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segunda-feira, 31 de outubro de 2011

INCUMPRIMENTO DA REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS HOMOLOGAÇÃO CONSERVADOR DO REGISTO CIVIL TRIBUNAL COMPETÊNCIA TERRITORIAL RESIDÊNCIA MENOR -


Acórdãos TRC
Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
385/11.3TMCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JACINTO MECA
Descritores: INCUMPRIMENTO DA REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
HOMOLOGAÇÃO
CONSERVADOR DO REGISTO CIVIL
TRIBUNAL
COMPETÊNCIA TERRITORIAL
RESIDÊNCIA
MENOR

Data do Acordão: 06-10-2011
Votação: DECISÃO SUMÁRIA
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DE FAMÍLIA E MENORES DE COIMBRA - 2º JUÍZO
Texto Integral: S

Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTº 155º, Nº 1 EX VI ARTIGO 181º, Nº 1 AMBOS DA OTM.

Sumário: É territorialmente competente para conhecer do incidente de incumprimento da regulação das responsabilidades parentais homologadas por Conservador do Registo Civil o Tribunal da residência do menor – artigo 155º, nº 1 ex vi artigo 181º, nº 1 ambos da OTM.

Decisão Texto Integral: Processo nº 385/11.3TMCBR do 2º Juízo do Tribunal de Menores e Família de Coimbra


Decisão Sumária

1. Relatório
M… deduziu o incidente de incumprimento de alimentos a menor contra O… No essencial alegou que requerente e requerido se divorciaram por mútuo consentimento e desse casamento nasceu a menor I... No acordo relativo às responsabilidades parentais ficou acordado que o requerido pagava a título de alimentos a quantia de € 200,00 e a menor ficava à guarda da requerente. O requerido deixou de pagar em Fevereiro de 2011, desconhecendo onde o mesmo se encontra e se está a trabalhar pelo que está impossibilitada de cobrar as prestações.

Conclui pela procedência do incidente e em consequência o Tribunal fixar uma pensão a pagar pelo FGADM em montante não inferior a € 200,00.


*

Na 1ª instância foi proferido o seguinte despacho, ora recorrida:
“M… veio deduzir o presente incidente de incumprimento das responsabilidades parentais contra O... Como resulta do requerimento inicial, o divórcio foi decretado pela Conservatória do Registo Civil de Vila Franca de Xira, com a homologação dos acordos relativos ao exercício das responsabilidades parentais e sobre a casa de morada de família, em conformidade com os artigos 1775º do CC, 272º do CRC e artigo 14º nº 3 do D.L. 272/2001, de 13 de Outubro.

A incompetência territorial pode ser deduzida até decisão final, devendo o tribunal dela conhecer oficiosamente, sendo certo que, para o efeito, pode ordenar as diligências que entenda necessárias (cf. artigo 156º da OTM). A verificação da excepção de incompetência territorial determina, nos termos gerais, a remessa dos autos ao tribunal territorialmente competente (cf. artigo 111º, nº 3 do CPC).

No caso das providências relativas a menores, estabelece o nº 1 do art. 155º OTM, como regra geral, que a competência territorial para o seu decretamento cabe na esfera do tribunal sediado na área da residência do menor, ou seja, no local onde o menor está radicado e desenvolve habitualmente a sua vida. Esta mesma regra é aplicável quanto à alteração de regulação das responsabilidades parentais, como se consagra no nº 1 do art. 182º do mesmo diploma. No entanto, quando se suscite a questão do conhecimento de incidentes de não cumprimento relativamente à situação do menor, o tribunal competente para o efeito já será aquele que proferiu a decisão incumprida. Isso mesmo decorre do disposto no nº 2 do art. 181º OTM quando o legislador refere “Autuado ou junto ao processo o requerimento…” (nosso sublinhado) bem como do n.º 2 do artigo 182º OTM quando se menciona que “o requerimento será autuado por apenso ao processo onde se realizou o acordo ou foi proferida decisão final…” (nosso sublinhado). Esta ideia resulta ainda do próprio princípio da extensão da competência normal às questões incidentais previsto no nº 1 do artigo 96º CPC. Aliás, neste mesmo sentido, cf. também, e a título de exemplo, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21 de Dezembro de 2004, in www.dgsi.pt. Na situação em apreço, o que se pretende é obter a satisfação coerciva das prestações alimentares a que o pai do menor está adstrito e não cumpre, como se alcança do teor do requerimento apresentado. O que foi submetido à apreciação do tribunal é precisamente uma situação de incumprimento de regulação do exercício das responsabilidades parentais, sendo certo que o acordo sobre essa regulação foi homologado pela Conservatória do Registo Civil de Vila Franca de Xira. É certo que não poderá ser a Conservatória do Registo Civil a processar este incidente, mas antes o Tribunal. Não obstante, e em consequência do já referido sobre a competência territorial, impõe-se concluir que a competência territorial para a decisão do presente incidente pertence ao Tribunal da área da Conservatória do Registo Civil e não a este Juízo do Tribunal de Família e Menores de Coimbra.

Assim e em face do exposto, declaro este Juízo incompetente, para o processamento do presente incidente, e competente, para o efeito, o Tribunal da área da Conservatória do Registo Civil de Vila Franca de Xira, para o qual se determina, em consequência, a remessa dos autos.

Notifique e, após trânsito em julgado, remeta os autos ao Tribunal competente.

Fixo à causa o valor de € 30.000,01 (trinta mil e um cêntimo), em conformidade com os artigos 312.º n.º 1 e 315º nº1 e 2 do CPC”.


*

M…, requerente no incidente de incumprimento à margem referenciado em que é requerido O…, tendo sido notificada do despacho supra referido em que se julga incompetente em razão do território para conhecer do presente incidente e não se conformando com o mesmo, vem dele interpor recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra,

*

A requerente instruiu a interposição de recurso com as suas doutas alegações que rematou formulando as seguintes conclusões:



*

O Ministério Público atravessou nos autos o requerimento/resposta defendendo a revogação da decisão.

*

Por despacho de folhas 50 o recurso foi admitido como apelação com subida imediata e nos autos e efeito de devolutivo.

*

2. Delimitação do objecto do recurso
A questão a decidir na apelação e em função da qual se fixa o objecto do recurso sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, nos termos das disposições conjugadas do nº 2 do artigo 660º e artigos 661º, 664º, 668º, 684º, nº 3 e 685ºA, todos do Código de Processo Civil, é a seguinte:

v Tribunal competente para conhecer do incidente de incumprimento das responsabilidades parentais após divórcio decretado por Sr.(a) Conservador(a) do Registo Civil.


*

3. Aprecia-se e decide-se
Para um melhor enquadramento da questão passamos a transcrever os seguintes factos:

a. O poder paternal da I… foi regulado no divórcio por mútuo consentimento efectuado na Conservatório do Registo Civil de Vila Franca de Xira.

b. A menor I… vive com a mãe, a quem foi confiada a sua guarda, residindo ambas actualmente em Cernache, Coimbra.

c. O pai da menor deixou de cumprir com o então acordado no que respeita à prestação de alimentos.


*

Relendo os fundamentos da declaração de incompetência em razão do território ficamos a saber que a mesma decorre da previsão vazada no nº 2 do artigo 181º, no nº 2 do artigo 182º ambos da OTM e do nº 1 do artigo 96º do CPC, escorando-se ainda na doutrina vazada no douto acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 21 de Dezembro de 2004 e publicado no endereço electrónico www.dgsi.pt.
Vejamos se lhe assiste razão:

Com todo o respeito parece-nos que não.

Começa e bem o despacho recorrido por dar nota da regra geral plasmada no artigo 155º da OTM que defere a competência para decretar a providência ao Tribunal da residência do menor, explicitando, de resto, que residindo os progenitores em locais distintos o legislador confere competência ao Tribunal da residência do progenitor a quem o menor estiver confiado ou no caso de guarda conjunta com quem o menor resida.

No caso de incumprimento respiga o nº 1 do artigo 181º da OTM que se um dos progenitores não cumprir pode o outro requerer ao tribunal as diligências necessárias para o cumprimento coercivo e a condenação do remissivo em multa, expressando o seu nº 2 que autuado ou junto ao processo o requerimento o Juiz convocará (…).

Na conjugação do preceituado no nº 1 do artigo 181º com o artigo 155º ambos da OTM resulta uma derrogação desta norma, competindo ao Juiz titular do processo, ou seja, ao Juiz que homologou as questões reportadas às responsabilidades parentais conhecer do respectivo incumprimento, na medida em que nos situamos no plano do incumprimento/incidente, competência territorial que poderá sofrer alterações como de resto emana da expressão (…) podem requerer ao Tribunal que no momento for territorialmente competente nova regulação do poder paternal – nº 1 do artigo 182º in fine da OTM.

Por referência ao artigo 96º do CPC nada temos a opor à interpretação que o Tribunal a quo faz quando «estende» a competência territorial da acção ao «incidente» que se lhe siga, o que em nossa modesta opinião não acontece no caso em apreço. Podemos ler no prefácio ao DL nº 272/2001, de 13.10 que a intenção do legislador foi a de proceder «à transferência de competências para as Conservatórias do Registo Civil em matérias respeitantes a um conjunto de processos de jurisdição voluntária relativos a relações familiares», conferindo o Decreto-lei nº 272/2001, de 13.10[1] ao Sr. Conservador as competências taxativamente enunciadas no artigo 12º, permitindo e regulando no artigo 14º a separação de pessoas e bens e o divórcio por mútuo consentimento previstos nos artigos 1773º, 1775º a 1778ºA[2] e 1794º todos do CC. Com este Decreto-lei o legislador não mais pretendeu que, inexistindo litígio, as partes, cumprindo o disposto naquele artigo 14º, tivessem uma solução/decisão mais célere do que teriam nos Tribunais – pese o facto de considerarmos que não eram os processos de divórcio por mútuo consentimento que padeciam de atrasos crónicos ou incompatíveis com o princípio constitucional de uma decisão em tempo razoável – nº 4 do artigo 20º da CRP – possibilitando-lhes o aproveitamento do tempo expendido em divórcios por mútuo consentimento na resolução de outros litígios.

Tudo isto para dizermos que a decisão homologatória proferida pelo Sr.(a) Conservador(a) não tem carácter jurisdicional na medida em que isso violaria o artigo 202º da CRP. Ou seja, embora a decisão homologatória do divórcio por mútuo consentimento seja definitiva, já não o são, v.g. os acordos relativos ao poder paternal – alimentos devidos a menores e ao cônjuge que dele necessite – como as questões, reportadas a alterações das responsabilidades parentais – 182º da OTM – ou ao seu incumprimento, continuam no âmbito da competência dos Tribunais de Menores e Família ou não existindo tal competência especializada a sua competência recai sobre os Tribunais de Comarca.

Embora estejamos ambos de acordo – Tribunal a quo e Tribunal da Relação – que são os Tribunais quem tem competência em razão da matéria para instruírem e decidirem o incidente de incumprimento, já não partilhamos o entendimento do Tribunal a quo quando se considera incompetente e confere essa competência ao Tribunal da área da decisão da Conservatória do Registo Civil que homologou os acordos sobre as responsabilidades parentais.

Seguindo o apontamento do Exmo. Juiz Tomé D’Almeida com o qual estamos em perfeita sintonia concluiremos que «o incumprimento do acordo de regulação do exercício do poder paternal, homologado pelo Conservador no processo de divórcio ou de separação por mútuo consentimento, tem de ser suscitado no Tribunal competente da área de residência do menor, no caso, o Tribunal de Família e Menores, havendo-o, ou no Tribunal de Comarca, no caso contrário, face ao estatuído no artigo 155º, devendo o requerente juntar a respectiva certidão do acordo e decisão que o homologou (…). Nestes casos visto não haver processo judicial de regulação do poder paternal, o incidente de incumprimento dará origem a distribuição autónoma, embora com o processamento previsto no artigo 181º da OTM»[3]

O acórdão do Tribunal da Relação do Porto, relatado pelo Exmo. Juiz Desembargador Alberto Sobrinho[4] não acolhe a tese subscrita no despacho recorrido, na medida em que neste se estende a competência territorial das Conservatórias ao Tribunal que se situe na sua área de jurisdição. Por sua vez, o acórdão citado defende é coisa diferente, ou seja, determina que o Tribunal de Menores competente, para tramitar os incidentes do processo de regulação do poder paternal, como o incumprimento de obrigações impostas, é o que proferiu a regulação incumprida.

Todos sabemos que não foi um Tribunal de Menores nem o Tribunal de Comarca, na ausência daquele, quem proferiu a decisão daí que seja competente, no caso de incumprimento de decisão homologatória proferida pelo Sr. Conservador, para conhecer do respectivo incidente o Tribunal da área da residência do menor – nº 1 do artigo 181º ex vi artigo 155º, nº 1 da OTM


*

Conclusão:
É territorialmente competente para conhecer do incidente de incumprimento da regulação das responsabilidades parentais homologadas por Conservador do Registo Civil o Tribunal da residência do menor – artigo 155º, nº 1 ex vi artigo 181º, nº 1 ambos da OTM.


*

Decisão
Nos termos e com os fundamentos expostos julga-se procedente o recurso e consequentemente revoga-se a decisão recorrida que deverá ser substituída por outra que considere o 2ª Juízo do Tribunal de Família e Menores de Coimbra como o competente para tramitar e decidir o incidente de incumprimento das responsabilidades parentais.

Sem custas – artigo 446º do CPC.

Notifique.

Coimbra, 6 De Outubro de 2011

(Jacinto Remígio Meca)


[1] Publicado no DR nº 238, Série IA de 13.10.2001, rectificado pela Declaração no 20-AR/2001 de 30.11, publicada no DR nº 278, Série I-A, 3º Suplemento, distribuído a 8 de Janeiro de 2002 e alterado pelo Decreto-lei nº 324/2007, de 28.9, publicado no DR, nº 188, Série I de 28.9.2007 e alterado pela Lei nº 61/2008, de 31.10 – artigos 12º e 14º.
[2] Estes na redacção que lhes foi dada pelo artigo 1º da Lei nº 61/2008, de 31.10.
[3] Organização Tutelar de Menores – Anotada e Comentada – Quid Juris 2006, pág. 112. Este entendimento é igualmente aceite pelo mesmo autor in Divórcio por Mútuo Consentimento Anotado e Comentado 7ª Edição, 2008, pág. 94.
[4] Processo nº 0425309, datado de 21 de Dezembro de 2004 e disponível no endereço electrónico www.dgsi.pt

http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc/53f26fb44c17c5ef8025792f0051de59?OpenDocument

domingo, 30 de outubro de 2011

ACUSAÇÃO MANIFESTAMENTE INFUNDADA FALSO TESTEMUNHO - Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães - 19/09/2011


Acórdãos TRG
Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
715/10.5TABRG.G1
Relator: TOMÉ BRANCO
Descritores: ACUSAÇÃO MANIFESTAMENTE INFUNDADA
FALSO TESTEMUNHO

Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 19-09-2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1

Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO

Sumário: Só quando de forma clara, inequívoca e incontroversa os factos que constam na acusação não constituem crime é que o Tribunal pode declarar a acusação manifestamente infundada e rejeitá-la com base no disposto na alínea d) do n.º3 do artigo 311.º do CPP.


