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terça-feira, 14 de junho de 2011

JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO, NOTA DE CULPA - Ac. do Tribunal da Relação de Évora - 12/01/2010

Acórdãos TRE
Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
660/08.4TTSTR.E1
Relator: CHAMBEL MOURISCO
Descritores: DECISÃO DE DESPEDIMENTO
FUNDAMENTAÇÃO
JUSTA CAUSA

Data do Acordão: 12-01-2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S

Meio Processual: APELAÇÃO SOCIAL
Decisão: NÃO PROVIDA

Sumário:
1. Para que seja admissível a fundamentação da decisão do despedimento por remissão para a nota de culpa, nomeadamente quanto aos factos imputados ao trabalhador, essa remissão tem de ser expressa, não podendo deixar margem para quaisquer dúvidas quanto aos factos que se consideram provados.

2. Para que se verifique a justa causa de despedimento, enunciada no nº3 al. g) do art. 396º do Código do Trabalho, não basta a simples materialidade das faltas injustificadas ao trabalho dadas durante certo número de dias, sejam seguidas ou interpoladas, havendo que demonstrar um comportamento culposo do trabalhador, que pela sua gravidade e consequências torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral.


Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:

I. J., residente …., em Santarém, intentou a presente acção de impugnação de despedimento contra J...,SA, pedindo a declaração da ilicitude do seu despedimento promovido pela Ré, e a condenação desta a pagar-lhe as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento e até ao trânsito em julgado da decisão judicial, ali incluindo as retribuições correspondentes a férias, subsídio de férias e de Natal, bem como uma indemnização a graduar entre quinze e quarenta e cinco dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano ou fracção de antiguidade, computando o tempo decorrido entre o início do contrato e o trânsito em julgado da decisão judicial.

Para o efeito alegou, em síntese, ter sido despedido sem justa causa, dado que o procedimento de despedimento está eivado de nulidades e não cometeu os ilícitos disciplinares que lhe foram imputados.

A Ré contestou, pugnando pela improcedência total do pedido, alegando, em síntese, inexistirem nulidades no procedimento de despedimento e que lhe assistiu justa causa para despedir o Autor.
Após a realização da audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, decidiu:

a) Declarar ilícito o despedimento perpetrado pela Ré na pessoa do Autor;

b1) Condenar a Ré, a título de compensação, a entregar ao Autor o montante das retribuições vencidas desde 8 de Setembro de 2008, e vincendas até ao trânsito em julgado da decisão final desta causa, com dedução das importâncias que o Autor tenha comprovadamente obtido com a cessação do contrato e que não receberia se não tivesse ocorrido o despedimento;

b2) A esta compensação devem ser deduzidas e entregues pela Ré à Segurança Social Portuguesa todas as quantias que por esta foram ou vierem a ser pagas ao Autor a título de subsídio de desemprego;

b3) O montante da compensação deverá ser liquidado em complemento desta sentença;

c) Condenar a Ré a pagar ao Autor uma indemnização no montante de vinte dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade, computando-se para este efeito todo o tempo decorrido entre a data do despedimento e o trânsito em julgado da decisão judicial, a liquidar em complemento desta sentença;

d) Condenar a ré a pagar ao Autor os juros de mora vincendos sobre as quantias que vierem a ser liquidadas como devidas a este, à taxa legal supletiva, desde o momento da respectiva liquidação e até integral pagamento.
***
Inconformada com a sentença a Ré interpôs recurso de apelação, tendo formulado as seguintes conclusões:

1) A nota de culpa é parte integrante da decisão final;

2) O aspecto mais importante da fundamentação da decisão de despedimento é o da circunscrição deste fundamento aos factos alegados na nota de culpa, e na resposta do trabalhador;

3) Este aspecto evidencia, de novo, a importância central da nota de culpa no processo de despedimento;

4) O Tribunal “a quo” aplaude energicamente a nota de culpa ao referir que a mesma contextualizou de forma cabal os factos que determinaram o despedimento;

5) A Jurisprudência tem admitido que a fundamentação da decisão do despedimento seja feito por remissão para outro documento, designadamente para a nota de culpa (cfr. Ac. da Relação de Lisboa de 31/11/94, CJ, V, 1978);

6) E foi o que a Ré fez ao dar como reproduzida a nota de culpa na decisão final.

7) Impõe-se a revogação da decisão recorrida, a qual deve ser substituída por outra que julgue o despedimento lícito.

