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quarta-feira, 31 de agosto de 2011

CORRUPÇÃO PASSIVA, FRAUDE FISCAL, BRANQUEAMENTO DE CAPITAIS - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa - 13/07/2010

Acórdãos TRL
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
712/00.9JFLSB.L1-5
Relator: CARLOS ESPÍRITO SANTO
Descritores: CORRUPÇÃO PASSIVA
ABUSO DO PODER
FRAUDE FISCAL
BRANQUEAMENTO DE CAPITAIS
TRIBUNAL DE JÚRI
JUNÇÃO DE DOCUMENTO
PARECERES
ALTERAÇÃO SUBSTANCIAL DOS FACTOS
EFEITO À DISTÂNCIA
PRESCRIÇÃO
NOTÍCIA DA INFRACÇÃO

Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 13-07-2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S

Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO PARCIAL

Sumário: I - Os crimes de corrupção e os crimes de abuso de poder não podem ser julgados por tribunal de júri. A norma que o impede não foi revogada nem é inconstitucional.
II - Um crime de branqueamento de capitais se, nos termos em que está acusado, revestir complexa organização e grande danosidade (se puder pois considerar-se como estando abrangido no conceito de criminalidade altamente organizada), também não pode ser julgado por um tribunal de júri. Tal como não o pode ser se, nos termos em que está acusado, tiver sido praticado por um titular de cargo político no exercício das suas funções.
III – Documentos que digam respeito à interpretação de conceitos técnicos usados pelo acórdão recorrido podem ser juntos com o recurso, pois que sempre poderiam ser transcritos no texto do recurso.
IV – Pareceres jurídicos que se reportem às posições jurídicas tomadas no acórdão recorrido podem ser juntos com o recurso.
V - As condutas que podem integrar o crime de corrupção passiva têm de consubstanciar o exercício do cargo, mas poderão importar a simples actuação de meros ‘poderes de facto’ decorrentes da posição ‘funcional’ do agente (Prof. Manuel da Costa Andrade).
VI - O crime de corrupção passiva é um crime instantâneo - que se consuma, em caso de solicitação, no momento em que ela chega ao conhecimento da outra parte e, em caso de aceitação, no momento em que a disponibilidade para aceitar, manifestada pelo funcionário, chega ao conhecimento do “corruptor”, com a aceitação do suborno - e não um crime permanente ou duradouro (Professores Manuel da Costa Andrade e Germano Marques da Silva).
VII - O crime de corrupção não é um crime de resultado cortado, mas sim um crime tipicamente de resultado, pelo que não lhe pode ser aplicada a norma do art. 119/4 do CPP, pois que esta diz respeito a crimes tipicamente formais.
VIII – Quando a supressão de factos leva a que um crime só se possa dizer consumado em 1996, quando, com aqueles factos, se tinha de considerar consumado em 1992, há uma alteração substancial de factos, que só pode ser tomada em conta se se cumprirem as normas do art. 359, nº.s 2 e 3 do CPP.
IX - O art. 7 do CPP permite o conhecimento de questões não penais no e para efeitos do processo penal e isso justifica-se materialmente, não pondo em causa a competência dos tribunais administrativos.
X – Para o preenchimento do crime de abuso de poderes: a) tem de haver um acto de abuso de poderes ou de violação de deveres que tem de manifestar-se exteriormente através da lesão do bom andamento e imparcialidade da administração; b) acto esse que tem de ser praticado com a intenção de obter uma vantagem ilícita ou prejudicar alguém (neste sentido, Profª Paula Ribeiro de Faria).
XI – Não pratica este crime, o agente de quem não se pode dizer que tenha praticado determinados actos com vista a receber uma doação de um terreno.
XII – Depois de 01/01/2002, é possível considerar - indo-se mais longe do que aquilo que, para o período anterior, já o Prof. Almeida e Costa defendia - sem prejuízo das questões que tenham a ver com a adequação social da conduta, que um funcionário ou titular de cargo político que aceite prendas dadas por pessoa que perante ele tenha tido, tenha ou venha a ter qualquer pretensão dependente do exercício das suas funções, comete um crime de corrupção passiva do art. 373/2 do CP ou 17/2 da Lei 34/87. No caso deste processo, os factos são anteriores a tal data e o arguido não vinha acusado por este crime relativamente a estes factos.
XIII - O crime de fraude fiscal praticado pelo arguido tem as características necessárias para poder ser considerado uma escroquerie fiscale no sentido do direito suíço e uma fraude fiscale (= art. 186 da LIFD).
XIV - A Suíça concedeu a assistência para prova do crime de fraude fiscale (podendo entender-se que o fez limitadamente e partindo do princípio de que se tratava de uma fraude fiscale e uma escroquerie fiscale ou também porque a fraude fiscale era invocada em simultâneo com o branqueamento fiscal) e para o crime de branqueamento de capitais e a prova fornecida serviu de facto para prova destes dois crimes.
XV - O facto de não ser admissível – e de não ter sido admitido - recurso da decisão que se pronunciou sobre a questão da proibição da prova, no despacho de pronúncia, não implica que tal despacho tenha feito caso julgado sobre a questão, pelo que a questão da utilização de provas proibidas, na decisão final, continua a poder ser colocada legitimamente e dela há que conhecer.
XVI - Uma condição de utilização de um documento, não corporiza uma proibição de prova, se no caso não está em causa qualquer questão de afronta à dignidade humana, à liberdade de decisão ou de vontade ou à integridade física ou moral das pessoas, como o revela também o facto de a autorização da utilização poder ser concedida para outro tipo de situações que nada têm a ver com crimes.
XVII - O arguido confirmou, de forma livre e esclarecida (até por estar representado, como não podia deixar de ser, por advogado e também por ter antes sido notificado de um outro acórdão no qual se faz referência à doutrina do Tribunal Constitucional no sentido da validade da confissão apesar de ser subsequente a uma prova declarada nula…), no essencial, quase todos (com uma excepção considerada a seguir) os factos objectivos que foram considerados necessários para o preenchimento do crime de fraude fiscal e de branqueamento de capitais, pelo que todos estes factos poderiam ser considerados provados com base naquelas declarações [ao abrigo da restrição do efeito-à-distância, na espécie de “mácula dissipada” (purged taint limitation)].
XVIII - A questão da propriedade da totalidade do dinheiro depositado nas contas bancárias nacionais e suíças, foi apenas parcialmente confirmada pelo arguido. Na parte em que o não foi, todos os elementos de prova e as regras da experiência comum e da lógica das coisas invocadas pelo tribunal, descontados os documentos suíços, permitiriam à mesma considerar que o dinheiro depositado na Suíça era todo do arguido (e não da irmã do arguido ou do seu sobrinho e mulher), tal como a igual conclusão chegou o tribunal quanto ao dinheiro depositado nas contas bancárias nacionais de terceiro embora não tivesse para tal o documento suíço que está em causa [pelo que estaria aqui a coberto de outra restrição do efeito-à-distância, na espécie da “descoberta inevitável” (inevitable discovery limitation)].
XIX - Parafraseando o Prof. Germano Marques da Silva, o que releva para efeito da fraude fiscal são os valores que devam constar das respectivas declarações a apresentar à administração tributária, o que, afasta o englobamento periódico para além da periodicidade de cada declaração, nos termos da lei. Ou seja, um crime por cada declaração/ano. Depois pode ser ou não ser possível unificar tais condutas num crime continuado (art. 30/2 do CP). Se for, fica-se com um único crime continuado, a ser punido nos termos do art. 79/2 do CP. Se não for, fica-se com uma pluralidade de crimes a serem punidos em concurso, nos termos do art. 79/1 do CP.
XX - Como a norma do art. 103/3 do RGIT não pode deixar de ser considerada, sempre teria que ser considerado o valor de cada declaração, por cada ano, para ver se, em relação a cada uma delas, era ou não ultrapassado o limite da criminalização da conduta previsto no nº. 2 do art. 103.
XXI - O prazo de prescrição dos crimes fiscais é de 5 anos (arts. 15/1 do RJIFNA e 21/1 do RGIT). Como o 1º acto com capacidade de interromper a prescrição só ocorreu com a constituição de arguido (09/06/2005), todos os crimes fiscais anteriores a 09/06/2000 estão prescritos.
XXII – (…) são por demais conhecidos os óbices levantados à utilização da pena de multa neste tipo de criminalidade… para que se possa prescindir da pena de prisão. Esta será, em abstracto, a pena mais adequada por ser a única capaz (eficácia) de responder às necessidades, por vezes acrescidas, de promover a consciência ética fiscal, não se lhe podendo assacar, por seu turno, os efeitos criminógenos que normalmente andam ligados ao cumprimento deste tipo de pena. Para além disso, fazendo apelo aos factores da sensibilidade à pena e susceptibilidade de ser influenciado pela pena…, penas curtas de prisão, bem como pequenas variações quantitativas de pena, são susceptíveis de produzir aumentos exponenciais de taxas de eficácia. (…) Acresce o requisitório contra as penas curtas de prisão perde aqui muita da sua força: os efeitos dessocializadores que lhe andam ligados, na maior parte dos casos, não se fazem sentir ou são substancialmente minorados - o destinatário da pena ou é imune a esses efeitos ou é detentor de um maior potencial de delabelling (Prof. Anabela Miranda Rodrigues).
XXIII - Quanto à substituição da pena, por um lado, não existem quaisquer razões fundadas e sérias que levem a crer que o arguido, de futuro, por ter pendente a ameaça da execução da pena e ter sido alvo da censura que a pena representa, não cometerá novos crimes. Mas mesmo que fosse de concluir em sentido contrário, exigências mínimas de prevenção geral opor-se-iam a isso.
XXIV - Aquilo que se provou não permite concluir que os crimes de fraude fiscal e de branqueamento de capitais - que não estão previstos na lei penal geral com referência expressa ao exercício de funções de titulares de cargos políticos -, se mostrem terem sido praticados com flagrante desvio ou abuso da função ou com grave violação dos inerentes deveres.
XXV - A aplicação do art. 22/2 do RGIT não implica a suspensão do processo.
XXVI - O nº. 4 do art. 42 do RGIT não prevê uma condição de procedibilidade consubstanciada na prévia “liquidação dos impostos”. Esse artigo versa sobre a duração do inquérito e seu encerramento e o nº 4 fala em “situação tributária da qual dependa a qualificação criminal dos factos” e a expressão “situação tributária” referida no art. 4/2 e 4 do RGIT nem sempre é sinónimo de “liquidação tributária” (acórdão, do TRC, de 13/05/2009, publicado sob o nº. 33/05.0JBLSB-L.C1 da base de dados do ITIJ).
XXVII - A caducidade do direito à liquidação é a caducidade do direito à liquidação da obrigação tributária, não da liquidação do valor que o arguido evitou pagar com o cometimento do crime e na qual foi – bem - condenado.
XXVIII - “[…] sendo de natureza pública o crime, deve considerar-se, com a sua notícia, imediatamente impedido ex lege o início do prazo de prescrição por estarem franqueadas para o lesado não só o exercício da acção cível em conjunto com a acção penal como ainda a faculdade de exercício da acção cível em separado com o aproveitamento de todas as faculdades consideradas no artigo 72 do CPP, não carecendo o lesado de exprimir, como sucede quando a acção penal depende de queixa, uma intenção de exercício do direito à indemnização que não pode deixar de se presumir (artigos 323/1 e 350/1 do CC). Deve, por conseguinte, pendente inquérito por crime público (…), aguardar-se o desfecho do inquérito só então se iniciando (com o arquivamento ou com a acusação) o prazo de prescrição a que alude o artigo 498 do CC, considerando que só a partir desse momento o lesado tem encerradas ou definitivamente abertas as portas para o exercício da acção cível em conjunto com a acção penal […]” (ac. do STJ de 13/10/2009, publicado sob o nº. 206/09.7YFLSB da base de dados do ITIJ).

http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/4ea124142619cd83802577740038bf4d?OpenDocument&Highlight=0,CORRUP%C3%87%C3%83O,PASSIVA

terça-feira, 30 de agosto de 2011

CONDUÇÃO PERIGOSA DE VEÍCULO RODOVIÁRIO, RECONSTITUIÇÃO NATURAL - Acórdão do Tribunal da Relação de Évora - 21-06-2011

Acórdãos TRE
Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1115/02.6TAFAR.E1
Relator: JOÃO GOMES DE SOUSA
Descritores: CONDUÇÃO PERIGOSA DE VEÍCULO RODOVIÁRIO
OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA POR NEGLIGÊNCIA
DANOS PATRIMONIAIS
PRIVAÇÃO DE USO DE VEÍCULO
RECONSTITUIÇÃO NATURAL
JUROS DE MORA

Data do Acordão: 21-06-2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S

Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDOS

Sumário: 1 - Em sede de pedido cível deduzido em processo penal é irrelevante saber se o documento foi ou não impugnado, necessário é saber se os factos são relevantes para o objecto do processo e se o tribunal deu esses factos como provados após uma global apreciação dos meios de prova sopesados.

2 -O dano biológico, enquanto dano futuro, deve ser qualificado como dano patrimonial.

3 - A privação do uso de um veículo constitui um ilícito que causa um dano indemnizável, desde que provado o seu uso.

4 - O princípio base indemnizatório é a reconstituição natural e essa reconstituição natural passa pela reparação do veículo desde que esta se não mostre excessivamente onerosa, mas que pode ser superior ao valor de “salvado”.

5 - Os critérios definidos nas Portarias nº 377/2008, de 26-05 e 679/2009, de 25-06 são meramente orientadores de valores razoáveis para efeito de apresentação aos lesados por acidente automóvel, com o objectivo último de evitar a judicialização de conflitos e não afastam a fixação de valores de indemnização superiores aos propostos.

6 - Pretende-se a agilização de apresentação de propostas razoáveis de compensação e não a fixação definitiva de valores indemnizatórios.

7 - Na fixação de juros moratórios impera a jurisprudência obrigatória do acórdão nº 4/2002 (Processo nº 1508/2001 — 1ª Secção) do STJ de 9 de Maio de 2002: “Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do n. 2 do artigo 566º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805º, n. 3 (interpretado restritivamente), e 806º, n. 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação”.

8 - Se os danos patrimoniais foram contabilizados pelo valor dos bens à data do sinistro ou antes de prolatada a sentença recorrida, haverá que fazer operar as regras básicas da constituição em mora.


Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes que compõem a 2ª Secção Criminal da Relação de Évora:

A - Relatório:

Nos autos de processo comum, perante tribunal singular, que correu termos no Tribunal da Comarca de Faro – 2º Juízo Criminal - foi lavrada sentença que julgou procedente, por provada, a acusação deduzida contra o arguido IS, …, com residência…., em Faro, a qual lhe imputava a prática dos factos descritos na acusação de fls. 126 a 129 dos autos, os quais em seu entender são susceptíveis de integrar a prática de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelo art. 291º, nº 1, al. b) do Cód. Penal, um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art. 292º, nº 1 do Cód. Penal e um crime de ofensa à integridade física por negligência, p. e p. pelo art. 148º, nº 1do Código Penal.

A fls. 115 a 117, o Hospital Distrital de Faro deduziu pedido de indemnização civil contra o Fundo de Garantia Automóvel e IS, peticionando a condenação destes a pagar-lhe a quantia de € 2.994,33, acrescida de juros de mora, que se vencerem na pendência do pedido de indemnização civil, desde a notificação dos demandados para contestarem o pedido de indemnização, querendo, com custas e procuradoria.

A fls. 123, NB deduziu acusação particular contra o arguido, por adesão à acusação deduzida pelo Mº Pº a fls. 104 a 107, com excepção da parte respeitante ao sentido de marcha dos veículos indicada na acusação, por ser o contrário do indicado, tendo nessa sequência pelo Mº Pº sido deduzida nova acusação a fls. 126 a 129, corrigindo o lapso.
A fls. 138 a 144, NB deduziu pedido de indemnização contra o Fundo de Garantia Automóvel e IS, peticionando a condenação destes a pagar-lhe a indemnização global de € 184,735,42, sendo € 163.000,00 a título de dano patrimonial futuro decorrente de I.P.P., € 4521,48, a título de danos patrimoniais por lucros cessantes, € 2.250, por danos patrimoniais no veículo de matrícula ---, € 14.963,94, a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.

A fls. 682 a 689 (original a fls. 697 a 700), a assistente NB deduziu alteração ao pedido de indemnização civil por si deduzido, reduzindo o valor global peticionado para € 62.721,46, sendo € 21.717,10 a título de dano patrimonial futuro, decorrente da IPP, € 8.754,36, a título de lucros cessantes, € 2.250,00 por danos patrimoniais do veículo de matrícula --- e € 30.000,00 a título de danos de natureza não patrimonial. Juntou documentos.

A final decidiu o tribunal recorrido:

1) - Julgar a acusação procedente, por provada e, em consequência condenar o arguido, IS pela prática, como autor material, de um crime de ofensa à integridade física por negligência, p. e p. pelo art. 148º, nº 1 do Código Penal (em concurso aparente com o crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelo art. 291º, nº 1, al. b) e nº 3 do Cód. Penal), na pena de 9 (nove) meses de prisão;

2) Condenar o arguido pela prática, como autor material, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art. 292º, nº 1 do Cód. Penal, na pena de 6 (seis) meses de prisão;

3) Efectuado o cúmulo jurídico das penas referidas em 1) e 2), condenar o arguido na pena única de 12 (doze) meses de prisão;

4) Suspender a pena de prisão referida em 3) pelo período de 12 meses, sujeitando a mesma á condição de o arguido se submeter a tratamento do alcoolismo, bem como à frequência do curso de prevenção rodoviária, em articulação com a DGRS.

