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domingo, 31 de julho de 2011

AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO NA AUSÊNCIA DO ARGUIDO - Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra - 27-04-2011

Acórdãos TRC
Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
142/09.7T3ETR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALICE SANTOS
Descritores: AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO NA AUSÊNCIA DO ARGUIDO

Data do Acordão: 27-04-2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: ESTARREJA
Texto Integral: S

Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 333º CPP

Sumário: I - Faltando o arguido à audiência para que fora regularmente notificado, esta deve prosseguir, porque só é adiada se o Tribunal considerar que a sua presença é absolutamente indispensável desde o seu inicio;
II- Não havendo esse juízo de indispensabilidade da presença do arguido, segue a regra geral: não há adiamento e a audiência tem de ter lugar e o arguido pode ser ouvido até ao fim da audiência e o seu defensor pode requerer que seja ouvido na 2ª data designada para audiência;

III- As medidas previstas no nº 1 do artº 333º CPP só são necessárias, quando a audiência não deva, nem possa, iniciar-se sem a presença do arguido, pois visam fazê-lo comparecer contra sua vontade e como modo de evitar o adiamento da audiência.


Decisão Texto Integral: No processo supra identificado, após a realização de audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença que condenou a arguida, ON..., pela prática de:
- um crime de injúrias, p. e p. pelo art 181, nº 1 do CPenal, na pena de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de € 5.50.

- dois crimes de difamação, p. e p. pelo art 180, do CPenal, na pena de 140 (cento e quarenta) dias de multa, à taxa diária de € 5.50, por cada crime.

- um crime de ameaças, p. e p. pelo art 153, nº 1 do CPenal, na pena de 90 (noventa) dias de multa, à taxa diária de € 5.50.

- Em cúmulo condenou a arguida na pena única de 320 (trezentos e vinte) dias de multa à taxa diária de € 5.50.
Julgou parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido por AP…, por si e na qualidade de representante legal de seus filhos menores, SD… e OS..., condenando ON... a pagar à demandante AP… uma indemnização no valor de € 500,00 (quinhentos euros), a título de danos não patrimoniais, acrescidos de juros de mora à taxa legal, desde a data da notificação do pedido de indemnização civil até integral pagamento.

Desta sentença interpôs recurso a arguida ON....
São do seguinte teor as conclusões, formuladas na motivação do recurso, interposto pelo arguido:
1- "4- A assistente teria, há 15 dias atrás, cortado o cabelo à NN...;
5- De seguida, a arguida deixou a filha em casa, fechando a porta à chave, e abeirou-se do automóvel em cujo interior estavam a assistente e seu companheiro e, com violência, deu vários murros na porta do vidro do condutor e, dirigindo-se à assistente disse, em altos berros, em tom agressivo e repetidamente" filha da puta, cortaste o cabelo à minha filha, sua puta, eu mato-te, sua filha da puta e espicaço-­te toda"; 6- A arguida só parou quando um dos agentes policiais ali presentes interveio, levando-a para a porta de sua casa. ; 7- E quando o Sr. Agente BG..., depois de ter chamado pela arguida e esta ter aberto a porta de entrada, mas sem sair do espaço interior da habitação, lhe ter pedido que fosse buscar a NN... para se entregue ao pai, em vista, a arguida recusou-se novamente a fazê-lo e afirmou, em altos berros: " A minha filha não vai com essas pessoas que eu não deixo, cortaram-lhe o cabelo e ela não quer ir com eles, os filhos dela violaram a minha filha e eles há dias deixaram-na sozinha num café"