Decisão Texto Integral: Após conferência, acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:
I)
Nos autos de inquérito nº 715/10.5TABRG que correram termos nos serviços do Mº Pº do Tribunal Judicial da comarca de Braga, declarado encerrado o inquérito, o Ministério Público deduziu acusação contra o arguido RUI F..., com os demais sinais nos autos, imputando-lhe a prática dos seguintes factos:
“No dia 03 de Outubro de 2008, o arguido foi inquirido na qualidade de testemunha, na secção B.I.C. - Droga da P.S.P. de Braga, no âmbito dos autos de inquérito com nº 15/08.OPEBRG, nos quais se investigavam crimes de tráfico de estupefacientes, alegadamente praticados por Alexandre M..., Maria M..., Romão M... e Rui M....
No depoimento que prestou, e após ter sido devidamente advertido de que deveria responder com verdade ao que lhe fosse perguntado, sob pena de incorrer em responsabilidade penal, o arguido referiu ter adquirido produto estupefaciente na residência de Alexandre, a um indivíduo de etnia cigana, familiar daquele, cuja identidade desconhecia.
Prestadas as aludidas declarações, o arguido leu-as e assinou-as por as achar conforme.
Com base em tais depoimentos, corroborados por demais meios de prova, foi assim deduzida acusação pública contra Alexandre M..., Maria M..., Romão M... e Rui M..., pela prática, cada um, de um crime de tráfico de estupefacientes.
No dia 28 de Janeiro de 2010, o arguido foi inquirido na qualidade de testemunha, na sessão de audiência e julgamento realizada neste tribunal, no âmbito daqueles autos, relativamente aos mesmos factos.
Durante a aludida audiência, e não obstante ter sido devidamente ajuramentado e advertido das consequências penais que resultariam da falsidade das suas respostas, o arguido afirmou ter adquirido produto estupefaciente a um individuo conhecido por "Speed", de raça branca, à porta da entrada do prédio onde residiam o Alexandre, a Susana, o Romão e oRui M..., negando qualquer envolvimento dos mesmos na prática dos factos de que vinham acusados.
Instado quanto à veracidade dos depoimentos por si prestados no decurso da audiência e julgamento e em sede de inquérito, o arguido reiterou a versão dos factos ali apresentada.
Em consequência do depoimento prestado pelo arguido na qualidade de testemunha em sede de julgamento, o Rui M... foi absolvido da prática do crime por que vinha acusado, e o Alexandre e o Romão M... condenados pela prática de crimes de tráfico de menor gravidade, porquanto não se logrou apurar a qual deles se adquiriu produto estupefaciente, resultando somente provado que se adquiria tal produto na residência daqueles. (prestou declarações contraditórias e que se excluem mutuamente)
O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que prestando depoimentos contraditórios entre si, que se excluem mutuamente, beneficiava terceiros, com a consequente obstrução da acção da justiça.
Ainda assim, pretendeu o arguido levar por diante tal conduta, apesar de advertido das consequências em que incorria com a adopção da mesma.
Com a factualidade descrita, o arguido constituiu-se autor material, com dolo directo e na forma consumada, de um crime de falsidade de testemunho, p. e p. pelo artigo 360º, nº 1 e 3, 14º e 26º, todos do Código Penal.

Distribuídos que foram os autos ao 2º Juízo Criminal, foi então proferido despacho pelo Mmº Juiz com o seguinte teor: (transcrição)
“O tribunal é competente.
O Ministério Público dispõe de legitimidade para deduzir acusação.
Não há nulidades, excepções ou questões prévias de que cumpra conhecer.
*
Encontra-se o arguido acusado da prática de um crime p. p. no art. 360.°, n°s 1 e 3, do Código Penal.
Prescreve esta disposição legal que, quem, como testemunha (...) perante tribunal ou funcionário competente para receber como meio de prova, depoimento, relatório, informação ou tradução, prestar depoimento (...) falsos, é punido (...).
Ora, da factualidade relatada na acusação resulta que o arguido, na qualidade de testemunha ajuramentada, e em dois momentos distintos de um mesmo processo penal, prestou depoimentos manifestamente contraditórios entre si.
Contudo, para o preenchimento do elemento objectivo do tipo de ilícito de falsidade de testemunho, é fundamental a prova entre a palavra - ou seja, o depoimento prestado - e a verdade histórica, sem o que há apenas dois depoimentos divergentes mas não necessariamente contrários à verdade.
Ora, a acusação não refere quais são os factos verdadeiros, o que é indispensável para que, em confronto com eles, se possa concluir que o depoimento do arguido (na qualidade de testemunha), numa ou em ambas as versões, foi falso (Nesse sentido cfr., entre outros, o Acórdão da Relação de Guimarães n° 840/08 de 29 de Junho, in www.dgsi.pt)
Tem pois de se considerar que o circunstancialismo fáctico constante da acusação pública não é suficiente para preencher o elemento objectivo do crime de falsidade de testemunho de que o arguido foi acusado.
Assim como também não resulta da acusação que o arguido, agindo intencionalmente, conhecia o contrário daquilo que declarou.
Consequentemente, e em conformidade com o disposto no Art. 311, n° 2, al. a) e n° 3 al. d) do C. P. Penal, decido rejeitar a acusação.
Notifique”.

Desse despacho recorreu o Ministério Público, concluindo a sua motivação nos seguintes termos: (transcrição)
“Na acusação deduzida nos autos encontram-se vertidos todos os factos que constituem os elementos essenciais do crime de falsidade de testemunho, porquanto preenche tal tipo de crime a testemunha que, sobre a mesma realidade, presta dois depoimentos antagónicos, ainda que não se apure qual deles é falso.
Nos casos em que o arguido depõe de forma antagónica, por duas vezes, no mesmo processo, em fase de inquérito e na audiência de julgamento, sendo a divergência dos depoimentos de tal forma clara e evidente, deve dispensar-se a prova da verdade objectiva para efeitos de comprovação dos factos integradores do crime em apreço.
Ainda que assim não se entenda, resulta claro que a M.Ma Juiz a quo perfilhou um teoria jurídica segundo a qual, para preenchimento do tipo previsto no art°360 do C.P., a falsidade da declaração se afere pela conformidade com o acontecimento real a que se reporta, correspondendo tal posição a um entendimento que não é unânime na jurisprudência (cfr. acórdãos da Relação de Guimarães de 29-06-2009 (processo 840/08.2TABRG.G1), da Relação de Évora de 15-04-2008 (processo n.° 2613/07.1.) e ac. da Relação do Porto de 30-01-2008 (processo n°712790)).
4- O despacho que rejeita a acusação que imputa ao arguido o crime de falsidade de testemunho por considerar que os factos não constituem crime, nos termos do art°311, n°2 al.a) e n°3 al.d) do C.P.P. não pode ter como fundamento a opção por um determinado entendimento jurisprudencial sobre os elementos do crime.
5 – A acusação só pode ser rejeitada quando for evidente que os factos nela descritos ainda que viessem a ser provados não preenchem qualquer tipo legal de crime, sendo que na acusação dos autos encontram-se vertidos todos os factos que constituem os elementos essenciais do crime de falsidade de testemunho, razão pela qual não podia o Tribunal rejeitar a mesma tendo violado o disposto nos art°360, n°1 e n°3 do C.P. e o art°311, n°2 al.a) e n°3 al.d) do C.P.P.»
Termina requerendo a revogação do despacho recorrido e a sua substituição por outro que receba a acusação.
***
Nesta instância a Exmª Procuradora Geral Adjunta emitiu parecer no qual defende a procedência do recurso.

Foi dado cumprimento ao artº 417º, nº 2 do C.P.P.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
***
Fundamentação
Como é sabido as conclusões da motivação constituem o resumo do pedido e, como tal é o teor de tais conclusões que constitui o âmbito do recurso (artº 412º, nº 1 do C.P.P.).
In casu, a questão fundamental trazida à apreciação desta Relação é a de saber se a acusação contém uma narração de factos susceptível de integrar, ou não, o crime de falsidade de testemunho imputado ao arguido.
Na hipótese negativa, justifica-se a rejeição da acusação por manifestamente infundada; se se concluir pela hipótese afirmativa, então, há que revogar a decisão recorrida, como pretende o recorrente.
Posta a questão, vejamos.
Do preceituado no artº 311º do C.P.P. resulta que, recebidos os autos no tribunal, sem que tenha havido lugar a instrução, e depois de se apreciar de nulidades e outras questões prévias ou incidentais que obstem à apreciação de mérito, o juiz deverá rejeitar a acusação se a considerar manifestamente infundada, não a receber se ela representar uma alteração substancial dos factos nos termos dos artºs 284º, nº 1 e 285º, nº 3 do C.P.P. ou despachar designando dia para julgamento, resolvidas as questões anteriores.
O nº 3 do citado artº 311º do C.P.P., enuncia os casos em que se deve considerar manifestamente infundada a acusação deduzida.
Um desses casos, é precisamente a circunstância de a acusação não conter a narração dos factos susceptíveis de constituírem crime.
Será então que, in casu, o libelo acusatório descreve os factos e as circunstâncias que consubstanciam o crime do artº 360º, nºs 1 e 3 do C. Penal imputado ao arguido Rui Filipe, como defende o recorrente/Mº Pº?
Pois bem, a resposta a esta questão não pode deixar de ser afirmativa.
Na verdade, analisando o caso em concreto verifica-se, desde logo que o arguido prestou depoimentos claramente contraditórios, por duas vezes, no mesmo processo, em fase de inquérito e na audiência de julgamento.
É certo que o libelo acusatório não refere expressamente quais os factos verdadeiros, como se diz no despacho impugnado, mas não é menos certo que o contexto em que os depoimentos foram prestados permite concluir que o arguido agiu intencionalmente, visto que tinha conhecimento directo dos factos sobre que depôs, isto é das concretas vendas de substâncias estupefacientes a ou aos arguidos.
De todo o modo, sufragamos também o entendimento expresso por Vinício Ribeiro, em Código de Processo Penal, Notas e Comentários, 644, que "os casos integrantes da figura da acusação manifestamente infundada devem ser claros e evidentes.
«4.2 – Conforme jurisprudência assente, manifestamente infundada é a acusação que, por forma clara e evidente, é desprovida de fundamento, seja por ausência de factos que a suportem, por a insuficiência de indícios ser manifesta e ostensiva, no sentido de inequívoca, indiscutível, fora de toda a dúvida séria, seja porque os factos não são subsumíveis a qualquer norma jurídico-penal, constituindo a designação de julgamento flagrante violência e injustiça para o arguido, em clara violação dos princípios constitucionais.(transcrição do ac. RL de 16.05.2006, Proc. 836/2006-5, Rel. Margarida Blasco).
Se a questão focada na acusação for juridicamente controversa, o juiz no despacho do presente artigo não pode considerar a mesma (acusação) manifestamente improcedente. Assim, por exemplo, o juiz não pode rejeitar a acusação com base no disposto na al.d) do n°3 (Se os factos não constituírem crime) se a questão for discutível. Só o poderá fazer se for inequívoco e incontroverso que os factos não constituem crime." (negrito nosso)
Do exposto se conclui, sem necessidade de maiores considerações, que o Tribunal recorrido não decidiu bem ao rejeitar a acusação do Mº Pº, por considerá-la manifestamente infundada, uma vez que tal peça processual não é de forma clara e evidente desprovida de fundamento, por ausência de factos que a suportem a imputada conduta delituosa do arguido. Por outro lado há ainda que ter em consideração na avaliação da questão em apreço que o juiz não pode rejeitar a acusação com base no disposto na al. d) do n°3 (Se os factos não constituírem crime) se a questão for discutível. Só o poderá fazer se for inequívoco e incontroverso que os factos não constituem crime.
Daí que o esforço argumentativo do recorrente terá de lograr procedência.
III)
DECISÃO
Em conformidade com o exposto, acorda-se conceder provimento ao recurso, revogando o despacho recorrido, o qual deverá ser substituído por outro que receba a acusação deduzida pelo Ministério Público contra o arguido RUI F....
Sem tributação.
Guimarães, 11 de Julho de 2011

http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/291e5d2dcd1323688025792d0055ead4?OpenDocument

sábado, 29 de outubro de 2011

MANDADO DE DETENÇÃO EUROPEU OPOSIÇÃO - Acórdão do Tribunal da Relação de Évora - 11/10/2011


Acórdãos TRE
Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
93/11.5YREVR
Relator: MARIA FERNANDA PALMA
Descritores: MANDADO DE DETENÇÃO EUROPEU
OPOSIÇÃO

Data do Acordão: 11-10-2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S

Meio Processual: MANDADO DE DETENÇÃO EUROPEU
Decisão: CONSENTIDA A ENTREGA

Sumário: I – Não está em causa a identidade da pessoa visada, pois que o detido apresentado para audição é efectivamente aquele que é procurado pelas justiças de Huelva, para comparecer no julgamento, na qualidade de arguido.
II – Não se vislumbra a existência de quaisquer circunstâncias subsumíveis às potenciais causas de recusa de execução do mandado de detenção europeu, já que este apenas foi emitido para que o arguido compareça numa audiência de julgamento, havendo a garantia de que depois regressará à situação em que se encontra.
III - O arguido não apresentou sequer quaisquer motivos justificativos da sua oposição, limitando-se a aludir à sua família, residente em Portugal, motivo este que não colhe, já que o arguido tem, por ora, a garantia de regressar após a realização da audiência de julgamento.

IV – Isto posto, não existirem motivos para a recusa do cumprimento do cumprimento do mandado de detenção europeu.



Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a secção criminal do Tribunal da Relação de Évora

O Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal da Relação de Évora, nos termos dos artigos 15° n° 1°, 16º nºs 1°, 3° e 4° nºs 2° a 5° da Lei nº 65/2003, de 23 de Agosto, vem promover a execução de Mandado de Detenção Europeu contra o cidadão português A, nascido a 12 de Setembro de 1981, natural de Évora e actualmente preso no Estabelecimento prisional de Beja à ordem do Processo nº 412/07.9PEEVR, nos termos e com os fundamentos seguintes:

1º Ao abrigo dos artigos 1° nº 1 e 2º nºs 1° e 2° alínea e) da Lei nº 65/2003, de 23/08, o Reino de Espanha solicitou ao Estado Português, por via deste Tribunal, a execução do de Inserção SIS com referência ao Mandado de Detenção Europeu emitido em 25/05/2011 contra o cidadão português acima identificado.

2º Sendo certo que o referido MDE foi inserido no SIS nos termos e com os efeitos previstos no artigo 4° nºs 2° a 5° da referida Lei.