5) Condenar o arguido em sanção acessória de proibição de conduzir, p. e p. pelo art. 69º, nº 1, al. a) do Cód. Penal (quanto ao crime de condução perigosa de veículo rodoviário consumido pelo crime de ofensa à integridade física por negligência), pelo período de 15 (quinze) meses;

6) Condenar o arguido em sanção acessória de proibição de conduzir, p. e p. pelo art. 69º, nº 1, al. a) do Cód. Penal (quanto ao crime de condução de veículo em estado de embriaguez), pelo período de 12 (doze) meses;

7) Efectuado o cúmulo jurídico das penas referidas em 5 e 6), condenar o arguido na pena acessória de proibição de conduzir única pelo período de 20 (vinte) meses;

8) Ordenar que o arguido, no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da sentença, entregue a sua carta de condução, neste Tribunal ou em qualquer posto policial da sua residência, sob pena de, não o fazendo, incorrer na prática de um crime de violação de imposições;

9) Condenar o arguido nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC (art. 513º, nº 1 do Código de Processo Penal e art. 85º, nº 1, al. b) do Código das Custas Judiciais) e em 1/4 da taxa de justiça de procuradoria (art. 41º, nº 1 do CCJ) e nas demais nas custas do processo (art. 514º, nº 1 do C. P. P.);

10) Julgar procedente o pedido de indemnização civil deduzido pelo Hospital Distrital (actualmente Central) de Faro e, em consequência, condenar os demandados, Fundo de Garantia Automóvel e IS, solidariamente, a pagarem ao mesmo a quantia € 2.994,33, acrescida de juros de mora sobre a mesma, vencidos, à taxa de 4%, desde a data das respectivas notificações para contestarem o pedido de indemnização civil (07/12/04 – fls. 208 e 212 - e 12/12/04 – fls. 205 e 214 -, respectivamente) e vincendos até integral pagamento;

11) Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido por NB e, em consequência, condenar os demandados, Fundo de Garantia Automóvel e IS, solidariamente, a pagarem à mesma a quantia global de € 62.684,74 (sessenta e dois mil, seiscentos e oitenta e quatro euros e setenta e quatro cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa de 4%, vencidos desde a data da notificação dos demandados para contestarem o pedido de indemnização civil (07/12/04 e 12/12/04, respectivamente) sobre a quantia de € 10.967,64 (dez mil, novecentos e sessenta e sete euros e sessenta e quatro cêntimos) e, sobre a restante quantia (€ 51.717,10), desde a data da sentença até integral pagamento, absolvendo na parte restante os demandados;
12) As indemnizações referidas em 9 e 10 são deduzidas, quanto ao Fundo de Garantia Automóvel, da franquia a que alude o artigo 21º, nº 3 do Decreto-Lei nº 522/85, de 31/12 (€ 299,28);

13) Custas do pedido de indemnização civil do Hospital Central de Faro a cargo dos demandados e do pedido de indemnização civil da NB por demandante e demandados, na proporção dos respectivos decaimentos (art. 446º, nºs 1 e 2 do C. P. C.), sem prejuízo da isenção de que beneficia o Fundo de Garantia Automóvel e do apoio judiciário que beneficia a assistente.
*
Inconformados, recorreram NB e o Fundo de Garantia Automóvel, com as seguintes conclusões:

NB
1º, A douta Sentença julgou parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido por NB e, em consequência, condenou os demandados no pagamento da quantia global de €62.684,74 a título de indemnização civil, à ora recorrente, sendo €21.717,10 a título de Dano Patrimoniais Futuros, €8.754,36 a título de Lucros Cessantes, €2.213,28 a título de danos emergentes e €30.000,00 a título de danos não patrimoniais. Mais condenou, no pagamento de juros de mora, à taxa de 4%, vencidos desde a data da notificação dos demandados para contestarem o pedido de indemnização civil (07/12/04 e 12/12/04, respectivamente) sobre a quantia de €10.967,64 e, sobre a restante quantia (€51.717,10), desde a data da sentença até ao integral pagamento.

2º, Para tanto, considerou o Tribunal, ora recorrido que (fls. 63 da Sentença): na presente sentença se fixou uma indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais futuros actualizada à data da sentença, os juros apenas são devidos desde a data da sentença e não, como peticionado, desde a data da notificação dos demandados para contestarem o pedido de indemnização civil.

3°, Do teor da própria sentença ora recorrida verifica-se que o Tribunal condenou os Demandados no valor do pedido formulado pela ora Recorrente - €21.717, 10 a título de dano patrimonial futuro, decorrente da IPP; €8. 754,36, a título de danos patrimoniais por lucro cessante; €30.000,00 por danos de natureza não patrimoniais (fls. 54 e 63 da Sentença) julgando, assim, parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pela ora recorrente, pela única e exclusiva razão, quanto à diferença existente no valor pedido a título de danos patrimoniais por dano emergente do veículo de matricula LX­--- - €2.250,OO - e o valor pelo qual foram os demandados condenados - €2.213,28 ­quanto ao resto, foram aqueles condenados, integralmente, nos valores peticionados pela recorrente.

4°, A recorrente discorda do Tribunal, ora recorrido, ter decidido, como decidiu, quanto aos juros de mora, alegando que se fixou uma indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais futuros actualizada à data da sentença, quando, conforme se alegou, condenou os demandados nos valores, integralmente, peticionados pela recorrente, com a excepção supra aduzida.

5°. Na verdade, se a indemnização peticionada pela recorrente tivesse sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do n.? 2 do art.? 566° do CC, não seriam os demandados condenados no pagamento das quantias, integralmente, peticionadas pela demandante, mas sim, por estas quantias, devidamente, actualizadas, ou seja, num valor superior ao peticionado, ao contrário do efectivamente decidido e ora impugnado.

6°. Assim, invés do decidido, e ora impugnado, o Tribunal não operou o disposto no n.? 2 do artigo 566° do Código Civil, sem embargo de, a douta sentença, salvo o devido respeito, erradamente, arrogar ter realizado tal actualização.

7°, Em consequência, julga-se que, o Tribunal recorrido ao decidir como decidiu, quanto aos juros de mora devidos, violou as normas previstas no n.º 2 do art. 566°; n.º 3 do art.º 805° e; 806° n.º1, todos do Código Civil, fazendo uma errada interpretação e aplicação das mesmas, bem como, do Acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 4/2002 de 09/05/2002, para além de, tal decisão, consistir numa contradição insanável entre a fundamentação de facto e a fundamentação de direito e a conclusão nos termos do art.º 4100 n.? 2, aI. b) do Código de Processo Penal.

8°, Em conformidade, deveria o Tribunal recorrido, fazendo jus às normas supra citadas e à fundamentação de facto e de direito, ter concluído e decidido condenar os demandantes no pagamento de juros de mora, à taxa de 4%, vencidos desde a data da notificação dos demandados para contestarem o pedido de indemnização civil (07/12/04 e 12/12/04, respectivamente) sobre a quantia global de €62.684,74, o que se requer no presente Recurso.
*
Fundo de Garantia Automóvel
I - Nos autos supra identificados, foram o Recorrente e o arguido, solidariamente, condenados no pagamento à demandante NB do montante total de 62.684,74 euros, sendo 21.717,10 Euros a título de Dano Patrimoniais Futuros, 8.754,36 Euros a título de perdas salariais, 2.213,28 Euros a título de danos emergentes e 30.000,00 a título de danos não patrimoniais.

II - No que concerne aos danos patrimoniais futuros, tendo em conta os factos provados ns. 10 e 58, não poderia o douto Tribunal ter concluído como o fez a fls. 60 da douta sentença pela obrigação do demandado FGA de lhe pagar uma quantia, neste caso de 21.717,10 Euros a título de danos futuros.

III - Nos termos do art. 410, n.2 al a) do CPP, em sede de impugnação da matéria de facto, o Relatório Pericial de Clínica Médico-Legal subscrito pelo perito-médico Dr. Henrique Cruz, em 24 de Março de 2009 e entrado em juízo por requerimento do mandatário do FGA em 16/04/2009, pela referência "habillus" 803704, indica na conclusão 8.ª, "não é considerado dano futuro", na conclusão 10.ª "ausência de rebate profissional" e na conclusão 11.ª "ausência de prejuízo de afirmação pessoal".

IV - Embora apenas em parte, é verdade que tal realidade está vertida no facto provado 10, mas, era necessário que constasse explicitamente que não há rebate profissional e que não há prejuízo de afirmação pessoal. A inclusão destes factos, tal qual constam das conclusões do relatório pericial aludido, é essencial para a boa decisão da causa e, portanto, devem os mesmos ser integrados na matéria de facto provada porque constam de documento junto aos autos, o qual não foi objecto de impugnação.

V - Mas, ainda que assim não fosse concebido, o que só por mera hipótese se aduz, é o próprio facto 10 que diz explicitamente "e não tendo resultado sequelas definitivas para o desempenho das actividades da vida diária a actividade laboral habitual ( ... )", pelo que nos termos do art. 410., n. 2, al. b) do C.P.P. a concessão a fls. 60 de uma indemnização a título de dano patrimonial futuro é uma contradição insanável entre a fundamentação de facto e a fundamentação de direito e a conclusão.

VI - Aliás, sustenta o demandado que este dano, contrariamente ao sustentado na douta sentença, sendo um dano biológico, não é um dano patrimonial, mas antes um dano não patrimonial. Onde não há rebate profissional ou dano futuro não pode haver lugar a indemnização por dano futuro, pois aí, para além das normas violadas já identificadas supra também se viola o art. 473. do Código Civil.

VII - No que respeita a lucros cessantes, os montantes pagos pela Companhia de Seguros Global correspondem, naturalmente, à quantia líquida a que a demandante tinha direito.

VIII - Não havendo a possibilidade de cumular indemnizações, quando o acidente é simultaneamente de viação e de trabalho, como é o caso do dos autos, tem-se entendido que os lucros cessantes e o dano patrimonial futuro, quando exista, ou seja, todo o eventual prejuízo salarial é coberto pelo seguro de acidentes de trabalho, sendo apenas responsabilidade do terceiro responsável pelo sinistro automóvel, a parte relativa aos danos não patrimoniais e ao reembolso à seguradora de acidentes de trabalho das quantias despendidas.

IX - Constitui, pois, enriquecimento sem causa, a condenação do FGA no pagamento de 8.754,36 euros, relativo a salários -Violação do art. 473.º do C. Civil.

X - Relativamente a danos emergentes, dando por provado no n.º 61 ao mesmo tempo que a reparação do veículo custaria 2213,28 Euros, mas que o valor venal do veículo da demandante era de 1.000,00 Euros, para além de constituir também enriquecimento sem causa da demandante, em violação do art. 473.º do C.Civil, a atribuição do valor da reparação em detrimento do valor venal do veículo também constitui violação do art. 16.º, n.º 1 aI. b) do D.L. 2/98 de 3 de Janeiro que, como lei especial que é, e se aplica à perda ou deterioração dos veículos em caso de acidente de viação, afasta a aplicação da lei geral, isto é as normas do Código Civil relativas à restauração natural. Deve, pois, ser exclusivamente concedido o valor de 1.000,00 Euros.

IX - Quanto a danos não patrimoniais, relevante para os danos não patrimoniais e de acordo com o relatório pericial supra referido, temos 21 dias de internamento, quantum doloris de 6/7, IPG de 7 pontos, dano estético de 4/7.

X - De acordo com os valores da Portaria n.º 679/2009, o valor adequado para os danos não patrimoniais da demandante corresponde a 15.000,00 euros, ou seja, o dano biológico, o quantum doloris, o dano estético e os dias de internamento, únicos itens a considerar nesse universo.

XI - Na verdade, quando perito médico-legal define o grau do quantum doloris já está a integrar aí o tempo de doença, o sofrimento, todas as dores.

XII - Aliás, pese embora esteja argumentado nesse sentido na douta sentença, a verdade é que não faz sentido argumentar com a situação económica dos demandados (fls. 62 da sentença) porquanto não é a situação económica do FGA que releva para efeitos da fixação da indemnização, em respeito ao art. 494. do C. Civil. Não se olvide que o responsável é o arguido e co-demandado, sendo o FGA um mero garante que contra o arguido vai exercer o seu direito de reembolso e no que respeita à situação económica do arguido, com respeito ao art. 494. do C. Civil que resultou violado, temos que - facto 67 - "o arguido encontra-se reformado, auferindo uma pensão de reforma no montante de 197 euros mensais, fazendo, porém, pequenos biscates na área da pintura da construção civil, mas muito raramente."

XIII - Requer-se seja rectificado quanto consta do n. 12 da decisão, porquanto, com certeza pretendia o julgador dizer que se tratava das indemnizações referidas em 10 e 11 e não em 9 e 10 como ali ficou plasmado.

Respondeu a assistente ao recurso do FGA e este ao recurso da assistente, defendendo ambos a manutenção do decidido no que à contra-parte diz respeito.

O Exmº Procurador-geral Adjunto neste Tribunal da Relação teve vista dos autos.
Foram colhidos os vistos legais.
*
B - Fundamentação:
B.1. - Pelo Tribunal recorrido foram dados como provados os seguintes factos:

1- No dia 05 de Junho de 2002, cerca das 19 horas e 20 minutos, o arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro de mercadorias com a matrícula ---BG, pela E. N. nº 125, ao Km 98,6, área da comarca de Faro, no sentido de trânsito Faro/Loulé.

2- No referido local, a via era composta por três faixas de rodagem no sentido de trânsito em que o arguido circulava (Faro/Loulé) e por duas faixas de rodagem no sentido de trânsito contrário (Loulé/Faro).

3- A terceira faixa de rodagem no sentido de marcha em que o veículo do arguido circulava, sita mais à esquerda, junto ao eixo da via, destinava-se ao trânsito que intentava mudar de direcção para a esquerda, tendo aposta no topo, no pavimento uma marca horizontal de STOP.

4- Ao atingir o Km acima mencionado – 98,6 – junto ao “Cruzamento da Sumol”, o arguido, que seguia naquela faixa da esquerda, efectuou uma manobra de mudança de direcção à esquerda, invadindo a faixa de rodagem no sentido de trânsito oposto àquele em que circulava.

5- O arguido efectuou tal manobra de forma repentina, sem que a tivesse previamente sinalizado e sem parar na marca de STOP, pintada no pavimento.

6- Naquelas exactas circunstâncias de tempo e lugar, NB, conduzia o motociclo com a matrícula LX----, pela via descrita, no sentido de trânsito Loulé/Faro, isto é, no sentido oposto àquele em que o arguido circulava, circulando pela faixa da direita, das duas que compunham o referido sentido de trânsito.

7- Dada a simultaneidade de circunstâncias, o arguido ao efectuar a referida manobra e ao atravessar-se na faixa de rodagem contrária, fez com que o motociclo de matrícula LX---, que circulava dentro da sua mão de trânsito, fosse embater com a sua dianteira na parte lateral traseira do veículo ---BG, conduzido pelo arguido.

8- Em consequência directa e necessária do embate, a condutora do motociclo, NB, beneficiária da Segurança Social Portuguesa com o número xxxx, foi projectada ao solo, ficando inconsciente, sofrendo politraumatismo com escoriações múltiplas, traumatismo craneo-encefálico, fractura da clavícula esquerda, fractura tipo Colles do punho direito, fracturas da tíbia e perónio da perna direita (fractura cominutiva) e escoriações diversas, que careceram de intervenção cirúrgica, com a utilização de anestesia geral e incluindo a colocação de material de osteosíntese, que teve lugar no Hospital Distrital de Faro, onde foi de imediato transportada e onde após a intervenção cirúrgica ficou internada.

9- As lesões referidas demandaram 1491 dias para a sua cura, (consolidação em 09/06/2006), com incapacidade temporária geral total, correspondente à fase durante a qual a mesma esteve internada ou impedida de realizar com razoável autonomia as actividades da vida diária, familiar e social, fixável em 236 dias, incapacidade temporária geral parcial, correspondente ao período em que a assistente ainda permanecia em reabilitação funcional, com desempenho profissional esporádico, marcha com uma canadiana ou com duas canadianas, podendo realizar carga sobre o membro, inferior direito, com razoável autonomia para as actividades básicas da vida diária, social e familiar, apesar de ainda manifestar algumas limitações, fixável em 1255 dias, de 01/01/2003 a 09/06/2003, com interrupção de 31 dias referente a ITAG após intervenção cirúrgica, a incapacidade profissional total, correspondente ao período durante o qual a assistente esteve totalmente impedida de realizar a sua actividade profissional, de 06/06/2002 a 20/08/2003, de 10/09/2003 a 29/03/2004, de 04/10/2005 a 14/11/2005 e de 21/02/2006 a 03/04/2006 e incapacidade temporária profissional parcial, correspondente ao período durante o qual foi possível à assistente desenvolver, ainda que com limitações, a sua actividade profissional, entre 20/03/2004 a 03/10/2005, de 15/11/2005 a 20/02/2006 e de 04/04/2006, a 09/06/2006.

10- Resultaram ainda como sequelas permanentes das lesões: dor da perna, ligeira limitação da flexão dorsal do tornozelo direito, pequena amiotrofia da coxa de 1 cm/atrofia muscular do quadricípete de 1 cm à direita, consolidação hipértrofica da clavícula esquerda perceptível a 50 cm, limitação da mobilidade da dorsiflexão do tornozelo, ligeira, 10º comparando com o tornozelo esquerdo e cicatriz cirúrgica do joelho direito e da perna direita com 5 cm, perturbação de stress pós traumático com ligeira repercussão na autonomia pessoal, social e profissional, fixável em 7 pontos numa escala de previsão de pontos de 2 e de 4 a 10, sendo ainda o quantum doloris fixável em 6 numa escala de 7 e o dano estético em 4 numa escala de 7 e não tendo resultado sequelas definitivas para o desempenho das actividades da vida diária e actividade laboral habitual, mas implicando dificuldade em alguns casos e impossibilidade em outros de manter actividade de lazer a que estava habituada, devido a dor, bem como podendo exigir esforço acrescido para realização de tarefas que impliquem esforço físico.

11- Na sequência do embate, o arguido foi submetido a exame de pesquisa de álcool no sangue, tendo apresentado uma taxa de álcool no sangue de 3,03 g/l, em virtude de antes do exercício da condução ter ingerido bebidas alcoólicas, pelo menos vinho tinto.

12- O embate ocorreu numa recta com boa visibilidade e o estado do tempo era bom.

13- O arguido não chegou, como podia e devia, a prever que podia fazer perigar a integridade física de outrem, uma vez que não chegou a aperceber-se que na faixa contrária circulava o motociclo, violando dessa forma um dever de cuidado que se lhe impunha e de que era capaz.

14- O embate e as lesões sofridas pela assistente só ocorreram porque o arguido apresentava uma taxa de álcool no sangue, que não lhe permitia conduzir em condições de não colocar em perigo a segurança dos restantes utentes da via e devido à falta de cuidado do arguido, que efectuou a manobra de mudança de direcção à esquerda, sem parar à marca de STOP e sem previamente a sinalizar e se certificar que a iniciava e concretizava em segurança, violando dessa forma um dever de cuidado que se lhe impunha e de que era capaz.

15- Não previu o arguido que esse resultado poderia derivar da sua conduta, violando dessa forma um dever de cuidado que se lhe impunha e de que era capaz.