2- Das declarações da testemunha IC..., cujo excerto transcrito deixa supra. E tal como consta da douta motivação a fls (…) e do que referiu a assistente ON... que a arguida saiu de casa e se dirigiu ao veículo no interior do qual se encontrava a assistente e começou a dar murros no mesmo com violência ao mesmo tempo que lhe chamava “puta” e “filha da puta” e lhe dizia que a matava e a espicaçava toda, tendo parado com tal comportamento apenas quando houve intervenção de um dos agentes presentes no local.
3- Ainda segundo a mesma douta fundamentação a propósito do depoimento da testemunha IC…, de cujo depoimento se deixa um excerto da transcrição supra pode ler-se, que, relatou esta testemunha a recusa da entrega da menor, alegando inicialmente que esta se encontrava doente e que a dada altura a arguida sai de casa e dirige-se ao veículo onde se encontrava o pai da menor e assistente, sua companheira, começando a bater na referida viatura e dirigir insultos a assistente acusando-a de ter cortado o cabelo à filha.
4- Dos excertos acima transcritos, bem como da integral audição do depoimento prestado por esta testemunha, poderemos verificar que o mesmo infirma o depoimento prestado pela assistente e não o corrobora, pelo contrário. Aliás o próprio BG... tem versão diferente para o sucedido, quando no seu depoimento afirma que quando chegou ao local em nenhuma circunstância ouvir quaisquer injúrias ou ameaças dirigidas à assistente – as mesmas teriam ocorrido em momento anterior à sua chegada, tal como confirma o seu colega VV.... Tal como resulta das declarações da testemunha BG... e VV... que se deixaram supra transcritas.
5- Esta testemunha, não presenciou as injúrias, nem as ameaças, chegou depois, tal como o seu colega, afirma que o seu colega IC... foi quem assistiu às injúrias e ameaças, mas este conforme vimos do seu depoimento, não assistiu, recorda-se de uma conversa, fora do carro, do seu teor genérico, mas quem assistiu, ouviu e retirou a arguida do lugar terá sido o G..., que afinal chegou depois.
6- Tal como resulta do depoimento da testemunha VV..., pelos vistos, os agentes (no plural, pelo menos dois) agarraram a arguida, depois de esta ter batido no vidro dom carro e quase ter partido, enquanto insultava e ameaçava a assistente. Ora não podemos deixar de convir, ser esta, uma versão bem diferente daquela que trazem outros intervenientes, nomeadamente a testemunha IC.... Atente-se, que ao contrário do que sustenta o tribunal, os murros terão sido desferidos, na versão da assistente, no vidro da parte da frente da viatura, em frente ao pendura, e não no vidro lateral.
7- Resulta do acervo destes depoimentos que se encontra mal julgada a matéria de facto dada como assente nos arts 4,5,6 e 7 pelo que deve ser alterada e considerada não provada.
8- Depoimento da testemunha G... supra transcrito e tal como se alcança deste testemunho cujo excerto se transcreve, é que as expressões eventualmente proferidas pela arguida, de que os filhos da assistente terão violado a sua filha menor é que as mesmas não apresentaram qualquer credibilidade. Logo desprovidas de qualquer credibilidade,, não evidenciam ter sido proferidas com dolo, nem sequer dolo eventual, não preenchendo assim o tipo.
9- A Constituição da República estabelece no seu art. 32º, nº 1 uma cláusula geral de garantia a conferir ao arguido, instituindo que “o processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso", especificando no seu n.º 2 em que consistem essas mesmas garantias.
10- Uma delas é o direito de presença do arguido na audiência de julgamento, que apenas pode ser afastado em casos excepcionais.
Por sua vez, no art. 20º nº 4 da Constituição também se assegura que "Todos têm direito a que uma causa em que intervenham sejam objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo".
11- A noção de processo equitativo tem igualmente consagração na Convenção Europeia dos Direitos Humanos [C.E.D.H], através do seu art. 6.º, segundo o qual
12- No âmbito do processo penal, o acusado deve dispor de um processo equitativo, o só é possível se lhe forem conferidas as devidas oportunidades para o mesmo se poder defender, não o colocando, de forma directa ou indirecta, numa posição de desvantagem face aos seus oponentes.
13- O preceituado no art. 118.º, do Código de Processo Penal, é expresso,
por sua vez, em cominar no seu n.º 1 que "A violação ou a inobservância das
disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei", logo se dizendo no subsequente n.º 2 que "Nos casos em que a lei não cominar nulidade, o acto ilegal é irregular". Resulta do art. 119.º al. c), que "A ausência do arguido ou do seu defensor, nos casos em que a lei exigir a respectiva comparência", é uma nulidade que assume natureza insanável.
14-Trata-se de resto de um dos seus direitos processuais gerais, tal como decorre do art. 61º, nº 1, al a), onde se diz que “o arguido goza em especial, em qualquer fase do processo e salvas as excepções da lei, dos direitos de:Estar presente aos actos processuais que directamente lhe disserem respeito”.
15- O legislador, com a lei Constitucional nº 1/97 através do seu art. 15.º,
a aditar o já referido nº 6 ao artº 32º da C. Rep, preceituando que “A lei define os casos em que assegurados os direitos de defesa, pode ser dispensada a presença do arguido ou acusado em julgamento".
16- Uma dessas situações em que se permite o julgamento na ausência do arguido é, segundo o citado art. 333.º, n.º 1, quando o mesmo" regularmente notificado não estiver presente na hora designada para o
início da audiência," sendo certo que "o presidente toma as medidas necessárias e legalmente admissíveis para obter a sua comparência, e a audiência só é adiada se o tribunal considerar que é absolutamente indispensável para a descoberta verdade material a sua presença desde o início da audiência".
17- No caso em apreço como se pode constatar da acta da audiência de julgamento o tribunal lia quo" não tomou quaisquer providências para que o arguido fosse presente a julgamento, antes proferindo despacho no sentido de prosseguir a audiência, mesmo estando designada uma segunda data, e tendo a arguida comunicado estar impedida de comparecer na primeira data por motivo de doença.
Afigura-se-nos que para se assegurar um processe justo e equitativo devemos deixar esse ónus de convocação ou requisição aos tribunais e aos serviços de justiça, porquanto os meios materiais ao seu dispor são, em regras, superiores àqueles de que um normalmente arguido dispõe.
18- Nesta conformidade e no caso da arguida, depois de ter sido notificada da data da audiência de julgamento, e não comparece deve o Tribunal indagar dessa situação, e agindo em conformidade, havendo urna segunda data já marcada, onde presumivelmente a arguida estaria presente realizar a audiência apenas nessa data. Não o tendo feito, foi indevidamente preterida a presença do arguido na audiência de julgamento, o que gera uma nulidade insanável, face ao disposto no art. 119.º, al. c) do CPP.
Foram violados o artº 32º da CRP, 119 al c) do CPP, 118 do CPP, 359 do CPP, 379º do CPP, 410 nº 2 al a) do CPP.

O recurso foi admitido para subir imediatamente, nos próprios autos, sem efeito suspensivo.

Respondeu o Digno Procurador Adjunto, manifestando-se pela improcedência do recurso.

Nesta instância o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual se manifesta pela improcedência do recurso.

xxx
Colhidos os vistos legais e efectuada a conferência, cumpre agora decidir.

O recurso abrange matéria de direito e de facto já que a prova foi documentada.