3º Com efeito, o referido cidadão português encontra-se indiciado pela 2ª Secção da Audiência Provincial de Huelva, Espanha, no âmbito do Procedimento Abreviado nº 216/2011, pela prática, em co-autoria material, de um Crime Contra a Saúde Pública p. e p. pelos artigos 368° e 369° do Código Penal de Espanha, a quer corresponde pena de prisão cujo máximo é de 4 anos e 6 meses.

4º Pelos factos que constam da inserção SIS anexa, que aqui se dão por reproduzidos.

5º Pelo que em 25/05/2011 e pelo Meritíssimo Juiz da 2ª Secção da Audiência Provincial de Huelva, Espanha, foi inserido no SIS o indicado Mandado de Detenção Europeu contra o cidadão português em causa, para o mesmo aí vir a ser julgado pela prática do aludido crime.

6º Os factos integradores do crime imputado ao referido cidadão são igualmente puníveis pela legislação Penal Portuguesa, pelo menos no artigo 21° do D.L. nº 15/93, em qualquer caso com pena de prisão superior a 3 anos.

7º Este Tribunal é o competente para a execução do presente MDE/inserção SIS, nos termos do disposto no artigo 15° n° 1º da citada Lei.

Posteriormente, foi informado que o recluso do Estabelecimento Prisional Regional de Beja, A, cumpria pena de prisão à ordem do processo nº 412/07.9PBEVR, do 2º Juízo Criminal de Évora, sendo que no dia 25 de Julho de 2011, data do termo da pena supra mencionada, foi ligado de novo ao Processo nº 40/09.4PEEVR, do 1º Juízo Criminal de Évora, determinando a respectiva medida de coacção a sua prisão preventiva.

Foi informado, também, conforme o já aludido, que no dito Processo Abreviado 216/11, do Julgado Penal de Huelva, em cujo julgamento o arguido deverá comparecer, sendo a realização deste julgamento a causa da emissão do presente mandado de detenção europeu, que aí vem imputada a este arguido a prática dos seguintes factos, conforme se passa a transcrever:

- “O facto objecto de acusação no presente processo é que, a 08.04.10, JF, SO e JB, estavam a circular no interior do veículo a motor marca Opel modelo Corsa e matrícula portuguesa (…) e propriedade de RF, pela estrada N-447 direcção Portugal, veículo em cujo interior, ao ser detido por agentes da autoridade, foi encontrado um saco de plástico que continha 13 placas de 200 gramas cada uma de uma substância que, devidamente analisada, resultou ser haxixe com uma pureza de 5,52 % de tetrahidrocanabinol, com um peso total de 2.900 gramas. Um grama da referida substância é avaliado em 6 euros; a substância apreendida poderia atingir no mercado ilícito um valor de 17.400 euros.

Natureza e tipificação legal da infracção ou infracções e disposição legal ou código aplicável:

Os factos referidos são susceptíveis de integrarem a prática de um crime contra a saúde pública na sua modalidade de substâncias que não causam grave dano à saúde e praticado em condições de notória importância, previsto e punido nos art. 368.° e nº 6 do 369º do Código Penal Espanhol.”


Encontra-se junto aos autos o Formulário de Inserção SIS com referência ao Mandado de Detenção Europeu emitido em 25-05-2011 pelo Sr. Juiz da 2ª secção da Audiência Provincial de Huelva, Espanha, contra o cidadão português A.

Este crime encontra-se tipificado na Lei Portuguesa, no artigo 21º do Decreto-Lei nº 15/93, de 22/01, sendo punível com pena de 4 a 12 anos de prisão.

Conforme o promovido pelo Ministério Público, e nos termos do disposto no artigo 18º da Lei nº 65/2003, de 23 de Agosto, foi ouvido o arguido, o qual declarou não consentir na sua entrega ao Estado requerente, não renunciando à regra da Especialidade.

Concedida a palavra ao Defensor do arguido para que deduzisse oposição, dada a postura assumida por aquele, pelo mesmo foi dito não ter qualquer prova a apresentar nem nada mais a requerer.

O Digno Magistrado do Ministério Público, bem como o Defensor do arguido, proferiram alegações orais.

Mediante solicitação para o efeito, foi informado pelo dito Tribunal de Huelva que nada tem a opor ao regresso do arguido a Portugal, após a realização do aludido julgamento, a fim do mesmo continuar na situação prisional em que se encontra neste momento.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir:

Está em causa a solicitação por parte do Reino de Espanha, através da 2ª Secção da Audiência Provincial de Huelva, no âmbito do Procedimento Abreviado nº 216/2011, da execução de mandado de detenção europeu, contra o arguido A, ao qual vem imputada a prática, em co-autoria material, de um Crime Contra a Saúde Pública p. e p. pelos artigos 368° e 369° do Código Penal de Espanha, a quer corresponde pena de prisão cujo máximo é de 4 anos e 6 meses, consistindo esta execução na detenção deste arguido, a fim de comparecer na audiência de julgamento a realizar na citada 2ª Secção da Audiência Provincial de Huelva, no âmbito do Procedimento Abreviado nº 216/2011.

Muito embora os factos em causa no processo aludido pelo Estado Membro emitente do mandado também constituam crime punível com prisão de 4 a 12 anos segundo a nossa lei, estes constam, igualmente, do elenco aludido no artigo 2º, nº 2 da Lei nº 65/2003, de 23 de Agosto, mais concretamente da alínea e) deste preceito, pelo que não se verifica qualquer óbice quanto à aplicação do regime do mandado de detenção europeu, constante da citada Lei nº 65/2003, de 23 de Agosto, sendo certo que este mandado obedece aos requisitos a que alude o artigo 3º da mesma Lei.

Ouvido o arguido, o mesmo não consentiu na sua entrega ao Estado membro da emissão, para os fins pretendidos, os quais lhe foram devidamente explicados e por si cabalmente apreendidos.

Mais referiu não renunciar à regra da especialidade, a que alude o artigo 7º da citada Lei nº 65/2003.

Porém, dada a palavra ao seu defensor, para que deduzisse oposição, nos termos do disposto no artigo 21ºda dita Lei nº 65/2003, pelo mesmo não foi posta em causa a identidade do arguido, ora detido, nem tão pouco aludiu a quaisquer factos susceptíveis de integrar qualquer uma das causas de recusa de execução do mandado de detenção europeu – cfr. artigos 11º e 12º da Lei nº 65/2003.

Não apresentou qualquer prova.

Assim sendo, não está em causa a identidade da pessoa visada, pois que o detido apresentado para audição é efectivamente aquele que é procurado pelas justiças de Huelva, para comparecer no julgamento do processo aludido, na qualidade de arguido.

Também não se vislumbra a existência de quaisquer circunstâncias subsumíveis às potenciais causas de recusa de execução do mandado de detenção europeu, já que este apenas foi emitido para que o arguido compareça numa audiência de julgamento, havendo a garantia de que depois regressará à situação em que se encontra – cfr. artigos 11º e 12º da Lei nº 65/2003.

A salientar que o arguido nem sequer apresentou quaisquer motivos justificativos da sua atitude, limitando-se a aludir à sua família, residente em Portugal, motivo este que não colhe, já que aquele tem, por ora, a garantia de regressar após a realização da audiência de julgamento.

Assim sendo, e já que o arguido nada alegou que justificasse a sua oposição, não estando em causa, como tal, a existência de provas que suportem a dita oposição, e pelo mais que foi referido, entende-se não existirem motivos para a recusa do cumprimento do cumprimento deste mandado de detenção europeu.

Pelo exposto, e nos termos do preceituado no artigo 22º da Lei nº 65/2003, de 23 de Agosto, na execução do mandado de detenção europeu em causa, acordam os Juízes que constituem a secção criminal do Tribunal da Relação de Évora, em consentir na entrega do arguido cidadão português A, nascido a 12 de Setembro de 1981, natural de Évora e actualmente preso no Estabelecimento prisional de Beja à ordem do Processo nº 40/09.4PEEVR, do 1º Juízo Criminal de Évora, à 2ª Secção da Audiência Provincial de Huelva, Espanha, a fim de comparecer à audiência que vier de novo a ser designada no Procedimento Abreviado nº 216/2011, sem renúncia ao princípio da especialidade, devendo regressar a Portugal, à situação em que se encontra, após a realização da dita audiência de julgamento.

Proceda-se às necessárias notificações, nomeadamente, à entidade judiciária espanhola emitente do mandado – cfr. artigo 28º da lei nº 65/2003 - e ao processo à ordem do qual o arguido se encontra detido, informando-se, também, as entidades policiais competentes.

Évora, 11 de Outubro de 2011

Maria Fernanda Palma – Maria Isabel Duarte

http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/c8e5c3239a9835fc8025792c0032ec85?OpenDocument

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

PENSÃO DE SOBREVIVÊNCIA UNIÃO DE FACTO - Acórdão do Tribunal da Relação do Porto - 06/10/2011


Acórdãos TRP
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2882/10.9TBVNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: AMARAL FERREIRA
Descritores: PENSÃO DE SOBREVIVÊNCIA
UNIÃO DE FACTO

Nº do Documento: RP201110062882/10.9TBVNG.P1
Data do Acordão: 06-10-2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1

Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: REVOGADA.
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .

Sumário: O direito à pensão de sobrevivência em consequência da morte de um dos membros da união de facto, com a Lei n.º 23/2010, de 30/8, passou a ser atribuída ao sobrevivente independentemente da sua necessidade de alimentos, mesmo que o óbito do beneficiário da segurança social tenha ocorrido em data anterior à sua entrada em vigor, mas abrange apenas as prestações a partir de 1/1/2011.
Reclamações:

Decisão Texto Integral: Apelação nº 2882/1.9TBVNG.P1 - 2011.
Relator: Amaral Ferreira (639).
Adj.: Des. Deolinda Varão.
Adj.: Des. Freitas Vieira.

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I. RELATÓRIO.

1. B…, litigando com apoio judiciário nas modalidades de nomeação e pagamento de honorários a patrono e de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo instaurou, em 3/10/2010, no Tribunal da Comarca de Vila Nova de Gaia, contra Instituto da Segurança Social IP - Centro Nacional de Pensões e Herança Indivisa aberta por óbito de C…, acção declarativa com processo ordinário, pedindo que seja reconhecido judicialmente a união de facto que mantinha com o de cujus C… e, por manifesta inexistência de quaisquer bens que pudessem integrar a sua herança e concretizar o direito a alimentos da mesma, que o R. seja condenado a atribuir-lhe as pensões pecuniárias denominadas “Pensões de Sobrevivência e Subsídio por Morte.
Alega, para tanto e em resumo, que, desde meados de 1999, encontrando-se ambos divorciados, viveu em comunhão de leito, mesa e habitação, em situação análoga à dos cônjuges, com o referido C… e até ao óbito deste, ocorrido em 16/9/2009, na sequência do qual se viu confrontada com uma situação económica difícil, vivendo apenas com uma pensão mensal de € 246,36 e tendo despesas mensais de € 395, prestando, durante o dia, auxílio ao seu irmão D…, deficiente mental e que tem como únicos rendimentos uma pensão de invalidez de € 207,06, acrescida de um complemento mensal de € 161,09 face ao seu estado de dependência da irmã, não tendo as pessoas vinculadas à prestação de alimentos condições de lhos prestar, nomeadamente o ex-cônjuge, que não reúne condições económicas para o efeito, o filho do seu casamento, que cortou relações com ela e que também vive com dificuldades financeiras, pois tem uma filha menor e encontra-se a pagar o crédito à habitação, os irmãos, um dos quais é deficiente e o outro, E…, é emigrante há vários anos, desconhecendo o seu paradeiro, e a herança do falecido.

2. Contestou o R. Instituto da Segurança Social que, aceitando apenas os factos alegados pela A. relativos à data do óbito de C…, o seu estado civil e ao valor das pensões auferidas pela A. e pelo irmão deficiente, impugnando os restantes, conclui pelo julgamento da acção de acordo com a prova produzida.

3. Homologada a desistência da instância requerida pela A. no que se refere à R. Herança Aberta por óbito de C…, foi proferido despacho a convidar a A. a apresentar nova petição em que concretizasse os rendimentos e despesas do seu ex-cônjuge, do filho e do irmão E…, por forma a permitir formular juízo de incapacidade dos mesmos no cumprimento da obrigação de prestação de alimentos.

4. Não tendo a A. acedido ao convite de aperfeiçoamento da petição inicial, foi proferida decisão que, conhecendo de mérito, julgou a acção improcedente e absolveu o R. do pedido, essencialmente com o fundamento de que a A. não alegara e, por isso, não podia provar, factos que integrassem o requisito da impossibilidade de obter alimentos das pessoas a tal legalmente obrigadas, essencial para lhe poder ser reconhecido judicialmente o direito que pretendia fazer valer.