16- O arguido conduzia de forma livre e voluntária, sabendo que havia ingerido bebidas alcoólicas e que conduzia com uma TAS igual ou superior a 1,20 g/l, o que quis, sabendo que a sua conduta lhe estava vedada por lei penal.

Do pedido de indemnização civil da NB

17- A assistente permaneceu internada no Hospital Distrital de Faro desde 05/06/2002 até 25/06/2002.

18- Durante esse período de tempo, 20 dias, esteve sempre acamada e imobilizada, situação que se manteve durante duas semanas após a alta hospitalar.

19- Ao fim de 533 dias a assistente ainda não tinha tido alta médica.

20- Tendo sofrido durante esse período de grandes dores.

21- A assistente foi sujeita a intervenção cirúrgica, em 24/06/2003, para dinamização da cavilha que lhe havia sido colocada na perna direita aquando da primeira cirurgia.

22- Durante todo esse período de tempo, a assistente foi assistida pelos serviços médicos da seguradora do trabalho por conta de outrem, Global Companhia de Seguros S. A., com a apólice nº ----.

23- Essa assistência consistiu em consultas médicas de ortopedia, fisioterapia, psicologia e intervenção cirúrgica acima referida.

24- Os tratamentos de fisioterapia, ainda realizados na data da dedução do pedido de indemnização (03/12/2003), com periodicidade semanal, revelam-se extremamente dolorosos.
25- Só em 10/08/2002 é que se verificou que a assistente podia exercer carga sobre o membro inferior direito, passando a deslocar-se com auxílio de bengalas tipo canadianas.

26- Até essa data, durante 30 dias, deslocava-se em cadeira de rodas.

27- O défice funcional daquele membro não lhe permitia até àquela data deslocar-se sozinha ou fazer quaisquer tarefas pessoais sem depender do auxílio de outra pessoa.

28- Este facto causou-lhe grande embaraço e sofrimento.

29- Em 20/02/2003, a assistente ainda não apresentava calo ósseo, o qual já apresentava em 15/05/2003, embora com atraso na consolidação.

30- Em 10/07/2003, sujeita a Perícia Médico-Legal, para avaliação do dano corporal em Direito Penal, a assistente queixava-se de dores e falta de força com défice funcional do membro inferior direito.

31- Na referida data apresentava material de osteosíntese do M. I. D. e consolidação deficiente das fracturas da tibial, por esquirolosas.

32- Além das referidas supra, foi a assistente sujeita a mais três operações cirúrgicas, sempre com anestesia geral, em 20.01.2004, em 04.10.2005 e, em 21.02.2006.

33- Sendo que, na intervenção de 20.01.2004, por pseudoartrose da tíbia: rencavilhamento estático osteotomia do peroneo; na de 04.10.2005, por EMOS e; na de 21.02.2006 para limpeza de tendão rotuliano tendo-lhe sido diagnosticado ruptura parcial do tendão.

34- Sujeitando-se, desta forma, a novos internamentos hospitalares, anestesias, fortes dores, privada da sua locomoção e liberdade e acamada.

35- No total a assistente foi sujeita a cinco intervenções cirúrgicas.

36- A assistente nasceu em 28/02/1980, pelo que à data do embate, tinha 22 anos de idade.

37- Antes do embate era uma jovem cheia de força, vigor, alegria de viver e constante boa disposição.

38- Gozava de boa saúde e sem qualquer defeito físico.

39- Adorava praticar desporto, nomeadamente body board e equitação, tendo o seu avô uma égua que utilizava.

40- Actualmente não pode correr nem saltar sem que sinta dor no membro inferior direito.

41- Não consegue estar muito tempo sentada sem que sinta dor.

42- Ou de pé, devido às dores que sente no membro inferior direito.

43- O que a deixa profundamente desgostoso e complexada.

44- Complexos agravados pelas cicatrizes extensos e bem visíveis no membro inferior direito.

45- Como consequência destas, a assistente mudou alguns dos seus hábitos de vida.

46- Assim, deixou de frequentar a praia, local onde adorava permanecer e praticar desporto.

47- Alterou o seu estilo de vestuário, deixando de usar saias, ao contrário do que fazia no passado.

48- A sua feminilidade e amor-próprio encontram-se diminuídos.

49- Caso pretenda eliminar as cicatrizes, no futuro terá que ser sujeita a uma ou mais cirurgias plásticos às cicatrizes.

50- Careceu de acompanhamento psicológico, sendo o seu quadro clínico composto por síndrome pós traumático encefálico, traduzido por instabilidade, ataques de pânico, ansiedade difusa com claustrofobia, tristeza aparente, dificuldade de concentração, alterações marcadas mnésicas, sintomatologia compatível com o diagnostico nosológico de perturbação pós-traumático de stress (com flash-back e sonhos relacionados com o acidente).

51- Na data referida em 1, a assistente despenhava funções administrativas na categoria de 3º escriturário para o empresário PM, contribuinte n.º xxxxx, com sede nas……, Loulé.

52- Recebia a remuneração mensal líquida de 553.72€ (quinhentos e cinquenta e três euros e setenta e dois euros).

53- Devido às lesões decorrentes do embate e, ao longo período de Incapacidade Temporária Profissional Global e de Incapacidade Temporária Profissional Parcial supra referidos o seu vencimento mensal foi garantido parcialmente, a título de indemnização, pela GLOBAL, Companhia de Seguros S.A., em virtude da apólice nº ---- para acidentes de trabalho por conta de outrem.

54- A título dessas indemnizações salariais, a assistente recebeu da companhia de seguros quantia de € 13.400,98 (treze mil quatrocentos e noventa e oito cêntimos), sendo até à data da dedução do pedido de indemnização civil (03/12/2003), a quantia de 7.994,40€ (sete mil novecentos e noventa e quatro euros e quarenta cêntimos).

55- E durante o mencionado período auferiu a assistente da sua entidade patronal a quantia salarial de € 9.955,94 (nove mil novecentos e cinquenta e cinco euros e noventa e quatro cêntimos), assim discriminadas: ano de 2002 - de 06/06/2002 a 31/12/2002: € 0,00 (não auferiu qualquer rendimento salarial); ano de 2003: €0,00(não auferiu qualquer rendimento salarial); ano de 2004: €4.484,95 (quatro mil quatrocentos e oitenta e quatro euros e oitenta e cinco cêntimos); ano de 2005: € 4.031,06 (quatro mil e trinta e um euros e seis cêntimos; ano de 2006 - de 01/01/2006 até 09/06/2006: €1.439,93 (mil quatrocentos e trinta e nove euros e noventa e três cêntimos).

56- Porém, desde a data do embate até à data da alta médica, a assistente deveria ter recebido a quantia de € 32.111.28 (trinta e dois mil e cento e onze euros e vinte e oito cêntimos), como remuneração salarial por: meses de Junho a Dezembro de 2002 (€3.876.04); Subsídio de Natal de 2002 (€498.80); Subsídio de Férias de 2002 (€498.80); meses de Janeiro a Dezembro de 2003 (€6.644.64); Subsídio de Natal de 2003 (€498.80); Subsídio de Férias de 2003 (€498.80); meses de Janeiro a Dezembro de 2004 (€6.644.64); Subsídio de Natal de 2004 (€498.80); Subsídio de Férias de 2004 (€498.80); meses de Janeiro a Dezembro de 2005 (€6.644.64); Subsídio de Natal de 2005 (€498.80); Subsídio de Férias de 2005 (€498.80); meses de Janeiro a Junho de 2006 (€3.322,32); Subsídio de Natal de 2006 (€498.80); Subsídio de Férias de 2006 (€498.80);

57- O valor total dos montantes salariais que a assistente deixou de receber é, assim, de € 8.754,36 (oito mil, setecentos e cinquenta e quatro euros e trinta e seis cêntimos).

58- A assistente recebeu a título de indemnização por acidente laboral devido à IPP, no âmbito do processo que correu termos no Tribunal de Trabalho de Faro, sob o n.º 727/04.8TTFAR, pelo menos a pensão remida no valor de €4.652,97 (quatro mil seiscentos e cinquenta e dois euros e noventa e sete cêntimos).

59- Na data referida em 1 a assistente tinha como seu único veículo de transporte de casa para o trabalho e vice-versa o motociclo com matrícula LX---.

60- Carece a assistente que o mesmo seja reparado.

61- Para a reparação daquele veículo é necessária a quantia de pelo menos 2.213,28 € (dois mil duzentos e cinquenta euros), sendo o seu valor venal de € 1000.

62- A responsabilidade civil emergente da circulação do veículo ----BG, na data referida em 1, não se encontrava transferida para qualquer companhia de seguros através de contrato de seguro válido ou eficaz.

Do pedido de indemnização civil do Hospital Distrital (actualmente Central) de Faro

63- O demandante Hospital Distrital de Faro é uma pessoa colectiva de Direito Público dotada de Autonomia Administrativa e Financeira.

64- Que presta cuidados de saúde à população em geral.
65- No âmbito da sua actividade assistencial o demandante prestou ao sinistrado, NB, os cuidados de saúde constantes das facturas n°s 22006554, 22007966 e 22012389, no valor total de € 3.064,34.

66- Nessas facturas estão descritos os seguintes tratamentos prestados à sinistrada: uma incidência ao tórax, duas incidências à coluna cervical, duas incidências à coluna dorsal, duas incidências à coluna lombo-sagrada, bacia, uma incidência ao ombro, duas incidências ao braço, duas incidências ao ante-braço, duas incidências ao joelho, duas incidências ao pé, episódio de urgência, realização de análises clínicas e procedimento ao membro inferior, úmero, anca, pé e fémur.

Da discussão da causa

67- O arguido encontra-se reformado, auferindo uma pensão de reforma, no montante de € 197 mensais, fazendo, porém, pequenos biscates na área da pintura da construção civil, mas muito raramente.

68- Não tem residência própria, pernoitando em casa de amigos.

69- Tem dois filhos, com 33 e 47 anos de idade.

70- Tem o 4º ano de escolaridade.

71- Não tem exercido a condução de veículo automóvel.

72- Consome habitualmente bebidas alcoólicas em excesso, tendo já sido submetido a tratamento do alcoolismo no ano de 2002, mas em data anterior à referida em 1, que o arguido não completou.

73- Não são conhecidos antecedentes criminais ao arguido.

74- O mesmo não tem averbada no seu registo individual de condutor a prática de qualquer contra-ordenação.

75- Actualmente a assistente não exerce actividade profissional remunerada com carácter regular, limitando-se a auxiliar os seus progenitores na exploração de estabelecimento de restauração, o que faz com carácter esporádico, nas alturas de maior afluência de clientela e em horário reduzido.

E como não provados os seguintes:
1- O arguido previu que da sua conduta pudesse resultar perigo para a integridade física de outrem, perigo com que se conformou.

Do pedido de indemnização civil deduzido por NB
1- Só em 12/12/2002 é que se verificou que a assistente podia exercer carga sobre o membro inferior direito, passando a deslocar-se com auxílio de bengalas tipo canadianas.
2- A assistente desloca-se ainda com claudicação da marcha.
3- A assistente apresenta edema crónico com imagem radiológia o favor de um Síndrome volkmann.
4- A assistente havia adquirido uma égua.
5- Actualmente, devido às sequelas das lesões sofridas de que é portadora, está impossibilitado de praticar qualquer tipo de actividade física ou desportiva.
6- A assistente carece da reparação do veículo para que a sua actividade profissional não venha a ser afectada.
7- Para a reparação daquele veículo é necessária a quantia de 2.250 € (dois mil duzentos e cinquenta euros).

Não se provaram os seguintes factos constantes do pedido de indemnização civil do demandante Hospital Distrital de Faro:
1- Que o valor dos tratamentos prestados pelo Hospital Distrital de Faro á assistente N. ascenderam a € 2.994.33, tendo-se provado que ascendeu ao valor referido em 65 dos factos provados.

Não se provaram os seguintes factos constantes da contestação do arguido:
1- A assistente N circulava no dia, hora e local da EN 125, desatenta, conduzindo sem perícia e com excesso de velocidade para o local, na sua moto de elevada cilindrada, matricula LX---.

2- Local onde, somente poderia circular a velocidade de 70 km/ hora E
3- O acidente deu-se porque a assistente N. circulava desatenta e com excesso de velocidade indo embater na parte traseira da viatura do arguido carrinha de caixa aberta, matrícula ---BG, quando esta já se encontrava em face de inversão de marcha e no interior da pequena rotunda que há data existia no local.

4- Isto após ter parado no local no STOP aí existente, e em virtude da não existência de tráfego ter entrado para 3 rotunda de inversão de marcha.

E fundamentou a sua apreciação da prova nos seguintes considerandos:

“O tribunal formou a sua convicção sobre a factualidade provada com base na análise crítica e ponderada de todos os meios de prova produzidos na audiência de discussão e julgamento, valorados na sua globalidade.

Concretamente, revelaram-se fundamentais para criar a convicção do Tribunal, os seguintes meios de prova:
Os factos descritos em 1, 2, 3 e 4 e 11 dos factos provados resultaram da confissão do arguido.

Quanto aos demais factos descritos na acusação, o arguido referiu não recordar os mesmos.

Assim, quanto aos factos descritos em 5, 6, 7, 8 primeira parte e 12, resultaram do depoimento da assistente NB, que os confirmou, bem como da participação de acidente de viação de fls. 34 a 40.

Particularmente no que concerne aos factos descritos em 5, pese embora a assistente não os tenha reconhecido de forma expressa, referindo não se ter apercebido se o arguido parou no Stop, atendendo aos demais factos descritos pela mesma, de que presenciou o arguido a circular devagar na faixa de mudança de direcção, tendo o mesmo entrado na sua faixa de rodagem quando já se encontrava próxima da faixa de mudança de direcção, sem que o tenha visto parar, terá de se concluir, atendendo a esta dinâmica, que o arguido não parou no Stop, facto que o arguido também não impugna. De resto, a invasão da faixa de rodagem da assistente, em momento em que a mesma já circulava próxima do local de intercepção com a faixa de rodagem para mudança de direcção em que circulava o arguido, apenas tem explicação não tendo o arguido imobilizado o seu veículo no Stop. Caso o arguido tivesse imobilizado a viatura no Stop, não avançaria por certo, após tal imobilização, no momento em que um veículo transitava na faixa de rodagem para onde pretendia entrar. Tal apenas se explica, de acordo com as regras da experiência comum, não tendo o arguido imobilizado o veículo no Stop, prosseguindo sempre a marcha, sem atentar aos veículos que circulavam na faixa em que pretendia passar a circular, sendo certo, repita-se, que a assistente viu sempre o veículo em andamento.

Por outro lado, pese embora o arguido tenha tentado atribuir a verificação do embate à condução desatenta da assistente e em excesso de velocidade, nenhuma prova foi produzida de onde se possa concluir pela verificação desse excesso.

Com efeito, não ficou demonstrada a existência de qualquer sinal limitativo da velocidade, já que nenhuma testemunha confirmou a sua existência, não tendo também as Estradas de Portugal, S. A., na informação junta aos autos em sede de audiência de discussão e julgamento confirmado tal existência. Por outro lado, a assistente refere que circulava a cerca de 70 km/h e que se apercebeu da aproximação da viatura conduzida pelo arguido à faixa de rodagem, atento o sentido de marcha em que ela seguia, confiando, no entanto, que o mesmo não iria entrar nessa faixa de rodagem, por aí estar a circular a assistente, não tendo, assim, reduzido a velocidade, tendo o arguido entrado na faixa de rodagem quando a mesma já se encontrava próxima da intercepção ao mesmo, não lhe tendo, assim, sido possível evitar o embate, não obstante ter accionado o sistema de travagem.

Face a estas declarações, que não foram contrariadas por qualquer outro meio de prova, não se pode concluir que a assistente conduzia em excesso de velocidade e desatenta.

A prova dos factos descritos em 8, segunda parte, 9 e 10 dos factos provados, bem como dos factos descritos em 17 a 21, 25 a 35, 49, 50 resultou do teor da cópia do cartão de beneficiário da assistente que consta de fls. 71, dos boletins clínicos de fls. 28 a 32, 150 a 155, autos de exame directo e de sanidade que constam de fls. 44, 64, 76, relatórios periciais de fls. 85 a 87, 100 a 102, 351 a 356 e 625 a 631, elementos clínicos e referentes à situação de sinistro de fls. 103, 156 a 159, 250 a 252, 364 a 385, 525 a 545 e informação de fls. 569.

De referir, quanto à prova de que entre as sequelas resultantes da lesão se conta dificuldade em alguns casos e impossibilidade em outros de manter actividade de laser a que a assistente estava habituada, devido a dor, bem como podendo exigir esforço acrescido para realização de tarefas que impliquem esforço físico, o decidido funda-se na conjugação dos relatórios periciais de fls. 100 a 102, 351 a 356 e 625 a 631, com as declarações prestadas pela assistente. Com efeito, aquele último relatório considerou ausência de rebate profissional e de prejuízo de afirmação pessoal anteriormente considerados, apenas considerando a profissão habitual da assistente e não ser conhecida à mesma actividade de relevo, em virtude de o desporto praticado pela mesma não o ser em termos federados. Porém, atendendo a que a assistente desempenhava actividade desportiva com habitualidade, embora não em termos federados, tal não deve deixar de ser considerado nos factos provados, face à alteração no modo de vida da assistente que o deixar de desempenhar certas actividades desportivas implicou e implica.

Quanto as factos descritos em 13 a 16 dos factos provados, o decidido resulta dos demais factos provados referentes à dinâmica do acidente, nomeadamente ao facto de o arguido não ter imobilizado o seu veículo no sinal Stop, exercer a condução sob a ingestão de bebidas alcoólicas, com as regras da experiência comum. Com efeito, pese embora o arguido refira não recordar o embate e os momentos imediatamente anteriores ao mesmo, refere que se aproximou da faixa de mudança de direcção e que não se apercebeu da presença de veículos a circular na faixa de rodagem onde circulava a assistente, o que se considera credível, atendendo à muito elevada taxa de álcool com que conduzia o arguido. Com efeito, sendo conhecidos os efeitos provocados pela ingestão de bebidas alcoólicas na diminuição dos reflexos e percepção da realidade, conduzindo o arguido com uma taxa de álcool no sangue elevadíssima (3,03 g/l), é credível e compatível com as regras da experiência que o mesmo não se tivesse chegado a aperceber da presença da assistente na via onde entrou.