O Autor contra-alegou tendo concluído:

1. O despedimento do Autor pela Ré foi ilícito;

2. Não existiu justa causa de despedimento;

3. O Tribunal “a quo” aplicou correctamente a lei ao caso concreto, julgando procedente a acção, decretando a ilicitude do despedimento;

4. Assim, deverá a sentença ser integralmente confirmada, negando-se provimento ao recurso.

O Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de dever manter-se a sentença recorrida.
Os autos foram com vista aos Ex.mos Juízes-Adjuntos.

Delimitado que está o objecto do recurso pelas conclusões da recorrente, a única questão a decidir consiste em saber se o despedimento deve ser declarado lícito.

II. O tribunal recorrido consignou a seguinte matéria de facto provada que, por não ter sido impugnada, se considera fixada:

Da petição inicial:

a) Em 14 de Julho de 2004, o Autor e a Ré acordaram que aquele passaria a prestar-lhe actividade como motorista de pesados, sob a autoridade e direcção desta;

b) À data do despedimento do Autor, a Ré pagava-lhe mensalmente um salário base de quinhentos e oitenta e sete euros (€587,00), acrescido de uma diuturnidade de doze euros (12,00) e de subsídio de alimentação no montante de seis euros e dezassete cêntimos por dia de trabalho efectivo;

c) O Autor recebeu da Ré uma carta datada de 31 de Julho de 2008, onde se podia ler:

“Assunto: Processo Disciplinar. Notificação da nota de culpa.

Sou a remeter a V. Exa., a nota de culpa referente ao processo disciplinar que a empresa J., decidiu instaurar-lhe. Mais informo que nos termos dos art. 413º do Código de Processo do Trabalho, dispõe de 10 dias úteis para responder à mesma, deduzindo por escrito os elementos que considere relevantes, podendo indicar testemunhas.

Com os meus melhores cumprimentos.

O Instrutor do Processo”

d) Em dia indeterminado de Agosto de 2008, o Autor deslocou-se às instalações da empresa Ré, onde lhe foi dito que deveria responder à nota de culpa, juntando a justificação para as faltas dadas entre 18 e 30 de Julho de 2008;

e) Por carta datada de 12 de Agosto de 2008, o Autor comunicou à Ré, o seguinte:

“Assunto: Processo Disciplinar (resposta)

Em resposta à carta de V. Exª, de 31 de Julho de 2008 e, em relação ao processo disciplinar que me foi instaurado pela vossa empresa, venho por este meio justificar os dias em que me encontrei ausente (de 18/07/08 a 6/08/08).

No dia 18, vi-me incapacitado, por motivo de doença (dores na coluna), de comparecer no local de trabalho, pelo que depois de ter avisado a entidade patronal por via telefónica, me desloquei, no dia seguinte ao Centro de Saúde.

Em virtude de ser Sábado fui atendido pelo médico de recurso, que me passou alguns exames e me aconselhou a permanecer em casa por alguns dias. Depois da realização dos referidos exames, desloquei-me ao médico de família (dia 31/07) para lhe solicitar a baixa dos dias de ausência ao trabalho. Este apenas me passou a baixa desde esse dia até 06/08. Por ser a primeira vez que me encontrava nessa situação desconhecia o funcionamento do processo.

Junto em anexo, as fotocópias dos documentos que possuo.

Com os melhores cumprimentos”.

f) No dia 18 de Julho de 2008, cerca das 7 horas da manhã, o Autor entrou em contacto, via telefone, com o director-geral da Ré, A., e disse-lhe que sofria de fortes dores na coluna e por isso não iria trabalhar;

g) No dia 19 de Julho de 2008, o Autor foi atendido no Centro de Saúde de Santarém;

h) Em 31 de Julho de 2008, o Autor foi consultado no Centro de Saúde de Santarém, pela Dr.ª M., a qual declarou que o autor se encontrava incapacitado para o exercício da respectiva profissional entre 31 de Julho de 2008 e 6 de Agosto de 2008, por doença natural;

i) Em 5 de Agosto de 2008, o Autor entregou nas instalações da Ré a declaração mencionada no artigo anterior;

j) Por carta datada de 2 de Setembro de 2008, a Ré comunicou ao Autor que o despedia com justa causa, nos seguintes termos:

Assunto: Processo Disciplinar contra J…

DECISÃO FINAL

Iniciou-se o presente processo disciplinar com a nota de culpa (doe. 1) que aqui se dá por inteiramente reproduzido. Dispunha o trabalhador-arguido de 10 dias úteis para consultar o processo disciplinar e responder ao mesmo, tendo disso sido dado conhecimento ao arguido no referido processo.