5. Inconformada, apelou a A. que, nas respectivas alegações, formula as seguintes conclusões:
1ª: A Autora/Apelante alegou que viveu com o de cujus em união de facto, por um período superior a dois anos e até à morte deste, ambos no estado de divorciados.
2ª: Como se de marido e mulher se tratasse, partilhando cama, casa, e comida, residindo na mesma casa até à morte do falecido.
3ª: A Recorrente alegou no artigo 15º da P.I. que as pessoas vinculadas à prestação de alimentos nos termos do nº 1 al. a) a d) do artigo 2009º, do Cód. Civil não estão em condições de os prestar.
4ª: A A. ora recorrente foi convidada para apresentar novo articulado que concretizasse com factos os rendimentos e despesas do seu ex-cônjuge, os rendimentos e despesas do seu filho, os rendimentos e despesas do seu irmão E….
5ª: A A./Apelante não aperfeiçoou o seu articulado pois que, nesta fase processual, não disponha, nem tinha como obter, os elementos necessários para o efeito.
6ª: A Autora/recorrente alegou a ausência dos familiares obrigados a alimentos.
7ª: A Autora/recorrente alegou ainda da insuficiência económica dos familiares obrigados a alimentos.
8ª: A presente acção tem a forma de processo ordinário, o que permitiria à recorrente, juntar aos Autos os elementos provatórios suficientes para prova ao alegado.
9ª: A recorrente, pretendia lançar mão do Princípio de Cooperação previsto no nº 4 do artigo 266º do C.C. para prova do alegado.
10ª: Decorre expressamente do nº1 do art. 519º do CPC, o dever de cooperação, enquanto princípio basilar do nosso direito adjectivo, faz impender sobre todas as pessoas, sejam elas, ou não, partes na causa, a obrigação de prestarem a sua colaboração para a descoberta da verdade.
11ª: Ao proferir a Doutra Sentença da qual se recorre, a recorrente viu-se impossibilitada de fazer prova da ausência e da insuficiência económica das pessoas elencadas nas alíneas a) a d) no nº 1 do artigo 2009º do C.P.C.
12ª: No caso em apreço o Tribunal Recorrido podia e devia ter prosseguido os autos para realização da fase instrutória, e só após a produção da prova necessária, julgar procedente ou improcedente o pedido da apelante.
13ª: O Mmo. Juíz a quo ao proferir a Sentença recorrida, fez uma errada interpretação do direito, nomeadamente do disposto no artigo 342º do Código Civil e considerou, mal, que a Autora/Apelante não alegou o facto constitutivo do seu direito.
SEM PRESCINDIR
14ª: E entende a recorrente que não tem de fazer prova da carência de alimentos, nem que não os pode obter quer da herança do falecido, quer dos familiares referidos no art. 2009º al. a) a d) do Código Civil,
15ª: À Autora/Apelante é suficiente que prove a união de facto por período superior a dois com o beneficiário C… e o estado civil de ambos divorciados.
16ª: E isto porque não está em questão a pensão de alimentos, mas sim a pensão de sobrevivência, que nada tem a ver com a pensão de alimentos baseada nas relações familiares e parafamiliares art.(s) (2020º e 2009º do Código Civil).
17ª: A pensão de sobrevivência e a pensão de alimentos são independentes e autónomas embora cumuláveis.
18ª: O Autor/Apelante pretende que seja reconhecido o seu direito e lhe seja atribuída a pensão da sobrevivência;
19ª: Nunca nos podemos esquecer do princípio da total equiparação da união de facto ao casamento, conforme se refere no art. 3º al. e) da Lei 7/2001, estipulando o mesmo que, “(…) quem vive em união de facto há mais de dois anos tem direito à protecção na eventualidade da morte do beneficiário” (…).
20ª: Se, se pretende equiparar o casamento à união de facto, não faz sentido vir exigir ao membro sobrevivo para reconhecimento do direito à pensão de sobrevivência, fazer depender a atribuição da mesma, da alegação e da prova de quaisquer necessidades económicas, ou da impossibilidade de obter alimentos por parte dos seus familiares.
21ª: Assim, equiparando a união de facto ao casamento teremos de aplicar a mesma lei e doutrina a ambos.
22ª: Para atribuição da pensão de sobrevivência, o companheiro sobrevivo só tem de fazer prova que vive em união de facto com o de cujus beneficiário da pensão há mais de dois anos.
23ª: Deve fazer-se uma interpretação restritiva da remissão que o art. 6º nº 1 da Lei 7/2001 faz para o art. 2020º do Código Civil,
24ª: Para atribuição da pensão de sobrevivência, deve reportar-se apenas e tão só aos requisitos da união de facto
25ª: Não havia necessidade de alegar e provar no caso em apreço, que a Autor/Apelante se encontrava impossibilitada de obter alimentos dos familiares obrigados a prestar.
26ª: Mal andou o Tribunal “ a quo” ao interpretar e aplicar o artº 6 da Lei 7/2001;
27ª: Ao não fazer uma interpretação correcta da conjugando do nº 2 do Decreto regulamentar nº 1/94 de 18 de Janeiro com o nº 1 do art. 8º do Decreto-Lei 322/90, que atribuem o direito às prestações por morte a pessoa que, no momento da morte do beneficiário não casado ou separado judicialmente de pessoas e bens, vivia com ele há mis de dois anos em condições análogas às dos cônjuges;
28ª: O art. 3º, al. e) e 6º nº 1 da lei 7/2001 de 11 de Maio, são claros ao preverem o direito das pessoas que vivem em união de facto à protecção na eventualidade de morte do beneficiário pela aplicação do regime geral da segurança social e da lei;
29ª: O recurso em análise deverá também por isto ser julgado procedente;
30ª: O Tribunal a quo não interpretou nem aplicou, as normas supra referidas e aplicáveis ao caso em apreço como deveria enfermando por isso a mesma de Nulidade nos termos do disposto nº nº 1 alínea d) do artigo 668º do C.P.C.
Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exas. Doutamente suprirão, sopesadas as conclusões acabadas de exarar, deverão dar provimento ao presente recurso e em consequência, revogar a
Sentença ora recorrida, substituindo-a por outra que ordene o prosseguimento dos autos.
Com o que farão V. Exas. como sempre, inteira e sã JUSTIÇA!

6. Contra alegou o R. a pugnar a manutenção da decisão recorrida, reconduzindo-se as extensas conclusões que formulou a sustentar que, face ao quadro factual, não ficou provado o requisito da impossibilidade de as pessoas a que se referem as als. a), b) e d) do artº 2009º do Código Civil lhe prestarem alimentos, de que dependia o reconhecimento do direito que ela pretendia fazer valer, e de não ser aplicável ao caso a Lei nº 23/2010, de 18/10.

8. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO.

1. Os factos a considerar na decisão da apelação são os que se deixaram relatados e que se dão aqui por reproduzidos.

2. Tendo em consideração que o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das alegações, não podendo tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se trate de questões do conhecimento oficioso e que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu objecto delimitado pelo conteúdo do acto recorrido, a questão suscitada é saber quais os requisitos exigíveis para à recorrente ser reconhecido o direito às prestações sociais por morte do seu companheiro de facto.

A sentença recorrida, após convite que dirigiu à recorrente no sentido de ela concretizar os rendimentos e despesas do seu ex-cônjuge, do seu filho e do seu irmão E…, por forma a permitir formular o juízo de incapacidade dos mesmos no cumprimento da obrigação de lhe prestarem alimentos, face ao silêncio da A., julgou a acção improcedente com o fundamento de que ela, apesar de avisada dessa necessidade, não alegou e, por isso, não podia provar, o facto constitutivo do direito que pretendia fazer valer - de reconhecimento do direito às prestações sociais por morte do seu companheiro de facto -, consistente na impossibilidade de obtenção de alimentos das pessoas a tal obrigadas por força das alíneas a), b) e d) do artº 2009º do Código Civil, aplicável por força do artº 2020º, nº 1, do mesmo diploma legal, no caso do ex-cônjuge, do descendente e de um dos irmãos.
Face a esta fundamentação, verifica-se que subjacente à decisão recorrida, até porque ela não se lhe refere, esteve o entendimento de que era inaplicável à situação em apreço a Lei nº 23/2010, de 30/8, que veio introduzir alterações ao direito de acesso às prestações por morte por parte do cônjuge sobrevivo da união de facto.
A discordância da recorrente, que diz, apenas nas alegações, quando o devia ter feito na sequência do convite que lhe foi feito, em obediência ao mesmo princípio, consagrado no artº 266º do Código de Processo Civil (CPC), pretender socorrer-se do princípio da cooperação por se ter deparado com dificuldades na obtenção das informações que lhe foram solicitadas no convite que lhe foi dirigido para aperfeiçoamento da petição inicial, e que assaca à sentença recorrida o vício da nulidade previsto no artº 668º, nº 1, al. d), do CPC, reside no facto de entender que lhe bastava alegar e provar o estado civil do de cujus e que vivia em união de facto com o mesmo há mais de dois anos.
Apreciemos a questão suscitada, que é a que acima se deixou enunciada, porquanto, apesar de a recorrente atribuir à decisão recorrida a nulidade prevista na alínea d) do nº 1 do artº 668º do CPC, é manifesto que ela se não verifica.
Nos termos deste preceito legal, a sentença é nula «Quando deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento».
Os vícios determinantes da nulidade da sentença, que são os taxativamente previstos no nº 1 do citado artº 668º, correspondem a casos de irregularidades que a afectam formalmente e que encerram um desvalor que excede o erro de julgamento; constituem vícios intrínsecos da sentença, do acto pelo qual o juiz decide a causa, mas não têm a ver com o bem ou mal fundado da solução encontrada para o litígio.
Não respeitam ao julgamento (de facto ou de direito) da questão delimitada pelas partes.
A nulidade em apreço representa a sanção para a violação do estatuído no artº 660º, nº 2, do CPC, preceito que impõe ao julgador o dever de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e de apenas se ocupar das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
Trata-se aí do dever de conhecer por forma completa do objecto do processo, e, definido este pelo(s) pedido(s) deduzido(s) e respectiva(s) causa(s) de pedir, terão, por conseguinte, de ser apreciadas todas as pretensões processuais das partes - pedidos, excepções, reconvenção -, e todos os factos em que assentam.
As questões a que se referem os citados preceitos legais não são meros argumentos ou razões de facto ou de direito das partes porque, além do mais, o tribunal é livre na sua aplicação do direito aos factos provados.
Há omissão de pronúncia se o juiz deixa de proferir decisão sobre questão, colocada por qualquer das partes, que devia resolver, omitindo o dever de solucionar o conflito nos limites pedidos pelas partes.
Verifica-se excesso de pronúncia sempre que se conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Ora, tendo a A. formulado o pedido de reconhecimento do direito às prestações por morte da pessoa com quem diz ter vivido em união facto, alegando os requisitos de que dependia o reconhecimento desse direito, a decisão recorrida julgou a acção improcedente com o fundamento de que ela não tinha alegado, e por isso não podia vir a prová-los, os factos integradores do requisito da impossibilidade de obter alimentos das pessoas obrigadas a prestá-los.
Se tal requisito não era necessário à procedência da acção, como sustenta a apelante, o que ocorre é erro de julgamento, mas não é susceptível de atribuir à decisão o vício da nulidade por omissão ou por excesso de pronúncia.

Apreciando do mérito do recurso, apesar de o entendimento adoptado na sentença corresponder a jurisprudência que se pode dizer pacífica do Supremo Tribunal de Justiça antes da publicação da Lei nº 23/2010, de 18/8 - cfr., v.g., os Acs. do STJ de 23-09-2008, Proc nº 08B2475, 16-09-2008, Proc nº 08A2232, 10-07-2008, Proc nº 08B1695, 27-05-2008, Proc nº 08B1429, 28-02-2008, Proc nº 07A4799, 23-10-2007, Proc nº 07A2949, 20-09-2007, Proc nº 07B1752, 28-06-2007, Proc nº 07B2319, 05-12-2006, Proc nº 06A3871, 25-05-2006, Proc nº 06B1132, 06-07-2005, Proc nº 05B1721, 27-05-2003, Proc nº 03A927, todos eles disponíveis em www.dgsi.pt.-, e também sufragada pelo ora relator, nomeadamente no acórdão proferido em 17/1/2008 na apelação nº 6857/07, no sentido que o direito às prestações por morte de um beneficiário da Segurança Social, não casado ou separado judicialmente de pessoas e bens, depende, para além da alegação e prova da convivência com o mesmo, em situação análoga à dos cônjuges, há mais de dois anos (tendo em conta a data da morte), da alegação e prova, também por banda do requerente, de estar carenciado de alimentos e de os não poder obter, quer da herança do falecido, quer dos familiares elencados no artº 2009º do Código Civil, o que implicaria a improcedência da apelação, já com a publicação da citada Lei nº 23/2010 se impõe a procedência do recurso.
Vejamos porquê.

A lei vigente à data do óbito do companheiro da autora era a Lei nº 7/2001, de 11 de Maio, na sua primitiva redacção, pois aquele faleceu em 16/9/2009.
Nos termos dos seus artºs 1º, 3º e 6º, as pessoas que vivessem em união de facto há mais de dois anos, à data da morte do beneficiário, tinham direito, à protecção social no caso de morte do beneficiário, pela aplicação do regime geral de segurança social e da lei.
Contudo, esse direito encontrava-se limitado, pois dele só podia beneficiar quem reunisse as condições constantes do artº 2020º do Código Civil.
Assim, o direito à pensão de sobrevivência e subsídio por morte (artº 3º do DL nº 322/90, de 18/10), dependia da prova da união de facto há mais de dois anos, da necessidade de alimentos, da inexistência ou insuficiência de bens da herança do falecido para prestar alimentos, ou, provada essa impossibilidade, da inexistência ou insuficiência de capacidade económica para prestar alimentos por parte dos familiares do unido de facto sobrevivente, referidos nas alíneas a) a d) do artº 2009º do Código Civil, ou seja, ex-cônjuge, descendentes, ascendentes e irmãos.
Sendo certo que existiu alguma divergência na jurisprudência no que respeita aos requisitos essenciais a provar nestas acções instauradas contra a Segurança Social, passou a ser pacífica a orientação jurisprudencial que firmou, nomeadamente aquela que resulta do Plenário do Tribunal Constitucional e que foi proferida no seu Acórdão nº 614/2005, de 9-1-2005, no qual se considerou não discriminatória, nem desproporcionada ou inconstitucional, a exigência de prova por parte da companheira sobreviva, para além da convivência em condições análogas às dos cônjuges por mais de dois anos, o reconhecimento judicial do direito a receber alimentos, nas condições previstas no artº 2020º do Código Civil, por remissão efectuada pelos artºs 8º do DL nº 322/90 e 3º do Decreto Regulamentar nº 1/94, de 18/1.
Daí que, face à Lei nº 7/2001, na redacção anterior à introduzida pela Lei nº 23/2010, além da união de facto por mais de dois anos e da necessidade de alimentos, a autora tinha de provar que os não podia obter da herança do falecido companheiro, bem como dos familiares referidos nas alíneas a) a d) do artº 2009º do Código Civil, ou seja, do ex-cônjuge, descendentes, ascendentes e irmãos).
Ora, não tendo a A. alegado, na sequência do convite que lhe foi endereçado, factos concretos que integrassem os conclusivos que havia alegado relativamente à impossibilidade de o ex-cônjuge, o descendente e o irmão E… lhe prestarem alimentos, e, consequentemente, não os podendo vir a provar, a acção devia improceder, se lhe fosse aplicável o regime anterior à mencionada Lei nº 23/2010.
Todavia, com a alteração legislativa introduzida pela Lei nº 23/2010, a solução passou a ser diferente.
De acordo com a nova redacção do artº 6º, nº1, da Lei nº 7/2001, introduzida pelo artº 1º da Lei nº 23/2010, para atribuição da pensão de sobrevivência, basta provar a união de facto há mais de dois anos à data da morte do beneficiário, tendo o direito às prestações sociais deixado de estar condicionado à prova da necessidade de alimentos.
Importa, assim, analisar se tal alteração legislativa se aplica às situações de união de facto já dissolvidas à data da entrada em vigor da nova Lei nº 23/2010, ou se apenas tem aplicação aos casos em que o óbito do beneficiário da segurança social ocorra posteriormente à sua vigência.
Como resulta da lei, um dos modos da dissolução da união de facto é através do falecimento de um dos seus membros - artº 7º, nº1, al. a), da Lei nº 7/2001.
A definição das condições de atribuição das prestações sociais afere-se com referência à data da morte do beneficiário - artº 15º do DL nº 322/90.
Mas, se é certo que o momento da morte tem relevância para a definição das condições de atribuição das prestações sociais, a verdade é que o facto da morte não é um elemento constitutivo do direito à atribuição da pensão de sobrevivência e subsídio por morte, mas tão somente o facto que desencadeia a dissolução da união de facto cuja existência nesse momento é indispensável para a atribuição do direito à pensão de sobrevivência e subsídio por morte.
O que significa “que o facto - morte não é facto integrativo ou constitutivo do direito à atribuição da pensão de sobrevivência. Esse direito, no domínio da LA (Lei Antiga) era composto pela existência da união de facto à data da morte do membro sobrevivo e pela impossibilidade de os obter daqueles que estavam para com ele obrigados a alimentos. A LA não reconhecia o direito à pensão de sobrevivência ao membro sobrevivo da união de facto que não carecesse de alimentos. A LN (Lei Nova) reconhece tal direito ao membro sobrevivo da união de facto independentemente da necessidade de alimentos” (Ac. STJ de 7/6/2011, proferido na Revista nº 1877/08.7TBSTR.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt.).
Assim, a extinção da relação jurídica “união de facto” em consequência da morte de um dos seus membros, que seja beneficiário do regime da segurança social, dá lugar a uma nova situação jurídica de que é titular o membro sobrevivo, conferindo-lhe o direito às prestações sociais, que pode fazer valer contra a Segurança Social.
A nova lei contempla apenas esta situação do membro sobrevivo de uma união de facto, sem estabelecer qualquer limitação quanto ao momento em que cessou a união de facto.
Como se escreve no citado Acórdão do STJ de 7/6/11, “tal situação jurídica prolonga-se no tempo, independentemente do facto que lhe deu origem ou do momento em que se constituiu, ficando consequentemente sujeita, ao domínio da LN, pois ela autonomiza-se - abstrai - da realidade que a desencadeou: a dissolução por morte de uma união de facto preexistente”.
O que permite concluir que as alterações introduzidas na Lei nº 7/2001, por via da Lei nº 23/2010, são aplicáveis no caso em questão, nos termos do preceituado no artº 12º, nº 2, 2ª parte, do Código Civil, tendo a autora direito às reclamadas prestações sociais, independentemente da necessidade de alimentos, como decorre da actual redacção do artº 6º, nº1, da Lei nº 7/2001 - cfr., neste sentido, para além do citado, os acórdãos do STJ de 6/7/2011, Processo nº 23/07.TBSTB.E1.S1 (embora com diferente fundamentação), de 12/7/2011, Processo nº 125/09.7TBSRP.E1.S1, de 6/9/2011 (sumário), Processo nº 322/09.5TBMNC.G1.S1, e de 13/9/2011, Proc. 1029/10.6T2AVR.S1 (também com diferente fundamentação), todos disponíveis em www.dgsi.pt.
A Lei nº 23/2010, de 30 de Agosto, entrou em vigor no quinto dia posterior à sua publicação, ou seja, em 4 de Setembro de 2010, por nela não ter sido estabelecido qualquer prazo especial de vacatio legis.
Porém, vem estabelecido no artº 11º da Lei nº 23/2010, que “os preceitos da presente lei com repercussão orçamental produzem efeitos com a Lei do Orçamento do Estado posterior à sua entrada em vigor”.
Assim, não oferece dúvida que a aplicação da Lei nº 23/2010 às situações de dissolução, por morte, de união de facto, independentemente da necessidade de alimentos do membro sobrevivo, tem repercussão económica no Orçamento do Estado, pelo acréscimo de despesa que necessariamente acarreta e que não foi considerada no Orçamento anterior.
O que significa que a aplicação da Lei 23/2010 ao caso concreto em apreciação, nos termos supra descritos, conduz a que o direito às prestações sociais, cujo recebimento é reconhecido à autora, abrange apenas as prestações que se vencerem a partir da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para o ano de 2011.
Face ao que se deixa exposto, não podia a decisão recorrida julgar improcedente a acção com o fundamento de que a recorrente não alegara, e logo não podia provar, o requisito da impossibilidade de obter alimentos das pessoas a eles obrigadas.

