Acerca de mim

A minha foto
Porto, Porto, Portugal
Rua de Santos Pousada, 441, DE Telefone: 225191703; Fax: 225191701; E-mail: cabecaisdecarvalho@gmail.com

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

ÓNUS DA PROVA DESPEDIMENTO DE FACTO -Acórdão do Tribunal da Relação de Évora - 27/09/2011


Acórdãos TRE
Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
137/10.8TTBJA.E1
Relator: JOÃO LUÍS NUNES
Descritores: ÓNUS DA PROVA
DESPEDIMENTO DE FACTO
SOCIEDADE
PODERES DE REPRESENTAÇÃO

Data do Acordão: 27-09-2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: TRIBUNAL DO TRABALHO DE BEJA
Texto Integral: S

Meio Processual: APELAÇÃO SOCIAL

Sumário:
I – Face ao disposto face ao disposto no artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, ao trabalhador que alega ter sido despedido, incumbe a prova do despedimento.
II – Em acção de impugnação de despedimento, com fundamento em “despedimento de facto” incumbe ao trabalhador a prova dos factos que inequivocamente revelam a vontade do empregador pôr termo ao contrato, bem como de que tais factos foram por ele, trabalhador, como tal interpretados.
III – Não se verifica despedimento no circunstancialismo em que se apura que a trabalhadora regressou ao trabalho (de tratadora auxiliar) numa pecuária depois de uma baixa médica prolongada, tendo-lhe sido distribuídas tarefas que ela não aceitou realizar e, após, discussão com a encarregada da pecuária da empregadora, esta pediu-lhe as chaves que tinha de acesso à propriedade e disse-lhe: “zunindo daqui para fora”.
IV – Uma sociedade pode tacitamente aceitar a actuação de quem, não sendo seu representante “de jure”, se comporte, na prática, como tal: basta, para isso, que se evidencie uma reiterada aceitação tácita dessa representação, correspondente à sua ratificação.
V – Tal não ocorre se dos autos apenas resulta que a encarregada de pecuária da empregadora se limitava a coordenar e distribuir o trabalho por outros trabalhadores, não resultando que tivesse quaisquer instruções ou poderes para fazer cessar contratos de trabalho com outros trabalhadores da empregadora, nem que esta tivesse tido conhecimento do alegado despedimento até à apresentação da queixa pela trabalhadora junto da ACT.

Sumário do relator


Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:
I. Relatório
S… intentou, no Tribunal do Trabalho de Beja, a presente acção declarativa de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, contra F…, S.A., pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 5.624,65 (sendo € 5.124,65 a título de indemnização por despedimento ilícito e € 500,00 referente à retribuição do mês anterior ao da propositura da acção), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.
Alegou para o efeito, em síntese, que trabalhou sob as ordens, direcção fiscalização da Ré entre os dias 1 de Abril de 2003 e 4 de Fevereiro de 2010, auferindo ultimamente a quantia de € 500,00 mensais.
Em 4 de Fevereiro de 2010, a Ré comunicou verbalmente à Autora que estava despedida, sendo que após tal data a mesma Ré contratou uma terceira pessoa para desempenhar as funções que até aí eram exercidas pela Autora.
O despedimento promovido pela Ré é destituído de justa causa e sem precedência de processo disciplinar, pelo que configura ilicitude da cessação do contrato de trabalho, com as consequências legais daí decorrentes, que, por isso, peticiona.

Tendo-se procedido à audiência de partes e não se tendo logrado obter o acordo das mesmas, contestou a Ré, sustentando, muito em resumo, que não despediu a Autora, pois quando esta retomou as funções – em 2 de Fevereiro de 2010, após um período de baixa –, manifestou desagrado pelas tarefas que lhe foram confiadas, e no dia 4 do mesmo mês e ano comunicou à encarregada da exploração da Ré que “se despedia”, uma vez que se encontrava desagradada com as tarefas que desempenhava, sendo que a partir de tal data não mais compareceu ao serviço.
Pugna, por consequência, pela improcedência da acção.

