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sábado, 17 de setembro de 2011

ABUSO DE CONFIANÇA CONTRA A SEGURANÇA SOCIAL, UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA, DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO, CONDENAÇÃO PELA RELAÇÃO - Acórdão do Tribunal da Relação de Évora - 21-06-2011

Acórdãos TRE
Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1909/08.9RAFAR.E1
Relator: ANTÓNIO JOÃO LATAS
Descritores: ABUSO DE CONFIANÇA CONTRA A SEGURANÇA SOCIAL
UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO

Data do Acordão: 21-06-2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S

Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO

Sumário: I. Decidida pelo Tribunal da Relação a culpabilidade de arguido (art. 368º do C.P.P.) absolvido em 1ª instância, deve ser este último tribunal a proceder à determinação da espécie e da medida da pena concreta a aplicar, de harmonia com o disposto nos artigos 369º e sgs, do C.P.P. e 70º e sgs do C. Penal.

II. - Apesar de o nº2 do art. 2º do Protocolo nº 7 de 22.11.1984, aditado à Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH), considerar que a condenação no seguimento de recurso contra a absolvição constitui uma das exceções ao direito a um duplo grau de jurisdição em matéria penal que, de acordo com o nº1 daquele art. 2º, abrange a declaração de culpabilidade ou a condenação, tal exceção não tem o efeito de substituir ou dispensar, inutilizando-a, a disposição mais exigente do art. 32º nº 1 da CRP, que desde a IV Revisão Constitucional (Lei 1/97) acolhe expressamente o direito ao recurso entre as garantias de defesa reconhecidas ao arguido, sem que o legislador constitucional tivesse estabelecido qualquer exceção para as situações em que, como sucede in casu, o arguido é condenado na sequência de recurso contra a sua absolvição.


Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes, em conferência, na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

I. Relatório

1. Nos autos de processo comum com intervenção do tribunal singular com o número em epígrafe que correm termos no 1º Juízo criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, o MP acusou "M. - …, LDA", n.º de identificação da segurança social …, com sede na Rua…, em Faro e ANTÓNIO P., divorciado, engenheiro técnico de construção civil, residente …., em Faro, imputando-lhes a prática, na forma consumada, de um crime de abuso de confiança à segurança social, na forma continuada, p. e p. pelas disposições conjugadas os arts 7º nº1. 107 º nºs 1 e 2, com referência ao art. 105º nº1, da Lei15/2001 de 5 de junho (RGIT) e 30º nº2 do C. Penal .

2. Na sequência daquela acusação, o INSTITUTO DE SEGURANÇA SOCIAL – I.P veio a fls. 210, na qualidade de demandante (não tendo sido admitida a intervir nos autos corno assistente (cfr fls. 227), deduzir pedido de indemnização cível relativamente às cotizações não entregues à Segurança Social por parte dos arguidos, no valor de € 15.490.71, acrescido dos respetivos juros de mora, que à data de apresentação do pedido se cifravam em € 11.485,66.

3. – Realizada Audiência de Discussão e Julgamento, o tribunal a quo decidiu:

- A) Declarar extinto o procedimento criminal relativamente a ambos os arguidos no que se refere às cotizações descontadas e não entregues à Segurança Social I relativas aos períodos de fevereiro a julho de 2001, de setembro de 2001 a Junho de 2004, nos meses de março, junho e Julho de 2005, e de setembro de 2005 a maio de 2006, no que se refere ao regime"000" e quanto ao 'regime "669" os meses de novembro de 2000, janeiro a março de 2001 e maio de 2001 a janeiro de 2006, urna vez que as mesmas individualmente consideradas são inferiores ao valor de €7500, na sequência da descriminalização operada pela nova redação dada ao art. 105º nº1 do RGIT pela Lei nº 64-A/2008 de 31 de dezembro, de harmonia com o disposto no art. 2º nº2 do C.Penal;

- B) Não conhecer do pedido de indemnização civil formulado pelo instituto de segurança social IP por falta de pressuposto processual - interesse em agir do mesmo, em relação à demandada M.--- LDA", absolvendo a mesma da respetiva instância cível.

- C) Condenar o demandado António P. no pagamento da quantia de € 15.490.71 (quinze mil, quatrocentos e noventa euros e setenta e um cêntimos) ao demandante cível - Instituto de Segurança Social, IP acrescida dos respetivos juros de mora calculados às sucessivas taxas legais, contados desde o vencimento de cada prestação até efetivo e integral pagamento

4. Daquele despacho vem o MP interpor o presente recurso, extraindo da respetiva Motivação as seguintes

«CONCLUSÕES:

I- O art. 107º nº1 do RGIT, contém todos os elementos constitutivos do tipo de crime de abuso de confiança contra a segurança social;

II. Tal dispositivo legal apenas acolhe do art. 105°, a moldura penal abstrata;

III. São diversos os bens jurídicos tutelados nas incriminações reguladas nos artigos 105. ° e 107°, do RGIT, razão pela qual o legislador as autonomizou;

IV. Na verdade, a nível da sistematização do RGIT os crimes fiscais estão previstos no capítulo III e os crimes contra a segurança social no capítulo IV;

V. Por outro lado, o regime contraordenacional relativo à segurança social está previsto em legislação especial, a qual não contempla a falta de entrega de prestações não superiores a € 7.500, ao contrário do que se verifica quanto à falta de entrega de prestações tributárias de tal valor, como decorre do disposto no art. 114° n." 1, do RGIT

VI. Se o legislador quisesse que a alteração registada no n.o1 do artigo 105.° do RGIT fosse extensiva ao crime contra a segurança social, previsto no artigo 107.° do RGIT tê-lo-ia dito expressamente, mas não o fez.