Da discussão da causa resultaram provados os factos seguintes constantes da decisão recorrida:


1. No processo de alteração da regulação do poder paternal n.º 479/06.7TBETR-C, do Juízo de Família e Menores de Estarreja, foi judicialmente determinado, em 31-01-2008, que o pai da menor NN... , nascida em …, poderia ter a criança consigo, pernoitando em sua casa de sábado para domingo, indo buscá-la a casa da mãe pelas 10h do dia de sábado e entregando-a em casa desta até às18h de domingo;
2. Perante as várias recusas por parte da arguida em entregar filha menor NN... ao seu progenitor JL..., com quem a assistente, desde inícios de Janeiro de 2006, vive em união de facto em 13.05.2008 foi judicialmente ordenado que tal entrega fosse acompanhada por um elemento da GNR, vestido à civil em viatura não caracterizada, incumbindo a este elemento da força policial a entrega da criança ao pai;
3. No dia 23 de Maio de 2009 (sábado), pelas 10h, a arguida não deixou a criança sair da residência, sita na Rua …, da freguesia de …, em ..., informando o Sr. Agente da GNR, que ali se encontrava para efectuar entrega da menor ao progenitor, que não a entregaria;
4.Alegando, para tanto, que a assistente teria, há 15 dias atrás, cortado o cabelo à NN...;
5. De seguida, a arguida deixou a filha em casa, fechando a porta à chave, e abeirou-se do automóvel em cujo interior estavam a assistente e seu companheiro e, com violência, deu vários murros no vidro da porta do condutor e, dirigindo-se à assistente disse, em altos berros, em tom agressivo e repetidamente: «filha da puta, cortaste o cabelo à minha filha, sua puta, eu mato-te, sua filha da puta e espicaço-te toda»;
6. A arguida só parou quando um dos agentes policiais ali presentes interveio, levando-a para a porta de sua casa;
7. E quando o Sr. Agente BG..., depois de ter chamado pela arguida e esta ter aberto a porta de entrada, mas sem sair do espaço interior da habitação, lhe ter pedido que fosse buscar a NN... para ser entregue ao pai, em visita, a arguida recusou-se novamente a fazê-lo e afirmou, em altos berros: «A minha filha não vai com essas pessoas que eu não deixo, cortaram-lhe o cabelo e ela não quer ir com eles; os filhos dela violaram a minha filha e eles há dias deixaram-na sozinha num café»;
8. As palavras e expressões acima referidas, para além de constituírem imputações falsas, foram proferidas, em voz alta, pela arguida com o claro propósito de ofender a honra e consideração devidas quer à assistente, quer aos seus representados, filhos menores, SD… e OS...;
9.Com a expressão "os filhos dela" mencionada no ponto 7) quis a arguida referir-se aos aludidos dois únicos filhos da assistente, em relação aos quais a assistente detém o exercício do poder paternal;
10. As expressões proferidas pela arguida, ao dirigir-se à assistente dizendo «eu mato-te e espicaço-te toda» são meio idóneo a provocar mede e inquietação, o que aconteceu, na medida em que a ofendida, em consequência dos mesmos, ficou a temer pela sua vida e integridade física;
11. A arguida sabia que a sua conduta era apta a causar medo e inquietação na ofendida e prejudicar a sua liberdade de determinação, o que quis, não se abstendo de agir do modo descrito;
12. A arguida agiu de forma deliberada, livre e consciente ao proferir as palavras e expressões acima descritas, bem sabendo que as mesmas são tidas objectiva e subjectivamente como ofensivas da honra e consideração social, e não obstante isso, voluntariamente proferiu tais expressões, pois que queria ofender a assistente e os seus filhos;
13. Sabia ainda a arguida que agia de forma proibida e punida por lei;
14. Em consequência das condutas da arguida acima descritas, a assistente sentiu-se envergonhada, triste, desgostosa, revoltada e humilhada;
15. A assistente é considerada boa mãe, pessoa séria, educada e carinhosa;
16. A arguida já foi condenada no âmbito dos seguintes processos:
a.) Proc. n. o 92/08.4GCETR, do Juízo de Instância Criminal de Estarreja, pela prática, em 17.2.2008, de dois crimes de injúria, p. e p. no art. 181.0 CP, na pena única de 130 dias de multa à taxa diária de 5 €, por decisão datada de 24.6.2009;
A arguida é operária fabril, mas encontra-se actualmente desempregada e a auferir 387 € mensais de subsídio de desemprego, recebendo ainda 143 € a título de pensão de alimentos devidas à sua filha menor, e abono de família no valor mensal de 43 €; vive em casa de um filho, tem um veículo de marca Seat, modelo Ibíza, de 1999, relativamente ao qual paga um empréstimo no valor de 11 I € mensais e tem o 6.º ano de escolaridade.

Não se provou que:
a) Em consequência das condutas da arguida acima descritas, os filhos da assistente se sentiram envergonhados, tristes, desgostosos, revoltados e humilhados;

