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domingo, 7 de agosto de 2011

CONTRATO DE TRABALHO,CEDÊNCIA DE TRABALHADOR, ILICITUDE, DIREITO DE OPÇÃO - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça - 30/06/2011

Acórdãos STJ
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
69/07.7TTCBR.C1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: FERNANDES DA SILVA
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
CEDÊNCIA DE TRABALHADOR
ILICITUDE
DIREITO DE OPÇÃO

Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 30-06-2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1

Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática: DIREITO DO TRABALHO - RELAÇÃO DE TRABALHO TEMPORÁRIO
Doutrina: - Bernardo Lobo Xavier, ‘Curso de Direito do Trabalho’. Verbo, pág. 291
- João Leal Amado, ‘Contrato de Trabalho à luz do novo Código do Trabalho’, Coimbra Editora, 2009, pág.55.
- Júlio Vieira Gomes, ‘Direito do Trabalho’, Volume I, pág. 838.
- Maria Regina Gomes Redinha, ‘A Relação Laboral Fragmentada’, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, pág. 152/ss.
- Monteiro Fernandes, ‘Direito do Trabalho’, 13.ª edição, pg.164.
- Pedro Romano Martinez & outros, ‘Código do Trabalho’, 5.ª Edição, 2007, anotação ao art. 329.º.
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL: - ARTIGO 829.º-A, N.ºS 1 E 3.
DECRETO-LEI N.º 358/89, DE 17 DE OUTUBRO: - ARTIGOS 9.º, 16.º, N.º3, 26.º, 27.º, 28.º, 30.º, N.º1.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 7.10.2004, PROCESSO N.º 1002/04;
-DE 4.5.2005, PROCESSO N.º 04S1505, IN WWW.DGSI.PT .

Sumário : I - Para a determinação da entidade patronal não assume relevância determinante, em tese, o facto de ter sido outra pessoa a intervir na outorga do acordo escrito e no pagamento da retribuição, quando está demonstrado que o núcleo duro, o objecto do contrato – consubstanciado no comutativo cumprimento da obrigação de prestação da actividade e no exercício do poder directivo e seu reverso –, nada teve a ver, na prática execução do mesmo ao longo de 16 anos, com a pessoa que se limitou a outorgar o acordo escrito e a proceder ao pagamento da retribuição.

II - Não resultando da factualidade provada as circunstâncias que patenteiam a divergência entre a entidade que outorgou o acordo e aquela que, imediatamente, passou a receber e a determinar a prestação do trabalhador, fica excluída a hipótese de um cenário fraudatório, revelando-se, antes, como um caso que se aproxima do designado empréstimo de mão-de-obra, e, neste quadro, a única situação legalmente regulada é a da cedência ocasional de trabalhadores.

III - Não sendo uma cedência ocasional, excepcionalmente admitida nas situações legalmente previstas – pois, além do mais, perdurou durante 16 anos e sem a autorização do trabalhador – revela-se um expediente ilícito, cujo tratamento jurídico/consequências se alcança por interpretação extensiva do art. 30.º, n.º 1 do DL n.º 358/89, de 17 de Outubro (com previsão homóloga no art. 329.º do CT/003): é conferido ao trabalhador “cedido” o direito de optar pela integração no efectivo do pessoal da empresa cessionária, no regime do contrato de trabalho sem termo.

IV - Neste contexto, o termo da “cedência de facto” corresponde ao momento em que o “cedente” comunica ao trabalhador a cessação da relação, e este a repudia desde logo, apresentando-se no local de trabalho, para aí prosseguir, como era habitual, o desempenho das suas funções, traduzindo essa manifestação o exercício do seu direito de opção.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


I -

1.

AA, casado, com os demais sinais dos Autos, intentou, em 18 de Janeiro de 2007, no Tribunal do Trabalho de Coimbra, acção emergente de contrato de trabalho contra «BB SA», e «CC, Ld.ª», alegando, em síntese, que exerceu, desde 25/2/02, a sua actividade de mecânico sob a autoridade, direcção e fiscalização da Ré «BB», em termos idênticos aos trabalhadores desta, tendo sido impedido de aí trabalhar no dia 1/2/06, quando se apresentou no seu local de trabalho para desempenhar, como habitualmente, as suas tarefas.

Terminou pedindo:

a) Se declare que o contrato documentado sob o n.º 1 e após isso, o acto formal de mudança de entidade patronal documentado sob o n.º 2, bem como quaisquer contratos existentes entre DD e/ou a ‘CC’, são nulos, condenando-se as RR. a reconhecê-lo;

b) Se declare que entre A. e Ré ‘BB’ existia um contrato de trabalho sem termo, com início em 12/3/1990, pelo qual o A. desempenhava as funções de mecânico auto de 1.ª, mediante retribuição, sob a autoridade, direcção e fiscalização desta;

c) Se declare que a conduta da Ré, descrita nos arts. 31.º e 32.º da p.i. constituiu um despedimento ilícito do A.;

d) Se condene a Ré a tudo reconhecer e em consequência a reintegrar o A. no seu posto de trabalho, com antiguidade reportada a 12/3/1990 e com a categoria profissional de mecânico auto de 1.ª, que lhe pertence;

e) Se condene a Ré a pagar-lhe todas as prestações salariais que se vierem a vencer desde 30 dias antes da propositura da acção até ao trânsito em julgado da decisão final do tribunal;

f) Se condene esta Ré a pagar ao A. todos os juros que se vierem a vencer, à taxa legal, sobre todas as quantias em dívida, desde o seu vencimento até integral pagamento;

g) Se condene esta Ré no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória, de montante não inferior a € 100 por cada dia de atraso no cumprimento da condenação que lhe venha a ser imposta.