VII. Razões que nos levam a concluírem que é inaplicável in casu o preceituado no n." 2 do art. 2.º do Código Penal.

VIII. E que o Mmo. Juiz proferir o despacho recorrido, nos termos em que o fez, violou, por erro de interpretação, o preceituado no art. 107.° da Lei n." 15/2001 de 5 de junho

Pelo que, em consequência, deverá o mesmo ser revogado e determinada a sua substituição por outro que ordene a prossecução dos autos, assim se fazendo JUSTIÇA»

5. – A fls 456, o demandante cível INSTITUTO DE SEGURANÇA SOCIAL – I.P veio interpor recurso apenas em matéria penal, pelo que foi proferida decisão sumária rejeitando o mesmo por ilegitimidade do recorrente.

6. - Notificados, os arguidos apresentaram resposta ao recurso interposto pelo MP pugnando pela sua improcedência.

7. Nesta Relação, o senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

8. Notificados nos termos do art. 417º nº2 do CPP, os arguidos nada disseram.

9. – A sentença recorrida (transcrição parcial):

« III - FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO:
A) Discutida a causa, consideram-se provados os seguintes factos, com pertinência para a mesma:

1. A sociedade "M.-… Lda' encontra-se inscrita na Segurança Social de Faro, no regime contributivo "000" (regime geral dos trabalhadores por conta de outrem) e no regime contributivo "669" (regime dos membros de órgãos estatutários) para o exercício da atividade de «gestão e fiscalização de obras, segurança, higiene e saúde no trabalho, topografia, projetos de arquitetura e engenharia, peritagens, auditoria, consultadoria e trabalhos de construção civil, documentação e registo de propriedades e cópias heliográficas exercendo o arguido António Pinto as suas funções de gerência na sociedade desde 4 de agosto de 1995.

2. No decurso da sua atividade, a empresa procedeu ao desconto de contribuições referentes aos salários dos seus trabalhadores, nos períodos e meses de fevereiro a julho de 2001, de setembro de 2001 a junho de 2004, nos meses de março, junho e julho de 2005, e de setembro de 2005 a maio de 2006, sem que tivesse procedido à sua entrega à Segurança Social, apesar de ter entregue as respetivas declarações.

3. Os arguidos retiveram o montante de € 15.490,71 euros (quinze mil, quatrocentos e noventa euros e setenta e um cêntimos) referente aos regimes 000 entre os períodos e meses acima referidos e quanto ao regime 669 nos meses de novembro de 2000, janeiro a março de 2001. e maio de 2001 a janeiro de 2006, no total de cento e treze meses.

4. Os arguidos não procederam à entrega das prestações em dívida nos 90 dias subsequentes ao termo do prazo legal para o pagamento das contribuições.
5. Os arguidos M…, Lda e António P. agiram de forma livre, deliberada e conscientemente, em nome e no interesse da sociedade «M.-… Lda», sabendo que o descrito comportamento era proibido e punido por lei e que agiam em prejuízo do Estado Português e da Segurança Social.

Mais se provou que:
6. Os arguidos foram notificados para proceder ao pagamento voluntário e respetivos acessórios, nos termos do disposto no art. 105°, n." 4, alínea b) do RGIT e não procederam ao respetivo pagamento por ausência de disponibilidade financeira.

7. Os montantes referidos em 3 ainda se mantém em divida.

8. Encontram-se pendentes relativamente à sociedade arguida processos de execução fiscal relativamente aos montantes descritos em 3

9. O arguido António P. tem corno habilitações literárias o bacharelato em engenharia civil

10. Cessou a atividade da empresa referida em 1, e trabalha atualmente por conta de outrem, auferindo cerca de €2.000, incidindo sobre o mesmo uma penhora no valor aproximado de €400 e paga ainda prestações de empréstimos pessoais no valor aproximado de €900 mensais.
11. Reside em casa emprestada.
12. Reconheceu a prática dos factos.
13. Não apresenta registados antecedentes criminais no seu percurso de vida.

B) Factos não provados:
Não se verificam.
(…)

A) Enquadramento Juridico-penal;

Aos arguidos é imputada em sede de acusação pública a prática de um crime de abuso de confiança à segurança social, na forma consumada e continuada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 6°, n.º 1, 7°, n.º 1, 107°, nºs 1 e 2, com referência ao art. 105, nºs 1 e 4, todos da Lei n." 15/2001, de 5 de junho e 30°, nº 2 do Código Penal.

Nessa sede, são referidas como contribuições - objeto da prática do referido ilícito, as cotizações deduzidas aos salários pagos e retidas relativas ao regime geral de trabalhadores por conta de outrem (código 000) e regime dos sócios gerentes e membros dos órgãos estatutários das pessoas coletivas ou equiparadas (código 669) e não entregues no prazo legal à segurança social (cfr. mapa de cotizações constante de fls. 7/8).

De acordo com os elementos documentais juntos aos autos, a sociedade arguida é uma sociedade por quotas que se encontra inscrita como contribuinte da segurança social.