Importa ainda anotar que o facto de os efeitos da Lei nº 23/2010, só se verificarem, por força do que dispõe agora o artº 11º da Lei nº 7/2001, a partir de 1 de Janeiro de 2011, com a entrada em vigor do Orçamento de Estado, se não verifica qualquer inutilidade superveniente da lide, quando se constata a entrada em vigor da nova lei em processos pendentes, como é o caso, e se verifica que essa nova lei deixa inteiramente nas mãos da administração a concessão da pensão requerida, sem necessidade de intervenção dos tribunais por parte dos requerentes - cfr. os artºs 2º-A e 6º, nºs 2 e 3, da Lei nº7/2001, na nova redacção.
Porque, quando se fala de inutilidade da lide está também em causa a inutilidade da lide para os litigantes, as partes, e não é inútil para a autora declarar-se desde já, com efeitos a 1 de Janeiro de 2011, o direito à pensão de sobrevivência que, se fosse declarada inútil a lide, teria de prosseguir através de novo procedimento - agora administrativo - com efeitos a partir da data do início desse mesmo procedimento - cfr. o citado acórdão do STJ de 6/7/2011.

III. DECISÃO.
Pelo exposto, acordam os juízes que constituem esta Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em julgar procedente a apelação e, consequentemente, revogar a decisão recorrida, devendo a acção prosseguir nos termos referidos na fundamentação.
*
Custas pelo apelado.
Honorários da patrona nomeada à A. conforme tabela aplicável.
*
Porto, 6/10/2011
António do Amaral Ferreira
Deolinda Maria Fazendas Borges Varão
Evaristo José Freitas Vieira

http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/d1d5ce625d24df5380257583004ee7d7/c551b38f579cf8f98025792e0046e403?OpenDocument

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

REGULAÇÃO DO PODER PATERNAL COMPETÊNCIA INTERNACIONAL REGULAMENTO CE MENOR RESIDÊNCIA HABITUAL - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa - 22/09/2011


Acórdãos TRL
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1729/10.0TMLSB-B.L1-8
Relator: ILÍDIO SACARRÃO MARTINS
Descritores: REGULAÇÃO DO PODER PATERNAL
COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
REGULAMENTO CE
MENOR
RESIDÊNCIA HABITUAL

Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 22-09-2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S

Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE

Sumário: I - Em matéria da competência para a regulação do poder paternal de menores filhos de cidadãos portugueses residentes em diferentes Estados membros da Comunidade Europeia rege o Regulamento (CE) nº 2201/2003, de 27de Novembro.
II - No que respeita à responsabilidade parental e em matéria de competência geral, preceitua o artº 8 do Regulamento que o foro apropriado é o do tribunal competente do Estado-Membro da residência habitual da criança, com referência à data da instauração do processo.
III - A determinante fundamental a ter em conta é o da efectiva ligação do menor e dos seus progenitores a Portugal, país da nacionalidade de todos, dado que ela perdura por cerca de 6 anos em relação ao menor, pois a apelante foi residir para Inglaterra e com ela o menor, em meados de Setembro de 2010, o que induz uma clara desvinculação, por ora, a Inglaterra.
IV - A acção de alteração da regulação das responsabilidades parentais, a tramitar-se num tribunal inglês corre sérios riscos de não poder acautelar da mesma forma o supremo interesse do menor.
V - Residindo o pai do menor em Portugal, aqui tendo sempre vivido o pai, a mãe e o menor, que se apenas se encontrar em Inglaterra há muito pouco tempo, o critério da proximidade, interpretado segundo o antes afirmado e previsto no referido nº (12) do Regulamento, aponta a competência para os tribunais portugueses.
(ISM)
Decisão Texto Parcial:

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

I – RELATÓRIO

A… veio requerer alteração à regulação do exercício do poder paternal relativamente ao seu filho, B…, contra a mãe do menor, C….

Citada para alegar nos termos do art° 182° n° 3 da OTM a requerida invocou a excepção da incompetência internacional do Tribunal de Família e Menores de Lisboa.
O MP e o requerente pugnaram pela competência do tribunal.

Foi proferida decisão que julgou improcedente a excepção da incompetência internacional do tribunal.

Não se conformando com a decisão, dela recorreu a requerida, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES:
1ª- O tribunal recorrido decidiu pela improcedência da excepção da incompetência internacional invocada pela ora recorrente.
2ª- Para tal, fundamentou a sua decisão pela aplicação do artº155° n° 5 da OTM.
3ª – Tal decisão viola o artº 8° da Constituição da Republica Portuguesa e o artº 65° n° 1 do Código de Processo Civil, ao não ter feito aplicação da legislação internacional constante quer da Convenção de Haia de 5.10.1961 relativa à Competência das Autoridades e à Lei Aplicável em Matéria de Protecção de Menores e o Regulamento (CE) n° 2201/2003 do Conselho, de 27.11.2003, relativo à Competência, Reconhecimento e à Execução de Decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental.
4ª – Para se aferir do tribunal internacionalmente competente para decidir o mérito desta questão não é o artº 155° n° 5 da OTM que se deve aplicar, mas de acordo com o artº65° do CPC, tem de ser atendido o direito supranacional aplicável.
5ª – Quer a Convenção de Haia referida, quer o Regulamento (CE) n° 2201/2003 de 27.11.2003, preceituam que o tribunal competente para a alteração das responsabilidades parentais é o tribunal da residência habitual do menor. E,
6ª – O domicílio do menor passou a ser, desde 10 de Setembro de 2010, em Inglaterra.
7ª – Isto porque é em Inglaterra que o menor passou a ter residência permanente, onde está matriculado numa escola e onde a progenitora, pessoa com quem vive e sempre viveu desde que nasceu, tem um emprego estável.
8ª – Aliás, as normas internacionalmente aplicáveis, e mesmo as normas internas, apontam como factor de atribuição de competência do tribunal a residência do menor por um critério de proximidade e por isso ser mais apto para avaliar e tutelar mais eficazmente os seus interesses.
Por fim,
9ª – A ida da mãe do menor para Inglaterra teve como finalidade proporcionar ao menor urna melhor qualidade de vida para o mesmo, dada a maior facilidade que aí encontrou trabalho e com melhor remuneração.
10ª – Assim, a deslocação do menor para Inglaterra foi perfeitamente lícita, na medida em que, foi sempre a mãe quem teve a guarda do menor desde a data do seu nascimento.
11ª - Da mesma opinião perfilhou o Tribunal de Família e de Menores de Matosinhos que, em 2006 homologou o acordo de Regulação do Exercício do Poder Paternal, quando indeferiu o incidente de incumprimento de visitas por parte mãe do menor, por ter considerado a sua deslocação para Inglaterra perfeitamente lícita e remeter, agora, para o tribunal do domicílio onde o menor reside actualmente, para a regulação dos futuros convívios do menor com o pai.
Termina pedindo que seja julgada procedente a excepção da incompetência internacional dos tribunais portugueses.

O requerente e o Ministério Público contra-alegaram, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.

Dispensados os vistos legais, cumpre decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO.
A) Fundamentação de facto
Com interesse para a decisão da causa, a primeira instância deu como provados os seguintes factos:
1º - B… nasceu ... de ... de 2004 e é filho de A… e de C...
2º - O B… reside com a mãe em Inglaterra desde meados de Setembro de 2010.
3º - O exercício das responsabilidades parentais relativamente ao B… foram reguladas em 28 de Setembro de 2006 por acordo devidamente homologado por sentença transitada em julgado (cfr. fls. 305 dos autos principais).
4º - A criança viajou para Inglaterra com a mãe entre os dias 2 e 19 de Agosto de 2010 (fls. 321 dos autos principais) 10 e 20 de Setembro de 2010 (fls. 325 do mesmo processo)
5º - A mãe não informou os autos que mudara a sua residência para Inglaterra, tendo solicitado sempre certidões com indicação dos dias que iria permanecer em território inglês.
6º - O requerente pai reside na …, n° …, …, em Lisboa.

B) Fundamentação de direito

A questão jurídica que nos compete apreciar, à luz das conclusões da minuta recursória consiste em saber se o Tribunal de Família e Menores de Lisboa é internacionalmente competente para conhecer da alteração à regulação do exercício do poder paternal.

A decisão recorrida entendeu que sim, de acordo com o disposto no artigo 155º nº 5 da OTM, por ser o tribunal da residência do requerente.
É contra este entendimento que se insurge a apelante pelas razões que deixou expostas nas suas alegações.

Cumpre decidir.
O artigo 155º da OTM, na redacção da Lei n.º 133/99, de 28 de Agosto, sob a epígrafe (Competência territorial) preceitua, na parte aplicável, o seguinte:
5 - Se, no momento da instauração do processo, o menor não residir no País, é competente o tribunal da residência do requerente ou do requerido; quando também estes residirem no estrangeiro e o tribunal português for internacionalmente competente, pertence ao tribunal de Lisboa conhecer da causa.
6 - São irrelevantes as modificações de facto que ocorrerem posteriormente ao momento da instauração do processo.
Estamos em sede de competência absoluta, uma vez que está em causa a competência internacional do tribunal recorrido - artº 101º do CPC.
O artº 65º do CPC, ao regular a competência internacional dos tribunais portugueses, salvaguarda o estabelecido em tratados, convenções e regulamentos comunitários.
Na verdade, por força do disposto no artº 8º da CRP, as normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas vigoram na ordem interna após a sua publicação oficial - nº2 - e as normas dos tratados que regem a União Europeia e as emanadas das suas instituições, são directamente aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito comunitário, ainda que com salvaguarda dos princípios fundamentais do Estado de Direito democrático - nº 4, do mesmo normativo.

Sendo a Inglaterra e Portugal membros da Comunidade Europeia, haverá de atender-se ao disposto no Regulamento (CE) nº 2201/2003 do Conselho, de 27 de Novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental, uma vez que o mesmo tem aplicação às matérias respeitantes à atribuição, ao exercício, à delegação, à limitação ou à cessação da responsabilidade parental - artº 1º nº 1 alª b) - e se assume como instrumento jurídico comunitário vinculativo e directamente aplicável para determinar as regras relativas à competência judiciária, de forma a ultrapassar as disparidades das regras nacionais em matéria de competência judicial - artº 17º.

Este Regulamento começa por consignar, nos seus considerandos (12), que “as regras de competência em matéria de responsabilidade parental do presente regulamento são definidas em função do superior interesse da criança e, em particular, do critério da proximidade… a competência deverá ser, em primeiro lugar, atribuída aos tribunais do Estado-Membro de residência habitual da criança, excepto em determinados casos de mudança da sua residência habitual ou na sequência de um acordo entre os titulares da responsabilidade parental”.

Isso mesmo resulta do estatuído no artigo 8º nº 1 do Regulamento, que dispõe que " Os tribunais de um Estado-Membro são competentes em matéria de responsabilidade parental relativa a uma criança que resida habitualmente nesse Estado-Membro à data em que o processo seja instaurado no tribunal”.

Não define o Regulamento o que deva entender-se por residência habitual. Trata-se, em nosso entender, de um conceito autónomo da legislação comunitária, independente relativamente ao que possa constar das legislações nacionais, devendo ser interpretado em conformidade com os objectivos e as finalidades do Regulamento, e que deve ser procurado caso a caso pelo juiz, mas tendo em conta, desde logo, que o adjectivo “habitual” tende a indicar uma certa duração.