Motivação de Facto e Exame Crítico das Provas
Para prova dos factos supra referidos foram decisivas as declarações prestadas pelo assistente e pelas testemunhas ouvidas em audiência de julgamento, analisadas de per si e conjugadas entre elas, bem como com os documentos juntos aos autos e com as regras da experiência comum e da normalidade.
Na verdade, a assistente AP… referiu que no dia mencionado na acusação, quando estava com o seu companheiro e ex-marido da arguida, à espera no carro, para que se fizesse a entrega da menor NN... através de agentes da GNR, a dada altura e após ter recusado entregar a menor, a arguida saiu de casa e dirigiu-se ao veículo no interior do qual se encontrava e começou a dar murros no mesmo, com violência, ao mesmo tempo que lhe chamava «puta» e «filha da puta», e lhe dizia que a matava e a espicaçava toda, sendo que só parou com tal comportamento mediante a intervenção de um dos agentes da GNR presentes no local.
Mais referiu que entretanto ficou dentro da viatura enquanto os agentes da GNR conversavam com a arguida, tendo sabido poucos dias mais tarde que a arguida havia referido aos agentes da GNR que os filhos da assistente (menores, os quais se encontram à guarda da mãe, a quem cabe o exercício do poder paternal, conforme melhor resulta dos assentos de nascimento de fIs. 7 a 10) haviam violado a menor NN..., alegação esta, referida como justificação para não permitir a entrega da menor ao pai.
Em consequência destes factos ficou a assistente muito transtornada, nervosa, e humilhada, assim co-no receosa e intranquila, face às ameaças proferidas pela arguida, em tom sério e agressivo.
As declarações da assistente mereceram inteira credibilidade, pela forma coerente e serena com) foram prestadas, não obstante o conflito existente com a arguida, o qual, entretanto, se encontra mais pacificado.
Por outro lado, a descrição dos factos feita pela assistente foi corroborada pelo depoimento da testemunha JL..., seu companheiro, o qual se encontrava também no interior do veículo, aguardando pela entrega da menor. Confirmou também a testemunha o estado de abalo psicológico sofrido pela assistente, a qual, designadamente, não voltou a acompanhá-lo na recolha e entrega da menor, por ter ficado transtornada, receosa e intranquila face aos factos e às expressões proferidas pela arguida.
Por outro lado, foi também inquirida a testemunha IC..., agente da GNR, que confirmou que no dia em causa participou na diligência com vista à entrega da menor NN... ao pai, nos termos ordenados pelo tribunal, no âmbito do processo de regulação d i exercício do poder paternal, o que fez a pedido de colegas do NIC de ...(a quem caberia originariamente tal função), uma vez que estes se encontravam impedidos numa outra diligência.
Relatou então esta testemunha que a arguida se recusou a entregar a menor, alegando inicialmente que esta se encontrava doente e que não queria ir com o pai. Não obstante as tentativas da testemunha para tentar conseguir que a menor fosse entregue ao pai, a dada altura a arguida saiu de casa e dirigiu-se ao veículo onde se encontrava o pai da menor e a assistente, sua companheira, começando a bater na referida viatura e a dirigir insultos à assistente, acusando-a de ter cortado o cabelo à filha.
Afirmou ainda que, atento o estado de exaltação da arguida e a sua recusa em entregar a menor, contactou com os colegas do NIC de ..., solicitando a sua comparência, sendo que foram estes, após a respectiva chegada, que tiveram contacto mais directo com a arguida.
Referiu também esta testemunha que se recorda de a arguida ter dito qualquer coisa relativamente aos filhos da assistente, mas não conseguiu precisar o conteúdo exacto de tais expressões e afirmações.
Foi também ouvida a testemunha BG…, cabo da GNR a prestar serviço no NIC de ..., que referiu que era um dos agentes incumbidos de fazer a entrega da menor, conforme ordenado pelo tribunal. No dia em causa nos autos, uma vez que estava impedido numa outra diligência solicitou aos colegas da GNR de ... que procedessem à referida diligência. No entanto, acabou por ser contactado por estes últimos, uma vez que se estavam a verificar dificuldades na entrega, pelo que se deslocou, logo que possível, para o local (acompanhado do colega VV…), onde foi logo informado pelo agente IC… que a arguida se havia recusado a entregar a menor e havia armado desacatos com a assistente.
Referiu que quando chegou já a arguida se encontrava no interior da sua residência, pelo que tocou à campainha e quando a arguida assomou à porta disse que não entregava a menor porque a assistente lhe tinha cortado o cabelo, que os seus filhos tinham violado a NN... e que o pai e a assistente a haviam deixado sozinha num café. Na verdade, esta testemunha confirmou integralmente o teor do relatório de informação de fls. 35 a 37, por si subscrito.
Quando estava a informar o pai de que a arguida se recusava a entregar a menor, aquela saiu de: casa, fazendo-se transportar no seu veículo automóvel e provavelmente levando consigo a menor, inviabilizando, assim, a entrega pretendida.
O relatado por esta testemunha foi também confirmado pela testemunha VV…, também cabo da GNR, a prestar serviço no NIC de ..., sendo que ambos as testemunhas depuseram com isenção e coerência, tendo, pois, merecido credibilidade.
Foram também analisados os documentos de fls. 104 a 111, relativos ao estipulado em sede de regulação do exercício do poder paternal da menor NN....
Por outro lado, foram também inquiridas as testemunhas GC…, RL… e GG…, as quais atestaram o estado de abalo psicológico em que ficou a assistente, em consequência do supra descrito comportamento da arguida.
Entretanto, já na segunda sessão de audiência de discussão e julgamento, a arguida prestou declarações sobre os factos imputados, negando genericamente a prática dos mesmos, afirmando que quando se dirigiu o veículo onde se encontrava o pai da menor, o fez calmamente e sem agressividade, apenas para lhe comunicar que a menor não queria ir, lendo que nunca insultou ou ameaçou a assistente, nem disse ao cabo BG... as afirmações contidas no relatório de informação junto aos autos.
Ora, tais declarações da arguida contrariam frontalmente toda a restante prova produzida, a qual se revelou coerente, circunstanciada e verosímil.
Por outro lado, em sede de defesa, foram inquiridas as testemunhas … (companheiro da irmã da arguida) e … (filho da arguida), as quais referiram não terem conhecimento directo dos factos descritos nas acusações, mas que afirmaram terem dificuldade em acreditarem que a arguida os tenha praticado, uma vez que a consideram pessoa calma e afectuosa.
Por fim, foi inquirida também a testemunha irmão da arguida, que afirmou, que no dia em questão, por coincidência, justamente à hora em que os factos ocorreram, passou na rua, tendo ouvido, por isso, uma discussão entre a arguida e a assistente, em que ambas se insultavam mutuamente, chamando­-se «filha da puta», mas nunca ouviu a arguida a ameaçar a assistente, fosse de que forma fosse.
Ora, uma vez que o depoimento desta testemunha contraria o declarado por outras testemunhas já ouvidas, que não referiram a presença de mais ninguém no
local, e atendendo a que esta testemunha, até pela deficiência motora de que padece (deslocando-se de cadeira de rodas), dificilmente passaria no local sem ser notada (uma vez que se trata de uma rua com pouco trânsito e afirmou ter estado precisamente em frente ao local onde se desenrolaram os factos, mas do outro lado da rua), foi requerida e ordenada a acareação entre esta testemunha e as testemunhas JL..., IC..., BG... e VV…, assim como relativamente a um outro agente da GNR que acompanhava o agente IC... na patrulha (RP…).
Ora, foi realizada a referida acareação entre a testemunha OJ... e as testemunhas JL..., IC... e RP…, sendo que estas últimas afirmaram convictamente e sem qualquer hesitação que a testemunha OJ… não se encontrava no local aquando dos factos em apreciação.
Por seu lado, a testemunha RP… esclareceu que acompanhava o agente IC... na entrega da menor, confirmando o depoimento deste última e referindo até que foi ele próprio quem disse ao agente IC... para retirar a arguida do local e a acompanhar até casa, quando esta estava a bater no carro onde se encontrava a assistente, insultando-a e dirigindo-lhe outras expressões que não soube concretizar.
Assim, o conjunto da prova produzida, analisada concatenadamente e atenta a credibilidade que mereceram os depoimentos da assistente e das testemunhas da acusação, permite concluir que os factos se passaram conforme descritos nas acusações, particular e pública, deduzidas.
Quanto ao facto não provado, o mesmo foi assim considerado, uma vez que foi referido por diversas testemunhas, entre elas JL..., GC… e RL…, que os menores SD... e OS...nunca chegaram a ter conhecimento das afirmações proferidas pela arguida, sendo que tais factos sempre foram ocultados, designadamente para não afectar a relação entre eles e a menor NN....
Para prova dos antecedentes criminais da arguida foi decisiva a consulta do respectivo CRC, juntos ais autos a fls. 181.