Seguidamente, procedeu-se à elaboração do despacho saneador stricto sensu, dispensou-se a realização da audiência preliminar, bem como da base instrutória, após o que se procedeu à audiência de discussão e julgamento, respondeu-se à matéria de facto, que foi objecto de reclamação, com êxito, da Ré.
Finalmente, foi proferida sentença, que julgou a acção procedente, sendo a parte decisória do seguinte teor:
«Pelo exposto, o Tribunal julga a presente acção como totalmente procedente e, em consequência, declara ilícito o despedimento da autora efectuado pela ré e condena esta a pagar àquela:
A – a título de indemnização em substituição da reintegração, a quantia de cinco mil, cento e vinte e quatro euros e sessenta e cinco cêntimos.
B – a título de indemnização do artigo 390 do Código do Trabalho, a quantia de quatro mil euros, contabilizada até ao momento da prolação da sentença, bem como as quantias que se vencerem até ao trânsito em julgado da sentença e descontados os pagamentos a que se refere o nº 2 do artigo em referência.
C – Quantias acrescidas de juros vencidos e vincendos à taxa legal, desde a data da citação até integral pagamento.».

Inconformada com a sentença, a Ré dela interpôs recurso, tendo nas respectivas alegações formulado as seguintes conclusões:
«1. O Tribunal a quo entende que a prova documental constituída por uma certidão emitida por ente público com o teor de uma queixa apresentada àquele por um cidadão constitui um documento com força probatória bastante, não obstante não se pronunciar sobre o conteúdo do mesmo, que é um escrito particular.
2. Este documento, alegadamente não impugnado, não foi levado ao conhecimento da Ré a não ser durante o julgamento.
3. O teor do mesmo relativamente à descrição do alegado despedimento contém contradições flagrantes de pormenor com os depoimentos prestados em julgamento pela própria Autora, que o descredibilizam.
4. O documento deu entrada no A.C.T em 15.02.2010, ou seja 11 dias após a data do alegado despedimento.
5. Não obstante a Autora o ter datado de 05.02.2010.
6. A testemunha M… aguardava a A. para lhe dar instruções acerca do trabalho a prestar e para lhe pedir a devolução das chaves do portão de acesso à herdade. (min 9:35 depoimento de M… e 18:30 do depoimento da Autora)
7. A A. tentou por todos os meios evitar entregar a chave. (Min 17.00 depoimento da Autora)
8. A M…, irritou-se com a sistemática recusa de entrega das chaves a ponto de a ameaçar com a intervenção da GNR. (Minuto 11.00 depoimento Maria do Castelo)
9. A M…, com a paciência já nos limites disse à A. vai-te embora zunindo daqui para fora. (Minuto 19 do depoimento da Autora)
10. A A. não considerou que a M… a estivesse a despedir porquanto se apresentou ao serviço durante os dois dias seguintes.
11. A discussão foi presenciada por um trabalhador da empresa, de nome M…única pessoa presente no local para além da M… e da A. (Minuto 9:35 depoimento Maria do Castelo e 17:50 do depoimento da Autora)
12. Este trabalhador não foi indicado por qualquer das partes nem foi inquirido a solicitação do Tribunal.
13. A A. “depois de despedida” foi, durante dois dias consecutivos colocar-se junto ao portão de acesso à herdade onde trabalhava e como o portão não estivesse aberto, não diligenciou para que o abrissem.
14. A. A. não fez prova de ter contactado a administração da recorrente por qualquer meio legítimo para manifestar o seu desagrado pelo alegado despedimento.
15. O Tribunal não se pronunciou sobre esta atitude de inércia por parte da A.
16. No entanto, considerou o facto de a recorrente não ter tomado qualquer procedimento disciplinar, como uma atitude de aceitação do despedimento alegadamente efectuado pela M...
17. Não foi feita qualquer prova em juízo em como a recorrente tivesse tomado conhecimento do alegado comportamento (excesso de mandato) por parte da M...
18. A A. queixou-se na PI de ser maltratada na empresa após começar a desempenhar trabalho no campo.
19. O Tribunal deu como provado que o ambiente de trabalho lhe era desfavorável.
20. No entanto a A. no seu depoimento afirmou que se encontrava mais feliz a trabalhar no campo do que nas tarefas domésticas.
21. Provou-se que a Autora já em Dezembro de 2009 pedia ao contabilista da empresa para lhe darem os papéis para o desemprego, que ela se iria embora.
22. Provado ficou que a entidade patronal em Dezembro de 2009 lhe pagou o subsídio de natal, não obstante, no ano de 2009 ela só tivesse trabalhado alguns dias.
23. O artº 800º do C.C. não é aplicável ao caso vertente, não só pelo expresso no nº17 destas conclusões mas em especial, porque não estamos em presença do cumprimento de uma obrigação creditícia e é entendimento generalizado entre os Autores e a Jurisprudência, que deste tipo de mandato ficam excluídos todos os actos que lhe sejam estranhos, pelo que não será aplicável à recorrente.
24. O mandato da M… foi inequivocamente conferido para dar instruções de trabalho à A e pedir-lhe a devolução das chaves, conforme ficou demonstrado.
25. A sistemática constatação de factos dúbios e muitas vezes contraditórios interpretados e assumidos pelo Tribunal, a quo exclusivamente em favor da A. constitui uma violação do princípio de igualdade no tratamento das partes, conforma o disposto no artº 3ºA do CPC.
Termos em que, deve o recurso ser julgado procedente, por provado e consequentemente revogada a sentença proferida, absolvendo-se a recorrente do pedido, com as legais consequências».