Decorrido esse prazo, o arguido vem esclarecer a situação, alegando o seguinte: - o arguido vem justificar a ausência ao trabalho dos dias 18/07 a 06/08:

- Para o dia 18/07 afirma ter estado incapacitado de prestar serviço por "motivo de doença (dores na coluna) ". Indica que nesse dia avisou telefonicamente a entidade patronal, sem concretizar a quem. Afirma ainda que no dia seguinte, sábado, foi ao centro de Saúde e que o médico que o assistiu lhe recomendou alguns exames e a permanecer em casa. Afirma que só no dia 31/07, "depois da realização dos referidos exames ", se deslocou ao seu médico de família de modo a solicitar baixa, a qual apenas lhe foi passada de dia 31/07 a dia 06/08.

- Acrescenta ainda que nunca tinha estado em situação idêntica,”desconhecendo o funcionamento do processo",
- Vem o trabalhador juntar os seguintes documentos:
a) comprovativo de deslocação ao centro de saúde no dia 19/07;
b) comprovativo de deslocação ao centro de saúde no dia 31/07;
c) documento comprovativo da realização de exame médico – RX Torax, prescrito a 31/07/2008 para realização em 22/08/2008.

- Não arrolou quaisquer testemunhas;

Da análise e conclusões:

- O trabalhador arguido não apresentou qualquer documento justificativo, relatório médico ou outro, que permita atestar que o mesmo estaria incapacitado para o trabalho entre o dia 18/07/2008 e o dia 31/07/2008;

- O trabalhador arguido não informou a entidade patronal dos dias que estaria ausente nem qual a data prevista para a realização de exames médicos;

- De salientar que o mesmo afirma que o médico pelo qual foi visto dia 19/07 o "aconselhou a permanecer em casa por alguns dias", e que lhe "passou alguns exames":

- O facto é que os referidos exames apenas foram prescritos dia 31/07 para serem realizados a dia 22/08, conforme se verifica pelo documento que aquele junta.

- Por outro lado, o atestado médico foi passado dia 31/07, mas aquele apenas o apresentou à empresa dia 5 de Agosto, data em que recebeu a nota de culpa. Ora, o mesmo, se fosse um trabalhador diligente e preocupado, deveria tê-lo apresentado no dia em que foi passado ou no dia útil seguinte (1 de Agosto).

- Mais, a sua baixa decorria até ao dia 6 de Agosto embora aquele se tenha só apresentado dia 11 de Agosto, solicitando dois dias para tratar do assunto do processo disciplinar, quando o poderia ter feito no período restante da sua baixa (dia 5 e 6 de Agosto).

O trabalhador arguido completou o número mínimo de dias de falta injustificadas legalmente estabelecido que preenche os requisitos do despedimento por justa causa;

- O trabalhador arguido sabia qual o procedimento a seguir em caso de ter de faltar ao trabalho:

- O trabalhador possuía telemóvel da empresa para ser utilizado em serviço, o qual poderia e deveria ter usado para comunicar a situação e obter todos os esclarecimentos.

- O trabalhador em causa, prejudicou com a sua atitude a entidade patronal, a sua actividade e a prossecução dos seus objectivos e ainda demonstrou falta de respeito e urbanidade para com os colegas.

Conclusão:

Deste modo, ponderadas todas as circunstâncias, determina-se, nesta data, a aplicação ao trabalhador-arguido a seguinte sanção disciplinar:

- despesdimento com justa causa.”

k) O Autor trabalhou para a ré nos dias 8 e 9 de Agosto de 2008;

l) Do registo disciplinar do Autor não constava qualquer sanção anterior;

Da contestação:

m) Em 5 de Agosto de 2008, em conjunto com a carta a que se alude na alínea c), o Autor recebeu a nota de culpa que constitui o documento n.º 1 apresentado com a contestação;

n) Na conversa telefónica de 18 de Julho de 2008, o director-geral da Ré aconselhou o Autor a deslocar-se ao médico e solicitou-lhe que apresentasse à administração a justificação do médico para o dia da falta;

o) As únicas credenciais para realização de exames médicos entregues pelo Autor foram emitidas em 31 de Julho de 2008 e têm como data de realização o dia 22 de Agosto de 2008;

p) Em Julho de 2007 foi transmitido aos trabalhadores da Ré que os assuntos relacionados com as férias e as faltas do pessoal seriam directamente tratados com A.;

q) Em Outubro de 2007, o Autor ausentou-se por um período de dezassete dias consecutivos, sem fornecer qualquer justificação;