Em causa está a não entrega à Segurança Social por parte dos arguidos do montante correspondente às cotizações descontadas nos salários dos seus trabalhadores e membros de órgãos estatutários (contribuições e prestações relativas ao sistema de solidariedade e segurança social) que são devidas àquela instituição, nos períodos nos seguintes períodos:
Fevereiro a julho de 2001, de setembro de 2001 a junho de 2004, nos meses de março, junho e julho de 2005, e de setembro de 2005 a maio de 2006, no que se refere ao regime"OOO" e quanto ao regime "669" os meses de novembro de 2000, janeiro a março de 2001, e maio de 2001 a janeiro de 2006.

Assim sendo, o art. 107°, n.º1 do referido diploma legal estipula que as entidades empregadoras que. tendo deduzido do valor das remunerações devidas a trabalhadores e membros dos órgãos sociais o montante das contribuições por estes legalmente devidas. não o entreguem. total ou parcialmente. às instituições de Segurança Social, são punidas com as penas previstas nos n. °s 1 e 5 do artigo 105°. ou seja. pena de prisão até 3 anos ou pena de multa até 360 dias.

Deste modo, na redação atual do preceito incriminador, não é necessária a apropriação de cada uma das quantias, com integração na esfera patrimonial do sujeito passivo, bastando, para a consumação do tipo legal, que as entidades empregadoras tenham deduzido do valor das remunerações devidas aos trabalhadores e aos membros de órgãos sociais os montantes das contribuições devidas e não as tenham entregue à Segurança Social. É esta a construção menos exigente do atual tipo legal de abuso de confiança contra à Segurança Social e é esta a principal nuance inovadora do preceito.

A este respeito, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de janeiro de 2003 (in www.dgsi.pt ) ao afirmar que o dever de os cidadãos pagarem impostos (ou contribuições para a segurança social) constitui uma obrigação pública com assento constitucional, considerando a importância que assume num Estado de direito democrático a obrigação deste para, no respeito pelos direitos e liberdades fundamentais, procurar contribuir para a concretização de uma democracia económica, social e cultural, tentando que se possa garantir a todos a possibilidade de uma existência em condições de dignidade, () que implica levar a cabo tarefas fundamentais para que é essencial a criação e a cobrança de impostos e também contribuições para a Segurança Social, no respeito pelos principias da igualdade tributária, da generalidade e da uniformidade, na base do critério da capacidade contributiva (in Cf., v. g, art.s 103°, 104°, 63° e 9~ aI. d), da CR.P., e Ac, do TC n. o 348/97 (DR, Il, de 25/7/97). Apesar da natureza de última ratio da intervenção penal, a relevância dos interesses públicos imanentes a essas obrigações do Estado e dos cidadãos, bem como a frequência e a amplitude das condutas que os infringem e os dados da experiência sobre a insuficiência, em vários casos, de medidas ou reações menos limitadoras do que as sanções criminais, justificam, à luz dos princípios constitucionais, designadamente o da exigência na tarefa de concordância prática inerente ao disposto no art. 18º nº2 , a criminalização, por que optou o nosso sistema legal, das infrações mais graves, com manifesta ressonância ético-social, lesivas do bens jurídicos correspondentes àquele interesse, como o são a fraude e o abuso de confiança fiscal, também quando ofendido o Estado na veste da Segurança Social. "

Estamos perante um tipo legal que reflete a reprovação ética de uma conduta lesiva dos interesses gerais do Sistema de Segurança Social.

Estamos perante um tipo legal que reflete a reprovação ética de uma conduta lesiva dos interesses gerais do Sistema de Segurança Social.

Na perspetiva de FIGUEIREDO DIAS (in Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo II, Coimbra Editora, 1999), o abuso de confiança é um delito especial, concretamente na forma de delito de dever, pelo que autor só pode ser aquele que detém uma qualificação determinada, resultante da relação de confiança que o liga ao proprietário da coisa recebida por título não translativo da propriedade e que fundamenta o especial dever de restituição. Na verdade, no contexto do abuso de confiança, a apropriação traduz-se sempre, precisamente na inversão do título de posse ou detenção.

Por outro lado, estamos perante um crime específico próprio, já que o agente só pode ser a entidade empregadora, pois é o dever legal de retenção na fonte que impende sobre esta que delimita o campo possível da autoria. Por isso, é autor aquele que detiver o domínio do facto, isto é, quem conscientemente detenha a possibilidade de dominar, finalisticamente, a realização do tipo legal, ou seja, a possibilidade de a deixar continuar, a deter ou interromper (. .. ) - in Eduardo Correia, Direito Criminal I, Almedina, 1963, pág. 248.

Posição, aliás, bastante semelhante à do abuso de confiança qualificado em função da especificidade do título de recebimento, previsto no art. 205°, n.º 5 do Código Penal.

Assim, no caso da entidade empregadora violar o dever específico de cumprir a obrigação contributiva propriamente dita, só em relação a esta, em boa verdade, se pode referir o elemento do tipo objetivo de ilícito - a apropriação, traduzida na inversão do título, (no âmbito da relação jurídico-laboral): a entidade empregadora detém, por força da lei, coisa móvel - dinheiro - do trabalhador, em relação à qual passa a comportar-se uti dominus, decorrido o prazo procedimental (90 dias) para entrega da coisa à instituição de segurança social.