A Autora/apelada não respondeu ao recurso.

Este foi admitido na 1.ª instância como de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito suspensivo, atenta a caução prestada.

Neste tribunal, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer no qual sustenta, em síntese, que da prova produzida não resulta o despedimento da Autora, pelo que conclui pela improcedência da acção e, por consequência, ainda que de modo implícito, pela procedência do recurso.
Respondeu a Autora, a reafirmar, em suma, que foi despedida.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II. Objecto do recurso
O objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, como resulta do disposto nos artigos 684.º, n.º 3 e 685.º-A, n.º 1, do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 1.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo do Trabalho, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.
Assim, tendo em conta as conclusões da recorrente são as seguintes as questões essenciais decidendas:
- saber se existe fundamento para alterar a matéria de facto fixada na 1.ª instância, o que envolve a sub-questão de saber se na fixação da matéria de facto foi violado o princípio da igualdade;
- em função da matéria de facto fixada, saber se se verificou o despedimento ilícito da Autora, o que envolve a sub-questão de saber se quem, alegadamente, “despediu” a Autora tinha poderes para o acto, ou, noutra perspectiva, se a Ré aceitou e tacitamente ratificou o acto.

III. Factos
A 1.ª instância deu como provada a seguinte factualidade:
A) A ré é uma sociedade anónima que se dedica ao comércio agrícola e pecuário.
B) A autora trabalhou por conta da ré, sob a sua direcção e fiscalização, entre o dia 1 de Abril de 2003 a 4 de Fevereiro de 2010.
C) A autora foi admitida pela aqui ré para desempenhar as funções de tratadora auxiliar.
D) Tinha contrato sem termo.
E) Depois de ter engravidado deixou de trabalhar na casa da “patroa” e começou a trabalhar no campo.
F) Passou a trabalhar no tratamento e criação de perdizes.
G) A autora auferia a título de salário a quantia mensal ilíquida de € 500,00.
H) No dia 4 de Fevereiro de 2010, através de uma funcionária da ré, foi dito à autora, verbalmente, para se ir embora, tendo-lhe sido pedidas as chaves de acesso à herdade que aquela entregou.
I) A ré pagou à autora a remuneração correspondente ao mês de Janeiro e o subsídio de férias e de Natal.
J) A autora esteve de baixa médica no ano de 2008 de 17 de Julho a 28 de Julho; de 29 de Julho a 27 de Agosto e de 5 de Setembro a 15 de Dezembro de 2008.
K) Em 2009, esteve de baixa médica de 1 a 4 de Janeiro, de 25 de Julho a 25 de Setembro, de 28 de Setembro a 27 de Outubro e de 1 de Janeiro de 2010 a 1 de Fevereiro de 2010.
L) No período compreendido entre 10 de Janeiro de 2009 e 12 de Junho de 2009 esteve de licença de parto.
M) Por causa destas ausências, o administrador da ré fez substituir a autora nas tarefas dos trabalhos domésticos por uma outra colega de profissão desta que também trabalhava nas instalações da ré.
N) Nos dias em que trabalhou desempenhou as tarefas de tratadora auxiliar.
O) Desde o dia 4 de Fevereiro de 2010, a autora não mais trabalhou para a ré.

IV. Fundamentação
Como se deixou supra afirmado (n.º II), as questões essenciais a decidir centram-se em apurar (i) se existe fundamento para alterar a matéria de facto fixada na 1.ª instância, o que envolve a sub-questão de saber se na fixação da matéria de facto foi violado o princípio da igualdade, e (ii) se perante a matéria de facto se verifica(ou) o despedimento ilícito da Autora, o que envolve a sub-questão de saber se quem, alegadamente, “despediu” a Autora tinha poderes para o acto, ou se o mesmo foi aceite (ainda que tacitamente) pela Ré.
Vejamos, de per si, cada uma das questões.