Neste contexto, resulta provado nos autos que:
- O B... reside com a mãe em Inglaterra desde meados de Setembro de 2010.
- O exercício das responsabilidades parentais relativamente ao B… foram reguladas em 28 de Setembro de 2006 por acordo devidamente homologado por sentença transitada em julgado (cfr. fls. 305 dos autos principais).
- A criança viajou para Inglaterra com a mãe entre os dias 2 e 19 de Agosto de 2010 (fls. 321 dos autos principais) 10 e 20 de Setembro de 2010 (fls. 325 do mesmo processo)
- A mãe não informou os autos que mudara a sua residência para Inglaterra, tendo solicitado sempre certidões com indicação dos dias que iria permanecer em território Inglês.
- O requerente pai reside na …, n° …, em Lisboa.

Não se pode aplicar simplisticamente esta norma, devendo proceder-se a uma interpretação integrada de todo o Regulamento, em que prevê situações de afastamento daquela regra geral.
Trata-se das excepções estabelecidas nos seus artº 9º, 10º, 12º e 13º do Regulamento, todas elas gizadas na prevalência da melhor e mais eficaz protecção do interesse do menor.
O que, no caso em análise, cremos se justificar a sua aplicação.
O menor nasceu em Portugal e é filho de pais portugueses, vive em Inglaterra com a mãe e o pai vive em Lisboa.
A determinação do sentido e alcance da lei não se cinge à sua letra, envolvendo, além do mais, a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada – artº 9 nº 1, do Código Civil.

Ora, no caso dos autos, a determinante fundamental a ter em conta é o da efectiva ligação do menor e dos seus progenitores a Portugal, país da nacionalidade de todos, dado que ela perdura por cerca de 6 anos em relação ao menor, pois a apelante foi residir para Inglaterra e com ela o menor, em meados de Setembro de 2010, o que induz uma clara desvinculação, por ora, a Inglaterra.
Daqui que decorre que a acção de alteração da regulação das responsabilidades parentais, a tramitar-se num tribunal inglês corre sérios riscos de não poder acautelar da mesma forma o supremo interesse do menor.
Por outro lado, apesar da mãe residir temporariamente com o menor em Inglaterra, optou, certamente pela ligação a Portugal pelo facto de a sua vida e condições serem aqui melhor identificáveis, contribuindo para uma decisão consentânea com a realidade familiar e a envolvente social e económica do menor e seus pais.
Em suma, entende-se que sendo o critério vertido no Regulamento o da proximidade da criança e seus pais, então no caso é com Portugal e não com Inglaterra.

Integramos, portanto, a situação na última parte do nº (12) dos Considerandos do Regulamento onde se lê:” (…) a competência deverá em ser, em primeiro lugar, atribuída aos tribunais do Estado – Membro de residência habitual da criança, excepto em determinados casos de mudança da sua residência habitual ou na sequência de um acordo entre os titulares da responsabilidade parental”.

Não existem, pois, dúvidas que residindo o pai do menor em Portugal, aqui tendo sempre vivido o pai, a mãe e o menor, que se apenas se encontrar em Inglaterra há muito pouco tempo, o critério da proximidade, interpretado segundo o antes afirmado e previsto no referido nº (12) do Regulamento, aponta a competência para os tribunais portugueses.

EM CONCLUSÃO:
- Em matéria da competência para a regulação do poder paternal de menores filhos de cidadãos portugueses residentes em diferentes Estados membros da Comunidade Europeia rege o Regulamento (CE) nº 2201/2003, de 27de Novembro.
- No que respeita à responsabilidade parental e em matéria de competência geral, preceitua o artº 8 do Regulamento que o foro apropriado é o do tribunal competente do Estado-Membro da residência habitual da criança, com referência à data da instauração do processo.
- A determinante fundamental a ter em conta é o da efectiva ligação do menor e dos seus progenitores a Portugal, país da nacionalidade de todos, dado que ela perdura por cerca de 6 anos em relação ao menor, pois a apelante foi residir para Inglaterra e com ela o menor, em meados de Setembro de 2010, o que induz uma clara desvinculação, por ora, a Inglaterra.
- A acção de alteração da regulação das responsabilidades parentais, a tramitar-se num tribunal inglês corre sérios riscos de não poder acautelar da mesma forma o supremo interesse do menor.
- Residindo o pai do menor em Portugal, aqui tendo sempre vivido o pai, a mãe e o menor, que se apenas se encontrar em Inglaterra há muito pouco tempo, o critério da proximidade, interpretado segundo o antes afirmado e previsto no referido nº (12) do Regulamento, aponta a competência para os tribunais portugueses.

III - DECISÃO

Pelo exposto, julga-se improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 22 de Setembro de 2011

Ilídio Sacarrão Martins
Teresa Pais
Carla Mendes

http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/e6e1f17fa82712ff80257583004e3ddc/aca99bd96286d76f8025791e003cd9b6?OpenDocument

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

UNIÃO DE FACTO PENSÃO DE SOBREVIVÊNCIA APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO - Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra - 04-10-2011


Acórdãos TRC
Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
350/09.0TBANS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FONTE RAMOS
Descritores: UNIÃO DE FACTO
PENSÃO DE SOBREVIVÊNCIA
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO

Data do Acordão: 04-10-2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: ANSIÃO
Texto Integral: S

Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: DL Nº 322/90 DE 18/10, LEI Nº 4/2007 DE 16/1, LEI Nº 7/2001 DE 11/5, LEI Nº 23/2010 DE 30/8, ARTS.2020 CC, 63 CRP

Sumário: 1. As soluções plasmadas pelo legislador desde a Reforma de 1977 (DL n.º 496/77, de 25.11) até ao presente foram no sentido da tendencial e progressiva equiparação, para diversos efeitos, entre as situações próprias do vínculo conjugal e as decorrentes da união de facto, com a efectiva protecção dos agregados familiares constituídos fora das normas do casamento.
2. As alterações introduzidas pela Lei n.º 23/2010, de 30.8 (designadamente à Lei n.º 7/2001, de 11.5) respeitam a princípios fundamentais de direito social, pelo que o novo regime jurídico da união de facto tem aplicação imediata, ainda que o evento “morte” tenha ocorrido em data anterior ao início de vigência da lei nova.


Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:
I. O (…) instaurou, no Tribunal Judicial de Ansião, a presente acção declarativa, sob a forma ordinária, contra a Caixa Geral de Aposentações (CGA), pedindo que a Ré seja condenada a reconhecer que a A. é titular das prestações por morte referentes ao beneficiário da CGA A (…) (pensão de sobrevivência e subsídio por morte), com todas as consequências legais.

Alegou, em resumo, que o dito beneficiário faleceu a 05.4.2009; este e a A. viveram em união de facto desde 1992; tem como únicos rendimentos a quantia de € 322,62 de reforma por invalidez e € 257,00 de renda de um prédio mas que não é certo, valores que, face à sua situação (incluindo doença), são insuficientes para suportar as suas despesas; a herança do de cujus não deixou quaisquer bens, os seus pais já faleceram e não pode receber alimentos de outras pessoas, designadamente dos seus filhos.

A Ré contestou, impugnando alguns dos factos articulados pela A. e concluindo que “o subsídio por morte que a Autora peticionou juntamente com a pensão de sobrevivência não pode ser-lhe concedido, enquanto não o requerer, no prazo de um ano a contar da data do falecimento do pensionista A (…)” e que a A. deverá provar os factos conducentes à atribuição da requerida pensão de sobrevivência, sob pena de improcedência da acção.

Na réplica, a A. disse ter sido informada que só com a presente acção poderia obter o mencionado subsídio e reafirmou o alegado (inclusive, a inexistência de ascendentes ou familiares da linha colateral) e o peticionado no articulado inicial.

Foi proferido despacho saneador (tabelar) e seleccionada, sem reparo, a matéria de facto (assente e controvertida).

Efectuado o julgamento e decidida a matéria de facto, o tribunal recorrido julgou a acção totalmente procedente, declarando “improcedente a excepção da caducidade invocada pela Ré, Caixa Geral de Aposentações, condenando esta a reconhecer que a Autora, O (…), é titular das prestações por morte referentes ao beneficiário da Caixa Geral de Aposentações, A (…), beneficiário com o n.º 291285-0”.

Inconformada com o decidido e visando a revogação da sentença e a sua absolvição do pedido, a Ré interpôs a presente apelação, formulando as conclusões que assim vão sintetizadas:

1ª - O pensionista da CGA, A (…), faleceu a 2009.4.05, pelo que os direitos previdenciais decorrentes do seu decesso dependem da produção, por parte da apelada, de toda a prova que a jurisprudência considera necessária nestes casos, nomeadamente, do direito a alimentos e de não os poder obter das pessoas identificadas nas alíneas a) a d) do n.º 1 do art.º 2009º, do Código Civil (CC), dispositivo para o qual remete o art.º 2020º do mesmo Código.

2ª - Uma vez que o filho da apelada, (…), é solteiro e vive sozinho, gera rendimentos mensais elevados, suficientes para auxiliar a sua mãe, a qual, por sua vez, também dispõe de rendimentos, parece ser de concluir que, das duas uma, ou a apelada não carece de alimentos, ou, carecendo deles, existe uma, de entre as pessoas identificadas nas alíneas a) a d) do n.º 1 do art.º 2009º, do CC, que lhos pode prestar, neste caso, o referido (…).

3ª - A obrigação alimentar decorrente da união de facto consagrada no art.º 2020º, do CC, reporta-se, tão-somente, ao indispensável ao sustento, habitação e vestuário do alimentando, correspondendo, num justo equilíbrio, à realidade económica e social do País, sendo que só nos casos em que este não possa obter esses alimentos da herança do companheiro falecido é que podem estar reunidos os requisitos para lhe ser atribuída pensão a cargo da previdência social.

4ª - A sentença recorrida, ao apreciar a carência de alimentos à luz de um critério meramente formal, sem atender à devida ponderação entre os rendimentos assentes e a realidade económica e social do País, violou os art.ºs 41º, n.º 2, do Estatuto das Pensões de Sobrevivência e 2020º, do CC, bem como a referida jurisprudência.

A A. respondeu à alegação da recorrente, sustentando a improcedência do recurso.

Atento o referido acervo conclusivo (delimitativo do objecto do recurso - art.ºs 684º, n.º 3 e 685º-A, n.ºs 1 e 3, do Código de Processo Civil, na redacção conferida pelo DL n.º 303/07, de 24.8), colocam-se duas questões fundamentais: qual o regime jurídico aplicável (e, não obstante, se ficaram provaram os requisitos previstos na Lei n.º 7/2001, de 11.5, na redacção anterior à conferida pela Lei 23/2010, de 30.8); se a pretensão formulada pela A. deve proceder.


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II. 1. A 1ª instância deu como provados os seguintes factos:
a) No dia 05.4.2009, faleceu, na freguesia e concelho de Ansião, no estado civil de divorciado, A (…), que era residente na Rua Rainha Santa Isabel, Ansião. (A)

b) A (…) era reformado, beneficiário da Caixa Geral de Aposentações, com o n.º 291285-0. (B)

c) A A. nasceu em 29.4.1939, sendo filha de (…) e (…). Encontra-se no estado civil de divorciada, tendo tal divórcio sido decretado por sentença transitada em julgado em 25.9.1991.[1] (C e D)

d) A A. viveu com A (…) desde 1992 e até à data do seu óbito, de forma ininterrupta, na mesma habitação, partilhando a mesma cama, relacionando-se afectiva e sexualmente, tomando as refeições em conjunto, passeando e saindo juntos, cada um contribuindo com o que auferia para a aquisição dos bens alimentares, electrodomésticos, vestuário e tudo o necessário à vida em comum, cuidando a A. de A (…) quando este se encontrava doente e o mesmo fazia o mesmo em relação à A. e auxiliando-se mutuamente no dia-a-dia, pois juntavam as suas receitas e pagavam em conjunto as suas despesas. (1º a 8º)

e) A A. e A (…) eram ambos reputados, por amigos, vizinhos e conhecidos, como marido e mulher. (9º)

f) A A. é reformada por invalidez, recebendo uma pensão mensal no valor de € 322,62 (trezentos e vinte e dois euros e sessenta e dois cêntimos). (E)

g) Actualmente, a A. aufere ainda uma renda no valor de € 257 (duzentos e cinquenta e sete euros), proveniente de um imóvel que possui em Maçãs de D. Maria. (F)

h) Os montantes referidos em II. 1. alíneas f) e g) são os únicos rendimentos da A., sendo que no que se refere ao montante da aludida renda o mesmo nem sempre é recebido pela A., dadas as variações de mercado, o local onde se situa o imóvel arrendado, a falta de procura quando não está arrendado e a existência de atrasos e faltas de pagamento das rendas. (resposta ao art.º 10º)

i) Encontra-se junta a fls. 30 a 35 cópia de declaração de IRS da A. referente ao ano de 2008, apresentando o rendimento bruto anual de € 7 516,68 (sete mil quinhentos e dezasseis euros e sessenta e oito cêntimos). (G)

j) A A. tem dois filhos, a saber:

- L (…) solteiro, de quarenta e sete anos de idade, residente em Póvoa de Santa Iria, sendo o agregado familiar composto pelo próprio;

- G (…), solteiro, de quarenta e seis anos de idade, residente no lugar do Brejo, freguesia e concelho de Ansião, sendo o agregado familiar composto pelo próprio e dois filhos menores de idade. (H)

k) L (…) aufere o rendimento de € 41 921,36 (quarenta e um mil novecentos e vinte e um euros e trinta e seis cêntimos), conforme declaração de IRS referente ao ano de 2008 e tem as seguintes despesas fixas:

- Habitação, cerca de seiscentos euros, referentes a duas casas;

- Empréstimo no valor de € 175 000, para aquisição de imóvel, cuja prestação mensal se cifra em cerca de € 1 400 (mil e quatrocentos euros);

- Sustento mensal, cerca de € 1 000 (mil euros), o que também inclui electricidade, água, gás, telefone, condomínios, comida, transportes, seguros, impostos, vestuário e calçado. (I)

l) G (…) aufere o rendimento de € 4 050 (quatro mil e cinquenta euros), conforme declaração de IRS referente ao ano de 2008, tendo o encargo de contribuir para o sustento de dois filhos menores. (J)

m) P (…) e S (…) faleceram em 19.02.1948 e 06.8.1970[2], respectivamente. (L)

n) D (…), filho de P (…) e S (…), faleceu em 13.3.1982. (M)

o) A /…), filho de P (…) e S (…), faleceu em 19.8.2000 (doc. de fls. 122 e seguintes dos autos).

p) A A. sofre de diabetes e de doença crónica do foro cardíaco e tem problemas de visão. (resposta ao art.º 11º)

q) Face à referida doença do foro cardíaco, a A. é portadora de “Pacemaker”. (resposta ao art.º 12º)

r) O referido em II. 1. alíneas o) e p) obriga a A. à toma diária de adequada medicação, no que despende uma quantia mensal de cerca de € 60, e a consultas e exames de diagnóstico, no que despende quantia não concretamente apurada, e à aquisição de óculos. (respostas aos art.ºs 13º e 14º)

s) A A. tem de efectuar deslocações, dado ser seguida no Hospital de Santa Cruz em Carnaxide, onde lhe foram colocados os sucessivos “Pacemakers” e frequenta as consultas de cardiologia e “Pacemaker”. (resposta ao art.º 15º)

t) A A. despendeu, em 12.9.2009, a quantia de € 450 na aquisição de uns óculos (lentes e armação). (resposta ao art.º 16º)

u) A A., para além do referido em II. 1. alínea r), tem despesas mensais variáveis relacionadas com electricidade, água, esgotos e lixo, gás, comunicações, seguros, impostos e empregada de limpeza, despesas essas superiores a € 200, bem como, ainda, despesas não concretamente apuradas com alimentação, vestuário, calçado e combustível. (resposta ao art.º 17º)

v) Face ao referido em II. 1. alíneas p) e q), a A. tem de recorrer ao auxílio de terceira pessoa para fazer as lides da casa, a quem paga esses serviços, e é acompanhada quando se desloca a consultas. (resposta ao art.º 18º)

w) A herança deixada por óbito de A (…) apenas era constituída por alguns bens móveis cujo valor não ultrapassava € 5 000. (resposta ao art.º 19º)

2. O tribunal recorrido concluiu pela verificação dos requisitos de procedência da acção, atendendo à factualidade apurada e ao preceituado na Lei n.º 7/2001, de 11.5, na redacção anterior à conferida pela Lei n.º 23/2010, de 30.8.