O A. veio desistir da Instância relativamente à co-R. ‘CC, Ld.ª’, que foi absolvida da Instância pelo despacho proferido a fls.57


A R. ‘BB, S.A.’contestou.

Para além de arguir a excepção dilatória da sua ilegitimidade, negou a existência de qualquer vínculo entre ela e o A., defendendo que aquele sempre prestou actividade na qualidade de trabalhador da ‘CC Ld.ª’, ao abrigo de contrato de prestação de serviços entre esta e o A.

Prosseguindo o processo seus regulares termos veio a final a ser proferida sentença que julgou a acção improcedente, por não provada, absolvendo a R. dos pedidos contra si deduzidos.

2.

Inconformado, o A. apelou da decisão para o Tribunal da Relação de Coimbra, mas sem sucesso, pois o Acórdão prolatado a fls. 319 e seguintes confirmou a sentença recorrida.


Ainda irresignado, interpôs recurso de Revista, cuja alegação rematou com estas conclusões:

1 - A matéria de facto fixada na sentença foi mantida, na íntegra, pelo Acórdão recorrido, pelo que se tem de considerar definitivamente assente;

2 - Em face dela, salvo o devido respeito, não podia o Acórdão recorrido deixar de considerar que o vínculo laboral existente ligava o A. à R. BB e não a qualquer outra pessoa ou entidade;

3 - Na verdade, o poder de programar, organizar, dirigir e fiscalizar a actividade do trabalhador e que se manifesta, sobretudo, no dever de obediência deste em relação àquele, bem como no poder disciplinar que o empregador tem sobre o trabalhador, ou seja, a subordinação jurídica, no caso em apreço, existia relativamente à R. BB e não a qualquer outra pessoa ou entidade;

4 - Como ressalta, com meridiana clareza, da seguinte factualidade fixada na sentença, de que nos permitimos destacar:

- Na sequência da celebração do acordo referido em 1, imediatamente o A. foi colocado a trabalhar nas oficinas dos Transportes … (T…) dos BB, situadas na Av…, (Edifício dos BB), na cidade de Coimbra, até princípios de 2002, tendo a partir de então mudado para o Edifício dos BB em Taveiro, Coimbra;

- O A. não autorizou a sua cedência à R. BB;

- O A. tinha a categoria profissional de mecânico auto de 1.ª, desenvolvendo as funções correspondentes, procedendo a todas as operações de manutenção e reparação das viaturas automóveis dos BB dentro e fora das oficinas;

- Todos os instrumentos de trabalho, designadamente maquinismos e ferramentas usadas pelo A. pertenciam aos BB;

- No desempenho das suas funções, ao longo dos anos, sempre o A. recebeu ordens do Chefe de oficinas, o Sr. EE;

- Este Chefe das oficinas organizava, dirigia e fiscalizava o trabalho das oficinas em representação dos BB, sob cuja autoridade, direcção e fiscalização trabalhava, mediante retribuição;

- O Sr. EE era um trabalhador que pertencia aos quadros de pessoal efectivo da R. BB;

- Nessa qualidade, o chefe EE dava ao A. e a todos os demais trabalhadores das oficinas, ordens e instruções para o desempenho concreto das funções de manutenção e reparação de viaturas automóveis, bem como organizava e dirigia todo o trabalho;

- Era também ele que recebia e autorizava as comunicações de falta do A. e dos demais colegas de trabalho;

- Era também a R., por intermédio de EE, que marcava os períodos em que os trabalhadores das oficinas e o A. gozavam as suas férias;

- O poder disciplinar sobre todos os trabalhadores das oficinas estava delegado no EE;

- O A. marcava o ponto diário em folhas próprias dos BB;

- Quando era necessário fazer trabalho extraordinário, em especial aos sábados, era o EE que o determinava;

- Todo o material para executar as suas tarefas de manutenção e de reparação das viaturas era requisitado pelo A. em nome dos BB;

- Também a recepção do serviço era efectuada em nome dos BB e em impressos próprios destes;

- O A. tinha um cartão de identificação igual aos dos demais trabalhadores dos BB;

- Tinha igualmente um ‘livre trânsito’ igual ao dos demais trabalhadores para circular, entrar e sair das instalações;

- A roupa de trabalho, vulgarmente designada por ‘fato-macaco’ tinha a cor dos CC, como a dos demais trabalhadores;

- O A. não tinha quaisquer contactos com a ‘CC’ ou com o empresário em nome individual que a antecedeu e com quem celebrou o acordo referido em 1., a não ser o recebimento da sua retribuição mensal;