r) Os dias de salário foram-lhe descontados e o trabalhador foi alertado de que se tal voltasse a acontecer lhe seria movido um processo disciplinar com vista ao seu despedimento;

s) Entre 18 e 31 de Julho de 2008, o Autor nunca contactou a gerente da empresa;

t) O Autor tinha consigo o telemóvel que a empresa ré lhe confiara para uso em serviço;

u) Em dia indeterminado do final de Julho de 2008, o director-geral da Ré solicitou ao Autor justificação para as faltas em que o autor havia incorrido;

v) A Ré tem como actividade o transporte rodoviário de mercadorias e como principal cliente a U., cuja actividade de distribuição de bebidas tem o verão como período de maior actividade;

x) Havendo um acordo entre trabalhadores e empresa no sentido de não serem gozadas férias durante os meses de Junho, Julho e Agosto, atendendo aos curtos prazos de entrega;

z) A Ré apenas tem conhecimento dos transportes a realizar para a U., na véspera, da parte da tarde, o que exige coordenação de meios humanos e logísticos;

III. Fixada a matéria de facto dada como provada passaremos a apreciar a questão a decidir que, como já se referiu, consiste em saber se o despedimento deve ser declarado lícito.

A sentença recorrida pronunciou-se pela ilicitude do despedimento estribando-se na seguinte fundamentação:

“Com efeito, na nota de culpa, a empregadora, para além de elencar os factos atinentes ao tipo da infracção, isto é, os dias que o autor faltou e a falta de justificação de tais faltas, descreveu, factualmente, situações e comportamentos que contextualizavam o impacto de tais factos e condutas na relação entre o trabalhador e a empregadora e na relação entre o trabalhador e os demais trabalhadores (vejam-se os artigos 1.º a 4.º, 6.º a 8.º da nota de culpa). Já em sede de decisão de despedimento, cujo quid é vital para a futura acção de impugnação, a empregadora limitou-se a fazer um curto relatório das diligências procedimentais, após o que, sob a epígrafe “Da análise e conclusões”, tece uma amálgama de alegações factuais com afirmações conclusivas, sem qualquer preocupação de enquadramento sistemático, de clareza e precisão dos fundamentos de facto da decisão e meios de prova que conduziram à respectiva prova, completamente omissa quanto a fundamentos de direito.

De resto, a empregadora, em tal decisão, nem sequer, como aliás é lamentavelmente habitual, enuncia de forma genérica e remissiva que tem por provados os factos constantes da nota de culpa. Quiçá por considerar que a falta de oposição ao procedimento teria como significado uma menor relevância da decisão final.
A respeito, o direito do trabalho a esta questão atinente é bem claro. A decisão deve ser fundamentada e constar de documento escrito (n.º 2 do artigo 415.º do CT), nela devendo ser ponderadas as circunstâncias do caso, a adequação do despedimento à culpabilidade do trabalhador (…).

Dada a vinculação temática do objecto da acção de impugnação ao teor da decisão de despedimento, a falta de elenco dos fundamentos de facto que conduziram à decisão tomada pela empregadora conduziu, em nosso entendimento, e como passaremos a demonstrar, à insuficiência da matéria de facto relevante para se poder sancionar o despedimento.

Os fundamentos elencados na decisão são os seguintes:

O trabalhador faltou ao trabalho, por alegada doença, entre 18 e 31 de Julho de 2008, sem ter apresentado declaração médica que certificasse a sua incapacidade para o trabalho.

Com tal conduta completou o número de faltas injustificadas legalmente estabelecido que preenche os requisitos do despedimento com justa causa, prejudicou a sua entidade patronal, a actividade desta, a prossecução dos seus objectivos e demonstrou falta de respeito e urbanidade para com os seus colegas.

Em termos lineares, a ré concluiu pelo despedimento porquanto o autor incorreu em faltas injustificadas em número bastante para dispensar a alegação e prova do qualquer prejuízo ou risco para a sua actividade e, em face da presumida gravidade deste comportamento do trabalhador, concluiu pelo despedimento.

Todavia, como é pacífico na doutrina e na jurisprudência, da constatação do preenchimento da situação padrão da alínea g) do n.º 3 do artigo 396.º do Código do Trabalho não decorre de forma inapelável a existência de justa causa de resolução do contrato.

Com efeito, como salienta Júlio Gomes, in Direito do Trabalho, Coimbra Editora 2007, Volume I, pág. 959, “Contudo, não se segue daqui, automaticamente, que 5 faltas injustificadas seguidas ou 10 interpoladas no mesmo ano civil sejam necessariamente justa causa de despedimento: é que sempre se exige culpa grave e, da mera circunstância de as faltas serem injustificadas, nem sempre se pode inferir a existência de culpa grave.”

