgador, decorrendo a mesma de forma clara, coerente e compreensível para qualquer leitor, sem evidenciar qualquer espécie de contradição ou erro notório e apresentando-se as presunções assumidas, como decorrentes de um raciocínio lógico e formulado de acordo com as regras da experiência comum.

Pretende ainda a recorrente que a decisão administrativa se encontra ferida de nulidade por falta e cumprimento integra do disposto no artigo 58.º, n.º 2 alínea b) do RGCO, uma vez que não consta da mesma que o tribunal pode decidir mediante audiência ou, caso o arguido e o Ministério Público não se oponham, mediante simples despacho. Ora, a este respeito, mais uma vez se evidencia a manifesta falta de razão da recorrente, transferindo para a decisão administrativa requisitos formais que se impõem apenas à decisão judicial.

Aqui chegados importa relembrar o enquadramento jurídico da infracção cometida, assumido na sentença em apreciação:

A autoridade administrativa imputou à sociedade arguida a prática da contra-ordenação p. p. pelos artigos 4º, nº 2 e 12º, nº 2, do Regulamento dos Horários de Funcionamento dos Estabelecimentos Comerciais do Município de Albufeira.

Preceitua o artigo 1º do Regulamento dos Horários de Funcionamento dos Estabelecimentos Comerciais do Município de Albufeira que “O presente regulamento, elaborado em execução do Decreto-lei nº 48/96, de 15 de Maio, é aplicável a todas as pessoas (singulares e colectivas) que exerçam actividades comerciais na área do Município de Albufeira.”

Por sua vez o artigo 2º do mesmo diploma legal estabelece que “Constitui objecto deste regulamento o regime de fixação dos períodos de abertura e de funcionamento dos estabelecimentos de venda ao público e de prestação de serviços referidos nos números 1 a 4 do artigo 1º do Decreto-lei 48/96, de 15 de Maio.”

O artigo 3º, nº 2, do citado diploma legal dispõe que “Compete à Câmara Municipal, mandar executar o presente regulamento, instruir os processos de contra-ordenação e aplicar as respectivas coimas, revertendo as receitas provenientes da sua aplicação exclusivamente para a Câmara.”

O artigo 4º do mencionado Regulamento tem como epígrafe «Regime de funcionamento» e no seu nº 2 estabelece que “Os estabelecimentos classificados por alvará como bares, cafés, cervejarias, casa de chá, restaurantes, “snack-bares”, “self-services” e casas de pasto poderão funcionar até às 4 horas de todos os dias da semana, no período compreendido entre 15 de Maio e 15 de Outubro inclusive, na semana anterior ao Domingo de Páscoa e no Sábado, Domingo, Segunda e Terça-feira de Carnaval e até às 8 horas na noite de 31 de Dezembro para 1 de Janeiro. No resto do ano poderão funcionar até às 3 horas.”

Também com interesse para o caso e apreço, o disposto no artigo 9º do dito Regulamento “Durante o período em que o estabelecimento está encerrado é expressamente proibida a permanência de quaisquer utentes ou clientes, bem como de quaisquer pessoas que não façam parte do respectivo pessoal, salvo motivos de força maior.”

Igualmente com interesse para o caso em apreço, o disposto no artigo 11º “A fiscalização do cumprimento do estatuído no presente regulamento incumbe às Entidades Policiais e à Fiscalização Municipal, devendo estar sempre presente o responsável pelo estabelecimento.”

O artigo 12º, nº 2, do Regulamento dos Horários de Funcionamento dos Estabelecimentos Comerciais do Município de Albufeira, estabelece que “O funcionamento de estabelecimentos fora do horário aprovado pela Câmara será punido com coima a fixar entre Esc: 50.000$00 (cinquenta mil escudos) e Esc: 750.000$00 (setecentos e cinquenta mil escudos) para as pessoas singulares e entre Esc: 500.000$00 (quinhentos mil escudos) e Esc: 5.000.000$00 (cinco milhões de escudos) para as pessoas colectivas...”

De referir que o Regulamento foi elaborado quando ainda tinha curso legal o escudo, pelo que a coima fixada no citado artigo 12º, nº 2, para as pessoas colectivas deverá actualmente ser graduada entre 2.493,99 € e 24.939,89 €.

Depois destes considerandos, voltando ao caso dos autos, temos que a sociedade arguida explora o estabelecimento comercial denominado (…), o qual de acordo com o Regulamento dos Horários de Funcionamento dos Estabelecimentos Comerciais do Município de Albufeira estava autorizado a funcionar até às 3 horas da manhã, uma vez que estávamos no dia 17 de Janeiro de 2007, e a verdade é que cerca das 3 horas e 35 minutos desse dia 17 de Janeiro de 2007 quando os militares da Guarda Nacional Republicana passaram em frente à porta do dito estabelecimento constataram que o mesmo estava ainda aberto ao público, tendo algumas luzes ligadas e após fiscalizarem o mesmo verificaram que no seu interior, na zona do bar e na esplanada, para além de alguns funcionários, os quais procediam já a operações de limpeza, ainda se encontravam cerca de 25 clientes, alguns dos quais a consumirem bebidas e alimentos, nomeadamente hambúrgueres e cachorros.