5 – Isto é, deste acervo de factos parece não poder restar qualquer dúvida legítima sobre a demonstração pelo A. da existência de um contrato de trabalho vinculando-o à R. BB;

6 – Efectivamente, era sob a sua autoridade, direcção e fiscalização que este prestava a sua actividade profissional, encontrando-se integralmente inserido na estrutura organizativa do beneficiário da actividade (os BB), a quem devia obediência e a cujo poder disciplinar estava sujeito, de acordo com a factualidade apurada;

7 – Sendo, manifestamente, irrelevante o saber quem, formalmente, lhe pagava a retribuição, uma vez que, embora não se conheçam as circunstâncias concretas das relações entre os BB e as entidades que foram pagando a retribuição, é manifesto que, do quadro factual apurado, estas só formalmente apareciam na relação, criando uma mera aparência de entidade patronal;

8 – Na verdade, nenhuma entidade patronal, numa relação séria e que tenha subjacente a realidade da vida, se limita a pagar a retribuição de um dado trabalhador, sem qualquer outro controlo e sem a prática de actos, ainda que mínimos, de direcção e autoridade;

9 – E tal situação, no caso dos Autos, não teve uma existência ocasional e/ou esporádica, mas durou praticamente 16 longos anos. E, mais do que isso, logo que contratado, a situação factual apurada teve, de imediato, o seu início, ou seja, nunca o A., após a contratação inicial pelo dito DD, teve com ele uma verdadeira e real relação de trabalho, mas somente com os BB;

10 – Em face da factualidade apurada, e ao contrário do que sustenta o Acórdão recorrido, é lícito retirar uma presunção judicial tendente a concluir pela existência de um processo fraudulento desenvolvido pela R. BB e pelo dito DD, primeiro, e depois pela ‘CC’, de modo a que aquela (Ré/recorrida) fugisse às duas responsabilidades (laborais e sociais) como entidade empregadora, por força das disposições conjugadas dos arts. 349.º e 351.º do Cód. Civil.

11 – Em consequência, quer o contrato formalizado a fls. 30, quer o acto formal de mudança de entidade patronal documentado a fls. 31, quer eventuais contratos existentes entre o identificado DD e/ou a ‘CC’ com a R. BB, não podem deixar de ser declarados nulos, por visarem defraudar normas de carácter imperativo atinentes ao contrato de trabalho subordinado, por aplicação do art. 294.º do Cód. Civil.

12 – Como resulta, para além do mais, da Doutrina e Jurisprudência citada no corpo destas Alegações, que aqui se dão por reproduzidas;

13 – O que se requer seja declarado;

14 – O Acórdão recorrido violou, pois, as normas do art. 1.º da LCT; o art. 10.º do Código do Trabalho/2003 e os arts. 294.º, 349.º e 351.º do Cód. Civil, pelo que deve ser revogado, com as legais consequências.

A R. contra-alegou, pugnando pela confirmação do julgado.

Subidos os Autos a este Supremo Tribunal, a Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu Parecer em que propende no sentido da procedência da Revista.

As partes, dele notificadas, não ofereceram resposta.


Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.



II –

Fundamentação.


A – De facto.

Vem seleccionada das Instâncias a seguinte factualidade, que, não tendo sido posta em crise, nem justificando a nossa intervenção, assim se fixa:

1. Em 12 de Março de 1990 entre o A. e DD foi celebrado, por escrito, o acordo junto a fls. 30, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

2. A partir de 01.11.2001 o A. foi informado por DD que tinha constituído a sociedade ‘CC-…, Lda.’, que assumiria a qualidade de sua entidade patronal, tendo esta emitido em 25.02.2002 a " Declaração " junta a fls. 31, que aqui se dá por reproduzida.

3. Na sequência da celebração do acordo referido em 1, imediatamente o A. foi colocado a trabalhar nas oficinas dos … (T…) dos BB, situadas na Av. … (Edifício dos BB), na cidade de Coimbra, até princípios de 2002, tendo, a partir de então, mudado para o Edifício dos BB, em Taveiro, Coimbra.

4. O A. não autorizou a sua cedência à Ré BB.

5. O A. tinha a categoria profissional de mecânico auto de 1.ª, desenvolvendo as funções correspondentes, procedendo a todas as operações de manutenção e reparação das viaturas automóveis dos BB dentro e fora das oficinas.

6. Todos os instrumentos de trabalho, designadamente, maquinismos e ferramentas usados pelo A. pertenciam aos BB.

7. No desempenho das suas funções, ao longo dos anos, sempre o A. recebeu ordens e instruções do Chefe das oficinas, o Sr. EE.

8. Este Chefe das Oficinas organizava, dirigia e fiscalizava o trabalho das oficinas em representação dos BB, sob cuja autoridade, direcção e fiscalização, mediante retribuição, trabalhava.

9. O Sr. EE era um trabalhador que pertencia aos quadros de pessoal efectivo da Ré BB.

10. Nessa qualidade, o chefe EE dava ao A. e a todos os demais trabalhadores das oficinas as ordens e instruções para o desempenho concreto das funções, de manutenção e reparação de viaturas automóveis, bem como organizava e dirigia todo o trabalho.