***
Questões a decidir:
- se o Tribunal deveria ter adiado o julgamento, por falta da arguida;
- se os factos dados como provados nos pontos 4, 5, 6, e 7 foram incorrectamente julgados;

A recorrente sustenta que foi violado o seu direito a estar presente na audiência de discussão e julgamento, e que foi violado o disposto nos artigos 20° n.º 4 e 32° n.º 1 e n.º 2 da Constituição da República Portuguesa e o artigo 61°, n.º 1 al. a) do Código de Processo Penal.
Entende, que “(…) tribunal não tomou qualquer providências para que a arguida fosse presente a julgamento, antes proferindo despacho no sentido de prosseguir a audiência, mesmo estando designada uma segunda data, e tendo a arguida comunicado estar impedida de comparecer na primeira data por motivo de doença.
(…) Não o tendo feito, foi indevidamente preterida a presença da arguida na audiência de julgamento, o que gera uma nulidade insanável, face ao disposto no artigo 119º al c) do CPP."
Não tem razão a recorrente.
Do disposto no artº 333º1 a 3 CPP resulta que em face da falta do arguido á audiência de julgamento, para que fora regularmente notificado, a audiência deve prosseguir, porque só é adiada se o Tribunal considerar que a presença do arguido é absolutamente indispensável desde seu inicio. Não havendo esse juízo de indispensável sobre a presença do arguido, segue a regra geral: não há adiamento e a audiência tem de ter lugar e o arguido pode ser ouvido até ao fim da audiência e o seu defensor pode requerer que seja ouvido na 2ª data designada para audiência (nºs 2 e 3). Assim, perante a falta do arguido o Tribunal apenas tem de proferir despacho, (e este é de adiamento), se considerar a sua presença absolutamente indispensável, porque não sendo assim tem de proceder á audiência de julgamento, e o arguido será ouvido se comparecer, como é seu dever, no seu decurso ou se o seu defensor requerer a sua audição na 2ª data de julgamento designada.
A falta de tomada de medidas, coactivas, para obter o comparecimento do arguido, por parte do Tribunal, não é cominada pela lei com qualquer sanção, donde não constitui nulidade (artºs 118º1 e 120º1CPP) e muito menos insanável, dado que a lei permite (artº 332º1CPP) e até impõe (artº 333º 1 e 2 CPP) a realização do julgamento do arguido na sua ausência em caso de regular notificação e prestação de TIR e se porventura se pudesse considerar uma irregularidade, ela não foi tempestivamente arguida, como não afecta o valor do julgamento realizado (artº 123º CPP) face às possibilidades legais que o arguido tinha para comparecer e ser ouvido, que não usou, pois “… não pode permitir-se a sua total desresponsabilização em relação ao andamento do processo, ou ao seu julgamento …” in Exposição da Proposta de Lei, in M.Gonçalves, CPP anotado, 16º ed. Pág. 704, uma vez que esteve sempre representado pelo seu defensor, assegurando os seus direitos de defesa - nº3;
Tendo em conta a situação concreta do processo e das normas legais, não é caso de aplicação da nulidade insanável do artº 119ºc) CPP, pois esta apenas existe quando se verifica “A ausência do arguido ou do seu defensor, nos casos em que a lei exigir a respectiva comparência”, e no caso a arguida foi ouvida à 2ª data e esteve sempre devidamente representada pelo seu defensor e a lei permite ao arguido que falte sabendo ele como sabia em face da notificação que lhe foi feita (e do TIR prestado) qual era a consequência: julgado na ausência e representado pelo seu defensor, sendo a prova gravada.
O arguido notificado regularmente, como a lei lhe permite fez a sua opção: entre faltar ou comparecer decidiu faltar, situação que fica sujeita ao regime das faltas, que é diverso de uma situação de “ausência” que não ocorreu – cfr. Ac. R. Ev. 3/2/04 Proc. 2232/03-1, www.dgsi.pt/jtre, e pressuposto na doutrina do Ac. STJ 2/5/07 proc. 07P1018 www.dgsi.pt/jstj.
O Tribunal não tinha opção a não ser proceder ao julgamento (pois em face da matéria de facto a apurar constante da acusação e modo como os factos decorreram - a presença da arguida não era indispensável para a descoberta da verdade, promovendo o adiamento da audiência) – artº 333º1 CPP
Ora em face das normas legais e do processado, a regra é a de que se deve proceder ao julgamento na ausência do arguido, e isso foi determinado; a excepção seria a decisão de adiamento porque a presença da arguida era indispensável á descoberta da verdade, mas como tal não ocorreu, não podia deixar de se proceder ao julgamento, na ausência da arguida, que veio a ser ouvida na segunda data designada.
As medidas previstas no nº1 só fazem sentido e devendo por isso ser adoptadas, ou seja, só são necessárias, quando a audiência não deva, nem possa, iniciar-se sem a presença da arguida, pois visam fazê-la comparecer contra sua vontade e como modo de evitar o adiamento da audiência.
Não sendo esse o caso, não há outros reparos a fazer.
Não se vislumbrando, quer na lei quer no decidido violação das normas constitucionais citadas pela recorrente (artºs 20º, 32º CRP), tendo a prova sido gravada e disponibilizada ao recorrente, tendo-lhe sido asseguradas todas as garantias de defesa, que a arguida usou.