Ou como ensina Monteiro Fernandes, in Direito do Trabalho, Almedina 2006, “No caso específico da alínea g), haverá mera desvalorização do elemento prejuízo (real ou potencial) na apreciação da gravidade dos factos; mas não se excluía relevância do grau de culpa nem o alcance de outros factores de gravidade, como os respeitantes à prevenção especial e geral.”

Na jurisprudência, vejam-se, a título de exemplo, os Acórdãos recenseados no recente Ac. de 8 de Outubro de 2008, relatado pelo Venerando Conselheiro Bravo Serra, e disponível em www.dgsi.pt, cujo sumário é elucidativo:

I - As ausências do trabalhador ao serviço, entre 28 de Maio e 10 de Julho de 2002, consubstanciam faltas injustificadas, se, não obstante, no referido período, o trabalhador ter estado, efectivamente, doente, e dispor de «certificados» que atestavam a existência de incapacidade temporária para o trabalho, não os apresentou à entidade patronal, só o vindo a fazer em resposta à nota de culpa.
II - Porém, para o preenchimento de justa causa de despedimento, não basta a simples materialidade das faltas injustificadas ao trabalho dadas durante certo número de dias – sejam elas seguidas ou interpoladas -, sendo necessária a demonstração do comportamento culposo do trabalhador, que se revista de gravidade e torne, pelas suas consequências, imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral.

III - Não configura justa causa de despedimento o circunstancialismo descrito em I, se, para além do aí referido, não se demonstra que a não comunicação do trabalhador da incapacidade temporária se deveu a uma quebra do dever de lealdade ou desinteresse e indiferença perante a entidade patronal e que as faltas dadas tivessem provocado nesta perturbações por forma a, num prisma de normalidade, impossibilitar a manutenção da relação laboral.

Por ser este o entendimento que melhor se coaduna com os textos legislativos, não temos dúvida em afirmar que a ré empregadora facilitou onde não podia, isto é, no texto da decisão de despedimento, da qual não constam quaisquer factos atinentes à demonstração do grau de culpa do trabalhador, da intensidade subjectiva e objectiva da violação dos deveres laborais, assim como não existem (como existiam na nota de culpa), quaisquer factos concernentes àquilo a que Monteiro Fernandes chama de prevenção geral e especial, isto é, o significado real das faltas no seio da organização empresarial, os reflexos na disciplina e organização do trabalho, o passado do trabalhador em termos de cumprimento dos seus deveres laborais em geral e do dever de assiduidade em especial.

De qualquer jeito, o Tribunal, por entender plausíveis decisões de direito sobre a matéria de facto alegada pelas partes em sentido diverso daquele que propugna, cuidou de julgar sobre toda a matéria de facto que as partes trouxeram a juízo.

Termos em que se conclui que a materialidade que a empregadora levou à decisão de despedimento, sem outra que a complemente nas questões citadas, não fundamenta justa causa de rotura contratual unilateral, pois a mesma é insuficiente para se averiguar se a conduta objectivamente ilícita do trabalhador tem na sua génese um grau de culpa do trabalhador e uma gravidade objectiva, medida à luz dos padrões da disciplina da empresa, que permitam concluir pela insustentabilidade da relação de trabalho.

Em conclusão, em face do teor da decisão de despedimento, inexistiu justa causa para o mesmo.”

Vejamos então a questão:

Como o processo disciplinar movido pela Ré contra o A. foi instaurado já depois da entrada em vigor do Código do Trabalho é de acordo com o regime deste diploma legal que tem de ser apreciada a cessação do contrato e trabalho operada pela Ré.

O art. 396º nº1 do Código do Trabalho dispõe que o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho constitui justa causa de despedimento.

Esta disposição corresponde inteiramente ao que dispunha o art. 9º nº1 do DL nº 64-A/89, de 27/2.
Assim, toda a doutrina e jurisprudência, elaborada sobre o conceito de justa causa, no âmbito do regime revogado pelo Código do Trabalho, continua a ser válida, face ao novo regime, que adoptou o mesmo conceito indeterminado.

O conceito de justa causa fornecido pela lei carece, pois, em concreto, de ser preenchido com valorações. Esses valores derivam da própria norma e da ordem jurídica em geral. O legislador, no nº3 do art. 396º do Código do Trabalho, à semelhança do revogado art. 9º nº2 do DL nº 64º-A/89, de 27/2, complementou o conceito com uma enumeração de comportamentos susceptíveis de integrarem justa causa de despedimento.