Não o fazendo, passando a dispor desse valor como se fosse seu, integrando-o no giro económico da empresa, retendo-o, torna-se evidente a apropriação, elemento do preenchimento do tipo, não sendo necessário o verdadeiro ato material de apropriação, já que se basta com a retenção e implícita apropriação.
*
Descrito o tipo legal em apreço, e tendo presente que, durante o lapso entretanto decorrido desde a prática dos factos (conduta continuada ocorrida entre os anos de 2001 e 2006) e o presente momento, ocorreram alterações legislativas ao Regime Geral das Infrações Tributárias, maxime no que se refere à alteração do art. 105º do mesmo diploma legal …cumpre apreciar tal sucessão legislativa…
(…)

Ora, não podemos deixar de referir que, aderindo integralmente à fundamentação do douto acórdão, a nova redação do n.º 1 do artigo 105º do RGIT dada pelo artigo 113.° da Lei n.º 64-A/2008, de 31-12, estabelecendo o valor superior a € 7 500 como limite mínimo constitutivo de crime de abuso de confiança fiscal é também aplicável ao crime de abuso de confiança contra a segurança social, previsto no artigo 107° do mesmo diploma legal, implicando a descriminalização das respetivas condutas.

Assim sendo, tendo presente o supra exposto, cumpre, desde já e uma vez que ainda não houve condenação, declarar extinto o procedimento criminal relativamente aos arguidos no que se refere às contribuições relativas aos períodos de fevereiro a julho de 2001, de setembro de 200 I a junho de 2004, nos meses de março, junho e julho de 2005, e de setembro de 2005 a maio de 2006, no que se refere ao regime"OOO" e quanto ao regime "669" os meses de novembro de 2000, janeiro a março de 2001, e maio de 2001 a janeiro de 2006 (cfr. mapas de divida constantes de fls. 7/8), uma vez que as mesmas individualmente consideradas são todas inferiores ao valor de € 7.500, na sequência da descriminalização operada pela nova redação dada ao art. 105°, n.º 1 aplicável ex vi do art. 107°, ambos do RGIT pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, de harmonia com o disposto no art. 2°, n.º 2 do Código Penal.

Contra esta conclusão, não procede o argumento que aos arguidos era imputada a prática de um tipo de ilícito de abuso de confiança à segurança social na forma continuada, uma vez que o legislador pretendeu efetivamente dirigir-se à descriminalização das prestações: individualmente consideradas, corno já referimos, isolando as prestações tributárias do seu iter criminis (continuado), tanto mais que, por prestação tributária entende-se cada prestação tributária de per si e, não a quantia total em dívida (cfr. ainda a conjugação do disposto no nºs 1 e 7 do art. 105º do RGIT, donde resulta que o que está em causa é a não entrega de cada uma das prestações tributárias – Ac. Rel. Coimbra de 7.10.2009, disponível em www.dgsi.pt).
(…) »

Cumpre agora apreciar e decidir o presente recurso.

II. Fundamentação

1. Delimitação do objeto do recurso.
A questão essencial a decidir é a de saber se a alteração introduzida pelo art. 13º da Lei 64-A/08 de 31.12. que aprovou o OGE para 2009, no nº1 do art. 105º do RGIT (Abuso de confiança fiscal), aprovado pela Lei 15/2001 de 5 de junho, de onde resultou a descriminalização das condutas ali descritas quando o valor de cada prestação é igual ou inferior a 7 500 €, é igualmente aplicável ao crime de Abuso de confiança contra a segurança social p. e p. pelo art. 107º do mesmo RGIT, como entendeu o tribunal a quo, ou se a factualidade em causa nos autos não se encontra descriminalizada conforme pretende o MP recorrente.

Nesta última hipótese, há que decidir das consequências de ordem substantiva e processual da não descriminalização.

2- Decidindo.
2.1. – Enunciado da questão jurídica controvertida.

a) O art. 113º da Lei 64-A/2008 de 31.12, que aprovou o OGE para 2009 e alterou diversas disposições legais, veio dar nova redação ao art. 105º nº1 do RGIT aprovado pela Lei 15/2001 de 5 de junho, que passou a ter em seguinte redação:

“Artigo 105.º
[...]
1 — Quem não entregar à administração tributária, total ou parcialmente, prestação tributária de valor superior a € 7500, deduzida nos termos da lei e que estava legalmente obrigado a entregar é punido com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias.

2 — Para os efeitos do disposto no número anterior, considera-se também prestação tributária a que foi deduzida por conta daquela, bem como aquela que, tendo sido recebida, haja obrigação legal de a liquidar, nos casos em que a lei o preveja

3 —É aplicável o disposto no número anterior ainda que a prestação deduzida tenha natureza parafiscal e desde que possa ser entregue autonomamente.

4 — Os factos descritos nos números anteriores só são puníveis se tiverem decorrido mais de 90 dias sobre o termo do prazo legal de entrega da prestação.

5 — Nos casos previstos nos números anteriores, quando a entrega não efetuada for superior a E 50 000, a pena é a de prisão de um a cinco anos e de multa de 240 a 1200 dias para as pessoas coletivas.