Salvo o devido respeito por opinião em contrário, pensamos que não resta alternativa ao reconhecimento do direito feito valer na acção e que, dada a natureza dos interesses em presença, esse reconhecimento é também consequência da imediata aplicação do regime jurídico das “Uniões de Facto” no (derradeiro) “patamar” consagrado pela Lei n.º 23/2010, de 30.8.

3. Antes de mais, importa ter presente a evolução legislativa nesta matéria.

O DL n.° 322/90, de 18.10, definiu, no âmbito dos regimes de segurança social, a protecção na eventualidade da morte, consagrando a extensão do regime jurídico das prestações nele estabelecidas às pessoas que se encontrem na situação prevista no art.º 2020°, do CC, isto é, que tenham vivido em condições análogas às dos cônjuges.

Porém, consideradas as especificidades das situações de união de facto, o n.° 2 do art.º 8° daquele diploma determinava que a definição das condições de atribuição e respectivo processo de prova deviam ser objecto de regulamentação específica.

Essa regulamentação foi feita pelo Decreto Regulamentar n.° 1/94, de 18.01, que definiu o regime de acesso às prestações por morte, no âmbito dos regimes de segurança social, previstas no DL n.° 322/90, de 18.10, por parte das pessoas que se encontram na situação de união de facto.

O art.º 2° do referido Decreto Regulamentar prescrevia que “tem direito às prestações a que se refere o número anterior a pessoa que, no momento da morte de beneficiário não casado ou separado judicialmente de pessoas e bens, vivia com ele há mais de dois anos em condições análogas às dos cônjuges”.

Entretanto, a Lei n.° 7/2001, de 11.5, veio adoptar medidas de protecção das uniões de facto, independentemente do sexo das pessoas e desde que a união durasse há mais de dois anos, prevendo, no seu art.º 3°, que as pessoas que vivam em união de facto nas condições previstas na lei têm direito a “protecção na eventualidade de morte do beneficiário, pela aplicação do regime geral da segurança social e da lei”, e, no art.º 6°, que são beneficiários desse direito “no caso de uniões de facto previstas na presente lei, quem reunir as condições constantes no artigo 2020° do Código Civil”.

Era este o regime jurídico em vigor à data da instauração da presente acção.

Depois, foi publicada a Lei n.° 23/2010, de 30.8, que alterou substancialmente o regime jurídico das uniões de facto consagrado na Lei n.° 7/2001, de 11.5, no DL n.° 322/90, de 18.10, no CC (designadamente o art.º 2020°) e no DL n.° 142/73, de 31.3, e revogou, de forma tácita, vários dispositivos do Decreto Regulamentar n.° 1/94, de 18.01.

O art.º 3° da Lei n.° 7/2001[3] passou a estabelecer que “as pessoas que vivem em união de facto nas condições previstas na presente lei têm direito a: ... e) Protecção social na eventualidade de morte do beneficiário, por aplicação do regime geral ou de regimes especiais de segurança social e da presente lei.”

O art.º 6° da mesma Lei relativo ao regime de acesso às prestações por morte passou a dispor que: “1 - O membro sobrevivo da união de facto beneficia dos direitos previstos nas alíneas e), f) e g) do artigo 3°, independentemente da necessidade de alimentos. 2 - A entidade responsável pelo pagamento das prestações previstas nas alíneas e), f) e g) do artigo 3°, quando entenda que existem fundadas dúvidas sobre a existência da união de facto, deve promover a competente acção judicial com vista à sua comprovação. 3 - Exceptuam-se do previsto no n.° 2 as situações em que a união de facto tenha durado pelo menos dois anos após o decurso do prazo estipulado no n.° 2 do artigo 1º.”

Por sua vez o novo art.º 2°-A, relativo à ‘prova da união de facto” dispõe que: “1 - Na falta de disposição legal ou regulamentar que exija prova documental específica, a união de facto prova-se por qualquer meio legalmente admissível.[4]

O art.º 8° do DL n.° 322/90, de 18.10, também foi alterado e passou a estabelecer: “1 - O direito às prestações previstas neste diploma e o respectivo regime jurídico são tornados extensivos às pessoas que vivam em união de facto. 2 - A prova da união de facto é efectuada nos termos definidos na Lei n.° 7/2001, de 11 de Maio, que adopta medidas de protecção das uniões de facto.”

4. Todos sabemos das dificuldades na definição e aplicação dos sucessivos regimes jurídicos em matéria de protecção das uniões de facto, ao longo das últimas décadas, e a esse respeito existe um considerável conjunto de arestos da jurisprudência comum e constitucional que se propuseram “deslindar” os textos em apreço e/ou verificar a sua conformidade com os ditames e princípios consignados na Lei Fundamental.

Até à mencionada última alteração legislativa perfilaram-se duas correntes fundamentais.

Segundo uma perspectiva minoritária, sendo a acção instaurada apenas contra a instituição da segurança social, o autor não tinha de alegar e provar a necessidade de alimentos, mas apenas a situação da união de facto, ou seja, que no momento da morte de pessoa não casada ou separada judicialmente de pessoas e bens vivia com ela há mais de dois anos em condições análogas às dos cônjuges.

Esta posição arrancava da interpretação restritiva da remissão feita pelo art.º 6º da Lei n.º 7/2001 para o art.º 2020º, do CC, da natureza da pensão de sobrevivência e do princípio constitucional da proporcionalidade.[5]

Prevaleceu, no entanto, o entendimento segundo o qual, atentas as normas conjugadas dos art.ºs 8º, n.º 1, do DL n.º 322/90, de 18.10, 2º e 3º, n.º 1, do Decreto Regulamentar n.º 1/94, de 18.01, 6º da Lei n.º 7/2001, de 11.05 e 2009º e 2020º, do CC, o direito às prestações sociais por morte de beneficiário, a reconhecer à pessoa que com ele vivia em união de facto havia mais de dois anos, dependia, não só da alegação e prova dessa circunstância, mas também da carência de alimentos e do facto de os não poder obter, quer da herança, quer das pessoas indicadas naquele art.º 2009º[6] e que, havendo diferenças de situações entre a união de facto e o casamento - até por os casados assumirem a sua sujeição a um vínculo jurídico de cooperação e assistência que os membros da união de facto não mostram querer assumir, assim impedindo a equiparação entre ambas - justificava-se um tratamento diferente pela lei ordinária, não havendo assim qualquer violação dos princípios constitucionais da igualdade e da proporcionalidade.[7]

Por outro lado, depois da “clarificação” introduzida pelo art.º 6º da Lei n.º 135/99, de 28.8[8], passou a ser pacífico que para acesso às prestações por morte, pelo companheiro sobrevivo da união de facto, e no caso de a herança do falecido não ter capacidade para satisfação do direito a alimentos, só havia que propor, contra a instituição de segurança social, a acção declarativa prevista no n.º 2 do art.º 3 do Decreto Regulamentar n.º 1/94, de 18.01 (art.º 8 do DL 322/90, de 18.10), e que o interessado ficava desse modo desobrigado do excessivo e inútil formalismo decorrente dos normativos legais anteriormente considerados[9].

Ademais, as diversas soluções plasmadas pelo legislador desde a Reforma de 1977 até à alteração legislativa em apreciação [introduzida pela Lei n.º 23/2010, de 30.8] foram no sentido da tendencial e progressiva equiparação, para diversos efeitos, entre as situações próprias do vínculo conjugal e as decorrentes da união de facto.[10]

5. A Lei n.º 23/2010, de 30.8, nas alterações introduzidas à Lei n.º 7/2001, de 11.5, veio abolir a exigência de se comprovar a situação de necessidade de alimentos, passando a prever que o membro sobrevivo da união de facto beneficia, entre outros, do direito previsto na alínea e) do art.º 3º independentemente dessa necessidade, evidenciando, também, com o regime agora instituído, a tendência do legislador no sentido de proteger efectivamente agregados familiares constituídos fora das normas do casamento.[11]

Com o novo regime jurídico deve ser reconhecido o direito às prestações sociais legalmente previstas para o elemento sobrevivo da união de facto, desde que verificada a situação de união de facto na previsão do art.º 2º-A[12] do mencionado diploma legal, não se exigindo ao beneficiário a instauração de qualquer acção judicial - indispensável face à legislação anterior [ficando tacitamente revogado o Decreto Regulamentar n.° 1/94, de 18.01, na parte em que previa essa acção] -, uma vez que a prova da união de facto terá de ser feito por outro meio e deixou de ser necessário demonstrar a necessidade de alimentos e a impossibilidade de os obter de determinadas pessoas.[13]

Porém, no caso vertente, apenas deverá relevar a vertente substantiva do aludido regime jurídico, porquanto os autos encontraram já o seu desfecho em 1ª instância.

6. A abrir o capítulo dos “direitos e deveres sociais”, no art.º 63º, a Constituição da República Portuguesa inscreveu o direito à segurança social e a solidariedade.[14]

Estamos perante um dos mais elementares direitos à sobrevivência e à existência condigna, sendo que com o conceito de solidariedade, aditado à epígrafe do referido artigo pela Revisão de 1997, pretendeu-se salientar a ideia de que o sistema de segurança social pressupõe a responsabilidade colectiva das pessoas e o concurso do Estado para a realização das finalidades do sistema em relação a todos, como garantia de coesão social.[15]

Como decorre do exposto, a dita alteração à Lei n.º 7/2001, introduzida pela Lei n.º 23/2010, constitui, além do mais, uma medida de política social através da qual se pretendeu reforçar a protecção social concedida a um número cada vez mais significativo de cidadãos portugueses que, tendo vivido em regime de união de facto, vêem atingida a sua situação económico-financeira na sequência do decesso dos respectivos companheiros, considerando, agora, o legislador que a protecção social a conceder-lhes na eventualidade de morte dos beneficiários (da Segurança Social) deverá obedecer a requisitos menos apertados, libertando-os, em regra, de ver discutido o seu direito às prestações devidas em acção judicial.

Dúvidas não restam de que a alteração introduzida pela Lei n.º 23/2010 respeita a princípios fundamentais de direito social, sendo assim defensável a aplicação imediata da lei nova às situações que constituem o respectivo campo de aplicação, merecedoras da tutela do direito, ainda que o evento “morte” tenha ocorrido em data anterior ao início de vigência da lei nova.[16]

E, na situação em análise, sempre seria defensável a retroactividade in mitius, paralela àquela que conduz à aplicação da lei penal mais branda, porquanto a lei nova é consideravelmente mais favorável aos interesses do particular (sem prejuízo do interesse de uma contraparte ou de terceiros).[17]

Acresce que a dita alteração legislativa insere-se na propensão ou intuito de “desjudicializar” e simplificar a definição de alguns dos direitos do ordenamento jurídico vigente, dando primazia, in casu, a procedimentos de índole administrativa e actuando princípios próprios de situações jurídicas com similitude bastante (e idêntica relevância prática e jurídico-normativa) e no âmbito das quais inexistiam/inexistem as exigências adjectivas e substantivas agora postergadas, desiderato que, dadas as características e as circunstâncias da sociedade actual e o propósito de salvaguarda de princípios, deveres e direitos de Segurança Social e da Solidariedade dos sujeitos de uma mesma comunidade, acaba, assim, por alcançar adequada e justificada concretização/conformação.

E só desta forma serão respeitados os princípios da aplicação da lei no tempo e se impedirá a eventual violação de normas elementares da lei n.º 4/2007, de 16.01, que aprovou as bases gerais do sistema de segurança social.[18]

7. Assim, sendo por demais evidente a existência de uma situação de união de facto que se prolongou por mais de 16 (dezasseis) anos [e, de resto, subsequente a um vínculo conjugal que ligara os mesmos “companheiros”…][19], perante o actual quadro normativo, dúvidas não restam de que assiste à A. o direito às prestações reclamadas - ficou provado que à data do falecimento do dito beneficiário da demandada, no estado de divorciado, este vivia com a A., divorciada, há mais de 16 anos, em comunhão plena de mesa, leito e habitação, sempre mantendo relacionamento igual ao dos cônjuges.

Contudo, ainda que se propendesse para a aplicação do regime instituído pela Lei n.º 7/2001, na redacção anterior à conferida pela Lei n.º 23/2010 – posição que, pelo que fica exposto, se afasta – e se aderisse à “perspectiva minoritária” aludida em II. 4., supra [aplicação restritiva do art.º 6º, n.º 1 da Lei n.º 7/2001, com a não exigência de alegação e prova da necessidade de alimentos por parte do convivente em união de facto com o beneficiário falecido - visão das coisas que não deixava de ser porventura a mais razoável na ponderação dos interesses em causa e que acabou por alcançar inequívoca consagração ao nível do ordenamento jurídico agora vigente], a A. veria necessariamente atendida a pretensão deduzida em juízo.

Por último, neste mesmo contexto normativo e atendo-nos à “tese maioritária” também ali mencionada, verifica-se que a A. não deixou de demonstrar os factos conducentes à afirmação do direito que quis ver reconhecido através da presente acção, maxime, a carência de alimentos por parte da A. e a impossibilidade de os obter da herança do falecido e/ou dos parentes indicados no art.º 2009º, do CC.[20]

Conclui-se, desta forma, pela não violação de quaisquer dos preceitos legais aplicáveis e pela insubsistência das “conclusões” da alegação de recurso.


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III. Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida, embora, parcialmente, com diferente fundamentação.
Custas pela recorrente/Ré.