Dessa forma, no entanto, o arguido violou um dever de cuidado que se lhe impunha de prestar mais atenção, o que teria por certo sucedido caso tivesse imobilizado o veículo no Stop.

A prova dos factos descritos em 22, 23 53, 54 e 56 a 58 dos factos provados resultou do teor do recibo de vencimento de fls. 161, recibos de indemnização de fls. 162 a 179, documentos de fls. 250 a 252, 375 a 385, 525 a 538, da informação de fls. 569, da certidão de fls. 583 a 586, carta de fls. 589, cópia do termo de entrega do capital de remição de fls. 590 e da sentença de fls. 591 a 594.

A prova dos factos descritos em 55 dos factos provados resultou do teor dos documentos de fls. 701 a 714 e 729 a 732.

A prova dos factos descritos em 61 dos factos provados resulta do teor dos documentos de fls. 635 a 637, cujo teor não foi impugnado e contrariado.

A prova dos factos descritos em 62 dos factos provados resulta do teor participação de acidente de viação de fls. 34 a 40, não tendo sido contrariado por qualquer outro meio de prova.

Os factos descritos em 63 e 64 dos factos provados são do conhecimento geral.

A prova dos factos descritos em 65 e 66 dos factos provados e 1 dos não provados do pedido de indemnização civil do HDF, resultaram do teor das facturas de fls. 118 a 121, em conjugação com as declarações prestadas pela assistente NB.

A prova dos factos descritos em 67 a 72 dos factos provados (situação pessoal do arguido), resultou das declarações prestadas pelo arguido acerca dos mesmos, bem como do depoimento das testemunhas AM, DC, EG e e JT, todos amigos do arguido, que depuseram quanto ás condições de vida do mesmo, tendo confirmado ter o mesmo abandonado o exercício da condução de veículos motorizados após o embate.

A prova dos factos descritos em 73 dos factos provados resultou das declarações prestadas pelo arguido e depoimento da testemunha AR, médico, que tem conhecimento de tais factos em virtude de o arguido ter sido seu paciente.

A prova do facto descrito em 74 dos factos provados, resultou do teor do certificado do registo criminal do arguido que consta de fls. 737 e dos factos descritos em 75 do teor do registo individual de condutor do arguido, que consta de fls. 777.

A prova dos factos descritos em 76 dos factos provados resultou das declarações prestadas pela assistente e depoimentos da sua mãe e irmã, MB e DB.

No mais, quanto aos demais factos do pedido de indemnização civil da assistente NB ainda não referidos, o decidido funda-se no seguinte:

A assistente NB prestou declarações, relatando no essencial os factos descritos em 18, 22, 23, 24, 26 a 28, 34, 35, 36 a 50, primeira parte, 51, 53 59 e 60.
JP, amigo da assistente N. há cerca de 8 anos, confirmou os factos descritos em 18, 20, 26, 27, 34, por deles ter conhecimento em virtude de ter visitado frequentemente a N. durante o período de internamento hospitalar, tendo mantido também contacto com a mesma após a alta.

Também confirmou os factos descritos em 37 a 48 e 59, por deles ter conhecimento em virtude da relação de amizade que mantinha com a assistente N. antes da ocorrência do embate e manteve após, tendo relatado a mudança no quotidiano e maneira de ser e estar da mesma na sequência do embate de que foi vítima.

CF, relatou os factos descritos em 18, 20, 26 a 28, 34, 35, 37 a 48, 51 e 59, por deles ter conhecimento em virtude da relação de amizade que mantém com a assistente há cerca de 15 anos e de ter vivido juntamente com a mesma, situação que se verificava na época do embate, tendo descrito, tal como a anterior testemunha, as alterações no quotidiano e maneira de ser e de estar da demandante na sequência do embate de que foi vítima.

DB, relatou os factos que se deram como provados sob os nºs 37 a 48, de que tem conhecimento, em virtude da relação de proximidade que mantém com a assistente, sua irmã.

TP, descreveu os factos descritos em 37 a 48 e 51 dos factos provados, de que tem conhecimento em virtude da relação de amizade que mantém com a assistente N. há cerca de 15 anos, bem como de terem sido colegas de trabalho antes do embate que a vitimou.

A testemunha PM, relatou os factos descritos em 37 a 43, 46, 51, 52 e 59 dos factos provados, de que tem conhecimento em virtude de ser, na data da ocorrência dos factos, patrão da assistente, sendo certo que já a conhecia desde data anterior ao início da relação laboral, por frequentar a praia onde os progenitores da assistente exploram um estabelecimento de restaurante e onde a mesma se encontrava habitualmente. Quanto aos descritos em 51 e 52, este depoimento articulou-se com o teor do contrato de trabalho por termo indeterminado de fls. 160 e recibo de remuneração de fls. 161.

MB, descreveu os factos assentes sob os nºs 24, 37 a 48, 50, primeira parte e 51, primeira parte, de que tem conhecimento devido à relação de proximidade com a assistente, sua filha.

DA, relatou os factos que se deram como provados sob os nºs 37 a 48, de que tem conhecimento em virtude da relação de amizade que mantém com a assistente N., desde há 20 anos.

LJ, militar da GNR que acorreu ao local descrito na acusação na sequência do embate, confirmou os dados constantes da participação de acidente de viação que consta de fls. 34 a 36, da autoria do seu colega JS, entretanto falecido.

Esclareceu que, não obstante não recordar a existência de rastos de travagem no local, caso os mesmos existissem teriam sido assinalados na participação de acidente de viação, uma vez que todos os vestígios relacionados com o embate foram recolhidos na ocasião. Igualmente quanto à eventual existência no local de sinais limitadores da velocidade, atento o sentido de marcha da assistente (Loulé/Faro), a testemunha refere não recordar a sua existência, mas de novo referindo que, caso existissem, estariam mencionados no croquis, onde sempre colocam todos os sinais de trânsito existentes nos locais em que ocorreram acidentes. Já quanto à existência de um Stop no pavimento para quem pretendia mudar de direcção, atento o sentido de marcha do veículo conduzido pelo arguido (Faro/Loulé), a testemunha recorda a sua existência. Finalmente, esclareceu que o local provável do embate apontado no croquis, foi indicado com base nos vestígios existentes no local (tais como vidros partidos).

Quanto à taxa de álcool apresentada pelo arguido (factos provados sob o nº 11 dos factos provados, além da confissão do arguido), o decidido funda-se no seguinte: o talão emitido pelo aparelho DRAGER 7110 MKIII P que consta de fls. 3 do apenso de inquérito nº 199/02.1GTABF.

Tem sido muitíssimo discutida recentemente na jurisprudência a questão da forma de valoração dos talões emitidos pelos aparelhos quantitativos de medição de álcool através do ar expirado, existindo, como em muitas questões de interpretação, duas posições dominantes e divergentes sobre essa matéria, propugnando nós actualmente (e contrariamente a posição já anteriormente por nós sustentada) que não deve, em princípio, ser efectuado qualquer desconto à taxa indicada pelo aparelho alcoolímetro.

Com efeito, dispõe o art 153º, nº 1 do Cód. da Estrada que o exame de pesquisa de álcool ao ar expirado é realizado por autoridade ou agente de autoridade mediante a utilização de aparelho aprovado para o efeito.

Como se constata da previsão legal do preceito, o teste de pesquisa de álcool no sangue por ar expirado é considerado um exame, que pode ser efectuado através de aparelho analisador qualitativo e quantitativo (aparelhos de despiste e alcoolímetros evidenciais, respectivamente), sendo que apenas este último permite quantificar a taxa de álcool no sangue, podendo ainda ser efectuado através de análise ao sangue, sempre que não se revelar possível a realização de exame através de analisador quantitativo.

A matéria de detecção e quantificação da taxa de álcool no sangue está regulamentada actualmente em diploma regulamentar do Código da Estrada (cfr. alínea a) do nº 1 do art 158º do C. E. e art. 4º, nº 2, al. d) do DL 44/2005, de 23/02).

O referido diploma regulamentar foi aprovado pela Lei nº 18/2007, de 17/05 e entrou em vigor em 16/08/2007, tendo revogado o Decreto Regulamentar nº 24/98, de 30/10, que regulamentava os procedimentos para a fiscalização da condução sob a influência do álcool ou de substâncias psicotrópicas (v. art 1º, nºs 1 e 2 do referido Regulamento).

Segundo os nºs 1 e 2 do art 14º do Regulamento, por seu lado, nos testes quantitativos de álcool ao ar expirado só podem ser utilizados analisadores que obedeçam às características fixadas em regulamentação cuja utilização seja aprovada por despacho do presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, devendo tal aprovação ser precedida de homologação do modelo, a efectuar pelo Instituto Português da Qualidade, nos termos do Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros. Quanto aos requisitos dos analisadores quantitativos, estão os mesmos definidos na Portaria 902-B/2007, de 13/08.

Por seu lado, o controlo metrológico dos métodos e instrumentos de medição em Portugal obedece ao regime constante do DL nº 291/90, de 20 de Setembro, às disposições regulamentares gerais constantes do Regulamento Geral do Controlo Metrológico aprovado pela Portaria nº 962/90, publicado no DR, I série, de 09 de Outubro de 1990 e ainda às disposições constantes das portarias específicas de cada instrumento de medição. Isto mesmo resulta do preâmbulo da Portaria nº 1556/2007, de 19/12, que aprovou o regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, que entrou em vigor em 11/12/2007.

Igualmente resulta do disposto no artigo 5º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 244/2005, de 23 de Fevereiro (diploma preambular do Código da Estrada revisto), que os alcoolímetros estão sujeitos a aprovação da Direcção-Geral de Viação (a Direcção Geral de Viação foi extinta pelo art 16º, nº 2, al. e) da Lei Orgânica do MAI, nos seus domínios das políticas de prevenção e segurança rodoviária das contra-ordenações de trânsito, tendo-lhe sucedido em parte das suas atribuições a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, cuja Lei Orgânica foi aprovada pelo DL 77/2007, de 29/03), devendo para o efeito ser previamente submetidos a controlo metrológico no Instituto Português da Qualidade, para verificação da sua qualidade metrológica, o que se verifica relativamente ao aparelho em que foi efectuado o teste cujo talão consta de fls. 3 do apenso de inquérito nº 199/02.1GTABF.

A partir da entrada em vigor do Novo Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, passou a ser exigível que os registos de medição contenham a data da última verificação metrológica (art 9º, nº 2). Salvaguarda-se, contudo, a utilização de alcoolímetros cujo modelo tenha sido objecto de autorização de uso, determinada ao abrigo de legislação anterior, enquanto estiverem em bom estado de conservação e nos ensaios incorrerem em erros que não excedam os erros máximos admissíveis da verificação periódica (art 10º).

Tais erros máximos admissíveis são os que se encontram plasmados nas Recomendações da Organização Internacional de Metrologia Legal, por remissão para a norma NFX20701, conforme quadro que se segue:
Taxa de Álcool no Sangue (TAS) Erro Máximo Admissível
<0,92 g/l ± 0,07 >0,92 < 2,30 g/l ± 7,5% >2,30 < 4,60 g/l ± 15% >4,60 < 9,90 g/l ± 30%

Porém, a definição pelo Regulamento acima referido de determinados erros máximos admissível, quer para a aprovação de modelo de primeira verificação, quer para a verificação periódica, não significa que os valores da TAS indicados pelos alcoolímetros devidamente aprovados estejam errados.

A este propósito, escrevem M. Céu Ferreira e António Cruz, em comunicação apresentada no 2º Encontro Nacional da Sociedade Portuguesa de Metrologia, com o título “Controlo Metrológico de Alcoolímetros do Instituto Português da Qualidade (disponível no sítio www.spmet.pt): ”A definição, através da Portaria nº 748/94, de determinados erros máximos admissíveis, quer para a Aprovação de Modelo e Primeira Verificação, quer para a Verificação Periódica, visa definir barreiras dentro das quais as indicações dos instrumentos de medição, obtidas nas condições estipuladas de funcionamento, são correctas. Ou seja, um alcoolímetro de modelo aprovado e com verificação válida, utilizados nas condições normais, fornece indicações válidas e fiáveis apara os fins legais. Os EMA (Erros Máximos Admissíveis) são limites definidos convencionalmente em função não só das características dos instrumentos, como da finalidade para que são usados. Ou seja, tais valores limite, para mais ou para menos, não representam valores reais de erro, numa medição concreta, mas um intervalo dentro do qual, com toda a certeza (uma vez respeitados os procedimentos de medição), o valor da indicação se encontra.

De acordo com os resultados laboratoriais obtidos durante as operações de controlo metrológico, demonstra-se que os EMA não são uma margem de erro, nem devem ser interpretados como tal. O valor da indicação do instrumento é, em cada situação, o mais correcto”.

Daqui resulta que os EMA são, assim, erros que, aquando do controlo metrológico não podem ser ultrapassados pelo aparelho que está a ser sujeito a tal controlo. Ou seja, são os erros admissíveis que o aparelho pode apresentar no momento do controlo e que variam, também, em função da etapa – aprovação do modelo, primeira verificação, verificação periódica e verificação extraordinária. Os alcoolímetros obedecerão às qualidades e características e satisfarão os ensaios estabelecidos na norma NF X 20-701. V.

Qualquer alcoolímetro que respeite os factores de correcção nos momentos de Aprovação do Modelo, de Primeira Verificação e de Verificação Periódica, torna-se a partir de então um instrumento viável e fiável para as subsequentes medições realizadas, as quais devem ser consideradas nos valores obtidos sem nova consideração ou ponderação dos mesmos EMA, sendo certo que a Portaria nº 1556/2007, de 10/12 se limitou, no que releva, a recepcionar os novos requisitos advenientes do acatamento da Recomendação OIML R 126.

Acresce ainda que o art. 170º do Cód. da Estrada estabelece, no seu nº 3 que o auto de notícia levantado e assinado nos termos dos números anteriores faz fé em juízo sobre os factos presenciados pelo autuante, até prova em contrário. Por seu lado, o seu nº 4 estabelece que o disposto no nº anterior se aplica aos elementos de prova obtidos através de aparelhos ou instrumentos aprovados nos termos legais e regulamentares.

O quadro regulamentar existente, de acordo com os princípios gerais do controlo metrológico, visa proporcionar a garantia do Estado de os aparelhos funcionarem adequadamente para os fins respectivos e as respectivas indicações são suficientemente rigorosas para a determinação dos valores legalmente estabelecidos.

A sua comprovação, para todos os efeitos legais, faz-se pela aposição dos símbolos de controlo metrológico, nomeadamente pelo da Aprovação de Modelo e o da verificação anual válida, em cada aparelho submetido ao controlo metrológico, garantindo a sua inviolabilidade.

“Dado que estamos perante máquinas, existe sempre a possibilidade de erro no resultado (...). Máquinas que têm que ser rigorosa e periodicamente aferidas e, por entidades idóneas, oficiais, por forma, a que se não obtenham resultados adulterados. No caso concreto, estamos perante um aparelho de elevado nível tecnológico – com características funcionais que permitem efectuar a medição de teor de álcool no sangue, pelo método do ar expirado – sujeito previamente a exames pelo Instituto Português da Qualidade (momento que é o adequado a configurar as margens de erro possíveis) quer aquando da sua aprovação, quer de controlo periódico, determinantes para a sua entrada e manutenção, em funcionamento. Assim, observados que sejam os procedimentos correctos na sua recolha, o resultado tem carácter objectivo, sendo de presumir a sua exactidão, sem que se coloque, em causa, naturalmente, desde que de forma fundada e razoável, a possibilidade de o examinando poder questionar a utilização correcta do instrumento bem como a sua fiabilidade técnica” (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 10/09/2008, in www.dgsi.pt).

Caso tal situação se não verifique, não subsistirá qualquer dúvida razoável que imponha não se dê como assente o valor registado no talão do aparelho alcoolímetro.

“Donde, os valores a ter em conta para efeito de determinação e quantificação da taxa de álcool no sangue serão os que o alcoolímetro detectar e a que corresponde o valor indicado no talão por ele emitido” (Ac. do Trib. da Relação do Porto supra referido e, neste sentido, entre inúmeros outros, Ac. do Tribunal da mesma Relação de 24/09/2008, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa 26/07/2003, 03/10/2007, 09/10/2007, 18/10/2007, 23/10/2007, 29/10/2007, 19/02/2008,21/02/2008, Acórdão da Relação de Coimbra, de 09/04/2008, Acs. da Relação de Évora de 29/04/2008, de 23/06/2008 e de 22/04/2008, e Ac. do STJ, de 11/01/2007, todos in www.dgsi.pt).

Assim sendo, face a tudo o supra exposto, terá de se concluir que a taxa de álcool no sangue com que conduzia o arguido era a que consta do talão de fls. 3 do apenso de inquérito nº 199/02.1GTABF.

Quanto aos demais factos não provados, o decidido funda-se na circunstância de, quanto a tais factos não ter sido produzida qualquer prova, a produzida ter sido insuficiente ou ter sido feita a prova do contrário.

Assim, quanto aos factos constantes da acusação, bem como da contestação do arguido que se deram como não provados, o decidido resulta já da fundamentação da matéria de facto provada.

Quanto aos factos não provados do pedido de indemnização civil do Hospital de Faro, o decidido resulta de a soma do valor constante das facturas de fls. 118 a 121 ser o constante dos factos provados e não constante dos factos não provados.

Quanto aos factos não provados do pedido de indemnização civil da assistente N., o decidido funda-se na circunstância, quanto aos descritos em 1, 3 e 7 dos factos não provados, o decido funda-se na circunstância de não ter sido feita qualquer prova quanto aos mesmos; quanto aos descritos em 2, 4, 5 e 6, o decidido funda-se na circunstância de ter resultado o contrário das próprias declarações da assistente, em conjugação com o relatório pericial de fls. 625 a 631”.
*
Cumpre decidir.

B.2 - O âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação sem prejuízo, contudo, das questões do conhecimento oficioso, designadamente, a verificação da existência, ou não, dos vícios indicados no art. 410°, n.° 2, do Código de Processo Penal de acordo com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das secções do STJ de 19/1 0/95 in D.R., I-A de 28/12/95.

Não está o tribunal de recurso impedido, no entanto, de conhecer dos vícios referidos no art. 410º, nº 2 do Código de Processo Penal, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.

O recurso pode ainda ter como fundamento, mesmo que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada – nº 3 do referido preceito.

Mas é certo que se não descortina na sentença recorrida a existência de qualquer desses vícios.