6 — (Revogado.) Se o valor da prestação a que se referem os números anteriores não exceder E 1000, a responsabilidade criminal extingue-se pelo pagamento da prestação, juros respetivos e valor mínimo da coima aplicável pela falta de entrega da prestação no prazo legal, até 30 dias após a notificação para o efeito pela administração tributária.
7 — Para efeitos do disposto nos números anteriores, os valores a considerar são os que, nos termos da legislação aplicável, devam constar de cada declaração a apresentar à administração tributária.

A novidade traduziu-se na introdução de um elemento quantitativo – um valor mínimo para a prestação não entregue – o que implica a descriminalização da omissão de entrega de prestação tributária igual ou inferior àquele limite (7 500 € ), quer para futuro, quer relativamente a condutas pretéritas nos termos do art. 2º nº 2 do C.Penal.

O art. 107º do RGIT que prevê o crime de abuso de confiança contra a segurança social não foi expressamente alterado pela Lei 64-A/2008 de 32 de dezembro, mas entendeu o tribunal a quo que aquela descriminalização abrange igualmente aquele art. 107º do RGIT , que tem a seguinte redação:

Artigo 107º
Abuso de confiança contra a segurança social

1 — As entidades empregadoras que, tendo deduzido do valor das remunerações devidas a trabalhadores e membros dos órgãos sociais o montante das contribuições por estes legalmente devidas, não o entreguem, total ou parcialmente, às instituições de segurança social, são punidas com as penas previstas nos nºs 1 e 5 do artigo 105º

2 — É aplicável o disposto nos nºs 4, 6 e 7 do artigo 105º»

b) A questão encontra-se sobejamente delimitada e discutida e sobre ela surgiu corrente jurisprudencial (em que se insere a sentença recorrida) no sentido da descriminalização da omissão de entrega de contribuições à segurança social de valor igual ou inferior a 7 500 €, de que são exemplos, o Acórdão da Relação de Lisboa de 25-02-2009, processo nº 102/04.4TACLD.L1-3, o Ac RP de 27.05.2009 e da RL de 15.07.2009 (acessíveis em dgsi.pt).

Em sentido contrário formou-se corrente jurisprudencial, que considerou que a descriminalização operada pela Lei 64-A/2008 respeita apenas ao crime de abuso de confiança fiscal e não ao crime de abuso contra a segurança social V.g. Acórdãos da RC de 04.03.2009, da RL de 20.07.2009 e RP de 25.03.2009 e de 3.06.2009, todos acessíveis em dgsi.pt, podendo ver-se neste último parcialmente transcrito o estudo do Desembargador Cruz Bucho, cuja argumentação acompanhamos no essencial. Vd ainda o Ac RG de 27.04.2009 www.dgsi.pt) citado no parecer do MP nesta Relação.
.

2.2. - É este último o nosso entendimento Vd o nosso acórdão de 15.10.09 no Proc. 138-08.6TAOLH.E1, do TRE.
e foi nesse sentido que decidiu igualmente o Acórdão para Fixação de Jurisprudência nº 8/2010, publicado no DR I série de 23.9.2010 que, pondo termo à divergência jurisprudencial aludida, fixou jurisprudência no sentido de que a exigência do montante mínimo de € 7500, de que o n.º 1 do artigo 105.º do RGIT (aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de junho, e alterado, além do mais, pelo artigo 113.º da Lei n.º 64 -A/2008, de 31 de dezembro) faz depender o preenchimento do tipo legal de crime de abuso de confiança fiscal, não tem lugar em relação ao crime de abuso de confiança contra a segurança social, previsto no artigo 107.º, n.º 1, do mesmo diploma.

c) As razões jurídicas que nos levaram a perfilhar aquele entendimento são essencialmente de ordem sistemática e teleológica.

Em primeiro lugar, face à ausência de disposição expressa e inequívoca do legislador, entendemos que não é válido o argumento de igualdade de razões que subjaz a toda argumentação da posição contrária à que seguimos. Contrariamente à perspetiva expressa no Ac RL de 25.02.2009, não existe identidade entre os regimes punitivos das infrações contra a segurança social e contra o fisco. São autónomos os crimes previstos nos artigos 105º e 107º do RGIT, como sempre o foram, são agora diferentes os limites mínimos a partir do qual é punível a fraude fiscal (15 000 €) e a fraude contra a segurança social (7 500 €) (artigos 103º nº5 e 103º nº2, do RGIT, na redação da Lei 60-A/2005 de 30 de dezembro e é diferente o regime contra-ordenacional das infrações contra o fisco e contra a segurança social, sucedendo mesmo que não são punidas condutas contra a segurança social cujo desvalor é idêntico ou superior ao verificado nas infrações contra o fisco. Ficaria, pois, totalmente impune a falta de entrega à segurança social das contribuições deduzidas aos trabalhadores (grosso modo) de valor igual ou inferior a 7 500 €, se apenas fosse penalmente punível a falta de entrega de valores superiores àquele, pois não constitui contra-ordenação social a omissão de entrega daquelas contribuições. Ainda a este propósito, note-se que seria muito mais ampla a descriminalização operada em matéria de abuso de confiança contra a segurança social, uma vez que as declarações a apresentar à segurança social são mensais enquanto em regra são trimestrais as prestações tributárias a que se reporta o art. 105º nº1 do RGIT, pois o nº7 desta última disposição (igualmente aplicável ao abuso contra a segurança social) determina que os valores a considerar são os que devem constar de cada declaração a apresentar.
Por outro lado, são distintos os bens jurídicos protegidos por ambas as incriminações Pronunciámo-nos mais desenvolvidamente sobre esta questão o no Ac R. Évora de 12.06.2007, acessível em www.dgsi.pt.
, tal como são diferentes a natureza e finalidades das prestações a que se reporta o art. 105º e as contribuições referida no art. 107º nº1, o que justifica um regime penal mais exigente, conferindo maior eficácia à proteção dos interesses subjacentes aos crimes contra a segurança social Vd particularmente sobre este ponto o estudo de Cruz Bucho parcialmente transcrito no Ac RP de 3.6.2009, supracitado.
.