1. Da impugnação da matéria de facto
A Ré embora manifestando discordância quanto à matéria de facto fixada pelo tribunal recorrido, não indica quais os concretos pontos da matéria de facto de que discorda.
Todavia, retira-se das suas alegações e conclusões que a discordância se centra na factualidade inerente à ordem dada à Autora para se ir embora, “que estava despedida”; ou seja, a discordância incide sobre o facto que consta da alínea H) da matéria de facto assente (“No dia 4 de Fevereiro de 2010, através de uma funcionária da ré, foi dito à autora, verbalmente, para se ir embora, tendo-lhe sido pedidas as chaves de acesso à herdade que aquela entregou”).
Estipula o artigo 685.º-B, do Código de Processo Civil, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24-08:
«1. Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 522.º-C, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição.
3. (…).
4. Quando a gravação da audiência for efectuada através de meio que não permita a identificação precisa e separada dos depoimentos, as partes devem proceder às transcrições previstas nos números anteriores».
E, como se resulta do disposto no n.º 1, alínea a) do artigo 712.º do Código de Processo Civil, a decisão do tribunal da 1.ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação se, entre o mais, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 685.ª-B, a decisão com base neles proferida.
Ora, no caso em apreciação, como se deixou afirmado, a recorrente não indica em concreto os pontos da matéria de facto que impugna: porém, como também se explicitou, extrai-se do recurso que a Ré impugna a matéria constante da alínea H) da matéria de facto provada.
E quanto aos concretos meios probatórios, a recorrente para além de mencionar a localização de alguns depoimentos (na parte relevante), procede também à sua transcrição.
Embora a recorrente não tenha dado integral cumprimento ao disposto no artigo 685.º-B, do Código de Processo Civil, maxime quanto ao estatuído na alínea a) do seu n.º 1, numa perspectiva de prevalência de justiça material, em detrimento de questões processuais, aceita-se a impugnação da matéria de facto, pelo que se irá proceder à sua análise e decisão.
Contudo, antes de entrarmos na análise em concreto da impugnação da matéria de facto, uma advertência se impõe: não se trata aqui de proceder a novo julgamento, mas tão só de um «remédio jurídico» destinado a despistar e corrigir erros in judicando ou in procedendo, que são expressamente indicados pelo recorrente.
Na verdade, o recurso em matéria de facto para a Relação não constitui um novo julgamento em que toda a prova documentada é reapreciada pelo Tribunal Superior que, como se não tivesse havido o julgamento em 1.ª Instância, estabeleceria os factos provados e não provados; antes se deve entender que os recursos são remédios jurídicos que se destinam a despistar e corrigir erros in judicando ou in procedendo, que são expressamente indicados pelo recorrente, com referência expressa e específica aos meios de prova que impõem decisão diferente, quanto aos pontos de facto concretamente indicados, ou com referência à regra de direito respeitante à prova que teria sido violada, com indicação do sentido em que foi aplicada e qual o sentido com que devia ter sido aplicada.
Em tal situação, o tribunal superior procede então à reanálise dos meios de prova concretamente indicados (e quanto ao segmento indicado, se for o caso) para concluir pela verificação ou não do erro ou vício de apreciação da prova e, daí, pela alteração ou não da factualidade apurada (cfr. artigo 712.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil).