11. Era também ele que recebia e autorizava as comunicações de faltas do A. e dos demais colegas de trabalho.

12. Era também a Ré, por intermédio de EE, que marcava os períodos em que os trabalhadores das oficinas e o A. gozavam as suas férias.

13. O poder disciplinar sobre todos os trabalhadores das oficinas estava delegado no EE.

14. O A. marcava o ponto diário em folhas próprias dos BB.

15. Quando era necessário fazer trabalho extraordinário, em especial aos Sábados, era o EE que o determinava.

16. Todo o material para executar as suas tarefas de manutenção e de reparação das viaturas era requisitado pelo A. em nome dos BB.

17. Também a recepção do serviço era efectuada em nome dos BB e em impressos próprios destes.

18. O A. tinha um cartão de identificação igual ao dos demais trabalhadores dos BB.

19. Tinha igualmente um " Livre-trânsito ", igual ao dos demais trabalhadores para circular, entrar e sair das instalações.

20. A roupa de trabalho, vulgarmente designada por "fato-macaco" tinha as cores dos BB, como a dos demais trabalhadores.

21. O A. não tinha quaisquer contactos com a ‘CC’ ou com o empresário em nome individual que a antecedeu e com quem celebrou o acordo referido em 1, a não ser o recebimento da sua retribuição mensal.

22. O gerente da ‘CC’ entregou ao A. a carta junta a fls. 32, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

23. O A. não aceitou tal comunicação.

24. Por esse facto, no dia 1 de Fev. de 2006, o A. apresentou-se no seu local de trabalho para aí desempenhar, como era habitual, as suas funções.

25. O A. foi impedido de trabalhar, pela Ré, através do respectivo chefe das oficinas, o qual lhe comunicou que estava dispensado do serviço e que não mais ali deveria comparecer.

26. À data (1 de Fev. de 2006), o A. auferia a retribuição mensal de € 740,00, a que acrescia um subsídio de alimentação de € 5,00 por cada dia de trabalho efectivo.

27. A ‘CC’ apenas pagava a retribuição ao A.

28. A Ré elaborou o contrato junto a fls. 136 a 143, cujo conteúdo aqui dou por integralmente reproduzido.

29. O A. prestava o seu trabalho nos locais referidos em 3.

30. O A. trabalhava nas oficinas referidas em 3 e cujos trabalhadores tinham um balneário afecto aos mesmos.



A questão primordial que nos vem colocada consiste em dilucidar e resolver com quem se estabeleceu a relação juslaboral protagonizada pelo A.

Dito de outro modo – e usando a expressão do A. – o que está em causa é, afinal, saber quem se encontra no lugar de entidade patronal.



B – Do Direito.

Na 1.ª Instância julgou-se a acção totalmente improcedente, com absolvição da R. ‘BB, S.A.’ dos pedidos contra si deduzidos (a 2.ª co-R. fora entretanto absolvida da instância, por declaração de desistência formulada pelo A., 'ut' fls. 56-57).

Considerou-se fundamentalmente que, incumbindo ao A. a prova dos factos constitutivos do seu direito, a factualidade estabelecida se mostrou insuficiente para demonstrar a existência de um vínculo laboral entre A. e R.


No Acórdão ora ´sub judicio' – que confirmou a sentença impugnada – lançou-se mão, no essencial, desta fundamentação:

“…(O) apelante arrima-se à tese de que os contratos celebrados com o aludido DD e a ‘CC’ são nulos, por terem por finalidade iludir as disposições legais atinentes ao contrato de trabalho.

Porém, e no que concerne a esta temática, a verdade é que nada foi alegado (nem provado) que permita concluir pela existência de qualquer conluio entre o primeiro – e pelo menos formal empregador – e os BB, para ocultar o verdadeiro empregador.

E com todo o respeito por opinião diversa, nem através de presunções judiciais (art. 349.º do Cód. Civil) ousamos ‘dar o salto’ de concluir pela invocada fraude somente com base no facto de o A. trabalhar para os BB, embora quem lhe pagasse a remuneração fosse um terceiro, que não recebia a prestação do labor por aquele exercido.

Pelo que, por esta via, não se pode chegar à conclusão de que o primitivo contrato seja nulo e, consequentemente, à ‘extensão’ de tal nulidade para a ‘CC’.

Também o A. refere que, a tratar-se de uma cedência, esta era ilícita, porque não ocasional, e porque o A. não lhe deu o seu acordo.

Contudo, mesmo seguindo esta tese, não se pode chegar (…) à conclusão pretendida.

…A ter existido tal cedência, esta era manifestamente ilícita por muitos factores e desde logo porque feita sem a concordância do trabalhador (art. 27.º, n.º1, c), do Decreto-Lei 358/89, de 17/10, que vigorava na altura, devendo ainda ver-se o disposto no art. 324.º, c), do C.T./2003,que mantém o mesmo regime).

…Concluímos que perante a factualidade dada como assente – e sabendo-se que o ónus da prova desse convénio impendia sobre o recorrente, tem que se decidir que não pode ser acolhida a pretensão do recorrente’.