Assim e tendo particularmente em conta a fundamentação do citado AFJ 8/2010, para a qual se remete, decide-se que a factualidade imputada a ambos os arguidos nos presentes autos não se encontra descriminalizada pela nova redação conferida ao art. 105º nº1 do RGIT pela Lei nº 64-A/2008 de 31 de dezembro, julgando-se procedente o recurso interposto pelo MP e revogando a sentença recorrida na parte em que declarou extinto o procedimento criminal relativamente a toda a factualidade imputada a ambos os arguidos, com aquele fundamento.

2.3. – Consequências de ordem substantiva e processual da presente decisão.

2.3.1.- Do ponto de vista do seu enquadramento jurídico-penal, a sentença recorrida considerou que os factos provados integram a prática pelos arguidos de um só crime de abuso de confiança à segurança social, na forma continuada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts 7º nº1. 107 º nºs 1 e 2, com referência ao art. 105º nº1, da Lei15/2001 de 5 de junho (RGIT) e 30º nº2 do C. Penal, tal como, aliás, constava da acusação pública, sem que o MP tenha impugnado esta parte da decisão que, assim, transitou em julgado.

2.3.2. - Impõe-se, pois, proceder agora à determinação das penas a aplicar a cada um dos arguidos, de harmonia com o disposto nos artigos 369º e sgs, do C.P.P. e 70º e sgs do C. Penal.

Tal decisão, porém, deverá ser proferida pelo tribunal a quo e não por este tribunal de recurso, conforme temos vindo a entender, essencialmente pelas seguintes razões, que se desenvolvem um pouco relativamente a decisões anteriores.

2.3.2.1. - Em primeiro lugar, porque é essa a solução imposta pela consagração constitucional do princípio do duplo grau de jurisdição em matéria penal, pois no caso de este tribunal ad quem aplicar pena não privativa da liberdade seria a sua decisão irrecorrível nos termos do art. 400º nº 1 al. e) do C.P.P, pelo que julgaria como instância única, retirando-se ao arguido a possibilidade de ver apreciada por duas instâncias a matéria da determinação da

O art. 32º nº 1 da CRP desde a IV Revisão Constitucional (Lei 1/97) acolhe expressamente o direito ao recurso entre as garantias de defesa reconhecidas ao arguido, sem que o legislador constitucional tivesse estabelecido qualquer exceção para as situações em que, como sucede in casu, o arguido é condenado na sequência de recurso contra a sua absolvição.

Na verdade, apesar de o nº2 do art. 2º do Protocolo nº 7 de 22.11.1984, aditado à Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH), considerar que a condenação no seguimento de recurso contra a absolvição constitui uma das exceções ao direito a um duplo grau de jurisdição em matéria penal que, de acordo com o nº1 daquele art. 2º, abrange a declaração de culpabilidade ou a condenação As outras exceções consagradas no nº2 do art. 2º daquele protocolo, com os esclarecimentos aditados por Ireneu Cabral Barreto, são as seguintes: “infrações menores, ou seja, aquelas que não são passíveis de prisão e o julgamento em primeira instância pela mais alta jurisdição. – Cfr Ireneu Cabral Barreto, A Convenção Europeia dos Direitos do homem, anotada-3ª ed-2005 p. 378
, tal exceção não tem o efeito de substituir ou dispensar, inutilizando-a, disposição mais exigente da nossa constituição, o que bem se compreende da mera leitura da CEDH e dos comentários de Ireneu Cabral Barreto a seu respeito.

Desde logo porque, como entende a doutrina mais significativa Assim G. Canotilho e V. Moreira, CRP anotada, 4ª ed-2007 p. 258, J. Miranda-Rui Medeiros, CP anotada, T.1-2005 pp91-2 e Moura Ramos, A CEDH, citado por I. Cabral Barreto, ob. cit. p. 31. (na expressão de Ireneu Cabral Barreto), na hierarquia das fontes de direito, a CEDH (enquanto direito internacional convencional) situa-se numa posição intermédia entre a lei constitucional e as leis ordinárias, ficando subordinada hierarquicamente à constituição, o que significa que “os preceitos constitucionais, mesmo que contrários às disposições da Convenção conservariam na íntegra a sua eficácia e validade, pois estão-lhe supra ordenados. Ocupando a Convenção uma posição infraconstitucional, a sua aplicação na ordem interna está, aliás, dependente da sua conformidade com os preceitos constitucionais.”