Há também que ter presente que vigora no nosso ordenamento jurídico o princípio da liberdade de julgamento ou da prova livre – artigo 655.º do Código de Processo Civil –, segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em sintonia com a convicção que tenha firmado acerca de cada facto controvertido, salvo se a lei exigir, para a existência ou prova do facto jurídico, qualquer formalidade especial, caso em que esta não pode ser dispensada.
Torna-se, por isso, necessário e imprescindível que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal de 1ª instância indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência comum, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto como provado ou não provado e, então, se for caso disso, proceder à sua alteração.
Ou seja, e dito de outro modo: a decisão do tribunal em matéria de facto deve revelar-se objectiva e racionalmente alicerçada nos meios de prova validamente produzidos; e o princípio da livre apreciação da prova exige que o tribunal decida com base em convicção objectivável e motivável, capaz de se impor aos outros, o que vale por dizer, adequada a convencer as «partes» e a sociedade da sua justiça, afastando toda a «dúvida razoável».

O tribunal recorrido fundamentou, no essencial, a matéria de facto ora controvertida nos seguintes termos:
«Do teor dos depoimentos prestados pelas testemunhas da autora apenas resultou como apurado que a autora, em data que não souberam determinar do presente ano, queixou-se que tinha sido despedida, que lhe tinham tirado as chaves de acesso à herdade e que desde esse momento não mais trabalhou».
E, mais adiante, referindo-se ao depoimento da testemunha arrolada pela Ré, M… (encarregada de pecuária na mesma Ré), escreveu:
«Quanto ao ocorrido no dia 4 de Fevereiro de 2010, o depoimento desta testemunha não se apresentou totalmente convincente e do confronto do que disse com o teor do depoimento tomado oficiosamente à autora, em conjugação com o teor do documento ordenado juntar pelo tribunal e que consubstancia a queixa da autora efectuada na ACT, resultou para o tribunal provado, com a necessária segurança, que a autora se apresentou ao trabalho no dia 4 de Fevereiro de 2010 e que a mesma não chegou a trabalhar depois de uma discussão havida entre a autora e a testemunha M…, também funcionária da ré, e a quem incumbia dar ordens à autora e que levou a que esta última pedisse à autora que lhe entregasse as chaves do portão que dava acesso à herdade e que possibilitavam à autora aceder ao local de trabalho e também, resultou como provado, que aquela funcionária mandou a autora embora do local de trabalho.
Do teor de tais meios de prova, em conjugação com o facto da ré nada ter feito em relação à ausência da autora ao trabalho não justificada – nem instaurou processo disciplinar pela ocorrência de faltas não justificadas nem invocou o abandono de trabalho nos termos legalmente previstos – convenceu-se o Tribunal com a necessária segurança que a cessação do contrato de trabalho ocorreu por vontade da ré emanada do comportamento concludente tido pela funcionária M… que assim agiu em nome e por conta da administração da ré, uma vez que depois da autora ter deixado de prestar trabalho pela administração da ré não foi tomada qualquer atitude que revelasse que a referida funcionária tida agido contra a sua vontade, artigo 800 do Código Civil».