Tudo visto.

Os contornos da questão equacionada são realmente insólitos, incomuns.

Independentemente da solução jurídica do pleito, a final, importa ficar a saber quem era, na prática, ante o quadro de facto acima delineado, o real empregador do A., assente que este celebrou, por escrito, o acordo/’contrato a termo certo’ com o tal DD.

(Em 12 de Março de 1990 foi celebrado entre o A. e DD o acordo escrito junto a fls. 30, tendo o A. sido imediatamente colocado a trabalhar nas oficinas dos T…, dos BB, onde exerceu as funções da sua profissão até 1 de Fevereiro de 2006).


Diremos que não é dirimente, para o efeito, a mera intervenção formal da pessoa que, como tal, figura no documento então subscrito, e que, no caso, assegurou directamente o pagamento mensal da retribuição, quando o trabalhador não teve, durante cerca de 16 anos, qualquer outro contacto com quem o contratou, nunca lhe tendo prestado qualquer actividade relacionada com a sua profissão.

(Bastará lembrar, dentre outras situações possíveis, um cenário de simulação – …que a factualidade alegada e aqui estabelecida não chega para bem caracterizar – com interposição fictícia de outras pessoas, em que o cedente não passa de um testa de ferro, sendo o cessionário o verdadeiro empregador, caso-limite referido por Júlio Vieira Gomes[1] quando reflecte sobre a proximidade entre as duas figuras (trabalho temporário/cedência ocasional, cujo traço comum é a dissociação entre a pessoa do empregador e a pessoa que exerce, em concreto, o poder de direcção), e a possibilidade de a cedência ocasional se prolongar, repetida mas ilicitamente, a coberto da prevista disponibilização temporária e eventual, no âmbito do disposto nos arts. 322.º e 327.º/6 do Código do Trabalho/2003).

Subsequentemente, importa indagar a que título e com que suporte legal o A., contratado por um terceiro, iniciou a sua prestação imediatamente ao serviço da R., sob cuja autoridade e direcção, desenvolveu a sua actividade, ininterruptamente, por tão dilatado período.

Visa a operação preliminar enunciada o objectivo de perceber o alcance, no ‘plano genético’ da contratação,[2] do acordo entre os outorgantes, nomeadamente para se poder concluir, ou não, pela mera intermediação do ‘empregador’ formal.

Isto porque se mantém a justeza do entendimento jurisprudencial firmado no Acórdão deste Supremo Tribunal, de 4 de Maio de 2005 (in www.dgsi.pt, Proc. n.º 04S1505), cujo sumário reflecte o sentido da decisão, e segundo o qual: ‘I – (a) questão de determinar a entidade a quem o trabalhador está laboralmente vinculado não pode ater-se à identificação da entidade patronal em sentido formal (pessoa jurídica que outorga o contrato escrito), exigindo-se ao intérprete uma análise exaustiva do comportamento das partes na execução do contrato, de modo a identificar a entidade sob cujo poder de direcção o trabalhador presta a sua actividade heterodeterminada.

II – Estando provados factos demonstrativos de que o A. desenvolveu a sua actividade profissional integrado em estrutura organizativa de uma empresa, a par dos demais trabalhadores denominados ‘efectivos’ desta, e sujeito às ordens, direcção e fiscalização da mesma, deve considerar-se que a prestação de trabalho do A. se prestou de forma juridicamente a ela subordinada’.

Ao A./trabalhador bastará, enquanto seu ‘onus probandi’ – como também se estabeleceu no mesmo Aresto, 'ut' ponto VII do respectivo sumário – a alegação e demonstração dos factos constitutivos do vínculo laboral duradouro, pertencendo ao Tribunal as tarefas de qualificação jurídica que interessem à composição do litígio.


Vamos ver.

B.1 – Da relação juslaboral.

Nos termos da noção legal vigente ao tempo (art. 1.º do Decreto-Lei n.º 49.408, de 24.11.1969, coincidente, literalmente, com o teor do art. 1152.º do CCv.), o contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta.


Da sua fisionomia matricial, enquanto acordo vinculativo constituído por um complexo feixe de direitos e deveres recíprocos, relevam a prestação de um actividade e a respectiva retribuição, sendo a característica subordinação jurídica (‘sob a autoridade e direcção de’) o reverso do poder directivo do empregador[3], entendido este como o de conformar, através de comandos e instruções, a prestação a que o trabalhador se obrigou.


Daí que, no âmbito da visão clássica de uma relação de trabalho subordinado, em que figuram como sujeitos um empregador e um trabalhador, não faça sentido admitir que um trabalhador não se disponibilize para prestar um certo tipo de actividade, (que interessa, pela ordem natural das coisas, a quem a contratou), que não concorde em executá-la nos termos em que o empregador, dentro de certos limites, entenda dever organizá-la e geri-la e, menos, que este não intervenha, mais ou menos directa e activamente, exercendo o seu poder directivo (nas duas vertentes em que o mesmo se subdivide, segundo alguns autores: o poder determinativo da função e o poder conformativo da prestação).