Face às conclusões de recurso resta analisar a decisão do tribunal recorrido quanto aos seguintes pontos:
a) – Do lapso constante do nº 12 da decisão;
b) - Do erro notório na apreciação da prova e do dano patrimonial futuro quanto ao facto provado sob 10);
c) – Do lucro cessante;
d) - Dos danos emergentes;
e) – O montante de danos não patrimoniais;
f) - O momento de contagem de juros moratórios;

B.3 – Quanto ao lapso constante da decisão recorrida no nº 12, já o mesmo foi objecto de correcção pelo despacho de fls. 917-918.
Acrescenta-se que se procedeu à eliminação de um facto provado, o 72º, porquanto idêntico ao que constava do facto 74º e que ora constam do facto provado sob 73).
*
B.4 – O primeiro motivo de inconformidade do recorrente diz respeito ao erro notório na apreciação da prova e do dano patrimonial futuro, quanto ao facto provado sob 10).

Afirma o recorrente FGA que deveriam ter sido incluídos no facto provado sob 10º as conclusões 10ª e 11º do relatório do perito médico, designadamente, as expressões “não há rebate profissional” e “não há prejuízo de afirmação pessoal”, com fundamento de que tais expressões constam dum documento e não foram objecto de impugnação.

Ambos os argumentos são inatendíveis, pois que não estamos em sede de apreciação da prova segundo os modelos espartilhados, superficiais e anacrónicos do processo civil, sim no âmbito de apreciação da prova segundo o modelo de racionalidade da livre apreciação da prova em processo penal.

Assim, é irrelevante saber se o documento foi ou não impugnado, necessário é saber se os factos são relevantes para o objecto do processo e se dele constam, no caso de resposta afirmativa. E se o tribunal deu esses factos como provados após uma global apreciação dos meios de prova sopesados.
E não há dúvida de que constam como, aliás, o recorrente reconhece, até de forma mais completa, como se constata pela leitura do facto provado sob 10): “não tendo resultado sequelas definitivas para o desempenho das actividades da vida diária e actividade laboral habitual, mas implicando dificuldade em alguns casos e impossibilidade em outros de manter actividade de lazer a que estava habituada, devido a dor, bem como podendo exigir esforço acrescido para realização de tarefas que impliquem esforço físico”.

Ainda nesta sede insurge-se o recorrente contra a invocada contradição entre o provado em 10), que se acaba de referir, com a atribuição de um dano patrimonial futuro, dano esse que se deveria qualificar como não patrimonial.

Entendemos que o recorrente não tem razão, pois que a dor e o esforço acrescido para a realização de tarefas que incluem esforço físico, incluem toda a vida da lesada que implique esforço físico e, nesse campo, até a simples vida doméstica é afectada, para além de que, as tarefas profissionais também serão afectadas em maior ou menor medida.

E, não há dúvida, os danos sofridos pela lesada devem caracterizar-se como dano biológico que é e sempre será sentido no futuro, com reflexos quer na vida profissional quer na sua vida não profissional, no seu dia-a-dia.

Que tal dano biológico, enquanto dano futuro, deve ser qualificado como dano patrimonial não restam dúvidas, pois que assim são caracterizados pelo Código Civil e pela abundante jurisprudência.

E, secundando o afirmado pelo tribunal recorrido, as portarias indicadas pelo recorrente não revogaram, como não poderia deixar de ser, o dito diploma civil.

Que o recorrente defenda, de iure constituendo, toda uma nova conceptualização, uma nova dogmática, diversa qualificação dos danos é aceitável. Que queira revogar o Código Civil com a vigência das Portarias é questão que encontra algumas dificuldades conceptuais.

Para a primeira pretensão teria todo o nosso apoio. Para a segunda não tanto.
*
B.4 – Já o segundo motivo de recurso se concentra no lucro cessante, aqui concretizado no montante de 8.754,36 € devidos a título de salários, subsídios de férias e Natal que deixou de auferir.

Alega o recorrente nas suas conclusões VII a IX:

VII - No que respeita a lucros cessantes, os montantes pagos pela Companhia de Seguros Global correspondem, naturalmente, à quantia líquida a que a demandante tinha direito.

VIII - Não havendo a possibilidade de cumular indemnizações, quando o acidente é simultaneamente de viação e de trabalho, como é o caso do dos autos, tem-se entendido que os lucros cessantes e o dano patrimonial futuro, quando exista, ou seja, todo o eventual prejuízo salarial é coberto pelo seguro de acidentes de trabalho, sendo apenas responsabilidade do terceiro responsável pelo sinistro automóvel, a parte relativa aos danos não patrimoniais e ao reembolso à seguradora de acidentes de trabalho das quantias despendidas.

IX - Constitui, pois, enriquecimento sem causa, a condenação do FGA no pagamento de 8.754,36 euros, relativo a salários - Violação do art. 473.º do C. Civil.

Olvida o recorrente que o contrário resulta do provado nos factos provados sob 53º e 57º.

53ª - Devido às lesões decorrentes do embate e, ao longo período de Incapacidade Temporária Profissional Global e de Incapacidade Temporária Profissional Parcial supra referidos o seu vencimento mensal foi garantido parcialmente, a título de indemnização, pela GLOBAL, Companhia de Seguros S.A., em virtude da apólice nº 202009599 para acidentes de trabalho por conta de outrem.

57º - O valor total dos montantes salariais que a assistente deixou de receber é, assim, de € 8.754,36 (oito mil, setecentos e cinquenta e quatro euros e trinta e seis cêntimos).

Não há, pois, cumulação de indemnizações.

Por outro lado, sendo certo que a assistente não trabalhou nesse período e não teve gastos inerentes ao seu desempenho profissional, nada se provou quanto a essas despesas, o que sempre seria ónus do recorrente alegar e provar.

B.5 – Dos danos emergentes.

Este motivo de inconformidade do recorrente centra-se no valor venal do veículo, inferior ao quantificado para a sua reparação.

Argumenta o recorrente com o instituto do enriquecimento sem causa e com o disposto na al. b) do nº 1 do artigo 16 do Dec-Lei nº 2/98, de 03-01 [“Para efeitos do disposto no artigo anterior entende-se por salvado o veículo a motor que, em consequência de acidente, entre na esfera patrimonial de uma companhia de seguros por força de contrato de seguro automóvel e (b) cujo valor de reparação seja superior a 70% do valor venal do veículo à data do sinistro”]

Tal artigo apenas contém o conceito de salvado, desde logo para efeitos contra-ordenacionais.

Daí não decorre que o valor de um veículo danificado (e não perdido e mesmo que o fosse) seja quantificado pelo seu valor de “salvado” para efeitos indemnizatórios.

No caso, nem sequer se pode falar em salvados, pois que o que é pedido é a sua reparação.

A privação do uso de um veículo constitui um ilícito que causa um dano indemnizável, sendo certo que a assistente provou o seu uso e o montante da quantia necessária à sua reparação. Ou seja, alegou e provou factos que demonstram um dano específico.

Por outro lado, parece o recorrente olvidar que o princípio base indemnizatório é a reconstituição natural e, no caso, essa reconstituição natural passa pela reparação do veículo que nem sequer se mostra excessivamente onerosa (sequer onerosa).

Face à prova desse dano em montante não excessivamente oneroso, enriquecimento sem causa haveria, da banda do recorrente, se fosse fixada a indemnização pelo valor do “salvado”.

Aliás, é abundante a jurisprudência do STJ sobre a matéria.

II - Em relação a um veículo automóvel acidentado, sendo a sua reparação integral possível, deve privilegiar-se a sua reconstituição natural, excepto se se revelar excessivamente onerosa, o que corresponde a que o encargo seja exagerado, desmedido, desajustado para o obrigado, transcendendo-se os limites de uma legítima indemnização.

III - Um veículo de valor comercial reduzido pode estar em excelentes condições e satisfazer plenamente as necessidades do dono. Nestas circunstâncias a quantia equivalente ao valor de mercado do veículo (muitas vezes ínfima) não conduzirá à satisfação dessas mesmas necessidades, o que equivale a dizer-se que não reconstituirá o lesado na situação que teria se não fosse o acidente, pelo que a situação inicial do lesado só será reintegrada com a reparação do veículo.

IV - A indagação sobre a restauração natural ou a indemnização equivalente, deve fazer-se casuisticamente, sem perder de vista que se deve atender à melhor forma de satisfazer o interesse do lesado, o qual deve prevalecer sobre o do lesante, sendo pouco relevante, para os fins em análise, que o valor da reparação do veículo seja superior ao seu valor comercial.

V - Demonstrando-se que a reparação do veículo, no caso concreto, era possível e sendo a diferença entre o valor da reparação e o valor venal da viatura de apenas 1 241,47 € (2 999,47 – 1 750), além da lesante ser uma companhia de seguros, a reparação pretendida não se revela excessivamente onerosa para ela, dado que o valor em si deve ser entendido como pouco relevante para uma seguradora, não sendo crível que possa ter reflexos significativos na sua situação patrimonial.

VI - A simples privação de um veículo sem a demonstração de qualquer dano, i.e., sem qualquer repercussão negativa no património do lesado, não é susceptível de fundar a obrigação de indemnizar, sendo necessário alegar-se e provar-se factos no sentido de que a imobilização possa significar danos para o seu proprietário.

VII - Provando-se circunstâncias que não consubstanciem simples incómodos ou transtornos (em relação aos quais a tutela do direito não se justifica – art. 496.º, n.º 1, do CC), mas sim elementos de alguma relevância que se repercutiram negativamente na qualidade de vida dos autores – v.g., utilização do veículo facilitava o acesso ao trabalho e contribuía para a fruição de momentos livres – é de considerar que a privação do uso do veículo lhes causou danos não patrimoniais. - Ac. STJ de 21-04-2010 – Proc. 17/07.4TBCBR.C1.S1

1. Em matéria de obrigação de indemnização há uma clara opção da lei civil pela reconstituição in natura face à indemnização pecuniária: a obrigação de indemnização cumpre-se, fundamentalmente, através da reparação do objecto danificado ou da entrega de outro idêntico.

2. A obrigação pecuniária apresenta-se como um sucedâneo a que se recorre apenas quando a reparação em forma específica se mostra materialmente impraticável, não cobre todos os prejuízos ou é demasiado gravosa para o devedor, verificando-se esta última situação sempre que exista flagrante desproporção entre o interesse do lesado e o custo da restauração natural para o responsável.

3. Na ponderação da situação da excessiva onerosidade para o devedor não podem deixar de ser considerados factores subjectivos, respeitantes não só (embora primacialmente) à pessoa do devedor, e à repercussão do custo da reparação natural no seu património, mas também às condições do lesado, e ao seu justificado interesse específico na reparação do objecto danificado, antes que no percebimento do seu valor em dinheiro.

4. Não é de considerar excessivamente onerosa para a ré – uma companhia de seguros – a reparação do veículo do autor, danificado em acidente de viação ocorrido por culpa do segurado daquela, sendo de € 15.500,00 o valor de mercado do veículo à data do acidente, de € 1.000,00 o valor dos salvados, e de € 17.277,89 o valor da reparação, estando garantido que, uma vez reparado, o veículo manterá os níveis de equilíbrio e segurança que possuía antes do acidente, e tratando-se de um automóvel com 10.200 Km, pelo qual o autor tem grande estima, utilizando-o diariamente na sua vida profissional e não possuindo outra viatura. - Ac STJ de 05-06-2008 – Proc. 08P1370

1 - Em matéria da obrigação de indemnização por danos o princípio, a regra, é a restauração natural; a excepção é a indemnização por equivalente.

2 - Aplicando à situação as regras básicas do ónus da prova, ao Autor cabe a prova do princípio, à Ré cabe a prova da excepção.

3 - Ao autor, que viu o seu automóvel danificado em acidente de viação, cabe a prova do em quanto importa a sua reparação, restaurando in natura o veículo danificado; à Ré seguradora, que acha essa reparação excessivamente onerosa, cabe a prova disso mesmo - que a reparação é não apenas onerosa, mas excessivamente onerosa.

4 - Um dos pólos da determinação da excessiva onerosidade é o preço da reparação; o outro não é o valor venal do veículo mas o seu valor patrimonial, o valor que o veículo representa dentro do património do lesado.

5 - Se a ré seguradora quer beneficiar da excepção não lhe basta «encostar-se» ao valor venal; antes precisa de alegar e provar que o autor podia adquirir no mercado, e por que preço, um outro veículo que igualmente lhe satisfizesse as suas necessidades «danificadas» - Ac. do STJ de 04-12-2007 – Proc. 06B4219

1. A reconstituição natural é inadequada se for manifesta desproporção entre o interesse do lesado e o custo para o lesante que ela envolva, em termos de representar para o último um sacrifício manifestamente desproporcionado quando confrontado com o interesse do lesado na integridade do seu património.

2. Não basta para se aferir da onerosidade da reparação in natura de um veículo automóvel a consideração do seu valor venal ou de mercado, antes se impondo o seu confronto com o valor de uso que o lesado dele extrai pelo facto de dele dispor para a satisfação das suas necessidades.

3. Justifica-se, por não ser inadequada, a reparação do veículo automóvel matriculado em 1983, melhorado, bem conservado, com 111.410 quilómetros andados, cujo custo excede o seu valor de mercado em € 1.247.

4. A mera privação do uso de um veículo automóvel, sem qualquer repercussão negativa no património do lesado, ou seja, se dela não resultar um dano específico, é insusceptível de fundar a obrigação de indemnização no quadro da responsabilidade civil. - Ac. do STJ de 12-01-2006 – Proc. 05B4176

É, pois, improcedente este motivo de inconformidade do recorrente.

B.6 – Outro motivo de divergência do recorrente centra-se no montante arbitrado a título de danos não patrimoniais.

Defende o recorrente que o dano não patrimonial deve ser fixado em função dos critérios da Portaria nº 679/2009.

Os critérios definidos nas Portarias nº 377/2008, de 26-05 e 679/2009, de 25-06 são meramente orientadores de valores razoáveis para efeito de apresentação aos lesados por acidente automóvel e não afastam a fixação de valores de indemnização superiores aos propostos – artigo 1º, nsº 1 e 2 da primeira daquelas portarias.

Pretende-se, como aliás consta do preambulo do diploma, a agilização de apresentação de propostas razoáveis de compensação e não a fixação definitiva de valores indemnizatórios.

O objectivo último é evitar a judicialização de conflitos, sendo certo que, no caso, tal objectivo não foi obtido.

E, não obstante se não poder afirmar que a judicialização acarreta uma sanção pelo fracasso da proposta pré-judicial (o que deveria), certo é que esse fracasso de mediação informal não pode ser erigido à dignidade de verdade inatacável pelo poder judicial, sendo aceitável (até por razões pragmáticas e de acordo com os objectivos dos diplomas, o evitar a judicialização) que o valor indemnizatório seja fixado em montantes superiores aos constantes das referidas portarias.

Acresce, pelo que se lê do preâmbulo da Portaria nº 377/2008, os valores das “propostas razoáveis” tiveram por base, em parte significativa, estudos do mercado segurador, do Fundo de Garantia Automóvel e das companhias seguradoras e não, não consta, qualquer intervenção de organismos de defesa de interesses dos sinistrados, mormente de defesa do consumidor, pelo que mais não são que a consagração dos estudos de um lobby económico muito bem definido que não pode vincular o poder judicial enquanto não constantes de legislação revogatória do Código Civil.

Quanto ao montante da indemnização devida por danos não patrimoniais alega o recorrente que se deve ter em conta apenas a situação económica do lesante e não a do FGA.

Não nos parece, desde logo porque o FGA também é garante do pagamento indemnizatório. Aliás, por alguma razão a condenação é solidária.

Depois porque o montante arbitrado bem poderia ser mais elevado, considerando o sofrimento da lesada assistente, bem patenteado nos autos.

Não há, pois, que alterar o decidido.

B.7 – O último motivo de recurso, agora de banda da assistente, diz respeito ao momento a partir do qual são devidos juros de mora.

Aqui impera a jurisprudência obrigatória do acórdão nº 4/2002 (Processo nº 1508/2001 — 1ª Secção) do STJ de 9 de Maio de 2002: “Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do n. 2 do artigo 566º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805º, n. 3 (interpretado restritivamente), e 806º, n. 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação”.

O cálculo de danos futuros e não patrimoniais é, claramente, uma decisão actualizadora, já que os danos foram quantificados pelos critérios existentes à data da prolação da sentença lavrada pelo tribunal recorrido.

Já os danos patrimoniais foram contabilizados pelo valor dos bens à data do sinistro ou antes de prolatada a sentença recorrida, pelo que haverá que fazer operar as regras básicas da constituição em mora.

Houve, portanto, dois momentos de contabilização de juros: desde a notificação quanto aos danos patrimoniais (lucros cessantes e danos emergentes, quantificados em 10.967,64 € (8.754,36 + 2.213,28); desde a data de prolação da sentença em 1ª instância quanto aos danos futuros e danos não patrimoniais no montante de 51.717,10 € [21.717,10 (por redução processual) + 30.000 €].

Não se vê como criticar a sentença recorrida, na medida em que a contabilização de juros se encontra feita de acordo com a natureza dos danos e com a citada Jurisprudência obrigatória.

Não é a circunstância de os danos (o seu quantum) terem procedido na totalidade quanto aos danos não patrimoniais que indicia uma errada quantificação, sem esquecer que os danos futuros foram quantificados em montante superior ao peticionado, não obstante reduzidos por razões processuais.

É, pois, improcedente o recurso da assistente.

C - Dispositivo
Assim, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a 2ª Secção Criminal deste tribunal em declarar improcedentes os recursos interpostos.

Custas por ambos os recorrentes, nos termos dos artigos 513º e 520, al. a) do CPP e 87º, nº 1, al. b) do CCJ, fixando-se a taxa de justiça em 2 (duas) U.Cs. para cada um deles.