De qualquer forma, verificado qualquer desses comportamentos, que constam na enumeração exemplificativa, haverá sempre que apreciá-los à luz do conceito de justa causa, para determinar se a sua gravidade e consequências são de molde a inviabilizar a continuação da relação laboral.

Da noção fornecida pelo legislador no art. 396º nº 1 do Código do Trabalho podem-se enumerar vários elementos que integram o conceito de justa causa de despedimento.

Apesar da lei não fazer referência expressa ao conceito de ilicitude o mesmo está subjacente à noção legal, pois só é possível falar de culpa após um juízo prévio de ilicitude.

Nesta linha, o Prof. António Menezes Cordeiro, Manual de Direito do Trabalho, Almedina, pág. 821, citando fonte jurisprudencial, que subscreve, refere que a justa causa postula sempre uma infracção, ou seja, uma violação, por acção ou por omissão, de deveres legais ou contratuais.

Assim, decompondo a noção legal de justa causa, temos sempre um comportamento ilícito, censurável em termos de culpa e com consequências gravosas na relação laboral de forma a inviabilizar a mesma.

No caso concreto dos autos a R. moveu um processo disciplinar ao A. tendo-lhe entregue uma nota de culpa.

No termo desse processo disciplinar, a R. proferiu uma decisão final, reproduzida na alínea j) da matéria de facto provada, de despedimento do A. com justa causa.

Nessa decisão, como se refere na sentença recorrida, a recorrente após um pequeno relatório da tramitação do processo disciplinar desde a nota de culpa, sob a epígrafe “Da análise e conclusões”, elenca um conjunto de alegações factuais com afirmações conclusivas.

Nessa decisão, apesar de, logo no início do relatório, afirmar que o processo disciplinar se iniciou com a nota de culpa, que ali dá por inteiramente reproduzida, não enumera os factos que considera provados, nem mesmo por remissão para a nota de culpa.
Na verdade, uma coisa é no relatório da decisão afirmar que o processo disciplinar se iniciou com a nota de culpa, que ali dá por inteiramente reproduzida, outra é dizer claramente que, após as diligências instrutórias, se provaram determinados factos.

Para que seja admissível a fundamentação da decisão do despedimento por remissão para a nota de culpa, nomeadamente quanto aos factos imputados ao trabalhador, essa remissão tem de ser expressa, não podendo deixar margem para quaisquer dúvidas quanto aos factos que se consideram provados.

Com efeito, resulta dos nº 2 e 3 do art. 415º do Código do Trabalho de 2003, que a decisão deve ser fundamentada e constar de documento escrito, devendo ser ponderadas as circunstâncias do caso, a adequação do despedimento à culpabilidade do trabalhador, bem como os pareceres que tenham sido juntos nos termos do nº 3 do artigo anterior, não podendo ser invocados factos não constantes da nota de culpa, nem referidos na defesa escrita do trabalhador, salvo se atenuarem ou diminuírem a responsabilidade.

Assim sendo, só os factos que constam da decisão final, caso se provassem em julgamento, seriam susceptíveis de consideração para apreciar a justa causa de despedimento.

Nesta linha, nada há a apontar à sentença recorrida que enumerou os factos dados como provados sem ter considerado a nota de culpa como parte integrante da decisão final.

Analisando a matéria de facto dada como provada, e no que diz respeito à justa causa, também não podemos discordar da sentença recorrida, pois, para a sua verificação, não basta a simples materialidade das faltas injustificadas ao trabalho dadas durante certo número de dias, sejam seguidas ou interpoladas, havendo que demonstrar um comportamento culposo do trabalhador, que pela sua gravidade e consequências torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral.

Com efeito, os factos levados à decisão de despedimento, só por si, são insuficientes para fundamentar a aplicação da sanção mais gravosa, não permitindo aquilatar se houve um comportamento de tal forma culposo que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral.

É certo que se provou que a Ré tem como actividade o transporte rodoviário de mercadorias e como principal cliente a U., cuja actividade de distribuição de bebidas tem o Verão como período de maior actividade e que Ré apenas tem conhecimento dos transportes a realizar para a U., na véspera, da parte da tarde, o que exige coordenação de meios humanos e logísticos.

Também ficou provado que existe um acordo entre trabalhadores e a Ré no sentido de não serem gozadas férias durante os meses de Junho, Julho e Agosto, atendendo aos curtos prazos de entrega.

De qualquer forma, destes factos, dados como provados, não se pode inferir que as faltas dadas pelo Autor tenham assumido tal gravidade e consequências de forma a tornar imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral.