Dos factos de que dispomos, salta logo à vista que, durante os 16 anos da sua prestação, nem um dia sequer o A. exerceu as suas funções para o indivíduo que figura no acordo escrito, de fls. 30, como primeiro outorgante.

Quem lhe deu ordens e instruções – desde sempre, nesta circunstância – foi o Chefe das oficinas da R. onde iniciou a prestação contratual em causa.

Era este, EE, trabalhador que pertencia aos quadros de pessoal efectivo da R. e sob cuja autoridade e direcção trabalhava, que organizava, dirigia e fiscalizava todo o trabalho das oficinas, em representação dos ‘BB’.

Era ele também quem recebia e autorizava as comunicações de faltas do A. e demais colegas de trabalho, sendo ainda através dele que a R. marcava os períodos de férias dos trabalhadores das oficinas.

O poder disciplinar sobre todos os trabalhadores das oficinas estava delegado no EE, sendo este que determinava quando era necessário fazer trabalho extraordinário, em especial aos sábados.

O A. marcava o ponto, diariamente, em folhas próprias dos ‘BB’, a quem pertenciam todos os maquinismos e ferramentas usadas por aquele.

Tinha um cartão de identificação e um ‘livre trânsito’, iguais aos demais trabalhadores da R., usando roupa de trabalho com as cores dos ‘BB’, como os outros trabalhadores desta.


Portanto, todos os poderes do empregador sempre foram exercidos por quem precisava realmente da contratada actividade profissional do A.

Afinal, a R.

Em relação ao figurino do emprego clássico, (em que o empregador é simultaneamente quem busca e selecciona o trabalhador, quem figura na posição de outorgante, quem deve/paga a retribuição, detém os poderes directivo, regulamentar e disciplinar e é afinal o credor da prestação do trabalho), a R., aqui, apenas não recrutou o trabalhador, sendo que também não era quem lhe pagava a retribuição.


Sem significar que a retribuição, neste contrato oneroso, não seja pressuposto essencial, o certo é que o núcleo duro do contrato, o seu objecto, consubstanciado no comutativo cumprimento da obrigação de prestação da actividade e no exercício do poder directivo e seu reverso, nada teve a ver, na prática execução do mesmo, ao longo de 16 anos, com o DD, cuja intervenção se limitou, como se disse, a duas funções/momentos: a outorga, no acordo escrito, e o regular ‘pagador’ da retribuição.

(A Jurisprudência deste Supremo Tribunal não exclui, antes admite, que o pagamento da retribuição e/ou a realização de outras diligências possa ser efectuado por outrem, como no caso, sem que isso ponha em causa a natureza laboral da relação entre o trabalhador e o dador de trabalho – cfr. citado Acórdão de 4.5.2005 e o Aresto neste referido, de 7.10.2004, também deste S.T.J., tirado na Revista n.º 1002/04, desta 4.ª Secção).


Mostram-se, pois, evidenciados, com suficiência bastante, os factos constitutivos do vínculo laboral duradouro, com prestação de actividade funcional ininterrupta e sujeição/subordinação jurídica do A. à aqui R., durante toda a constância da relação, subsistindo inexplicadas aquelas faladas intervenções, a constituírem, no mínimo, – como atentamente pondera o Exm.º Magistrado do M.º P.º, a fls. 312, com a inteira concordância da Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo Tribunal – …’boas razões para acreditar que a realidade do vínculo laboral do recorrente divergiu da sua aparência durante toda a sua execução’.


É, pois, seguro afirmar-se, ante a factualidade relembrada, que a prestação de trabalho do A. foi realmente executada, durante todo o longo tempo da relação em causa, de modo juridicamente subordinado à R., em cuja estrutura organizativa se mostrava plenamente integrado.



Mas o A. foi formalmente contratado, a termo certo, pelo falado DD!

Falta saber – não está explicada, nem se alcança facilmente do que vem factualizado, sendo de excluir, por insuficiência de elementos de facto, a equação de cenário fraudatório – a razão por que foi logo colocado ao serviço da R., nas sobreditas circunstâncias.


B.2 – O acordo (‘contrato a termo certo’) documentado a fls. 30.

Cedência do trabalhador. Validade e consequências.

Tendo sido celebrado o acordo em epígrafe, entre DD e o A., com data de 12 de Março de 1990 – cuja validade, pelo sobredito, não se questiona – resta ora averiguar a que título foi o A., imediatamente após, e até princípios de 2002, colocado a trabalhar para a R. nas oficinas situadas na Av. …, Coimbra, e, depois, no edifício dos ‘BB’, em Taveiro/Coimbra.

Apesar da alegação de que o referido DD (e depois a sociedade ‘CC’, em que figurava como seu sócio-gerente) detinha com a R. um contrato de prestação de serviço – no âmbito do qual aquele/a se comprometia (…) a efectuar trabalhos de mecânica para esta – nada de factualmente válido e prestável vem adrede demonstrado, tendo-se limitado a R. à junção, na sede e tempo devidos, de uma proposta de ‘contrato de prestação de serviços e contrato de comodato’ (a fls. 136 e sts.), com data de 1 de Fevereiro de 2005 (quinze anos depois de ter recebido o A. ao seu serviço!), assinada por um suposto 1.º outorgante, documento apenas referido no elenco da factualidade relevante como tendo por si elaborado, sem outra menção, valor e/ou alcance.

