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quarta-feira, 22 de junho de 2011

INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE - Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães - 03/05/2011

Acórdãos TRG
Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
333/07.5TBCMN.G1
Relator: AUGUSTO CARVALHO
Descritores: INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE
CADUCIDADE
EXCLUSIVIDADE DE RELAÇÕES SEXUAIS
EXAME HEMATOLÓGICO
EXAME CRÍTICO DAS PROVAS

Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03-05-2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S

Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE

Sumário: I - O artigo 3º da Lei 14/2009, de 1 de Abril, é inconstitucional, por violação do princípio da confiança ínsito no princípio do Estado de Direito e do direito à identidade pessoal consagrados, respectivamente, nos artigos 2º e 26º da Constituição;
II - limitando-se a sentença a discriminar os factos provados, uma vez que não existiam meios de prova de valor legalmente fixado, nem presunções legais, nem documentos autênticos posteriores, etc., não tinha que se repetir o exame crítico que já havia sido feito, na decisão sobre a matéria de facto, nos termos do artigo 653º, nº 2, do C. P. Civil;
III -A exclusividade das relações sexuais no período legal de concepção que foi, durante muito tempo essencial à imputação da paternidade a um dado progenitor, com o elevado nível de segurança atribuído aos exames serológicos, era inevitável e natural que se viesse a dispensar a sua prova;
IV - O autor apenas terá de provar a exclusividade das relações sexuais no período legal de concepção, quando não for possível fazer a prova directa do vínculo biológico por outros meios, nomeadamente, o exame serológico.


Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães


M… intentou a presente acção de investigação de paternidade contra D… , alegando ter nascido das relações sexuais havidas entre a sua mãe e o réu.
Pede que seja declarado filho do réu e que se condene este a reconhecê-lo como tal.

O réu contestou, impugnando os factos alegados pelo autor e defendeu que este não é seu filho. Deduziu reconvenção, pedindo a condenação do autor como litigante de má fé.

O autor replicou, mantendo a versão alegada na petição inicial. Pediu a condenação do réu como litigante de má fé.

A reconvenção não foi admitida, sem prejuízo da apreciação da eventual má fé do autor.

Na sequência da Lei nº 14/2009, de 1 de Abril, o réu pugnou pela declaração de caducidade do direito do autor.

O autor respondeu, defendendo a inconstitucionalidade do novo regime legal.

Foi, então, proferido despacho, recusando a aplicação da norma constante do artigo 3º daquela Lei nº 14/2009, enquanto manda aplicar retroactivamente, no que respeita ao prazo de propositura de uma acção de investigação de paternidade, a redacção introduzida por essa lei no artigo 1817º do C.C., ex vi do artigo 1873º do mesmo diploma., às acções propostas subsequentemente à publicação do acórdão do Tribunal Constitucional 23/2006, de 10 de Janeiro de 2006, e que se encontravam pendentes à data da entrada em vigor dessa Lei nº 14/200), com fundamento na respectiva inconstitucionalidade.