Saliente-se que, apesar de constar da nota de culpa, não se provou que o facto do Autor ter estado ausente, sem qualquer justificação que tivesse permitido calcular se e quando regressaria, conduziu a que a entidade patronal tivesse de alterar as entregas, contactasse os destinatários, e reorganizasse o trabalho de maneira diversa para colmatar a sua ausência.

Como se refere no Ac. STJ nº 1834/03.0TBVRL-A.E1, de 8/10/09, publicado na íntegra em www.dgsi.pt/jstj, é lícito à Relação desenvolver, mediante presunções judiciais, alicerçadas nas regras da experiência, a matéria de facto fixada na 1ª instância, com vista à reconstrução global e integrada da situação litigiosa, desde que não altere os factos, constantes da base instrutória, que foram considerados provados.

Na verdade, tem sido considerado quanto ao uso das presunções judiciais que as Relações não podem, com fundamento nelas, alterar as respostas aos quesitos, nomeadamente considerando provados por inferência factos que a 1ª instância deu como não provados após contraditório e imediação da prova produzida.

As Relações, no uso da sua competência em matéria de facto, podem recorrer às presunções judiciais, previstas nos art.ºs 349º e 351º do Cód. Civil, para com base nelas desenvolverem a matéria de facto fixada na 1ª instância declarando provado algum facto por ilação de algum outro facto dado por provado, ou para reforçarem a fundamentação da decisão recorrida, mas não lhes é lícito, por essa forma, dar como provado o que nas respostas ao questionário ou à base instrutória foi considerado não provado ou por outra forma contrariar as respostas sobre a base instrutória.

No caso concreto, não tendo ficado provada a factualidade, que até constava da nota de culpa, de onde se retirava que as faltas dadas pelo Autor causaram prejuízo à Ré, não se pode agora inferir a existência desse prejuízo de outros factos dados como provados.

IV. Pelo exposto, acorda-se, na secção social deste Tribunal da Relação de Évora, em julgar a apelação improcedente mantendo a sentença recorrida.

Custas a cargo da recorrente.

(Processado e revisto pelo relator que assina e rubrica as restantes folhas).

Évora, 2010/01/12

____________________________________________
Joaquim António Chambel Mourisco (relator)
____________________________________________
António Gonçalves Rocha (com voto de vencido)
____________________________________________
Alexandre Ferreira Baptista Coelho

Votei vencido pelas seguintes razões:

Nos termos do art.º 396° do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27/08, constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que pela sua gravidade e consequências torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.

Trata-se dum conceito que já vem da lei anterior, conforme se colhia do art. 9.º do DL 64-A/89, de 27/2, continuando assim válida a doutrina que se foi firmando ao abrigo desta lei, exigindo-se por isso e para existir justa causa de despedimento dum trabalhador que exista uma violação culposa dos seus deveres contratuais; que esta violação seja grave em si mesma e nas suas consequências; e que por via dessa gravidade seja imediata e praticamente impossível manter-se o contrato, sendo de apreciar esta impossibilidade no campo da inexigibilidade, a determinar através do balanço dos interesses em presença, por forma a que a subsistência do contrato represente uma insuportável e injusta imposição ao empregador, conforme sustentam Lobo Xavier, Curso de Direito de Trabalho, 493, e também Monteiro Fernandes, in Direito do Trabalho, vol. I, pag.461, 8.ª edição.

Por isso, podemos afirmar que para a verificação da justa causa não basta a mera existência dum dos comportamentos que o n.º 3 do art. 396° do C.T. exemplifica como integradores deste conceito, pois será sempre necessário que para além disso se nossa concluir que a conduta do trabalhador foi de tal modo grave que provocou a ruptura do contrato por se ter tomado impossível manter a relação laboral.

Ora, na decisão final concluiu-se que "o trabalhador arguido não apresentou qualquer documento justificativo, relatório médico ou outro, que permita atestar que o mesmo estaria incapacitado para o trabalho entre o dia 18/07/2008 e o dia 31/07/2008-; completando assim um número de faltas injustificadas superior ao legalmente estabelecido para preencher os requisitos do despedimento por justa causa.

Conclui-se ainda naquela peça do processo disciplinar que o trabalhador arguido sabia qual o procedimento a seguir em caso de ter de faltar ao trabalho; possuía telemóvel da empresa para ser utilizado em serviço, o qual poderia e deveria ter usado para comunicar a situação e obter todos os esclarecimentos.