(Mesmo que provada a invocada existência de uma relação contratual da R. com o falado DD/’CC’, sempre ficariam ‘a descoberto’ os anos decorridos desde 1990 a 2005).

Ora, não se prefigurando o cenário do invocado convénio entre a R. e o DD, mas não podendo ignorar-se que o A. fora contratado original/formalmente por este – excluída, por óbvias razões, a hipótese de uma triangulada relação no âmbito do instituto do trabalho temporário – a situação sujeita aproximar-se-á daquilo a que vulgarmente se designa por empréstimo de mão-de-obra, sendo que, neste quadro, a única situação legalmente regulada é a da cedência ocasional de trabalhadores[4], em cujo regime jurídico/disciplina buscaremos, pois, a solução para o desenhado litígio.

A cedência temporária, em sentido próprio, – como o caracteriza a autora citada, Maria Regina Redinha, 'ut' nota 3, ibidem – analisa-se normalmente num contrato através do qual uma empresa cede provisoriamente a uma outra, usualmente integrada no mesmo sector de actividade económica, um ou mais trabalhadores, conservando, no entanto, o vínculo juslaboral estabelecido e a consequente qualidade de empregador.

Nestes casos, a empresa cedente não tem por actividade o reenvio de trabalhadores para outras organizações produtivas, surgindo acidentalmente a cedência de mão-de-obra, ao invés do que sucede com as ETT (empresas de trabalho temporário), cujo escopo é precisamente esse.

(Nos termos da noção adiantada no Código do Trabalho de 2003 – art. 322.º e seguintes, adiante referidos mais detidamente – a cedência ocasional de trabalhadores consiste na disponibilização temporária e eventual do trabalhador do quadro de pessoal próprio de um empregador para outra entidade, a cujo poder de direcção o trabalhador fica sujeito, sem prejuízo da manutenção do vínculo contratual inicial).

Aquando do formalizado acordo entre o A. e o DD, em Março de 1990, vigorava já o Decreto-Lei 358/89, de 17 de Outubro, (com duas alterações posteriores, introduzidas pela Lei n.º 39/96, de 31 de Agosto, e pela Lei n.º 146/99, de 1 de Setembro), que veio institucionalizar e disciplinar, entre nós, pela 1.ª vez, o trabalho temporário.

Visou o legislador de então, como deflui dos considerandos do preâmbulo do diploma, criar um instrumento de gestão empresarial …’para a satisfação de necessidades de mão-de-obra pontuais, imprevistas ou de curta duração’.

E, no que tange ao mercado de emprego, assumiu-se igualmente como uma resposta relevante de ‘regularização por permitir a absorção de mão-de-obra para serviços ou actividades que, de outra forma, ficariam eventualmente por realizar’.

Como lembra Monteiro Fernandes[5], o fenómeno da cedência de pessoal é considerado pela Lei em duas modalidades: a do trabalho temporário, como objecto de uma actividade empresarial, e a cedência ocasional de trabalhadores de uma empresa a outra.

Esta última é a modalidade atípica, em princípio ilícita e proibida, circunscrita a casos excepcionais – arts 9.º. 26.º e 27.º do falado diploma.

Todavia, a cedência ocasional poderá vir a ser praticada, segundo este autor, como um meio de flexibilidade, aproveitamento ou rentabilização na gestão de efectivos permanentes excedentários de grupos de empresas, em contextos específicos, v.g., de no ‘quadro de colaboração entre empresas jurídica e financeiramente associadas ou economicamente interdependentes’.

Retomando:

No caso, como se adiantou já, está fora de dúvida que o empregador formal fosse uma ETT, empresa cuja constituição é legalmente condicionada por um apertado conjunto de requisitos e exigências, tendo o seu incumprimento, como consequência mais relevante, a consideração legal da existência de contrato de trabalho de duração indeterminada, com responsabilização do utilizador – n.º3 do art. 16.º.

A cedência de trabalhadores do quadro de pessoal próprio para utilização de terceiros que sobre esses trabalhadores exerçam os poderes de autoridade e direcção próprios da entidade empregadora – disciplina encaixada nos arts. 26.º a 30.º do Decreto-Lei n.º 358/89, depois incluída no Código do Trabalho de 2003, no Capítulo VII, relativo às ‘Vicissitudes contratuais’, sob os arts. 322.º e seguintes – é, por regra, proibida, conforme princípio geral proclamado no n.º1 do art. 26.º.

‘O princípio geral nesta matéria é a proibição da cedência temporária ou definitiva de trabalhadores…princípio que exprime – nas palavras de Regina Redinha, loc. cit. – o carácter anómalo da cisão entre titularidade e utilização na relação de trabalho.

No caso, a cedência de facto, que a materialidade retida patenteia – não preenchendo embora, minimamente, os requisitos legais da cedência ocasional de trabalhadores – perdurou por vários anos, com a certeza de que o A. nunca a autorizou.