Como refere Ireneu Cabral Barreto «O conflito pode ocorrer nomeadamente a propósito das limitações e derrogações aos direitos consagrados na Convenção, limitações e derrogações que podem apresentar-se, por vezes, mais acentuadas do que as admissíveis na nossa constituição.».
É precisamente o que sucede na situação em apreço, pois as derrogações ou exceções ao direito a um duplo grau de jurisdição em matéria penal consagradas no art. 2º do citado Protocolo nº7, constituem derrogações àquele direito que o art. 32º nº1 da CRP não admite.

Para além disso, em situações como a presente o conflito é mais aparente que real, pois o art. 53º da CEDH expressamente prevê que «Nenhuma das suas disposições será interpretada no sentido de limitar ou prejudicar os direitos do homem e as liberdades que tiverem sido reconhecidos de acordo com as leis de qualquer Parte contratante ou de qualquer outra Convenção em que aquela seja parte.»

Como explica, uma vez mais, I.Cabral Barreto Cfr ob. cit. p. 336.
” Esta disposição [que encontra paralelo noutras convenções internacionais, citadas pelo autor ] … compreende-se na lógica de uma convenção que pretende proteger direitos e liberdades e não restringi-los. Se o direito interno ou o direito internacional aos quais o estado está ligado, são mais generosos, prevalecerá o ali consagrado e não o disposto na Convenção; o aplicador do direito não poderá, pois, invocar a Convenção para deixar de aplicar uma norma que concede mais direitos ou liberdades do que os inscritos nesta”.

Isto é, ainda que a consagração do direito a um duplo grau de jurisdição em matéria penal constasse apenas de disposição do direito ordinário interno ou de convenção internacional de que Portugal fosse parte O Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (OIDCP), de que Portugal é parte, reconhece no seu art. 14º nº5 o direito a duplo grau de jurisdição em matéria penal, sem qualquer restrição.
e não de norma constitucional como se verifica, a CEDH não só não poderia ser invocada no plano interno, como não poderia fundar responsabilidade internacional do Estado português, independentemente de qualquer reserva ou declaração interpretativa, porque a consagração do duplo grau de forma mais ampla não constitui violação da Convenção.

As reservas e declarações apenas se justificam quando o Estado pretende salvaguardar a aplicação de disposição interna mais restritiva para os direitos e liberdades dos cidadãos que os consagrados na Convenção, como sucedeu, v.g. com as reservas apostas por Portugal em 1978, referidas em I.Cabral Barreto, ob. cit. pp. 34-5, ou com as reservas apostas pela França e Alemanha ao protocolo nº7.

2.3.2.2. – Questão com peso diferente destas, é a de saber em que medida o art. 2º do protocolo nº7 à CEDH poderá constituir elemento interpretativo do art. 32º nº1 da CRP que leve a concluir que aquele preceito constitucional não pode deixar de prever limitações e que entre estas se contará a que aqui nos ocupa.

Entendemos, porém, sem prejuízo de a questão merecer melhor enquadramento e fundamentação, que não poder retirar-se da CEDH argumento a favor de uma interpretação do art. 32º nº1 da CRP que exclua dele o direito ao recurso nos casos de condenação no seguimento de recurso contra a absolvição. Por um lado, porque como diz, ainda, I. Cabral Barreto, “… a nossa constituição é, sem dúvida, uma das mais avançadas na proteção dos direitos fundamentais.

Em segundo lugar, porque o reconhecimento do duplo grau de jurisdição nas situações de revogação de decisão absolutória pelo tribunal de recurso, constitui, entre nós, uma dimensão essencial das garantias de defesa do arguido, que apenas se mostram cabalmente asseguradas com o direito do arguido a fazer examinar por uma jurisdição superior a decisão que lhe aplicou a pena, após ter oportunidade de se pronunciar sobre a mesma.

Com efeito, este direito apenas se concretiza com o recurso da decisão condenatória, pois contrariamente ao que sucede com a questão da culpabilidade, o arguido na resposta ao recurso de decisão absolutória interposto não tem oportunidade de se pronunciar sobre a matéria da pena, visto que o recurso de decisão absolutória apenas tem por objeto a questão da culpabilidade e o MP não tem sequer que propor a pena que entende adequada no caso de provimento do recurso. Não tem que fazê-lo nem o faz normalmente, sendo certo que, em todo o caso, o tribunal ad quem não se encontra vinculado à proposta do MP, pelo que sempre pode aplicar pena diferente, quanto ao quantum ou à sua espécie.

2.3.2.3. - Por outro lado, a interpretação do preceito constitucional que perfilhamos é a que melhor se harmoniza com o nosso modelo processual de determinação da sanção, podendo mesmo dizer-se que é nestas situações de condenação na sequência de revogação de sentença absolutória, que mais nos aproximamos dos objetivos prosseguidos com o sistema de cesure, acolhido de forma mitigada entre nós desde a versão originária do CPP de 1987.