Sustenta a recorrente que foram incorrectamente julgados os factos dados como provados, nomeadamente, os constantes dos pontos 4, 5, 6 e 7, uma vez que o tribunal apenas deveria ter dado credibilidade a pequenas partes dos depoimentos prestados pelas testemunhas BG..., IC… e VV....
Portanto, o recorrente discorda com a forma como na decisão recorrida foi apreciada a prova produzida em julgamento e as conclusões de convicção probatória a que ali se chegou.
De acordo com o disposto no art 412 nº 3 al b) do Código Processo Penal, a matéria de facto impugnada só pode proceder, quando o recorrente tendo por base o raciocínio lógico e racional feito pelo tribunal na decisão recorrida, indica provas que “imponham decisão diversa”.
O recorrente não pode fazer o seu julgamento esquecendo a convicção formada pelo tribunal à luz das regras da experiência comum. Se aquela resulta clara destas, demonstradas no exame crítico das provas que a lei lhe impõe (art 374 nº 2 do Código Processo Penal) o raciocínio feito pelo tribunal não pode ceder perante um qualquer outro raciocínio do recorrente. Exige-o o princípio da livre apreciação da prova (art 127 do referido diploma).
O recorrente ao pretender a alteração da matéria de facto pretende que o Tribunal faça tábua rasa às declarações prestadas pela assistente e restantes testemunhas. Ora, tal não é indicar provas que imponham decisão diversa.
O Tribunal ao decidir teve em consideração todos os depoimentos prestados e os documentos juntos aos autos. Foi no conjunto de todos os elementos que o tribunal fundou a sua convicção.
O que afinal a recorrente faz é impugnar a convicção adquirida pelo tribunal a quo sobre determinados factos em contraposição com a que sobre os mesmos ele adquiriu em julgamento, esquecendo a regra da livre apreciação da prova inserta no art 127.
De acordo com o disposto no art 127 a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.
“O art 127 do Código Processo Penal estabelece três tipos de critérios para avaliação da prova, com características e naturezas completamente diferentes: uma avaliação da prova inteiramente objectiva quando a lei assim o determinar; outra também objectiva, quando for imposta pelas regras da experiência; finalmente, uma outra, eminentemente subjectiva, que resulte da livre convicção do julgador.
A prova resultante da livre convicção do julgador pode ser motivada e fundamentada mas, neste caso, a motivação tem de se alicerçar em critérios subjectivos, embora explicitados para serem objecto de compreensão” (Ac STJ de 18/1/2001, proc nº 3105/00-5ª, SASTJ, nº 47,88).
Tal como refere o Prof Germano Marques da Silva no Curso de Processo Penal, Vol II, pg 131 “... a liberdade que aqui importa é a liberdade para a objectividade, aquela que se concede e que se assume em ordem a fazer triunfar a verdade objectiva, isto é, uma verdade que transcende a pura subjectividade e que se comunique e imponha aos outros. Isto significa, por um lado, que a exigência de objectividade é ela própria um princípio de direito, ainda no domínio da convicção probatória, e implica, por outro lado, que essa convicção só será válida se for fundamentada, já que de outro modo não poderá ser objectiva”.
Ou seja, a livre apreciação da prova realiza-se de acordo com critérios lógicos e objectivos.
Sobre a livre convicção refere o Professor Cavaleiro de Ferreira que esta « é um meio de descoberta da verdade, não uma afirmação infundada da verdade» -Cfr. "Curso de Processo Penal", Vol. II , pág.30. Por outras palavras, diz o Prof. Figueiredo Dias que a convicção do juiz é "... uma convicção pessoal -até porque nela desempenha um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais -, mas em todo o caso, também ela uma convicção objectivável e motivável , portanto capaz de impor-se aos outros ."- Cfr., in "Direito Processual Penal", 1º Vol., Coimbra Ed., 1974, páginas 203 a 205.
O principio da livre apreciação da prova assume especial relevância na audiência de julgamento, encontrando afloramento, nomeadamente, no art. 355 do Código de Processo Penal. É ai que existe a desejável oralidade e imediação na produção de prova, na recepção directa de prova.
No dizer do Prof. Germano Marques da Silva "... a oralidade permite que as relações entre os participantes no processo sejam mais vivas e mais directas, facilitando o contraditório e, por isso, a defesa, e contribuindo para alcançar a verdade material através de um sistema de prova objectiva, atípica, e de valoração pela intima convicção do julgador (prova moral), gerada em face do material probatório e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento dos homens". -Cfr. "Do Processo Penal Preliminar", Lisboa, 1990, pág. 68”.
O principio da imediação diz-nos que deve existir uma relação de contacto directo, pessoal, entre o julgador e as pessoas cujas declarações irá valorar, e com as coisas e documentos que servirão para fundamentar a decisão da matéria de facto.
Citando ainda o Prof. Figueiredo Dias, ao referir-se aos princípios da oralidade e imediação diz o mesmo:
«Por toda a parte se considera hoje a aceitação dos princípios da oralidade e da imediação como um dos progressos mais efectivos e estáveis na história do direito processual penal. Já de há muito, na realidade, que em definitivo se reconheciam os defeitos de processo penal submetido predominantemente ao principio da escrita, desde a sua falta de flexibilidade até à vasta possibilidade de erros que nele se continha, e que derivava sobretudo de com ele se tomar absolutamente impossível avaliar da credibilidade de um depoimento. (...) .Só estes princípios, com efeito, permitem o indispensável contacto vivo e imediato com o arguido, a recolha da impressão deixada pela sua personalidade. Só eles permitem, por outro lado, avaliar o mais correctamente possível a credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais ". -In "Direito Processual Penal", 10 Vol., Coimbra Ed., 1974, páginas 233 a 234 .