Sendo inequivocamente ilícito o expediente usado, consubstanciado na factualizada cedência do A. à R. ‘BB’, quais as consequências dessa ilicitude?

A resposta alcança-se por interpretação extensiva do art. 30.º/1 do Decreto-Lei n.º 358/89 (com previsão homóloga no art. 329.º do Código do Trabalho/2003): a situação confere ao trabalhador ‘cedido’ o direito de optar pela integração no efectivo do pessoal da empresa cessionária, no regime de contrato de trabalho sem termo[6].

É certo que, nos termos do n.º2 da(s) norma(s), o direito de opção tem um momento para ser exercido, mas no pressuposto quadro da hipótese legal, ou seja, ante a verificação formal dos requisitos enumerados nos arts. 26.º/2, c), 27.º e 28.º.

Porém, no contexto em causa, o termo da cedência de facto não pode deixar de corresponder ao momento em que o ‘cedente’ comunica ao trabalhador/A. a cessação da relação, e este a repudia desde logo, apresentando-se no local de trabalho de sempre, para aí prosseguir, como era habitual, o desempenho das suas funções.

Esse momento da apresentação no seu local de trabalho é simultaneamente o da manifestação/exercício do direito potestativo de opção, que assume necessariamente a significação acima descrita.

Em 1.2.2006, o A., ao apresentar-se no seu local de trabalho para o normal desempenho das suas funções, foi impedido de trabalhar pela Ré, através do respectivo chefe de oficinas, o qual lhe comunicou que estava dispensado do serviço e que não mais ali deveria comparecer – factos sob os n.ºs 24 e 25 do alinhamento constante da fundamentação de facto.

Na sequência do sobredito, tal situação equipara-se, para todos os efeitos, à de um despedimento ilícito, uma vez que a assumida conduta implicou a cessação unilateral da relação juslaboral sujeita, sem justa causa e precedência de procedimento disciplinar – arts. 429.º, a), 436.º, b) e 437.º/1 do Código do Trabalho/2003.

O A. pediu a reintegração no seu posto de trabalho, com antiguidade reportada a 12.3.1990 e com a categoria profissional de mecânico auto de 1.ª, o pagamento das prestações vincendas e ainda, além dos juros sobre todas as quantias em dívida desde o seu vencimento e até efectivo pagamento, a condenação da R. no pagamento de uma sanção compulsória de montante não inferior a € 100,00 por cada dia de atraso no cumprimento da condenação.

Tratando-se, com se trata, de uma obrigação de facere, de prestação de facto infungível, que só pode ser cumprida pela própria R., – notoriamente havida como uma grande empresa, bem estruturada e sobriamente implantada no mercado – e visto o disposto nos n.ºs 1 a 3 do art. 829.º-A do Cód. Civil, o Tribunal deve, a requerimento da parte credora, condenar o devedor ao pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento, a fixar segundo critérios de razoabilidade.

III

Pelo exposto, delibera-se conceder a Revista e, em consequência:

- Revoga-se o Acórdão recorrido;

- Sendo proibida, por regra, a cedência de trabalhadores e, por isso, ilícita a relação de cedência de facto do A. à R. – relação essa que perdurou por todo o tempo do exercício da sua actividade, qualificada como um convénio juslaboral por tempo indeterminado, com início reportado a 12.3.1990, que a R. fez cessar, unilateralmente, a 1.2.2006, sem justa causa previamente averiguada em procedimento disciplinar, nos descritos termos – condena-se a R. a reintegrar o A. no seu posto de trabalho, com a antiguidade reportada à data do início da relação e a categoria profissional de mecânico auto de 1.ª, bem como a pagar-lhe todas as prestações salariais vencidas e vincendas desde 30 dias antes da propositura da acção e até ao trânsito em julgado da decisão, com juros de mora, à taxa legal, sobre as quantias em dívida, devidos desde o seu vencimento e até efectivo pagamento;

- Condena-se a R. no pagamento da importância de € 100,00 (cem euros), a título de sanção pecuniária compulsória, por cada dia de atraso no cumprimento da condenação de reintegração.

Custas pela R. nas Instâncias e no Supremo Tribunal.



Lisboa, 30 de Junho de 2011


Fernandes da Silva (Relator)

Gonçalves Rocha

Sampaio Gomes

_____________________
[1] ‘Direito do Trabalho’, Volume I, pg. 838.
[2] Vide Bernardo Lobo Xavier, ‘Curso de Direito do Trabalho’. Verbo, pg. 291
[3] Na expressão de João Leal Amado, ‘Contrato de Trabalho à luz do novo Código do Trabalho’, Coimbra Editora, 2009, pg.55.
[4] Seguimos, de perto, o Estudo da autoria de Maria Regina Gomes Redinha, ‘A Relação Laboral Fragmentada’, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, pg. 152/ss.
[5] ‘Direito do Trabalho’, 13.ª edição, pg.164.
[6] Nesse sentido Regina Redinha, ibidem, pg. 156. Ver ainda anotação ao art. 329.º do ‘Código do Trabalho’, Pedro Romano Martinez & outros, 5.ª Edição, 2007.

http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/34c8a637ecdefde9802578c3003e4f3b?OpenDocument

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