Tendo-se procedido à audição dos depoimentos prestados em audiência, verifica-se, no essencial, o seguinte:
[…]
Em função da factualidade verificada, entende-se, salvo o devido respeito por diferente interpretação, que a mesma não se encontra devidamente vertida na alínea H) dos factos assentes, pelo que se impõe alterar a mesma.
Com efeito, entende-se que a factualidade apurada é mais completa e não totalmente coincidente com a vertida naquela alínea.
Por tal motivo, entende-se alterar a alínea H), e, de modo a que a mesma não comporte diversos factos, acrescentam-se também três alíneas, como H-1, H-2 e H-3.
Refira-se que a declaração/documento apresentado pela Autora na ACT, relatando os factos, se afigura de insignificante relevância para os autos, pois, por um lado, nada mais revela que a versão dos factos apresentada pela Autora; por outro, esta foi ouvida em audiência, onde teve oportunidade, de “viva voz”, de revelar essa versão dos factos.
Assim, na sequência do que se deixa analisado, a alínea H) dos factos provados passará a ter a seguinte redacção:
«No dia 4 de Fevereiro de 2010, uma trabalhadora da Ré, encarregada da pecuária, mas que à data se encontrava na situação laboral de desempregada, disse à Autora qual o trabalho que iria realizar».
Sob H-1 passará a constar o seguinte facto:
«A Autora manifestou então insatisfação e vontade de não efectuar o trabalho que lhe tinha sido distribuído».
E sob H.2 passará a constar o seguinte facto:
«Na sequência, a referida trabalhadora solicitou à Autora as chaves do portão de entrada da propriedade da Ré que, após alguma discussão, a Autora entregou àquela, após o que a mesma afirmou “zunindo daqui para fora”».
E, finalmente, sob H-3 passará a constar:
«Nos dois dias seguintes, a Autora deslocou-se à entrada da herdade, junto ao portão, para retomar o trabalho: contudo, não solicitou a ninguém (trabalhador ou alguém ligado à Ré) que lhe abrisse o portão, pelo que, encontrando-se o mesmo fechado e após algum tempo de espera, foi-se embora».
Atente-se, a finalizar a questão, que a matéria de facto deve obedecer às regras que se deixaram exposta, maxime ao princípio da livre apreciação da prova, pelo que, salvo o devido respeito por diferente entendimento, se apresenta destituída de fundamento a invocação, na matéria, do princípio da igualdade.
Ao contrário do que parece sustentar a recorrente, em caso de dúvida sobre a realidade dos factos, o tribunal não tem que os fixar “em igualdade” para ambas as partes: o que tribunal tem é que fixar os factos perante as regras probatórias – independentemente de serem favoráveis a uma ou outra parte -, não olvidando, porém, que a dúvida sobre a realidade de um facto se decide contra a parte a quem o facto aproveita (artigo 516.º, do Código de Processo Civil).
Procedem, por isso, nesta parte, as conclusões das alegações de recurso.