Assim, e para respeitarmos estes princípios se a decisão do julgador, estiver fundamentada na sua livre convicção e for uma das possíveis soluções segundo as regras da experiência comum, ela não deverá ser alterada pelo tribunal de recurso. Como se diz no acórdão da Relação de Coimbra, de 6 de Março de_2002 (C.J. , ano XXV|II, 20 , página 44) "quando a atribuição da credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear na opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum".
Ora, se atentarmos aos factos apurados e compulsada a fundamentação temos de concluir que os juízos lógico-dedutivos aí efectuados são acertados, designadamente no que se refere aos factos apurados e postos em questão pela recorrente.
O Sr juiz na decisão recorrida, nomeadamente, em sede de convicção probatória, explica de forma clara e coerente os seus juízos lógico-dedutivos, analisando as provas tidas em consideração.
A recorrente com a sua argumentação apenas pretende e com já se referiu extrair dos elementos analisados uma diferente convicção.
A recorrente faz o seu próprio julgamento pretendendo, agora impor o seu próprio raciocínio.
A decisão recorrida encontra-se devidamente fundamentada, não apontando o recorrente qualquer fundamento válido que a possa abalar.
A recorrente ao impugnar a matéria de facto esquece os elementos de prova nos quais o tribunal se baseou. É no conjunto de todos esses elementos que se fundamenta a convicção e não, apenas, num ou noutro dos mesmos elementos (Rec nº 2541/2003 do Tribunal da Relação de Coimbra).
Tendo a factualidade apurada apoio na prova produzida em julgamento a questão a decidir é a de saber se a escolha do tribunal está fundamentada. Hoje exige-se que o tribunal indique os fundamentos necessários para que através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção do facto dado como provado e como não provado.
O objectivo dessa fundamentação e no dizer do prof. Germano Marques da Silva, no Curso de Processo Penal, pg 294, III Vol é a de permitir “a sindicância da legalidade do acto, por uma parte e serve para convencer os interessados e os cidadãos em geral acerca da sua correcção e justiça, por outra parte, mas é ainda um importante meio para obrigar a autoridade decidente a ponderar os motivos de facto e de direito da sua decisão, actuando, por isso como meio de autodisciplina”.
A ratio da exigência de fundamentação é a de submeter a decisão judicial a uma maior fiscalização por parte da colectividade e é também consequência da importância que assume no novo processo o direito à prova e à contraprova, nomeadamente o direito de defender-se, probando”.
Não dizendo a lei em que consiste o exame crítico das provas, esse exame tem de ser aferido com critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita avaliar cabalmente o porquê da decisão e o processo lógico-formal que serviu de suporte ao respectivo conteúdo (Ac STJ de 12/4/2000, proc nº 141/2000-3ª, SASTJ nº 40,48).
Portanto esse exame crítico deve indicar no mínimo e não tem que ser de forma exaustiva, as razões de ciência e demais elementos que tenham na perspectiva do tribunal sido relevantes, para assim se poder conhecer o processo de formação da convicção do tribunal.
É o juiz de julgamento que tem em virtude da oralidade e da imediação, uma percepção própria do material probatório que nós, neste Tribunal, não temos. O juiz do julgamento tem um contacto vivo e imediato com a todas as partes, ele questiona, ele recolhe todas as impressões e está atento a todos os pormenores.
O juiz perante dois depoimentos contraditórios por qual deve optar? “Esta é uma decisão do juiz do julgamento. “Uma decisão pessoal possibilitada pela sua actividade congnitiva, mas também por elementos racionalmente não explicáveis e mesmo puramente emocionais.
Como refere Damião da Cunha (RPCC, 8º, 2º pg 259) os princípios do processo penal, a imediação e a oralidade, implicam que deve ser dada prevalência às decisões da 1ª instância” (Ac RP nº 6862/05).
Ora, analisando a decisão recorrida encontra-se devidamente fundamentada e, de forma exaustiva faz uma exposição dos motivos de facto que fundamentaram a decisão e faz um exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal. O acórdão recorrido indica de forma clara e na medida do que é necessário, as provas que serviram para a formação da convicção do tribunal.
O depoimento da assistente e do seu companheiro mereceram total credibilidade pela forma coerente e serena como foram prestados.
Por outro lado a testemunha IC…, agente da GNR, confirmou que no dia em causa participou na diligência com vista à entrega da menor NN... ao pai, e que a arguida se recusou a entregar a menor, e que a dada altura a arguida saiu de casa e dirigiu-se ao veículo onde se encontrava o pai da menor e a assistente, sua companheira, começando a bater na referida viatura e dirigir insultos à assistente, acusando-a de ter cortado o cabelo à filha, sendo certo que disse não se recordar o que a arguida tenha dito relativamente aos filhos da assistente.
A testemunha BG…, que não viu a arguida a bater na dita viatura, afirmou que a arguida disse que não entregava a menor porque a assistente lhe tinha cortado o cabelo, que os seus filhos tinham violado a NN... e que o pai e a assistente a haviam deixado sozinha num café. Na verdade, esta testemunha confirmou integralmente o teor do relatório de informação de fls. 35 a 37, por si subscrito.
O relatado por esta testemunha foi também confirmado pela testemunha VV…, também cabo da GNR, a prestar serviço no NIC de ..., sendo que ambas as testemunhas depuseram com isenção e coerência, tendo, pois, merecido credibilidade.

