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quinta-feira, 18 de agosto de 2011

DESOBEDIÊNCIA, INIBIÇÃO DE CONDUZIR, NÃO ENTREGA DA LICENÇA DE CONDUÇÃO - Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra - 12-07-2011

Acórdãos TRC
Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
295/09.4TAVIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE DIAS
Descritores: DESOBEDIÊNCIA
INIBIÇÃO DE CONDUZIR
NÃO ENTREGA DA LICENÇA DE CONDUÇÃO

Data do Acordão: 12-07-2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 2º JUÍZO CRIMINAL DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU
Texto Integral: S

Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 69º CP, 500º CPP

Sumário: Não comete o crime de desobediência quem não cumpre a decisão judicial que o condenou a entregar a licença de condução no prazo de 10 dias a contar do trânsito da mesma, com a cominação de, não o fazendo, cometer aquele crime.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra, Secção Criminal.
No processo supra identificado em que é arguido:
M..., casado, residente na Rua …, Aveiro,
Foi proferida sentença na qual se decidiu:
Absolver o arguido da prática, como autor material, do crime de desobediência previsto e punido pelo artigo 348.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal.
***
Da sentença interpôs recurso o Magistrado do Ministério Público, formulando as seguintes conclusões:
1-Após a revisão do Código Penal levada a cabo pela Lei 59/2007, de 4 de Setembro, a conduta concreta do arguido recorrido definida na acusação pública contra si deduzida, isto é, a falta de entrega da sua carta de condução, no prazo legalmente fixado, entrega essa que lhe foi imposta, por sentença criminal transitada em julgada, para cumprimento da pena acessória de inibição de conduzir em que fora condenado, consubstancia o crime de violação de imposições, proibições ou interdições previsto e punido pelo artigo 353 do Código Penal.
2- Efectivamente, tal normativo, que punia na versão originária quem violasse "proibições ou interdições impostas por sentença criminal, a título de pena acessória", passou a punir, com a revisão operada "quem violar imposições, proibições ou interdições determinadas por sentença criminal, a título (...) de pena acessória”.
3- Resulta evidente que ao referir-se à violação de imposições foi intenção do legislador abranger a falta de entrega da carta de condução para cumprimento da pena acessória de proibição de conduzir a que alude o artigo 69-1/a do Código Penal, sendo certo que tal cumprimento apenas se inicia com a entrega efectiva daquele título.
4- Com efeito, a obrigação de entrega da carta de condução é inerente à própria pena acessória de proibição de conduzir, já que a condenação em tal pena implica a imposição ao condenado daquela obrigação, sem a qual não é possível o respectivo cumprimento.
5- Ora, a incriminação agora prevista no artigo 353 do Código Penal foi obviamente alargada com o objectivo de incluir os casos de incumprimento de imposições determinadas por sentença criminal a título de pena acessória, nos quais se integra a situação traduzida na omissão de entrega da carta de condução por parte do arguido recorrido a quem foi imposta pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, nos termos do artigo 69º-1/a do Código Penal, no prazo legalmente previsto e determinado na sentença condenatória.
6- Assim sendo, preenchendo os factos descritos na acusação pública, os requisitos objectivos e subjectivos do crime de violação de imposições, proibições ou interdições, previsto e punido pelo artigo 353 do Código Penal, crime esse diverso daquele que, na mesma peça processual, foi imputado ao arguido recorrido, deveria o Tribunal a quo ter operado uma alteração da qualificação jurídica dos factos, após o cumprimento oportuno do disposto no artigo 358-1 e 3 do Código de Processo Penal, e em consequência, deveria ter condenado o arguido recorrido às consequências jurídicas legalmente previstas.
7- Por conseguinte, violou o Tribunal a quo o disposto no artigo 353 do Código Penal e no artigo 358-1 e 3 do Código de Processo Penal.
Termos em que, deverá o presente recurso merecer provimento, e em consequência, deverá a sentença recorrida ser revogada, e substituída por outra, que observando o contraditório, condene o arguido pelos factos que lhe vinham imputados na acusação pública.
Não foi apresentada resposta.
Nesta Relação, o Ex.mº Procurador Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento.
Foi cumprido o art. 417 nº 2 do CPP.
Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre decidir:
***
A matéria de facto apurada é a seguinte:
2.1. Matéria de facto provada
Produzida a prova e discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos:
1.No dia 20 de Dezembro de 2007, o arguido foi julgado neste tribunal, no âmbito do processo sumário n.º 278/07.9 GTVIS;
2.Foi então condenado, além do mais, na proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de três meses e quinze dias, decisão que transitou em julgado dia 9 de Dezembro de 2008;
3.Para cumprimento daquela medida o arguido foi advertido, na referida sentença que o julgou, que deveria apresentar a sua carta de condução no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da decisão, sob pena de incorrer num crime de desobediência, (…);
4.A decisão em causa foi notificada ao arguido, tendo de tudo ficado ciente;
5.O arguido não entregou voluntariamente a sua carta de condução neste tribunal, nem em qualquer posto policial, pelo menos até ao dia 24 de Janeiro de 2009, apesar de saber que o prazo para entrega terminara há muito e ainda sabia que incorria no crime de desobediência se não procedesse à entrega no prazo estipulado;
6.O arguido tem antecedentes criminais conhecidos;
7.O arguido não aufere quaisquer rendimentos, encontrando-se desempregado há 3 meses;
8.A mulher aufere a quantia de € 500,00;
9.Tem uma filha de 15 anos de idade;
10.Vive em casa própria e paga de empréstimo de €540,00;
11.Tem o 6º ano de escolaridade;