(elaborado e revisto pelo relator antes de assinado).
Évora, 21 de Junho de 2011

João Gomes de Sousa


António Alves Duarte


http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/ca6013527eba5eb2802578cb003d1ded?OpenDocument

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

ACÓRDÃO EUROMILHÕES - CONFISSÃO, DEPOIMENTO DE PARTE, CONTRATO ATÍPICO, SOCIEDADE - Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães - 19-05-2011

Acórdãos TRG
Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1498/08.4TVLSB.G1
Relator: RAQUEL REGO
Descritores: CONFISSÃO
DEPOIMENTO DE PARTE
CONTRATO ATÍPICO
SOCIEDADE

Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 19-05-2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S

Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE

Sumário: I - Não pode ser equiparável à confissão a condescendência quanto a determinado facto, dada a exigência contida no artº 357º, nº1, do Código Civil.
II - o Tribunal, em qualquer altura do processo, pode determinar a comparência pessoal das partes para a prestação de depoimento sobre factos que interessem à decisão da causa.
III - Quando a parte presta o seu depoimento não se visa exclusivamente a confissão.
IV - Nada obsta a que o tribunal na sequência dos poderes que tem de ouvir qualquer pessoa, incluindo as partes, por sua iniciativa, na busca da verdade material, tome em consideração, para fins probatórios, as declarações não confessórias da parte, as quais serão livremente apreciadas, nos termos do artº 655º, nº1, do Código de Processo Civil.
V – A actividade de um par de namorados que, semana após semana, faz um exercício comum de escolha das chaves e de preenchimento e registo das apostas, visando a obtenção de lucro patrimonial que está exclusivamente dependente do factor “sorte”, configura-se como uma sociedade de fito não económico.
VI – Tal acordo qualifica-se como um contrato atípico, a que deve aplicar-se as disposições relativas à sociedade.


Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:



I – RELATÓRIO.



1. Luís…, solteiro, residente em Courel, Barcelos, intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário contra Augusto… e mulher Maria…, bem como contra Cristina…, todos residentes em Remelhe, Barcelos, pedindo sejam os RR. condenados:
- A entregar ao A. todo o valor correspondente ao prémio obtido no jogo do “euromilhões”, do concurso 07/2007, no valor de €15.000.000,00, acrescido de juros e demais frutos recebidos pela aplicação do mesmo, juros esses contados desde a data de recebimento do prémio e até integral e efectivo pagamento;
- Quando assim se não entenda, mormente caso se conclua que o pagamento de €2,00, efectuado posteriormente à obtenção do prémio, corresponde a um terço do mesmo, sempre o A. terá direito a dois terços do prémio obtido no sorteio;
- Finalmente, sempre e em última instância, o A. terá direito a metade do prémio obtido;
- Sempre, e em todas as circunstâncias e situações supra descritas, ao valor a entregar ao A. pelos RR deverá acrescer juros e frutos, contados desde a data do recebimento do prémio até integral e efectivo pagamento.

Para tanto e em suma, alegou que há cerca de três anos encetou uma relação de namoro com a ré Cristina Simões e, desde então, começaram a jogar no “euromilhões”, em conjunto.
Nessa sequência, no dia 9 de Janeiro de 2007, como era habitual, de acordo com a dita ré, efectuou o registo de três apostas pelo que pagou um total de €6,00.
Efectuado o sorteio, no dia 19/01/07, veio a constatar-se que uma das apostas tinha sido premiada com um prêmio de €15.000.000,00.
Por solicitação e insistência da ré Cristina, foi assinada um declaração na qual constava que o titular do prémio seria o réu Augusto, com a justificação de o seu pai ser mais sabedor.
Não obstante ulteriores insistências e interpelações que efectuou, os RR nunca entregaram ao A. qualquer parte do montante global do prémio, que, por direito próprio lhe pertence.

2. Regularmente citados, contestaram os RR aceitando a invocada relação amorosa e a regularidade do jogo durante o namoro, mas dizendo que jogavam individualmente, ficando sempre claro entre eles quais eram as apostas de cada um, suportando também cada um, exclusivamente do seu bolso, o custo das apostas que faziam, sendo, por isso, absolutamente falso que jogassem em conjunto.
Concluem pela total improcedência da acção, com a sua consequente absolvição do pedido.

3. O autor apresentou réplica na qual, após impugnar a versão dos factos alegada pelos RR, concluíu como na petição inicial.

4. Procedeu-se à elaboração da matéria de facto assente e da base instrutária e realizou-se a audiência de julgamento com observância do formalismo legal, tendo-se respondido à matéria constante da base instrutória por despacho proferido a fls. 1048 e segs., sem reclamação.

5. De seguida, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e condenou todos os RR a pagar ao Autor:
- O montante correspondente a metade do valor do prémio do euromilhões - €7.500.000,00 —, acrescido de metade do valor resultante dos frutos civis ou rentabilização desse capital, obtidos através do investimento efectuado em produtos bancários;
- O montante correspondente a metade do valor global recebido ou levantado por A. e R. que inclui o valor dos juros levantado pela R. -, acrescido de juros de mora, à taxa legal, contados desde a data em que a A. procedeu à transferência do valor dos supra aludidos €100.000,00 - 17/05/07 -, até efectiva entrega, e incidentes sobre o valor da diferença existente entre o valor que o A. já recebeu — valores que lhe foram entregues pela R. -, e o correspondente àquele a que tem direito — correspondente ao valor da referida metade -, e que esteve na posse da R., Cristina.

6. Inconformados, apelaram os RR para este Tribunal, concluindo as suas alegações nos seguintes termos:
(…)


Terminam pedindo o integral provimento ao presente recurso, anulando-se a sentença recorrida que deverá ser substituída por acórdão que absolva totalmente os RR do pedido.
7. Foram apresentadas contra-alegações pugnando pela manutenção do decidido.

II. FUNDAMENTAÇÃO

A. Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos:

1 - O A. é estudante da Universidade Lusíada, pólo de Vila Nova de Famalicão.
2 - Vive rio lugar de Boavista, Courel, em Barcelos.
3 - O A. e a R. Cristina namoravam há cerca de 3 anos.
4 - Os 1º e 2º RR são pais da 3ª R.
5 - De Agosto de 2005 até Setembro de 2007, o A. trabalhou na empresa “P… & T… , Lda.”.
6 - Empresa esta com escritório na Rua Fernão de Magalhães, nº2, 54/76, Barcelos.
7 - O horário de trabalho era das 9h às 12h30 e das 14h30 às 19h.
8 - Durante este período e no período de almoço, o A. deslocava-se do trabalho para casa para aí fazer a sua refeição de almoço.
9 - Fazendo o caminho inverso, de casa para o trabalho, a seguir ao almoço, sempre entre as 14,00 h e as 14,25h.
10 - Jogavam, com regularidade, no jogo da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) designado “euromilhões”.
11 - Praticamente todas as sextas-feiras, o A. dirigia-se ao Balcão da “Casa Brandão”, na freguesia de Alvelos, Concelho de Barcelos, para aí fazer a aposta e respectivo registo do “Euromilhôes”.
12 - A “Casa Brandão” situa-se a caminho do domicílio do A. para o trabalho.
13 - A caminho da casa Brandão, no dia 19-01-2007, o Autor recebeu uma mensagem da sua namorada, aqui 3ª Ré, a lembrá-lo de jogar no dito euromilhões”
14 - Em regra, a aposta era de cerca de €2,00 (dois euros) a €6,00 (seis euros) por semana.
15 - Sendo uma aposta sugerida pela 3 Ré.
16 - Habitualmente o A. jogava duas apostas e a R. Cristina apenas uma, embora nem sempre assim sucedesse (dado que muitas vezes jogavam ambos o mesmo número de apostas).
17 - E também habitualmente as apostas eram feitas num único boletim e realizadas num só momento pelo A.
18 — Desde que iniciaram o namoro o A. e a R. Cristina jogavam no euromilhões, pelo menos, uma aposta sugerida pela R., Cristina, e outra sugerida pelo A., sendo que, por vezes, este último, por sua iniciativa, fazia mais apostas, suportando os respectivos custos, sem que disso desse prévio conhecimento à R., Cristina, mas fazendo-o com a convicção de que se saísse o prémio em qualquer delas estava obrigado a proceder à divisão pela metade, com a R., Cristina.
19 - Um dos boletins do euromilhões que o A. e a R., Cristina, jogaram foi premiado com um prémio de valor não concretamente determinado.
20 - O valor do custo das apostas semanalmente efectuadas era suportado pelo A. e pela R. Cristina.
21 - Na presente situação, referente ao sorteio nº3, de 2007, do “euromilhões”, o A. efectuou o pagamento de €4,00, e a R., Cristina, de €2,00, referentes a duas e a uma das três apostas efectuadas, respectivamente.
22 - O registo de aposta foi efectuado às 14.15 h. do dia 19 de Janeiro de 2007.
23 - Registo esse que o A. fez, pagando um total de €6,00 (seis euros), equivalente a três apostas.
24 - O A. guardou o talão comprovativo de pagamento e aposta consigo.
25 - Após a realização do sorteio do euromilhões, no mesmo dia 19/01, o A. e a R., Cristina, constataram que o talão que aquele detinha tinha sido o premiado, com o 1º prémio no valor total de €15.000.000,00 (quinze milhões de euros).
26 - A chave sorteada com o primeiro prémio deste jogo, corresponde aos números 5-13-27-33—42, e as estrelas 2 e 4, indicados pela R. Cristina, que os comunicou ao A., por forma não concretamente apurada.
27 - Depois de ter verificado que no sorteio do “euromilhões” tinha saído a chave que tinha indicado ao A., a R. Cristina telefonou-lhe a confirmar se ele tinha registado a aposta por si sugerida.
28 - Perante a resposta afirmativa do A., comunicou-lhe que o “euromilhões” tinha saído na chave que ela indicou no boletim que tinha registado.
29 - E pediu-lhe para guardar o talão e para lho entregar no dia seguinte.
30 - Ao que o A. anuiu.
31 - Após essa constatação — de que o talão que o A. detinha havia sido premiado -, a R. Cristina deu conhecimento desse facto aos RR. Augusto… e Maria…., seus pais, e o Autor deu também desse facto conhecimento ao Joaquim…, seu pai.
32 - O A., no dia seguinte - 20 de Janeiro de 2007, sábado - apareceu em casa da Ré Cristina, por volta das 20 horas e 30 minutos.
33 - O A. entregou voluntariamente à R. Cristina e à mãe desta o talão do registo da aposta efectuada, cujo original foi entregue à SCML.
34 - Nessa ocasião a R. Cristina entregou ao A. o valor de €2,00, referente à aposta correspondente aos números por ela indicados.
35 - E o A. não reclamou qualquer parcela do prémio.
36 - Durante a semana seguinte, o Autor, todos os RR. e o pai do Autor combinaram deslocar-se à Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML), para se proceder à confirmação do prémio e ao seu eventual levantamento.
37 - A R. Cristina já tinha em sua posse os títulos relativos à aposta premiada.
38 - O A. era, nessa ocasião, o seu namorado e tinha sido ele quem procedeu ao registo da aposta que levou à obtenção do prémio.
39 - E, no dia combinado o A. apareceu na estação de serviço de Viatodos, acompanhado pelo seu pai, local onde ficaram de se encontrar para depois seguirem para a estação de caminho de ferro de Vila Nova de Famalicão, dado pretenderem fazer a viagem de ida e volta de comboio.
40 - Na SCML de Lisboa — no departamento de jogos — foram recebidos por uma responsável que se identificou como sendo a Drª Ana Marta Costa.
41 - Intitulando-se como uma das responsáveis pelo atendimento e pagamento deste tipo de prémios.
42 - Esta perguntou aos presentes quem tinha sido o premiado.
43 - Nessa reunião tendo sido colocada por um dos presentes a questão de saber se era possível passar mais do que um cheque para pagamento da totalidade do valor do prémio, a Drª Ana Marta logo esclareceu que a SCML só iria proceder à emissão de um cheque. 44 - A Drª Marta aguardou que lhe fosse comunicado por algum dos presentes, qual o processo que pretendiam que fosse adoptado para proceder ao pagamento do prémio.
45 - A R. Cristina, por razões de segurança e por entender que o seu pai era uma pessoa com maior experiência de vida do que ela, solicitou à Drª Ana Marta que o pagamento do prémio fosse efectuado ao seu pai e que em nome dele fosse emitido o correspondente cheque.
46 - Após a R. Cristina ter informado a Drª Marta de que pretendia que o pagamento do prémio do euromilhôes fosse emitido em nome do Augusto… , seu pai, este último encetou contacto directo com ela.
47 - Na reunião que se seguiu na SCM a conversa decorreu, essencialmente, entre os RR. Augusto… e Cristina e a referida Drª Ana Marta.
48 - Nessa mesma altura foi assinada uma declaração, intitulada “termo de identidade”, na qual constava que o titular do prémio seria o Sr. Augusto…, aqui 1.2 R,.
49 - A declaração donde constava que o titular do prémio era o 1º Réu foi feita por virtude de isso assim ter sido solicitado pela R. Cristina.
50 - Isso foi sugerido pela R. Cristina, alegando, designadamente, “questões de segurança”.
51 - A R. Cristina justificou tal acto com o facto do pai, enquanto pessoa mais velha e experiente do que ela, reunir melhores condições para tratar de assuntos relacionados com o dinheiro do prémio, nomeadamente, a nível bancário.
52 - Nesse mesmo dia receberam desta — Drª Marta — a informação de que o valor do prémio só poderia ser levantado após dez dias úteis, aproximadamente, depois daquela data.
53 - O A. e o seu pai, presentes na reunião, permaneceram em silêncio e não deduziram qualquer objecção nem reclamaram o pagamento de qualquer parcela do prémio.
54 - Ficou então acordado nessa reunião que a SCML iria passar, no prazo aproximado de dez dias úteis, um cheque a favor do 1º Réu.
55 - Que seria entregue — por razões de segurança - na instituição bancária escolhida pela Cristina.
56 - A 7/02/07, os 4 intervenientes deslocaram-se à Caixa Central e Crédito Agrícola Mútuo de Lísboa — A., os 3 RR. e o pai do A. — e a dita Drª Ana Marta Costa.
57 - Tendo ainda estado presentes, os gerentes do Balcão e de conta, Paulo Correia e Manuel Ferreira.
58 - Na deslocação à CCAML, no dia 07/02/2007, onde os esperava a Drª Ana Marta foram entregues à Cristina e ao seu pai os documentos relativos ao pagamento do prémio.
59 - Nessa ocasião foram abertas duas contas bancárias, na C.C.C.A.M., de Lisboa, sendo uma delas aberta em nome do A. e de todos os RR. e outra em nome do A. e da R. Cristina.
60 - “FF” Na conta aberta em nome dos quatro — A. e 3 RR. — ficaram como 1ºs titulares os pais da R., Cristina, a R. Cristina e do A.
61 - “GG” O cheque relativo ao prémio de €15.000.000,00 foi emitido em nome do lº R. e depositado nessa conta.
62 - Nem o Autor, nem o seu pai levantaram, na ocasião, qualquer objecção à solução vertida nas alíneas “FF” e “GG”, da matéria assente.
63 - Qualquer movimento da conta aberta em nome dos 4 intervenientes só poderia ser efectuado pelos pais da R., Cristina, ou por qualquer um dos outros titulares com o consentimento daqueles.
64 - Para essa conta aberta em nome do A. e da 3ª R. nunca foi transferido qualquer dinheiro.
65- Embora a conta estivesse em nome dos pais da Cristina, que eram os seus primeiros titulares e os que a podiam movimentar, a R. Cristina pediu informações e deu ordens de movimentação da mesma.
66 - A R. Cristina, com autorização dos primeiros titulares da conta, dava ordens e efectuava pedidos que os referidos colaboradores da instituição bancária respeitavam e cumpriam.
67 - Era com a R. Cristina e com os pais desta que os gerentes bancários sempre trataram das questões relacionadas com as contas bancárias onde foi depositado o dinheiro do prémio.
68 - Do montante relativo ao prémio foram feitas cinco transferências e todas, no seu conjunto, de valor não superior a €100.000,00 (cem mil euros).
69 - E desse valor, o A., na sua conta pessoal — nº 104040192560554 —, recebeu aproximadamente cerca de €75.000,00 (setenta e cinco mil euros).
70 - Foram transferidos para a conta comum do A. e da 3. R. — 104040209671107—, na Caixa Agrícola de Barcelos, cerca de €22.500,00 (vinte e dois mil e quinhentos euros).
71 - Foram transferidos valores monetários para a conta dos pais da 3ª Ré.
72 - Em 17/05/07 foi feita uma transferência do montante de €100.000,00 da conta nº 40210043452, para a conta nº 40079274329.
*

B) O objecto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (arts. 684º, nº3, 685º-A e 685º-B, nº2, b), do C. P. Civil).
Tenha-se, ainda, presente que nos recursos se apreciam questões e não razões.

*
Por razões de ordem prática, a abordagem do presente recurso não obedecerá à sistematização dada às mui doutas alegações, à qual, de resto, o Tribunal não está vinculado.
*
Comecemos, por isso, por conhecer de um invocado erro material de que fala aquela peça processual.
Alega-se não constar da sentença a alínea “FF” da matéria assente.
Tal alínea (fls. 190) é do seguinte teor:
«Nessa reunião procedeu-se à abertura de uma conta em nome dos quatro – A e 3 RR – da qual constavam como 1ºs titulares os pais da R. Cristina (também aqui RR) a Ré Cristina e do Autor».
Salvo melhor entendimento, não se descortina o invocado erro. Na verdade, a factualidade contida na citada alínea encontra-se reproduzido sob os nºs 59 e 60 dos factos consignados na sentença recorrida, sendo que o primeiro contém, ainda, parte da alínea II).
Improcede, pois.
*
Entre-se, agora, na reapreciação da matéria de facto.
Todos sabemos o regime jurídico atinente à apreciação da prova pelo Tribunal da Relação que, de todo o modo, aqui se impõe reproduzir.
Nos termos do disposto no artº 712º, nº1, do Código de Processo Civil, a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação:
a) se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artº 685º-B, a decisão com base neles proferida;
b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas;
c) Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou.
Por seu turno, dispõe o nº2 do artº 685°-B, do Código de Processo Civil que, quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente, sob pena de rejeição, em que se funda para arguir o erro na apreciação da prova.

Os apelantes insurgem-se quanto às respostas dadas aos quesitos 5º, 24º e 50º da Base Instrutória.