2. Quanto a saber se ocorreu um despedimento ilícito da Autora
Sobre esta problemática, escreveu-se na sentença recorrida:
«A autora alega que foi despedida ilicitamente porque o despedimento foi verbal e por não ter existido processo disciplinar prévio.
Compulsados os factos dados como provados, constata-se que a autora provou, como lhe competia, que foi despedida pela ré, tendo em conta o disposto no artigo 800 do Código Civil».
Vejamos.
É inquestionável que face ao disposto no artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, ao trabalhador que alega ter sido despedido incumbe a prova do despedimento.
Este caracteriza-se por uma declaração de vontade do empregador que tem em vista a ruptura da relação contratual de trabalho.
E tal declaração, que se torna eficaz logo que chega ao poder do destinatário ou dele é conhecida, pode ser expressa, quando feita por palavras, escrita ou por qualquer outro meio de manifestação de vontade, ou pode ser tácita, quando se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelam.
Tal significa, no caso que nos ocupa, que em acção de impugnação de despedimento, com fundamento em “despedimento de facto” (visto que não houve nenhuma declaração expressa de despedimento por banda da Ré), incumbe à Autora, nos termos do artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, a prova dos factos que inequivocamente revelam a vontade de pôr termo ao contrato, bem como de que tais factos foram, por ela, como tal interpretados.
Ora, como resulta das declarações das testemunhas, e inclusive da própria Autora, esta encontrava-se de baixa médica (embora com algumas interrupções) durante um período prolongado de tempo.
Regressou ao trabalho alguns dias em Dezembro de 2009 e Janeiro de 2010 e após nova baixa, apresentou-se para trabalhar no dia 4 de Fevereiro de 2010.
Foi-lhe então distribuído um trabalho que ela não aceitou, ao menos no imediato, realizar.
Na sequência e perante troca de palavras (“discussão”) com outra trabalhadora, que era encarregada de pecuária, esta pediu à Autora as chaves da entrada do portão da propriedade da Ré e após tal entrega, aquela afirmou: “zunindo daqui para fora”.
Pergunta-se então: perante tal factualidade poder-se-á considerar que houve um despedimento tácito por parte da Ré?
A nossa resposta, adiante-se já, não pode deixar de ser negativa.
Vejamos porquê.
Desde logo, e como se deixou afirmado, terá que haver uma manifestação inequívoca de despedimento; porém, no caso, o que sucedeu foi que perante a manifestação da Autora de não pretender realizar o trabalho que lhe tinha sido distribuído, lhe foram pedidas as chaves da propriedade.
Tal não inviabilizaria, porém, que a Autora voltasse ao trabalho, ainda que não tivesse as chaves de acesso à propriedade, pois bastaria, por exemplo, que telefonasse para alguém que aí se encontrasse para lhe abrir o portão.
Aliás, a própria Autora não terá interpretado os actos/palavras da referida D. M… como sendo de despedimento, pois de outro modo mal se compreenderia que nos dois dias seguintes se apresentasse junto do portão de acesso à propriedade (embora nada tenha feito, designadamente através de contacto telefónico, para que o mesmo lhe fosse aberto), para retomar o trabalho.
A circunstância da encarregada da pecuária pedir as chaves à Autora e de no âmbito da discussão que mantiveram ter afirmado “Zunindo daqui para fora”, não traduz, inequivocamente e por si só, a vontade de pôr termo ao contrato (artigo 236.º, do Código Civil).
Não se pode olvidar que tais actos/declarações se verificam num contexto de discussão, com os “ânimos exaltados”.
Mas além disso, não se extrai que a referida encarregada da Ré, D. M…, tivesse quaisquer poderes, ainda que de facto, para representar a Ré para actos de despedimento, ou equivalentes, doutros trabalhadores.
Trata-se de uma trabalhadora que era encarregada da pecuária, em que, de acordo com o que flui dos autos e dos depoimentos, a sua tarefa em matéria de “encarregada” se resumia a distribuir ou, se se quiser, coordenar o trabalho realizado pelos e com os outros trabalhadores.