Nestes casos, uma vez transitada a decisão sobre a culpabilidade, podem todos os intervenientes – maxime a defesa - focar-se exclusivamente na finalidade de escolher a medida e espécie de pena, maxime de pena não privativa da liberdade, sem condicionalismos, nomeadamente de ordem estratégia, que sempre se verificam enquanto não há decisão sobre a culpa. Como refere Damaska, “Os advogados de defesa continentais [onde não exista a divisão entre a fase da determinação da culpabilidade e a fase de imposição da condenação] sabem bem quão difícil é, nos casos em que não é clara qual vai ser a decisão, alegar a inocência e ao mesmo tempo assumir as posições mais adequadas relativamente a questões relacionadas com a sanção no caso de uma condenação.” Cfr Mirjan Damaska, Aspetos globales de la reforma del processo penal, in AAVV reforma a la justicia penal en las Américas, 1999 (www.dplf.org)


Por último, como destaca Damião da Cunha, José Manuel Damião da Cunha, O Caso Julgado Parcial-Questão da Culpabilidade e Questão da Sanção Num Processo de Estrutura Acusatória, Porto 2002, Publicações Universidade Católica, p. 410. “ os direitos de defesa do arguido, no âmbito da determinação da sanção, (…) [assumem] também uma função positiva, dentro das eventuais possibilidades de sancionamento que estejam dependentes da sua livre «vontade» “, como sucede nos casos em que é suposto o consentimento do condenado (v.g. prestação de trabalho a favor da comunidade, sujeição a tratamento médico ou plano individual de readaptação social no âmbito da pena de suspensão da execução da pena de prisão).

Assim, pode e deve o tribunal a quo ponderar e decidir sobre a determinação da sanção com toda a amplitude depois de decidida em via de recurso a questão da culpabilidade, podendo mesmo reabrir a audiência por sua iniciativa ou a requerimento, caso careça de prova suplementar, nomeadamente ouvindo o arguido, para além do mais. (cfr arts. 369º nº1, 370º e 371º, do CPP) .

2.3.2.4 - Cabe, pois, ao tribunal a quo proceder à determinação da medida e escolha da pena a aplicar aos arguidos, depois de ponderar sobre a eventual necessidade de reabrir a audiência e de ordenar ou levar a cabo quaisquer diligências que entenda serem adequadas - cfr arts 369º e sgs do C.P.Penal.

III. Dispositivo

Nesta conformidade, acordam os Juízes na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em conceder provimento ao recurso interposto pelo MP e, assim:

- Revogar a sentença recorrida na parte em que declarou extinto o procedimento criminal relativamente a ambos os arguidos, por entender que as suas condutas se encontravam descriminalizadas pela nova redação dada ao art. 105º nº1 do RGIT pela Lei nº 64-A/2008 de 31 de Dezembro.

- Julgar a acusação procedente, condenando os arguidos, "M.-… LDA" e ANTÓNIO P., como autores, na forma consumada, de um crime de abuso de confiança à segurança social, na forma continuada, p. e p. pelas disposições conjugadas os arts 7º nº1. 107 º nºs 1 e 2, com referência ao art. 105º nº1, da Lei15/2001 de 5 de junho (RGIT) e 30º nº2 do C. Penal;

- Determinar que o tribunal recorrido proceda à determinação da medida e espécie da pena a aplicar a cada um dos arguidos, depois de ponderar sobre a eventual necessidade de reabrir a audiência e de ordenar ou levar a cabo quaisquer diligências que entenda serem adequadas para a determinação da sanção - cfr arts 369º e sgs do C. P.Penal.

Sem custas.
Évora, 21 de junho de 2011

(Processado em computador. Revisto pelo relator.)

(António João Latas)


(Carlos Berguete Coelho)

V.g. Acórdãos da RC de 04.03.2009, da RL de 20.07.2009 e RP de 25.03.2009 e de 3.06.2009, todos acessíveis em dgsi.pt, podendo ver-se neste último parcialmente transcrito o estudo do Desembargador Cruz Bucho, cuja argumentação acompanhamos no essencial. Vd ainda o Ac RG de 27.04.2009 www.dgsi.pt) citado no parecer do MP nesta Relação.

Vd o nosso acórdão de 15.10.09 no Proc. 138-08.6TAOLH.E1, do TRE.

Pronunciámo-nos mais desenvolvidamente sobre esta questão o no Ac R. Évora de 12.06.2007, acessível em www.dgsi.pt.

Vd particularmente sobre este ponto o estudo de Cruz Bucho parcialmente transcrito no Ac RP de 3.6.2009, supracitado.

As outras exceções consagradas no nº2 do art. 2º daquele protocolo, com os esclarecimentos aditados por Ireneu Cabral Barreto, são as seguintes: “infrações menores, ou seja, aquelas que não são passíveis de prisão e o julgamento em primeira instância pela mais alta jurisdição. – Cfr Ireneu Cabral Barreto, A Convenção Europeia dos Direitos do homem, anotada-3ª ed-2005 p. 378

Assim G. Canotilho e V. Moreira, CRP anotada, 4ª ed-2007 p. 258, J. Miranda-Rui Medeiros, CP anotada, T.1-2005 pp91-2 e Moura Ramos, A CEDH, citado por I. Cabral Barreto, ob. cit. p. 31.
Cfr ob. cit. p. 336.

O Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (OIDCP), de que Portugal é parte, reconhece no seu art. 14º nº5 o direito a duplo grau de jurisdição em matéria penal, sem qualquer restrição.

Cfr Mirjan Damaska, Aspetos globales de la reforma del processo penal, in AAVV reforma a la justicia penal en las Américas, 1999 (www.dplf.org)

José Manuel Damião da Cunha, O Caso Julgado Parcial-Questão da Culpabilidade e Questão da Sanção Num Processo de Estrutura Acusatória, Porto 2002, Publicações Universidade Católica, p. 410.~

http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/8ba15c943bdd0b9f802578cb003d1ddc?OpenDocument

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