Relativamente ao quesito 5º, cujo teor era se «Depois da euforia e choque iniciais, normais neste tipo de situações, contactaram os aqui 1º e 2º réus e o autor contactou igualmente o seu pai?», respondeu o Tribunal a quo que «Após essa constatação – de que o talão que o autor detinha havia sido premiado – a ré Cristina deu conhecimento desse facto aos RR Augusto… e Maria…, seus pais, e o autor deu também desse facto conhecimento ao Joaquim… , seu pai».
Segundo a apelação, é falsa a parte respeitante ao autor e ao seu pai, porquanto, sendo o prémio de 19.01.2007, só no domingo, dia 21 é que aquele o deu a conhecer a este.
Sustenta-se nos depoimentos que reproduz a fls. 1193 e 1194, dos quais resulta que que só no dia 21 o autor deu a conhecer que lhe tinha saído o euromilhões.
Dando por adquirido que as afirmações reproduzidas vão, realmente, no sentido de que assim foi, ou seja, de que a comunicação foi efectuada no domingo, isso em nada contraria a resposta dada ao quesito. Nela não é dito que o conhecimento ao pai do autor foi dado de imediato ou no mesmo dia, mas tão só que lhe foi dado conhecimento.
Por outro lado, da mera comunicação no domingo não resulta a relevância que se lhe pretende atribuir. É que essa circunstância, em termos abstractos, poderá resultar de um carácter mais reservado ou cauteloso ou de relacionamento mais distante e menos eufórico entre pai e filho.
Acresce que o teor do artº 26º da petição inicial não permite as ilações que os apelantes, numa leitura de parte muito pessoal e em favor da sua tese, dele querem retirar.
Portanto, com certeza se pode dizer que as afirmações invocadas no recurso não são incompatíveis com a resposta dada, pelo que é de manter.

Quer também atacar-se a resposta dada ao quesito 24º, cujo teor era o seguinte: «No dia 19 de Janeiro de 2007, a ré Cristina enviou do seu telemóvel (do operador TMN, com o nº963302912) para o telemóvel do autor (do operador TMN com o nº967142409) uma mensagem em que lhe pedia para registar a sua aposta e lhe indicava a chave que pretendia que fosse registada?»
Obteve como resposta que estava «Provado apenas que a caminho da casa Brandão, no dia 19-01-2007, o autor recebeu uma mensagem da sua namorada, aqui 3ª ré, a lembrá-lo de jogar no dito “euromilhões”.
Em defesa da tese do recurso, diz-se que o Tribunal não valorou devidamente o depoimento do autor produzido na providência cautelar de arrolamento (apensos A e B).
Dispõe o artº 355º, nº3, do Código Civil que a confissão feita em qualquer procedimento preliminar ou incidental vale como confissão judicial na acção correspondente.
Sabemos todos que o depoimento de parte é um meio processual destinado a provocar a confissão judicial, ou seja, o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária (artº 352º do Código Civil).
E esta declaração de vontade tem como destinatário a parte contrária e não o juiz, ainda que, como meio de prova que é, sempre possa ajudar a suportar a formação do convencimento do julgador na conjugação com outros elementos de prova (STJ, 25.11.2010, itij).
Ora, quando do depoimento derive uma declaração com eficácia de confissão judicial, determina o artº 563º, nº1, do Código de Processo Civil que deve ser reduzido a escrito nessa parte ou naquela em que sejam narrados factos ou circunstãncias que impliquem a indivisibilidade da declaração confessória.
“A redacção incumbe ao juiz, podendo as partes ou seus advogados fazer as reclamações que entendam” - nº2. “Concluída a assentada, é lida ao depoente, que a confirmará ou fará as rectificações necessárias” - nº3.
Resulta, então, da lei que a confissão judicial obtida em depoimento de parte deve ser reduzida a escrito, sob pena de não ter força probatória plena contra o confitente (artº 358º nº1 do Código Civil), sendo então livremente apreciada, nos termos dos artigos 655º nº 1 do Código de Processo Civil e 358º nº4 do Código Civil.
Além disso, a declaração confessória deve ser inequívoca, salvo se a lei o dispensar – artº 357º, nº1, do mesmo diploma.
Significa isto que determinante para a lei é que o comportamento voluntário da parte (activo ou omissivo), seja concludente, sem acenos infirmativos ou titubeantes (Rui Rangel, O Ónus da Prova no Processo Civil, Almedina, 2ª edição, 273).
Também Hélder Martins Leitão – Da Instrução em Processo Civil, Das Provas, pag.70, defende não ser equiparável à confissão a condescendência quanto a determinado facto, pois que aquela traduz uma declação de ciência que marca uma afirmação incontrariável.
No caso em apreço, como da própria reprodução feita pelos RR decorre, o autor começa por afirmar que não se recorda do exacto teor da mensagem aqui em apreciação – supostamente, a da chave sorteada – mas que andaria à volta do euromilhões; refere que seria “joga no euromilhões por mim, ou uma coisa assim”, reafirmando que não sabia propriamente o que ela dizia.
Desse depoimento não resulta de modo algum a confissão de que ela, naquela mensagem, lhe tenha indicado a chave.
Muito menos se pode concluir que a aposta era só dela, que disso ele tinha consciência e que apenas estava a fazer o favor de a registar!
Para um casal de namorados que, semana após semana, preenchem um só boletim de jogo, com números fornecidos pelos dois, não se vislumbra como a mensagem teria, necessariamente, de ser interpretada no sentido defendido.
De todo o modo, realça-se que, nesta rubrica, os recorrentes até advogam a livre valoração do depoimento de parte, contra a qual, noutros pontos, tanto se insurgem (cf. fls.1219 verso – fls.102 das alegações)
Ora, relativamente a uma hipotética confissão do autor efectuada em sede de providência cautelar, compulsados os respectivos autos, do depoimento do autor apenas foi feita uma assentada do seguinte teor (acta de fls.472):
«Relativamente ao artº 23º da oposição, respondeu ser verdade ter guardado o talão comprovativo da aposta.
Relativamente ao artº 29º da oposição, respondeu que no dia seguinte, sábado doa 21 de Janeiro de 2007, entregou à requerida Maria…, voluntariamente, o talão de registo da aposta.
Relativamente ao artº 30º da oposição, respondeu afirmativamente».
Recorde-se que o artº 30 da oposição tinha o seguinte teor: «E tendo então recebido da Cristina o valor da aposta por ela efectuado?».
Aqui chegados e presentes os fundamentos exarados, temos por adequada a resposta dada pela 1ª instância, que se mantém.
Tudo, sem prejuízo de aquele Tribunal ter dado como provado, no quesito 25º, que os números e as estrelas da chave sorteada foram comunicados ao autor pela ré Cristina, embora por forma não concretamente apurada.

Quanto ao artº 50º da Base Instrutória, cujo teor era se «Nem o autor, nem o seu pai levantaram qualquer objecção à solução vertida nas alíneas “FF” , “GG” e “HH” da matéria assente?» respondeu do seguinte modo a Tribunal recorrido:
«Provado apenas que nem o autor, nem o seu pai levantaram, na ocasião, qualquer objecção à solução vertida nas alíneas “FF” e “GG” da matéria assente».
Em abono da sua tese de que deveria incluir o factualismo atinente à alínea ‘HH’, os recorrentes invocam o teor dos depoimentos das testemunhas que assistiram ao acto (Joaquim, Paulo… e Manuel…), além do depoimento de parte do recorrido.
Quanto ao depoimento de parte, remete-se para tudo quanto acima se disse em sede de assentada, pelo que, não havendo confissão, não existe prova tarifada.
Por outro lado, o apelo ao teor dos depoimentos testemunhais é feita sem enunciação expressa das concretas afirmações que justificam a almejada resposta.
Anteriormente ao DL 303/2007, preceituava o artº 690°-A, nº2, no que agora releva, que quando os meios probatórios invocados como fundamento de erro na apreciação das provas tivessem sido gravados, devia o recorrente, sob pena de rejeição do recurso, indicar os depoimentos em que se funda.
De acordo com o novo regime estatuído no artº 685º-B do Código de Processo Civil, quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto e quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro, tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda.
É manifesta a maior exigência hoje feita neste domínio, impondo às partes grande rigor e precisão, enunciando que afirmação ou afirmações concretas foram feitas e por quem, que justificam a ocorrência do alegado erro de decisão.
«Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação inconsequente de inconformismo» - Abrantes Geraldes, “Recursos em Processo Civil, Novo regime”, pag.142, Almedina.
Pretendeu-se, «na medida do possível, levar a que se possam aproveitar as vantagens decorrentes da oralidade, ainda que mitigada, considerando mais adequada a audição dos depoimentos pela Relação (ainda que sem os presenciar e sem apreender os efeitos de expressões não verbalizadas) do que a leitura de fastidiosas laudas de depoimentos transcritos» - idem, pag.144.
No caso em apreço, julgamos impor-se a conclusão de que, na verdade, os apelantes não observaram os requisitos legais supra enunciados. Ao invés de indicarem as concretas passagens dos depoimentos que impunham a decisão almejada, limitaram-se a juntar aos autos a respectiva transcrição.
Consequentemente, por inobservância da forma legalmente estatuída, vai indeferida a impugnação da matéria de facto no que a este quesito concerne.

Vejamos, agora, a questão relativa aos factos instrumentais, de cuja decorrência está também invocada a nulidade consignada no artº 668º, nº1, d), do Código de Processo Civil.
Quanto à nulidade, respeita a dita alínea, no que aqui interessa, à omissão de pronúncia sobre questões que devesse apreciar.
Desta feita, como se colhe da acta de fls. 493, os apelantes requereram um aditamento à base instrutória, para que dela passasse a constar factos instrumentais atinentes ao ramo de actividade comercial da empresa onde antes trabalhava o autor, desde quando até quando o fez, que salário auferia.
Por despacho inserto a fls. 552 e seguintes, o Sr. Juiz a quo, depois de dissertar largamente sobre o respectivo aspecto jurídico, inferiu tal pretensão nomeadamente por entender que as extrapolações a fazer da circunstância de ter continuado a trabalhar e com um salário baixo, respeitam à valoração dos meios probatórios, a considerar na motivação dos factos essenciais.
Daqui resulta que, atempadamente, aquele Magistrado pronunciou-se sobre a questão suscitada, emitindo a decisão respectiva, indeferindo-a em concreto. Não se vislumbra de que modo possa ter ocorrido nulidade.
Esquecem, agora, os recorrentes que, na sequência desse indeferimento, essa factualidade não se fez constar da sentença, sendo, todavia, idónea na formação da convicção do julgador.
Considerando que já por demais se escreveu nestes autos sobre a matéria, recorde-se tão só o seguinte: Nos termos do artº 511º do Código de Processo Civil, o juiz, ao fixar a base instrutória, selecciona a matéria de facto relevante para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, que deva considerar-se controvertida.
E a questão da relevância reconduz-nos ao problema de saber se determinado facto é essencial para a decisão do pleito ou se, pelo contrário, se trata apenas de um facto instrumental.
Na noção dada por CASTRO MENDES (Direito Processual Civil, II, p. 208), factos instrumentais são os que interessam indirectamente à solução do pleito por servirem para demonstrar a verdade ou falsidade dos actos pertinentes.
Nas palavras de LOPES DO REGO (Comentário ao CPC, p. 201), "factos instrumentais definem-se, por contraposição aos factos essenciais, como sendo aqueles que nada têm a ver com substanciação da acção e da defesa e, por isso mesmo, não carecem de ser incluídos na base instrutória, podendo ser livremente investigados pelo juiz no âmbito dos seus poderes inquisitórios de descoberta da verdade material", enquanto que "factos essenciais, por sua vez, são aqueles de que depende a procedência da pretensão formulada pelo autor e da excepção ou da reconvenção deduzidas pelo réu".
Em Ac. de 27.04.2004 (proc. 204/04, Des. Rui Barreiros, dgsi.pt), a Relação de Coimbra decidiu que "para que os factos sejam instrumentais é necessário que tenham uma relação com os factos principais, de tal maneira que, a partir daqueles, se possa chegar a estes. Assim, determinados factos podem ser instrumentais numa acção e não o serem numa outra - serem até os factos principais ou serem factos irrelevantes".
Ora, no questionário deverão inserir-se tão só os factos sobre os quais pode e deve desenvolver-se utilmente a instrução.
Portanto, não deverão ser quesitados os factos instrumentais que embora possam facilitar a fundamentação das respostas do Tribunal ao questionário, tornam este demasiado extenso e dificultam a produção de prova, sem vantagens reais para a decisão da causa (cf. Ac. RP de 17.02.94, itij).
Volvendo ao concreto, tendo em conta o objecto da lide, saber em que ramo de actividade trabalhava o autor, quanto ganhava e por quanto tempo mais o fez após o sorteio, consubstancia-se, inquestionavelmente, em matéria de natureza instrumental, pelo que bem andou o Sr. Juiz a quo no sentido decidido, que se mantém.
Tais considerações aplicam-se mutatis mutandis quanto ao que fez a ré Cristina antes e depois do sorteio e à existência de estabelecimentos para registar boletins.

Factos Supervenientes: Os apelantes dizem ter sido desconsiderados na sentença factos dessa natureza, assim se violando o disposto nos artº264º, nº2 e 663º do Código de Processo Civil.
Pretendem que seja valorada a seguinte factualidade:
A Ré Cristina subscreveu em Maio de 2007 um seguro de capitalização no montante de €100.000,00 e um depósito a prazo de igual montante, com dinheiro da conta onde foi depositado o Euromilhões, e que o A. subscreveu na mesma altura um seguro de capitalização no montante de €5.000,00 e um depósito a prazo de igual montante, com dinheiro proveniente da conta comum com a R. Cristina.
Reza o primeiro dos preceitos que «o juiz só pode fundar a decisão nos factos alegados pelas partes, sem prejuízo do disposto nos artºs 514º e 665º e da consideração, mesmo oficiosa, dos factos instrumentais que resultem da instrução e da discussão da causa».
Diz o segundo, no que agora releva, que «…a sentença deve tomar em consideração os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que se produzam postriormente à proposição da acção, de modo que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão».
Finalmente, de acordo com o artº 506º, nº2, dizem-se supervenientes tantos os factos ocorridos posteriormente ao termo dos articulados , como os factos anteriores de que a parte só tenha conhecimento depois de findarem esses prazos.
O primeiro dos preceitos impõe um limite de cognição ao juiz da causa, impedindo-o de usar factos que não foram alegados, nem resultaram da instrução; é um afloramento do princípio do dispositivo, ainda que mitigado, que não se mostra violado no caso concreto.
Quanto ao segundo, acontece que os factos que se pretendem, agora, como supervenientes reportam-se a Maio de 2007, ocorridos, por isso, muito antes da propositura da acção e, sendo pessoais, logo deles os apelantes tiveram conhecimento, pelo que nada têm de supervenientes; de resto, também não foi feita prova dessa superveniência.
De todo o modo, sempre se dirá, na senda dos ensinamentos de Rui Rangel, que para que tais factos fossem tomados em consideração na decisão, a parte teria que manifestar essa vontade e a parte contrária teria de ter tido a faculdade de exercer o contraditório (cf. “O Ónus da Prova no Processo Civil, pag.43).
Em consequência, é de indeferir o requerido.

Invocam os recorrentes que são falsos os factos dos itens 68 e 69 da sentença (correspondentes às alíneas ‘LL’ e ‘MM’ da matéria assente).
São do seguinte teor:
Do montante relativo ao prémio foram feitas cinco transferências e todas, no seu conjunto, de valor não superior a €100.000,00 (iten 68).
E desse valor, o A., na sua conta pessoal — nº 104040192560554 —, recebeu aproximadamente cerca de €75.000,00 (iten 69).
Estes dois itens correspondem ao teor dos artºs 60º e 61º da petição inicial que, no artº 4º da contestação os recorrentes especificadamente aceitaram.
Portanto, para além de estarem provados por acordo das partes, vir, em sede de recurso, pretender que se considere falsa matéria que aceitou, corresponde, no mínimo, a abuso de direito, na modalidade de venire contra factum próprium.

Relativamente à matéria do iten 71, fundamenta-se a almejada alteração (alínea ‘OO’ da matéria assente), no teor dos documentos de fls. 668 a 674 do Apenso A e da declaração da CCAM que foi junta com as alegações.
A última integra-se na decisão de não admissão de documentos constante do despacho supra.
O teor daquele item é o de que «Foram transferidos valores monetários para a conta dos pais da 3ª ré», pretendendo-se que se dê como provado que «Foram feitas 14 transferências para a conta dos pais da 3ª ré, no valor total de €147.000,00».
Os documentos de fls. 668 a 674, não conseguem idoneamente demonstrar o pretendido.
Da factualidade provada (e só nessa deverá atentar o Tribunal) estão apuradas contas com o nºs 104040192560554 (pessoal do autor), e 104040209671107 (do autor e da terceira ré). Das contas referidas nos nºs 71 e 72 da sentença são desconhecidos os respectivos números.
Os documentos – atendíveis - agora chamados à colação (fls.668 a 672 do apenso A) revelam 34 transferências bancárias, mas não permitem concluir a quem se destinavam (com excepção daquelas duas), por se desconhecer os respectivos titulares.
Portanto, não são idóneos a dar como provado o pretendido, pelo que é de manter a factualidade consignada na 1ª instância.

Litigância de má-fé: A decisão do Sr. Juiz a quo abordou proficuamente esta questão, concluindo que não ocorria má-fé do autor.
Para ela se remete, nos termos do artº 713º, nº6, do Código de Processo Civil, assim se mantendo.