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04.10.2011


Fonte Ramos ( Relator )

Carlos Querido

Virgílio Mateus



[1] Resultará ainda dos documentos juntos aos autos que a A. foi casado com A (…), com quem, no ano seguinte à dissolução do casamento, passou a viver como “marido e mulher”… - cf. documentos de fls. 18 e 102 e II. 1. alíneas d) e e), infra.
[2] Parece-nos existir lapso na indicação do ano, que será 1979 (cf. certidão de fls. 103 e seguinte).
[3] Na redacção introduzida pela Lei n.º 23/2010, de 30.8, tal como os demais normativos depois indicados.
[4] Preceituam os n.ºs seguintes: “2 - No caso de se provar a união de facto por declaração emitida pela junta de freguesia competente, o documento deve ser acompanhado de declaração de ambos os membros da união de facto, sob compromisso de honra, de que vivem em união de facto há mais de dois anos, e de certidões de cópia integral do registo de nascimento de cada um deles. 3 - Caso a união de facto se tenha dissolvido por vontade de um ou de ambos os membros, aplica-se o disposto no número anterior, com as necessárias adaptações, devendo a declaração sob compromisso de honra mencionar quando cessou a união de facto; se um dos membros da união dissolvida não se dispuser a subscrever a declaração conjunta da existência pretérita da união de facto, o interessado deve apresentar declaração singular. 4 - No caso de morte de um dos membros da união de facto, a declaração emitida pela junta de freguesia atesta que o interessado residia há mais de dois anos com o falecido, à data do falecimento, e deve ser acompanhada de declaração do interessado, sob compromisso de honra, de que vivia em união de facto com o falecido há mais de dois anos, à mesma data, de certidão de cópia integral do registo de nascimento do interessado e de certidão do óbito do falecido.”
[5] Vide, de entre vários, França Pitão, União de Facto no Direito Português, 2000, pág.189; Pires da Rosa, “ Ainda a união de facto e pensão de sobrevivência”, Lex familiae, Revista Portuguesa de Direito da Família, ano 3, n.º 5, 2005, págs.111 e seguintes e Guilherme da Fonseca, in Revista do Ministério Público, ano 25, n.º 99, páginas 157 e seguintes e os acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 88/2004, de 10.02.2004 e do STJ de 20.4.2004, in DR, II Série, de 16.4.2004 e CJ-STJ, XII, 2, 30, respectivamente.
[6] Enquanto que para a habilitação do cônjuge sobrevivo, à pensão de sobrevivência, bastava a prova da qualidade de cônjuge, para a habilitação do companheiro de facto à mesma pensão já era necessária a demonstração de todos os requisitos atrás apontados.
[7] Cf., de entre vários, os acórdãos do STJ de 06.7.2005-processo 05B1721, 25.5.2006-processo 06B1132, 24.4.2007-processo 07A677, 28.6.2007-processo 07B2319, 23.10.2007-processo 07A2949, 28.02.2008-processo 07A4799, 10.7.2008-processo 08B1695, 16.9.2008-processo 08A2232, 19.3.2009-processo 09B0202 e de 24.11.2009-processo 4069/06.6TVLSB.L1.S1, publicados no “site” da dgsi, bem como os acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 195/03, 159/05 e 614/05, publicados no “site” da dgsi e no DR, II Série (de 22.5.2003, 28.12.2005 e 29.12.2005, respectivamente).
[8] Maxime, no n. º 5 do art.º 6º, estabelecendo-se aí expressamente que "o requerente pode propor apenas acção contra a instituição competente para a atribuição das prestações".
[9] Cf., entre outros, o acórdão do STJ de 09.02.1999-processo 98A1281, publicado no “site” da dgsi (e na CJ-STJ, VII, 1, 89) e o citado acórdão do mesmo Tribunal de 06.7.2005.
[10] Daí que tenha agora maior “actualidade", por exemplo, o seguinte “voto de vencido” da Senhora Conselheira Maria Fernanda Palma, incluído no citado acórdão do Tribunal Constitucional n.º 159/2005:
“(…) neste tipo de casos é desproporcionada e não justificada constitucionalmente a diferenciação entre a posição do cônjuge sobrevivo e a do companheiro em união de facto. Não encontro na Constituição, nesta específica matéria, qualquer indício bastante de valorização do casamento relativamente à unidade “familiar” constituída a partir da união de facto. Nada permite concluir que a Constituição tenha pressuposto que o casamento deva ser um modo privilegiado de garantir a situação patrimonial por uma pensão do cônjuge sobrevivo. (…) entendo ser pelo menos desproporcionada a diferenciação de regimes quanto à pensão do companheiro sobrevivo, vivendo com o falecido em condições análogas às dos cônjuges. Não me parece que, nesta situação, o legislador ordinário possa estabelecer critérios diferenciadores sem apoio explícito em valores constitucionais positivos, apenas em nome de uma liberdade concedida ao legislador ordinário de incentivar o casamento ou o papel do casamento na sociedade.”
Se é certo que, como se afirma no relatório preambular ao DL n.º 496/77, de 25.11, não (nunca) se pretendeu estimular as uniões de facto e, então, não se foi além de um esboço de protecção julgado ética e socialmente justificado [ao companheiro que resta de uma união de facto, que tenha revelado um mínimo de durabilidade, estabilidade e aparência conjugal] - daí que, nas palavras do Prof. Antunes Varela, o benefício do direito a alimentos tenha sido estendido aos membros da união de facto, pelo art.º 2020º, do CC, “em termos muito apertados” [cf., ob. cit., supra, “nota 4”, pág. 623] -, toda a legislação posteriormente publicada foi progressivamente mais arrojada [para utilizar as palavras do legislador de 1977] no sentido de um cada vez mais alargado âmbito de protecção das situações de união de facto.
E, hoje, já não se antolha difícil aceitar que, para determinadas efeitos, possa envolver arbitrariedade uma discriminação positiva do casamento como forma e quadro da comunhão de vida entre homem e mulher, “forma” e “quadro” que, não obstante, continuam a merecer a “preferência” da ordem jurídica (e social) instituída.
Cf., a propósito desta problemática, o acórdão do STJ de 06.7.2005, cit., principalmente, a respectiva “nota 10”.
[11] Remete-se para o texto do normativo, reproduzido em II. 3., supra.
[12] Idem e “nota 4”, supra.

[13] Concretizou-se desta forma o entendimento já anteriormente defendido por parte da doutrina e que chegou a ser acolhido por alguma jurisprudência – cf. França Pitão, ob. cit., págs.189 e seguinte.

Segundo o referido autor, bastava a prova dos requisitos legais da união de facto, sendo "irrelevante nesta matéria saber se o companheiro sobrevivo necessita ou não dessas prestações para assegurar a sua sobrevivência ou como mero complemento desta", propugnando ainda que "ao estabelecer-se o acesso a prestações sociais pretende-se tão só permitir ao beneficiário um complemento para a sua subsistência decorrente do ´aforro´ (...) efectuado pelo seu falecido companheiro ao longo da sua vida de trabalho, mediante os descontos mensais depositados".
[14] Seguiremos de perto o acórdão desta Relação de 15.02.2010-processo 121/09.4T2ILH.C1 (que teve os mesmos relator e 1º adjunto, deste acórdão), publicado no “site” da dgsi (e na CJ, XXXVI, 1, 47).
[15] Vide Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa, Anotada, Vol. I, 4ª edição, Coimbra Editora, 2007, págs. 814 e seguintes.
[16] Vide, cremos que neste sentido, J. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Limites à Aplicação da Lei no Tempo e no Espaço, Almedina, 2008, pág. 234.
Conduzindo a solução idêntica à aqui defendida (bem como no citado acórdão da RC de 15.02.1011), vide, de entre vários, os acórdãos da RC de 08.02.2011-processo 986/09.0TBAVR.C1 [“no que respeita aos requisitos substantivos de reconhecimento do direito, (…) a Lei 23/2010 é interpretativa, integrando-se esta na lei interpretada (a 7/2001) ficando salvos os efeitos já produzidos por sentença transitada em julgado, deve entender-se que nas acções ainda pendentes o reconhecimento do direito será feito de acordo com as novas exigências legais” e que “caso não se entendesse a Lei 23/2010 como interpretativa (…), mesmo assim teríamos de concluir estar perante um daqueles casos em que a lei dispunha directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas (no caso, a existência de uma união de facto com o beneficiário) abstraindo do facto que lhe deu origem (a morte do beneficiário desde que posterior à data da entrada em vigor do Dec. Lei 322/90), pelo que a Lei 23/2010, no que se refere à dispensa de alegação da necessidade de alimentos se aplicaria ao caso vertente, ou seja, aos casos de uniões de facto há mais de dois anos em que o beneficiário tenha falecido depois da entrada em vigor da Lei 23/2010”], 15.02.2011-processo 646/10.9T2AVR.C1 [“a alteração da norma do art.6º nº1 da Lei nº 7/2001 pela Lei nº 23/2010 de 30/8, sobre os pressupostos constitutivos do direito (bastando agora a comprovação da união de facto, “independentemente da necessidade de alimentos”), tem natureza interpretativa” e aplicação imediata e, ainda, que “mesmo que assim se não entendesse, e se qualificasse como norma inovadora, parece que, por força do art.12 nº2 (2ª parte) do CC, também seria de aplicação imediata, pois a lei nova regula o conteúdo da situação jurídica “abstraindo dos factos que lhe deram origem”, porquanto a norma do art.6º da Lei nº 7/2001 assume natureza imperativa, integrando a “ordem pública de protecção” dos unidos de facto, regulando ou modelando o seu “estatuto legal”], 15.3.2011-processo 139/09.7TBACN.C1 [“A Lei 23/2010, de 30 de Agosto, é de aplicação imediata e aos processos pendentes.”; “Com efeito, não tendo a lei nova restringido o seu âmbito temporal de aplicação e tendo alargado o âmbito subjectivo da prestação social que concede, aplica-se a todos os que reúnem (continuam a reunir) os requisitos novos, únicos que passam a ser exigíveis, por força dos princípios da universalidade e da igualdade.”;”Mas igual conclusão, no sentido da aplicabilidade imediata e às situações anteriores (existentes) à sua entrada em vigor decorre do disposto no artigo 12.º, n.º 2, 2.ª parte do Código Civil.”], 05.4.2011-processo 1884/09.2T2AVR.C1 [“a Lei nº 23/2010 tem natureza interpretativa, integrando-se, de acordo com o nº 1 do artº 13º do Cód. Civil, na lei interpretada e sendo, consequentemente, de aplicação imediata (…)”; “mesmo que assim se não entendesse e se qualificasse aquela norma como inovadora, sempre a mesma seria de aplicação imediata por se integrar na previsão da 2ª parte do nº 2 do artº 12º do Cód. Civil.”] e 29.3.2011-processo 459/10.8T2AVR.C1 e, ainda, o acórdão da RL de 17.5.2011-processo 4401/08.8TBCSC.L1-1, todos publicados no “site” da dgsi (os dois primeiros também na CJ, XXXVI, 1, páginas 54 e seguintes).
Idêntico entendimento veio a ser acolhido pelo Supremo Tribunal de Justiça nos acórdãos de 07.6.2011-processo 1877/08.7TBSTR.E1.S1 [“A Lei n.º 23/2010 não contém nenhuma disposição transitória no sentido de apenas ser reconhecido o direito à atribuição de pensão de sobrevivência aos membros sobrevivos de união de facto desde que esta haja cessado por morte do beneficiário ocorrida já na vigência dessa lei.”; “Por isso, ainda que o óbito do beneficiário haja ocorrido em momento anterior ao início de vigência (IV) desta lei, uma vez constituída a situação jurídica de membro sobrevivo de união de facto dissolvida por morte, não deixa de se lhe aplicar, a partir do IV da lei, a pensão de sobrevivência (artigo 12.º/2, 2ª parte do Código Civil).”; “A situação jurídica que importa considerar é, pois, a de membro sobrevivo de uma união de facto dissolvida, constituindo a existência de uma união de facto e a sua dissolução por óbito do beneficiário do regime de segurança social meros pressupostos ou “referências pressuponentes” da constituição do estado pessoal de membro sobrevivo de união de facto.”; “O membro sobrevivo da união de facto dissolvida por morte do beneficiário está em situação idêntica à do cônjuge do casamento dissolvido por morte do outro cônjuge.” – cf. pontos II, III e IV do sumário e item 20º da fundamentação, respectivamente], 16.6.2011-processo 1038/08.5 TBAVR.C2.S1 [“Importa considerar que o que está em causa é um direito social reconhecido ao unido sobrevivo, a todo o unido sobrevivo que reúna os requisitos do regime da união de facto e que ainda não tenha obtido a pensão de sobrevivência”; “Na actual redacção da lei que cuidamos, o que define, no essencial, a situação jurídica em análise é o facto do unido sobrevivo ter vivido em união de facto com o falecido beneficiário durante mais de dois anos. É este o facto constitutivo da situação jurídica; a morte apenas permite desencadear o exercício do direito à pensão de sobrevivência.”; “Não fazendo a Lei n.º 23/2010 de 30-08 depender a sua aplicação da data da morte do unido, do regime ora instituído não pode ser arredado o unido sobrevivo em que a morte do beneficiário ocorreu antes da entrada em vigor daquela lei.”] e 06.7.2011-processo 23/07.9TBSTB.E1.S1 [“Sem prejuízo de as condições de atribuição das prestação serem definidas à data da morte do beneficiário, a Lei n.º 23/2010 aplica-se a todos os sobreviventes da união de facto, independentemente da morte do beneficiário ter ocorrido antes ou depois da sua entrada em vigor, aos processos pendentes e mesmo às situações em que, por decisão transitada em julgado, foi negado esse mesmo direito, por não haver sido feita prova da necessidade de alimentos.”], publicados no “site” da dgsi.
Discorda-se, por conseguinte, da solução preconizada nos acórdãos da RL de 14.12.2010-processo 1404/08.6TBSCR.L1-1, 03.5.2011-processo 6290/09.6TVLSB.L1-7 e 24.5.2011-processo 6014/09.8TVLSB.L1-7, do STJ de 24-02-2011-processo 7116/06.8TBMAI.P1.SI e da RP de 15.3.2011-processo 10027/09.1TBMAI.P1, publicados no “site” da dgsi
[17] Cf. J. Baptista Machado, ob. cit., pág. 251.
Diferente será a perspectiva se estiverem em causa “restrições de direitos fundamentais”, impondo-se, em tais circunstâncias, a estrita observância do princípio da proibição de retroactividade – cf. Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. e vol. cit., pág. 819.
[18] Tenham-se em atenção, nomeadamente, os objectivos do sistema de segurança social e os princípios (entre os quais, a universalidade, a igualdade e a equidade social) consagrados nos art.ºs 4º, 5º, 6º, 7º, 9º, 14º, 19º e 26º, da Lei n.º 4/2007, de 16.01.
[19] Cf. II. 1. alíneas a), d) e e) e “nota 1”, supra.
[20] Diga-se, de resto, que, ao contestar a acção, a Ré não colocou em causa a generalidade dos factos alegados na petição inicial referentes às receitas e despesas da A. e filhos.

http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc/f8fdccd3f0aacbe08025793300457731?OpenDocument

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