Como refere, o Prof. Enriço Altavilla, “o interrogatório, como qualquer testemunho, está sujeito à crítica do juiz, que poderá considerá-lo todo verdadeiro ou todo falso, mas poderá também aceitar como verdadeiras certas partes e negar crédito a outras” – Psicologia Judiciária, Vol II, Arménio Amado, Editor, Sucessor, Coimbra, 3ª edição, pg 12.

Ora, as declarações da assistente e das testemunhas ao contrário da interpretação subjectiva feita pela recorrente na motivação do recurso, não é inverosímil, nem foge às regras da experiência comum, quando enquadradas no ambiente em que foram proferidas.

Nada impede pois que o Tribunal recorrido, no âmbito da imediação e da oralidade, tenha dado credibilidade às declarações da assistente e das referidas testemunhas.
O facto de a testemunha JL... ser companheiro da assistente não é sinónimo de falta de credibilidade ou de seriedade. A recorrente não indica qualquer dado objectivo que possa abalar a credibilidade que o tribunal deu ao depoimento desta testemunha e este tribunal também não vê motivos para o fazer.

Voltando à sentença, nomeadamente à motivação, constatamos que a mesma está fundamentada, aprofundando as razões que determinaram a formação da convicção do tribunal acerca dos factos que deu como apurados e como não apurados. A motivação não se basta a enunciar e elencar os meios de prova relevantes e decisivos, antes procedeu a uma análise critica dessas provas, de modo que possibilita, olhar-se e ver-se o percurso efectuado na decisão em recurso.
Como já referimos da motivação e do exame critico da prova resultam as razões pelas quais o tribunal deu como provados determinados factos, permitindo ao arguido todos os meios de defesa e a este Tribunal, reconstruir retrospectivamente o caminho percorrido na decisão recorrida.
Perante os factos apurados e a sua motivação não procede a critica dos recorrentes. Estes esquecem a prova produzida e as regras da experiência e sobrevalorizam a sua apreciação subjectiva do que deveria ter sido considerado provado, querendo fazer prevalecer a sua versão dos factos, sem apoio na prova produzida.
É de notar que o juiz da 1ª instância é o juiz da oralidade e da imediação da audiência de julgamento, logo está numa posição que lhe permite apreender as emoções, a sinceridade, a objectividade, as contradições, todas os pequenos gestos que escapam no recurso. Portanto, o juiz do julgamento, em virtude da oralidade e da imediação, portanto, do seu contacto, com arguidos, testemunhas, tem uma percepção que escapa aos juízes do tribunal da Relação.
O Tribunal da Relação apenas pode controlar e sindicar a razoabilidade da sua opção, o bom uso do princípio da livre convicção, com base na motivação da sua escolha.
Ora, da motivação resulta que a convicção do tribunal não é puramente subjectiva, intuitiva e imotivável, mas antes resultou da livre apreciação da prova, da análise objectiva e critica da prova. A solução a que chegou o tribunal é razoável atendendo á prova produzida e está fundamentada. Na verdade, face a todo o material probatório tudo indica que o tribunal recorrido captou a verdade material.
Sustenta, ainda, a recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro notório na apreciação da prova.
A recorrente incorre no erro usual de tratar os vícios do art 410 nº 2 do CPP, como verdadeiros vícios do julgamento, o que não está certo. Os vício do art 410 nº 2 do CPP, não podem ser tratados como vícios do julgamento, mas sim como vícios da decisão.
“Errada apreciação das provas não é o mesmo que erro notório na apreciação da prova, sendo que este vício só releva se identificável no texto da decisão recorrida, art 410 nº 2 do CPP. A errada apreciação da prova é algo de muito diverso, configura erro no julgamento, o que não é detectável no texto da decisão recorrida e só pode ser averiguado se ocorrer, impugnação da matéria de facto nos termos do art 410 nº 3 e respectivas alíneas. (ac da RP cit).
Lida a decisão recorrida conclui-se que nenhum dos vícios elencados no art 410 nº 2, nomeadamente, o do erro na apreciação da prova, está patente na decisão recorrida.

Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em julgar improcedente o recurso, mantendo-se a douta sentença recorrida.


Custas pelo recorrente fixando-se a taxa de justiça em 5 uc (artº 513 do CPP e artº 8º nº 5 e tabela III do RCP)


Alice Santos (Relatora)
Belmiro Andrade

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