Depoimento de parte vs. Testemunho de parte
Basicamente, nesta rubrica, os apelantes insurgem-se contra o que constitui um meio ilegal de prova, usado, nas suas palavras, pelo Sr. Juiz a quo - o testemunho de parte.
Começamos, por isso, por efectuar um breve enquadramento jurídico para, depois, verificarmos o caso em concreto.
A lei processual não fornece um conceito de depoimento de parte, nem estabelece directamente e em concreto o que dele pode ser objecto.
Dispõe sobre quem pode prestá-lo, de quem pode ser exigido e sobre que factos pode recair do ponto de vista da sua relação com a pessoa do depoente.
Não é, porém, questionável que o depoimento de parte, enquanto meio de prova para provocar a confissão, só poderá recair sobre matéria de facto que seja desfavorável ao respectivo depoente – artºs 552º e 563º do Código de Processo Civil e 352º do Código Civil.
A confissão tem forçosamente que incidir sobre factos desfavoráveis ao confitente e favoráveis à parte contrária. Como afirma Alberto dos Reis (Código Processo Civil, Anotado, IV, pág. 70), a confissão constitui prova, não a favor de quem a emite, mas a favor da parte contrária; portanto recai necessariamente sobre factos desfavoráveis ao confitente e favoráveis ao seu adversário.
No despacho datado de 12 de Março de 2010, o Tribunal decide e exara isso mesmo, ou seja, que o depoimento de parte, enquanto meio para obter a confissão, só pode recair sobre factos desfavoráveis ao respectivo depoente.
Porém, na sequência de correspondente opção legislativa, a lei processual civil tem feito florescer cada vez mais os poderes inquisitórios, em detrimento do princípio do dispositivo, com vista à maior aproximação do juiz à verdade material.
Disso são afloramento os artºs 265º nº3, 266º nº2, 552º nº1 e 653º nº1 do Código de Processo Civil).
Por isso, permite-se que o Tribunal, em qualquer altura do processo, possa determinar a comparência pessoal das partes para a prestação de depoimento sobre factos que interessem à decisão da causa.
A que acresce, recorde-se, que do artº 563º, nº1, à contrario, resulta que quando a parte presta o seu depoimento não se visa exclusivamente a confissão.
Nada obsta, portanto, a que o tribunal na sequência dos poderes que tem de ouvir qualquer pessoa, incluindo as partes, por sua iniciativa, na busca da verdade material, tome em consideração, para fins probatórios, as declarações não confessórias da parte, as quais serão livremente apreciadas, nos termos do artº 655º, nº1, do Código de Processo Civil.
Igual entendimento pode ver-se in:
- Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, volume I, 2ª edição, 2004, 2º volume, Almedina, pág. 486;
- Manuel de Andrade, “Noções Elementares de Processo Civil”, 1976, pág. 248,
- Abrantes Geraldes, “Temas da Reforma do Processo Civil”, II Vol., pag. 211.
- Acórdãos do STJ de 5.11.2008, Procº 1902/2008, de 21.01.2009, Procº 3966/2008, 10.12.2009, de 10.12.91, de 20.01.2004, procº03S3474, 02.11.2004, disponíveis em www.dgsi.pt e 26.10.1999, CJ STJ, ano VII, tomo III, pág. 57 e seguintes;
Neles se adoptou o entendimento de que o depoimento de parte, que não redunde em confissão - por respeitar a factos favoraveis ao depoente -, é de livre apreciação pelo tribunal.
Também no sentido de que os simples esclarecimentos ou afirmações que não possam valer como confissão, podem valer como elementos probatórios sujeitos à livre apreciação do Tribunal, cf. Direito Processual Civil, Pais do Amaral, pag. 325.
Contra tal posição, pode ver-se José Lebre de Freitas, Código de Processo Civil anotado, volume 2º, Coimbra Editora, 2001, páginas 464 a 466.
Conclui-se, pois, que as declarações, prestadas pelas partes, sob juramento (artº 559º), podem ser valoradas pelo tribunal a quo para fundar a sua convicção acerca da veracidade de factos controvertidos favoráveis a qualquer delas.
Ora, no despacho de 16.07.2010, quando o Tribunal a quo vem admitir a valoração dos depoimentos prestados pelo autor e pela ré Cristina a toda a matéria, não contraria qualquer decisão anterior, pois que, agora, se ía para além da obtenção da confissão e se visava fazer uso dos poderes legais mais amplos consignados nos normativos apontados.
De resto, é também de realçar que os depoimentos do autor e da ré Cristina são em grande parte coincidentes, às vezes mesmo em absoluta convergência, como se fez constar do despacho sobre a matéria de facto.
Em consequência, o Tribunal a quo não proferiu qualquer decisão contrária a uma outra anterior, por não incidir sobre o mesmo objecto, nem fez uso de meio ilícito de prova.

Presunções Judiciais
Entendem os recorrentes que dando-se, apenas, como provado que o autor agia «na convicção de que se saísse o prémio em qualquer delas estava obrigado a proceder à sua divisão por metade com ela», sem se esclarecer se com “animus donandi” ou “animus praestandi” e sem se provar que, na inversa, houvesse anuência ou conhecimento da ré Cristina e inexistindo qualquer elemento que aponte para que a chave fosse conjunta, não pode chegar à “affectio societatis”; fazendo-o, viola a regra dos artºs 341º, 342º, nº1 do Código Civil e 516º do Código de Processo Civil.
Com maior relevância ainda, dizem, se o facto pressuposto decorreu do depoimento de parte.
Vejamos, então.
Relativamente à valoração/admissibilidade dos depoimentos prestados pelas partes, remete-se para o que supra se mencionou e decidiu e que aqui se dá por reproduzido.
Quanto ao demais:
O princípio da verdade veio impor a aceitação das presunções naturais como meios de prova, reconhecendo-se que o julgador devia ser autorizado a descobrir a verdade material sem se encontrar limitado e condicionado ao princípio dispositivo e às regras de repartição do ónus da prova – “O Ónus da Prova no Processo Civil”, Rui Rangel, pag.220.
Sabemos que as presunções são, por definição do artº 349º do Código Civil, ilações que a lei ou o julgador tiram de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido.
Nas palavras daquele Ilustre Jurista – pag.222 - «a prova por presunção é de uma importância fundamental, uma vez que existem inúmeros factos com interesse nuclear na procedência de acções que muito poucas vezes podem ser sujeitos a prova directa, obrigando o julgador a ter de contentar-se com meras presunções, sob pena de poderem verificar-se situações de non liquet que constituem verdadeiros actos de negação de justiça».
Não podíamos estar mais de acordo, principalmente quando nos reportamos ao caso em apreciação.
Deparamo-nos com um par de namorados, que o são por período de tempo relevante – três anos – principalmente quando reportado aos dias de hoje; não se trata de relacionamento fugaz.
Deparamo-nos também, como é bom de ver, com situações do quotidiano de um casal que, por isso, ficam quase sempre no resguardo da respectiva intimidade.
E pergunta-se que sentido de razoabilidade se poderá extrair da circunstância de, semana após semana, durante cerca de três anos, o autor inscrever a aposta da ré no seu próprio boletim se, como invoca esta, apenas fazia o favor de proceder ao registo da sua aposta por não haver nas redondezas da recorrente Cristina mediadores da SCML?
Não será da normalidade da vida que se o autor fosse mero mandante – como defende a ré – esta o interpelasse por tal conduta e exigisse que a sua aposta fosse feita em boletim separado, que só a ela pertenceria?
Apesar de o ano ter 52 semanas, de terem jogado durante cerca de três anos e de, segundo a ré, jogar separadamente do autor, sempre anuiu que o boletim fosse comum, com proveito apenas, dir-se-á, para a SCML, dado serem gratuitos para os apostadores.
E nem se diga que o facto de o recorrido fazer, por vezes, mais apostas sem disso dar conhecimento à ré é demonstrativo de que não existia vontade de jogar em comum. É que é preciso ter presente que se tratava de um casal de namorados, não de quaisquer pessoas com ligações mais distantes e formais.
E como explicar que, apesar de o prémio ser exclusivamente da Cristina, os RR tenham efectuado várias transferências de quantias elevadas para a conta pessoal do autor, largos meses decorridos sobre o sorteio com o qual, na versão daqueles, o autor pretende, ilegitimamente, enriquecer-se?
E como valorar o facto – dado como provado – de ter sido colocada à representante da SCML a questão de ser possível passar mais que um cheque para pagamento da totalidade do prémio e ainda o facto de que tal só não ocorreu por recusa da Instituição?
E que razão existiu para, na ocasião do pagamento, terem nascido contas onde o autor também figurava?
São estas e muitas outras, as perguntas que podem colocar-se e que foram formuladas sustentadamente em matéria provada.
Permitem todavia ao juiz, no processo mental de julgamento, chegar à conclusão de que entre o autor e a ré Cristina se estabeleceu, no domínio do jogo em causa, uma relação contratual relevante, que cumpre qualificar e valorar juridicamente, independentemente de a considerarmos sociedade (como a sentença em crise) ou outra figura jurídica. Seguramente, porém, não se configura como mero mandato, como pretendem os RR.
Disso trataremos de seguida.

Qualificação Jurídica
Dispõe o artº 405º do Código Civil que, dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos naquele código ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver.
As partes podem ainda reunir no mesmo contrato regras de dois ou mais negócios, total ou parcialmente regulados na lei (nº2 do mesmo normativo).
Como pode ler-se in “Contratos Atípicos”, Pedro Pais de Vasconcelos, Almedina, pag.363, “o negócio jurídico e o contrato fundam-se na liberdade insuprimível que os privados efectivamente têm de regular os seus próprios interesses. Mais ou menos limitada pelos ordenamentos estatais, a liberdade contratual existe sempre nalguma medida”.
(…)Costuma dizer-se que a vontade rege no espaço de liberdade que a lei deixa aos privados, espaço que se exprime na autonomia privada – idem, pag.364.
O Sr. Juiz a quo entendeu que o contrato sub júdice deveria ser qualificado como de sociedade civil, qualificação da qual discordam os apelantes.
O artº 980º do Código Civil define-o como aquele pelo qual duas ou mais pessoas se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício em comum de certa actividade económica, que não seja de mera fruição, a fim de repartirem os lucros resultantes dessa actividade.
De acordo com tal preceito e seguindo os ensinamentos da doutrina, são três os elementos desta figura jurídica: as contribuições das partes, um exercício comum e o fim da repartição dos lucros.
Nas palavras de Menezes Cordeiro – Manual de Direito das Sociedades, I, Das Sociedades em Geral, pag.269 - «um quarto elemento, de certo modo prévio, seria a intenção de formar a sociedade ou affectio societatis. A sua análise, todavia, reconduz a affectio à própria vontade contratual de formar a sociedade, isto é, à intenção de concluir o contrato aqui em causa. Não teria, assim, um especial relevo como elemento, embora seja um factor importante na distinção entre sociedade e outras figuras semelhantes ou afins».
Prossegue o mesmo autor dando-nos conta do acórdão do STJ de 13.10.77, onde se concluiu que sempre seria indispensável a prova da intenção de formar uma sociedade, ou no sentido jurídico do termo ou como manifestação de mútuo consenso, para que estarmos perante esse contrato.
De outra forma, como atrás se transcreveu, deparar-nos-íamos com figuras semelhantes ou afins.
Também entendemos que urge verificar se estão reunidos os três falados requisitos e se está provada – ainda que por via da presunção judicial – a aludida affectio societatis.
De tudo quanto já se mencionou e que consubstancia a factualidade provada, como sejam as inúmeras apostas de ambos que, semana após semana, durante cerca de três anos, o autor inscreveu num único boletim, com anuência da última, as transferências de quantias elevadas para a conta pessoal do autor, após o sorteio, a pergunta à representante da SCML sobre a possibilidade de ser passado mais que um cheque para pagamento da totalidade do prémio, o que só não ocorreu por recusa da Instituição, a criação de contas onde o autor também figurava, contemporâneas com o prémio e até mesmo a ida a Lisboa, por mais de uma vez, do pai do autor a acompanhar este e os RR, legitimam a presunção de que autor e ré Cristina quiseram e celebraram um contrato – sob a forma consensual - através do qual, mediante as contrapartidas de ambos, visaram repartir os lucros que viessem a obter.
Que ambos contribuíram para o fim pretendido parece não oferecer controvérsia.
Importa, agora, saber se ocorre exercício em comum de certa actividade económica.
«A expressão “exercício em comum” deve ser entendida como exercício por conta de todos. Pode falar-se em “fim comum” desde que a “fim” se dê um alcance particularmente lato. Na verdade, pode o “exercício” não ser levado a cabo por todos os sócios, sem deixar de ser “em comum”.
A natureza “económica” da actividade exigida prende-se com a ideia da repartição de lucros, essencial para distinguir a sociedade da associação» - Menezes Cordeiro, obra citada, pag. 270.
Em anotação ao preceito agora em análise, pode ler-se no Código Civil Anotado, P.Lima e A.Varela, que “actividade económica” significa que dela deve resultar unm lucro patrimonial, embora se não deva confundir actividade económica com simples produção de bens, pois a economia abrange outras actividades além da produção.
Dos trabalhos preparatórios do Código Civil, contidos em “Anotações ao Código Civil, Dos Contratos em Especial”, vol.I, do Cons. Rodrigues Bastos, não se colhe qualquer contributo para a delimitação do conceito de “actividade económica”.
O acórdão da Relação de Lisboa, datado de 18.05.2000, (CJ XXV, T.III, 91) citado nas doutas alegações, fazendo uso dos ensinamentos do Dicionário de Economia de Alain Cotta, acerca do que deve integrar-se naquele, conclui que jogar no totoloto não traduz qualquer actividade económica, porquanto não está interrelacionado com qualquer produção ou transformação de bens, nem ocorre qualquer correspondência entre esses bens e a satisfação das necessidades do homem.
Concorde-se, ou não, com esta definição, também julgamos que a actividade a que se votou o, ao tempo, par de namorados dos autos, não deve ser qualificada como de “actividade económica”, sendo a sua conjugação de esforços neste domínio mais compaginável como uma sociedade de fito não económico, nas palavras de Prof. Menezes Cordeiro (cf. pag.270). Na verdade, o exercício em comum limita-se à escolha da chave e ao preenchimento e registo da aposta e a obtenção de lucro patrimonial está exclusivamente dependente do factor “sorte” .
E, salvo o devido respeito por opinião diversa, também julgamos não estar demonstrada de modo cabal (ainda que com recurso a presunções judiciais) a affectio societatis, quer se configure, quer não, como elemento prévio ao contrato, quando para isso se exige, para além da intenção de se associar, a intenção, ainda, de formar uma pessoa colectiva distinta.
Concluímos, por isso, que o contrato entre o autor e a ré Cristina terá de se qualificar como um contrato atípico.
Como sabemos, os contratos atípicos ou inominados (como no caso de se misturarem no mesmo contrato regras de dois ou mais tipos de contratos) distinguem-se dos contratos mistos (em que há reunião num único contrato das características de dois ou mais contratos, total ou parcialmente regulados na lei) ou da união ou coligação de contratos (em que dois ou mais contratos estão entre si ligados de alguma maneira mas sem prejuízo da sua individualidade própria).
(…)No relacionamento entre o direito autónomo e o heterónomo, entre a lei, a estipulação e os princípios jurídicos e as cláusulas gerais, é muito diferente a posição dos contratos típicos e doa atípicos – Pedro Pais de Vasconcelos, obra citada, pag.365.
Segundo Helena Brito, citada pelo autor que temos vindo a acompanhar (“Concessão Comercial”), no que respeita aos contratos atípicos puros, a “hieraquia das fontes” da relação contratual é a seguinte:
1 – “Deve atender-se, antes de mais, às regras fixadas pelos contraentes, desde que lícitas”;
2 - Em segundo lugar, “às normas e princípios fixados na lei para categorias contratuais, dentro das quais o contrato se inclua”;
3 - “se tal não bastar, deve recorrer-se às normas e princípios estabelecidos na lei para a generalidade dos contratos e, em geral, para os negócios jurídicos e as obrigações”;
4 -“só depois de esgotadas todas estas possibilidades se deve atender às normas reguladoras do ou dos tipos contratuais com que o contrato apresente mais afinidades, aplicando-se por analogia, as disposições não excepcionais desse ou desses tipos contratuais”.
Daí que seja de aplicar ao caso dos autos as disposições relativas à sociedade, dada a ausência de – provado – clausulado fixado pelos contraentes, ausência de categoria legal contratual e inexistência de normas e princípios estabelecidos na lei para a generalidade dos contratos que se mostrem cabais para regular as especificadades presentes no caso que nos detém.
Também Menezes Cordeiro, na obra que temos vindo a citar, é de parecer que, na ausência de fito económico, o contrato se configurará como o produto de contratos atípicos, a que haverá de aplicar o essencial dos artºs 980º e seguintes do Código Civil (pag.270).
Aqui chegados, restaria averiguar da forma de repartição do valor sorteado.
Acontece que as normas jurídicas a aplicar seriam exactamente as mesmas de que o Tribunal a quo fez uso, posto que se concluiu que o regime aplicável por analogia era o do contrato de sociedade previsto e regulado nos artºs 980º e seguintes do Código Civil.
E, como então se escreveu, «sempre que jogou um maior número de chaves do que aquelas que a R. jogou, o A. não deu desse facto prévio conhecimento a esta última (…) nem lhe foi dada a possibilidade de se pronunciar se aceitava que a sociedade tivesse entradas desiguais ou se, pelo contrário, queria manter a afectação de património em plena igualdade entre ambos (…) pelo que, inexistindo qualquer critério de repartição dos lucros fixado contratualmente, ter-se-á de aplicar o regime legal supletivo, em conformidade com o qual, o valor do prémio do “euromilhões” haverá de ser repartido entre o A., Luís Carlos, e a R., Cristina, na proporção de metade, ou seja, de € 7.500.000,00, para cada um deles».
Sufragamos, por inteiro, esta solução.
Além de que o modo concreto de aplicação dos ditos preceitos não foi objecto da presente apelação, não tendo sido formulado pedido expresso de pronúncia pelos recorrentes neste particular domínio, mas cuja necessidade poderia considerar-se decorrer da diferente qualificação jurídica feita por este Tribunal de recurso.

Em conclusão e por tudo, é de manter totalmente o que havia sido decidido em 1ª instância.
***

Dando cumprimento ao determinado no artº 713º, nº7, do Código de Processo Civil, dir-se-á:
I - Não pode ser equiparável à confissão a condescendência quanto a determinado facto, dada a exigência contida no artº 357º, nº1, do Código Civil.
II - o Tribunal, em qualquer altura do processo, pode determinar a comparência pessoal das partes para a prestação de depoimento sobre factos que interessem à decisão da causa.
III - Quando a parte presta o seu depoimento não se visa exclusivamente a confissão.
IV - Nada obsta a que o tribunal na sequência dos poderes que tem de ouvir qualquer pessoa, incluindo as partes, por sua iniciativa, na busca da verdade material, tome em consideração, para fins probatórios, as declarações não confessórias da parte, as quais serão livremente apreciadas, nos termos do artº 655º, nº1, do Código de Processo Civil.
V – A actividade de um par de namorados que, semana após semana, faz um exercício comum de escolha das chaves e de preenchimento e registo das apostas, visando a obtenção de lucro patrimonial que está exclusivamente dependente do factor “sorte”, configura-se como uma sociedade de fito não económico.
VI – Tal acordo qualifica-se como um contrato atípico, a que deve aplicar-se as disposições relativas à sociedade.



III. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes que constituem esta Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar improcedente a apelação e, embora por fundamento parcialmente diverso, confirmar integralmente a sentença recorrida.

Custas pelos apelantes.
Guimarães, 19 de Maio de 2011
Raquel Rego
Mário Brás
António Sobrinho
Raquel Rego
Canelas Brás
António Sobrinho

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