De referir que foi afirmado por alguns dos militares da Guarda Nacional Republicana que quando chegaram ao local ainda viram ser servidos alguns produtos aos clientes.

Ou seja, é notório, pelo menos para o Tribunal, que aquela hora o estabelecimento comercial ainda estava aberto e ainda estava a servir clientes, pelo que se mostram preenchidos todos os elementos da contra-ordenação imputada à sociedade arguida.

E nem se argumente que o responsável já tinha dado ordem para os clientes saírem e que os mesmos ainda estavam a sair do estabelecimento, pois os militares da Guarda Nacional Republicana referiram que passaram uma primeira vez junto ao estabelecimento, cerca das 3 horas e 15 minutos e não viram qualquer sinal de que o estabelecimento estivesse a encerrar (e será certamente por isso que resolveram voltar cerca de 15 minutos depois) e a verdade é que já tinham passado mais de 30 minutos da hora fixada para o encerramento, acrescendo ainda o facto de alguns militares terem visto servir bebidas e alimentos aos clientes quando chegaram ao bar.

Incorreu pois a sociedade arguida na prática da contra-ordenação que lhe foi imputada pela autoridade administrativa, não podendo deixar de ser condenada.

Por último, diga-se que a simples análise do Regulamento dos Horários de Funcionamento dos Estabelecimentos Comerciais do Município de Albufeira, responde a várias questões suscitadas pela sociedade arguida na sua impugnação, nomeadamente sobre a identificação do diploma legal que serviu de base à elaboração do dito regulamento (Decreto-Lei nº 48/96, de 15 de Maio), sobre quem tem competência para fiscalizar (Entidades Policiais e Fiscalização Municipal) e sobre quem tem competência para aplicar as coimas pelo desrespeito das normas do regulamento (Câmara Municipal)».

Trata-se de fundamentação clara e que não merece censura, nada mais cumprindo acrescentar nesta sede.

De resto no que toca à coima aplicada pode ler-se ainda na sentença sob recurso.

De acordo com o estatuído no artigo 18º, nº 1 do Regime Geral das Contra Ordenações e Coimas “A determinação da medida da coima faz-se em função da gravidade da contra-ordenação, da culpa, da situação económica do agente e do benefício económico que este retirou da prática da contra-ordenação.”

Ora, no caso em apreço, a infracção praticada pela arguida é grave, o que se deduz desde logo pelos montantes da coima, cujo montante mínimo, no caso de pessoas colectivas, é de 2.493,99 €, e também porque com a fixação de horários de funcionamento se visa garantir aqueles que moram nas proximidades de estabelecimentos comerciais nocturnos, o descanso a que têm direito.

No caso dos autos a contra-ordenação foi praticada a título doloso, já que o responsável pelo estabelecimento encontrava-se no mesmo, tendo agido de forma livre deliberada e consciente.

Não foi apurada a situação económica da sociedade arguida, nem foi quantificado o benefício económico que a arguida retirou da prática da contra-ordenação, sendo certo que tal benefício económico há-de corresponder ao valor das bebidas e alimentos que a arguida forneceu aos clientes após as 3 horas daquele dia 17 de Janeiro de 2007.

Não assume grande relevância o facto de não se ter apurado a situação económica da arguida, sendo certo que se a arguida fizesse questão do Tribunal a conhecer, poderia ter carreado para os autos os elementos necessários, nomeadamente a última declaração de rendimentos apresentada à Administração Fiscal, já que a Autoridade Administrativa fixou a coima muito próximo do seu valor mínimo, pelo que a determinação da situação económica da arguida não iria alterar a medida da coima.

Pelo exposto, a coima fixada pela Autoridade Administrativa mostra-se ajustada, até porque não consta que a arguida tivesse quaisquer antecedentes em matéria contra-ordenacional, pelo menos desta natureza, pelo que não nos merece qualquer reparo.

Sabido que na determinação da medida da coima deve levar-se em consideração a gravidade da contra-ordenação, a culpa, a situação económica do agente e o benefício económico que este retirou da prática da infracção, bem como dos antecedentes do infractor relativamente ao não cumprimento das disposições do presente diploma e dos seus regulamentos (art. 18.º/1 do RGCO) e ainda que, de acordo com o disposto no art. 71°, n.° 2, do Código Penal, deverá atender-se a todas as circunstâncias que deponham a favor ou contra o agente, nenhuma censura merece, pois, o decidido, não se verificando nenhuma das nulidades ou vícios invocados pela recorrente.

Termos em que improcedem todos os fundamentos invocados no recurso.

III – DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes da 9ª secção deste Tribunal da Relação em negar provimento ao recurso interposto pela arguida, confirmando-se, na íntegra, a sentença recorrida.

Custas pela recorrente, fixando-se em 6 UCs a taxa de justiça.

Notifique.

Évora, 11 de Outubro de 2011

Maria de Fátima Mata-Mouros (relatora) - Maria Filomena de Paula Soares (adjunta)

http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/c2f5ef089cb3cd6480257930004738dc?OpenDocument

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