Não vislumbramos da matéria de facto qualquer indício mínimo que a trabalhadora em causa tivesse quaisquer instruções ou poderes para despedir fosse quem fosse.
De acordo com a fundamentação da matéria de facto do tribunal recorrido, a referida trabalhadora teria actuado em nome e por conta da administração da Ré, uma vez que depois da autora ter deixado de prestar trabalho, pela administração da Ré não foi tomada qualquer atitude que revelasse que a referida funcionária tinha agido contra a sua vontade.
Ora, desde logo, não pode deixar de se ter presente que a Autora vinha de uma baixa médica prolongada, o que significa que a própria empregadora podia nem sequer ter conhecimento imediato do regresso ao trabalho daquela: e isto porque os factos (alegado despedimento, diligência da Autora junto da ACT) se desenrolaram num curto período de tempo.
Além disso, como foi afirmado por uma testemunha, a Autora já anteriormente aos factos tinha manifestado por diversas vezes vontade de se “ir embora” desde que lhe dessem a documentação para o desemprego.
É certo que, como se explicitou no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Outubro de 2007, (disponível em www.dgsi.pt, sob Recurso 07S2367), face ao que dispõe o artigo 268.º do Código Civil, «uma sociedade pode tacitamente aceitar a actuação de quem, não sendo seu representante “de jure”, se comporte, na prática, como tal: basta, para isso, que se evidencie uma reiterada aceitação tácita dessa representação, necessariamente correspondente à sua ratificação, cujo acto não exige a observância de forma especial – n.º 2 do citado preceito e art.º 262º n.º 2 do mesmo Código».
Na verdade, como prescreve o artigo 157.º do Código Civil, são aplicáveis às sociedades as disposições do capítulo deste diploma relativas às pessoas colectivas.
E, nos termos do artigo 165.º, do mesmo compêndio legal, as pessoas colectivas respondem civilmente pelos actos ou omissões dos seus representantes, agentes ou mandatários, nos mesmos termos em que os comitentes respondem pelos actos ou omissões dos seus mandatários.
Pois bem: no caso, para além da trabalhadora em causa (aliás, à data dos factos ela até se encontrava na situação de desemprego) como “encarregada” distribuir e coordenar o trabalho pelos outros trabalhadores, não existem quaisquer outros elementos donde se possa concluir que a sociedade Ré tenha aceite, ou aceitasse, quaisquer actos que se prendessem(am) com a cessação do trabalho por parte de outros trabalhadores.
Daí que, ao contrário do que se afirma na sentença recorrida, ainda que a trabalhadora em causa da Ré tivesse tácita, mas inequivocamente, despedido verbalmente a Autora, não se pode concluir que tal acto fosse aceite e ratificado pela Ré.
Basta, para tanto, atentar que a Ré sempre negou ao longo do processo a prática de quaisquer actos (ainda que através da encarregada em causa) que visassem o despedimento da Autora e não resulta dos autos que até à apresentação da queixa por alegado despedimento junto da ACT, a Ré tivesse conhecimento dos factos em apreciação.
Nesta sequência, e concluindo-se que a Autora não provou, como lhe competia, que tenha sido despedida, terá a acção, forçosamente, que soçobrar, e, por consequência, que ser julgado procedente o recurso, absolvendo-se a Ré/apelante do pedido.
Procedem, por isso, também quanto a esta questão, as conclusões das alegações de recurso.

Vencida no recurso, deverá a Autora/apelada suportar o pagamento das custas respectivas, assim como na 1.ª instância, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário.

V. Decisão
Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora, em julgar procedente o recurso interposto por F…, S.A., e, em consequência:
1. Altera-se a matéria de facto nos termos que se deixaram supra referidos (cfr. IV.1);
2. Revoga-se a sentença recorrida, absolvendo-se a Ré/apelante do pedido.
Custas em ambas as instâncias pela Autora/apelada, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário que lhe foi concedido.
Évora, 27 de Setembro de 2011
(João Luís Nunes)
(Acácio André Proença)
(Joaquim Manuel Correia Pinto)

http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/1f8f3887213f0050802579210056cc59?OpenDocument

Pesquisar neste blogue