E que prejudicou com a sua atitude a entidade patronal, a sua actividade e a prossecução dos seus objectivos e ainda demonstrou falta de respeito e urbanidade para com os colegas.

Por outro lado provou-se que o A faltou entre 18 de Julho de 2008 e 30 de Julho deste ano sem apresentar qualquer justificação.

Limitou-se a entrar em contacto via telefone no dia 18 de Julho, cerca das 7 horas da manhã, com o director-geral da Ré, A., dizendo-lhe que sofria de fortes dores na coluna e por isso não iria trabalhar, tendo este aconselhado o Autor a deslocar-se ao médico e solicitou-lhe que apresentasse à administração a justificação do médico para o dia da falta (n);

No dia 19 de Julho de 2008, o Autor foi atendido no Centro de Saúde de Santarém (g)

Em 31 de Julho de 2008. o Autor foi consultado no Centro de Saúde de Santarém, pela Dr.ª M., a qual declarou que o autor se encontrava incapacitado para o exercício da respectiva profissional entre 31 de Julho de 2008 e 6 de Agosto de 2008, por doença natural (h);

E só em 5 de Agosto de 2008, o Autor entregou nas instalações da Ré a declaração de que se encontrava incapacitado para trabalhar entre 31 de Julho e 6 de Agosto (i);

Entre 18 e 31 de Julho de 2008, o Autor nunca contactou a gerente da empresa (s), apesar de ter consigo o telemóvel que a empresa ré lhe confiara para uso em serviço (t);

Em dia indeterminado do final de Julho de 2008, o director-geral da Ré solicitou ao Autor justificação para as faltas em que o autor havia incorrido (u);

A Ré tem como actividade o transporte rodoviário de mercadorias e como Principal cliente a U., cuja actividade de distribuição de bebidas tem o verão como período de maior actividade (v);

Havendo um acordo entre trabalhadores e empresa no sentido de não serem gozadas férias durante os meses de Junho, Julho e Agosto, atendendo aos curtos prazos de entrega (x);

A Ré apenas tem conhecimento dos transportes a realizar para a U., na véspera, da parte da tarde, o que exige coordenação de meios humanos e logísticos (z);

Já em Outubro de 2007, o Autor se havia ausentado por um período de dezassete dias consecutivos, sem fornecer qualquer justificação (q).

Perante este quadro consideramos que estão reunidos todos os requisitos da justa causa.

Efectivamente, o A faltou ao serviço 13 dias seguidos sem apresentar qualquer justificação, apesar de em 18 de Julho (no início deste período faltoso) ter sido aconselhado pelo próprio director geral da empresa a ir ao médico e apresentar a justificação das faltas.

No entanto, nada apresentou na empresa, limitando-se a entregar só em 5 de Agosto de 2008, a declaração de que se encontrava incapacitado para trabalhar mas entre 31 de Julho e 6 de Agosto.
Ora, esta conduta do A é gravíssima, não só pelo elevado índice de absentismo que revela, mas também por demonstrar uma lamentável falta de colaboração com a empresa ao nem sequer lhe comunicar quando e se poderia voltar ao serviço o que poderia ter feito se tratasse de obter a justificação destas faltas.

Por outro lado, dedicando-se a empresa à actividade de transporte rodoviário de mercadorias e sendo principal cliente a U., cuja actividade de distribuição de bebidas tem o verão como período de maior actividade, é óbvio que esta conduta foi extremamente perturbadora do serviço, tanto mais que por esta razão, há um acordo entre trabalhadores e empresa no sentido de não serem gozadas férias durante os meses de Junho, Julho e Agosto, atendendo aos curtos prazos de entrega.

Além disso, foi uma ausência ao serviço extremamente perturbadora do mesmo dado que a Ré apenas tem conhecimento dos transportes a realizar para a U. na véspera, da parte da tarde, o que exige uma grande coordenação de meios humanos e logísticos.

Assim sendo, face à gravidade da conduta do trabalhador; atendendo às graves perturbações do serviço que esta ausência causou, tanto mais que a R nunca sabia quando podia contar com a sua presença; e considerando que já em Outubro de 2007 o Autor se havia ausentado por um período de dezassete dias consecutivos, sem fornecer qualquer justificação, sendo assim reincidente neste tipo de comportamento, apesar da R não o ter punido nesta primeira vez; por tudo isto daria razão à apelante e consideraria que ocorreu justa causa para a R despedir o A com justa causa.


Évora, 12 de Janeiro de 2010


António Gonçalves Rocha

http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/75823cf30c246d09802576f6004cc350?OpenDocument&Highlight=0,diuturnidade

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