2.2. Matéria de facto não provada
Não se provaram quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa.
***
Analisando:
A questão suscitada respeita a qualificar juridicamente a actuação de não entrega da licença de condução apreendida.
*
Nos presentes autos, vindo o arguido acusado da prática do crime de desobediência, por não ter entregado a licença de condução, que lhe havia sido apreendida, no prazo estipulado, foi após audiência de julgamento absolvido.
Temos como correcta a decisão.
Neste sentido, o Ac. desta Relação, proferido no Proc. 2158/08.1 TALRA.C1, em que é relator o Dr. Brizida Martins, “No caso em apreço, o preceito que regula a execução da pena acessória de proibição de conduzir não sanciona com o crime de desobediência a falta de entrega da carta de condução”.
Igualmente o Ac. desta Relação, proferido no Proc. , em que é relator o Dr. Orlando Gonçalves, “Na norma do art.69, n.º3 do Código Penal, bem como na norma do art.500, n.º 2, do Código de Processo Penal não é cominado expressamente um crime de desobediência para a não entrega da carta de condução no caso de condenação em proibição de conduzir veículos com motor.
Resulta do art. 500, nº3 do Código de Processo Penal que o legislador previu expressamente para a falta de cumprimento da entrega voluntária da licença de condução, a sua apreensão”.
Assim como o entende o recorrente, divergindo apenas no seu entendimento de que haveria sido praticado o crime do art. 353 do CP, violação de imposições, proibições ou interdições.
Mas, temos que também aqui não lhe assiste razão.
Como salienta Maia Gonçalves em anotação ao art. 353 do seu CP anotado e comentado, “a violação prevista é só relativamente a proibições ou interdições impostas por sentença criminal a título de pena acessória ou de medida de segurança não privativa da liberdade”, sendo que a alteração operada pela L. nº 59/2007 não altera este entendimento, ao acrescentar a violação de imposições. Tem de ser uma imposição relativa a pena acessória ou de medida de segurança não privativa da liberdade (ou pena aplicada em processo sumaríssimo).
E, a não entrega da licença de condução no prazo legal após o trânsito em julgado da decisão que determinou a apreensão não é pena acessória. A pena acessória consiste na inibição da faculdade de conduzir veículos motorizados, sendo a entrega da carta um meio de facilitar a materialização e até controlo do cumprimento da pena acessória.
Nem a sentença tem que impor a entrega e, não se verificando a entrega voluntária, prescreve o artigo 500, do Código de Processo Penal:
2- No prazo de dez dias a contar do trânsito em julgado da sentença, o condenado entrega na secretaria do tribunal, ou em qualquer posto policial, que a remete àquela, a licença de condução, se a mesma não se encontrar já apreendida no processo.
3- Se o condenado na proibição de conduzir veículos motorizados não proceder de acordo com o disposto no número anterior, o tribunal ordena a apreensão da licença de condução.
A consequência única da não entrega da licença de condução é, ser ordenada a sua apreensão.
Neste sentido, os Acs. desta Relação citados, aí se referindo: “A norma do artigo 353 do CP diz quem violar imposições, proibições… determinadas… por sentença criminal …a título de pena acessória é punido…; não diz imposições processuais decorrentes da aplicação de uma pena acessória” (sublinhado nosso).
E o Ac. desta Relação proferido no Proc. 1745/08.2TAVIS.C1 “Não comete o crime p. e p. artigo 353º do CP (Violação de imposições, proibições ou interdições) o agente que, condenado em pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, não entrega o título de condução, pese embora a expressa notificação para o efeito levada a cabo pelo tribunal da condenação”.
O preceito em causa (art. 353 do CP) não consente a integração nele de comportamentos processuais prévios à execução da sanção acessória, mas tão só comportamentos ou proibições que a integrem.
Assim que não tinha de haver a comunicação a que alude o art. 358 do CPP, pois que não se verificava a alteração da qualificação jurídica dos factos da acusação, como pretende o recorrente.
Por outro lado, como bem salienta o Exmº PGA, a comunicação de alteração de factos, nos termos do art. 358 do CPP tem de ser efectuada na audiência, o que não foi o caso.
No seu parecer, o Exmº PGA refere: “Ora, O que se verifica é que, no decurso da audiência, não foi cumprido o constante deste preceito, tendo sido proferida a sentença e sendo apenas questionada a qualificação no recurso interposto, não se pode agora, finda que foi a audiência, alterar a aludida qualificação, com o consequente retomar daquela e a concessão, ao arguido, de tempo para a defesa.
Pelo que terá de manter-se a sentença recorrida, uma vez que os factos dados como provados não constituem o ilícito criminal de desobediência a que se refere o art. 348 nº 1, b) do CP, pelo qual o arguido vinha acusado e foi julgado”.
E, o recorrente poderia ter provocado essa alteração, já que a mesma pode ocorrer “oficiosamente ou a requerimento”.
Como se refere na Revista Julgar, nº 9, em artigo publicado e da autoria do Dr. Cruz Bucho sobre a “Alteração Substancial dos Factos em Processo Penal”, pág. 43 e segs., referindo a pág. 45,”A lei não indica um momento específico e preciso para o cumprimento da comunicação referida nos arts. 358 e 359, ambos do CPP. Por isso que se venha entendendo que os mecanismos previstos naqueles preceitos legais podem ser desencadeados até à publicação da sentença, pois só com esta se encerra a audiência. Neste sentido, o Ac. do STJ de 16-06-2005, proc. 05P1576, rel. Pereira Madeira…”.
Haveria violação do disposto no art. 358 do CPP no caso de se ter procedido à alteração e esta não ser comunicada como aí se preceitua.
Assim que temos como improcedentes as conclusões do recurso.
*
Decisão:
Pelo que exposto ficou, acordam em julgar improcedente o recurso e em consequência manter a sentença recorrida.
Sem custas.

Jorge Dias (Relator)
Brízida Martins

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