Inconformado, o réu interpôs recurso de agravo, formulando as seguintes conclusões:
1.A Lei nº 14/2009 entrou em vigor em 2 de Abril de 2009 e estabelece um prazo para a acção de investigação de paternidade, alterando o disposto no artigo 1818º do C.C. e impondo um prazo de dez anos posteriores à maioridade ou emancipação. Trata-se de um prazo de caducidade.
2.A Lei diz expressamente no seu artigo 3º que se aplica aos processos pendentes à data da entrada em vigor.
3.Tendo atingido a maioridade em 1995, deveria o autor, nos termos da nova lei, ter intentado a presente acção de investigação, até ao ano de 1997.
4.Esta ausência de prazo de caducidade constituía sempre uma grave violação do princípio da certeza e segurança jurídica do Estado de Direito.
5.A título de exemplo, correu termos no Tribunal Judicial de Viana do Castelo um processo de investigação de paternidade em que o investigado tinha já noventa anos e o investigante setenta – processo nº 3290/05.9TBVCT – 2º Juízo Cível de Viana do Castelo.
O referido acórdão de inconstitucionalidade constituía e constitui uma verdadeira “espada no pescoço” de qualquer cidadão.
6.Porém, ocorre que, a partir da nova Lei nº 14/2009, tal declaração de inconstitucionalidade deixou de existir, uma vez que o legislador fixou novo prazo de caducidade e impôs tal prazo a todos os processos pendentes.
A nova lei vem estabelecer um justo equilíbrio entre a certeza e a segurança jurídica com o direito do exercício de reconhecimento judicial da filiação.
7.Mas a lei não obriga ninguém a exercer tal direito. Isto é, o titular do direito à identidade pessoal e ao nome, se bem que de direito fundamental se trate, tem a possibilidade de o exercitar ou não. E essa possibilidade do exercício do direito não pode ser vitalícia, sob pena de, a todo o tempo, poder ser usada como arma, como “revanche”, como visando exclusivamente direitos patrimoniais.
8.E não constitui tal prazo, tais prazos, determinados pela lei ordinária, qualquer violação dos princípios constitucionais. Ao invés, é inconstitucional o princípio geral da imprescritibilidade.
9.A nova lei alargou o prazo de caducidade do direito, terminando com a declaração de inconstitucionalidade do Acórdão do TC 23/2006, e repôs o equilíbrio entre o exercício do direito e os princípios de certeza e segurança jurídicas.
10.Isto é, desde há mais de 10 anos que o autor perdera o direito ao exercício do reconhecimento ou verificação da paternidade.
11.O despacho recorrido violou, assim, o disposto no artigo 3º da Lei 14/2009, no artigo 1817º do C.C. e os princípios constitucionais de certeza e segurança jurídicas.

Procedeu-se a julgamento e, a final, foi proferida sentença, na qual a acção foi julgada procedente e, em consequência, declarado que o autor é filho do réu A… .

Inconformado, o autor recorreu para esta Relação, formulando as seguintes conclusões:
1.O tribunal só deu como provada uma única relação sexual de cópula completa.
2.É manifestamente pouca e insuficiente esta prova, este exame pericial, sem qualquer outra prova a suportar o facto.
3.O tribunal recusou-se, como requereu o réu, a ordenar o exame de ADN de um seu irmão.
4.Que, conjuntamente com outro indivíduo, teve relações sexuais com a mãe do autor.
5.O tribunal sabia da relevância desta prova, sabia do vínculo familiar e logo biológico entre o réu e o seu irmão, sabia que, por serem irmãos, o resultado pericial seria fundamental.
6.Ficou assim demonstrada a não exclusividade de relações da mãe do autor com ninguém e também não com o réu.
7.O tribunal só deu como provada uma relação de cópula completa “…pelo menos uma vez…”.
O tribunal deu como não provada a exclusividade das relações sexuais do réu com a mãe do autor.
O tribunal não deu como provado que a única relação sexual tivesse ocorrido no prazo legal da concepção do autor.
8.Na sentença, o tribunal não fez qualquer exame crítico da prova. Também por esta vertente é nula a sentença.
9.O réu/apelante nunca se furtou ao dever de cooperação, chegando mesmo, a solicitação do Juiz, a realizar os exames de ADN que se tinha recusado inicialmente a fazer.
10.Violou a sentença recorrida o disposto no artigo 668º, nº 1, alíneas b) e d), do C.P.C., bem como o disposto no artigo 456º do mesmo diploma legal.

O apelado apresentou contra-alegações, concluindo pela confirmação da sentença.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

A sentença recorrida considerou assentes os seguintes factos:
1.O autor nasceu no dia 12 de Abril de 1974, na freguesia de Vilarelho, concelho de Caminha, filho de C… , encontrando-se a paternidade omissa no respectivo assento de nascimento, conforme certidão da Conservatória do registo Civil de Caminha.
2.O réu nasceu no dia 4 de Agosto de 1953.
3.C… nasceu no dia 28 de Setembro de 1941.
4.A mãe do autor e o réu tiveram, pelo menos, uma relação sexual de cópula completa.
5.Da relação sexual indicada em 4 resultou a gravidez da mãe do autor e o nascimento deste.
6.O réu sabia, na altura da apresentação da contestação, ser verdade o facto indicado em 4.


São apenas as questões suscitadas pelos recorrentes e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar – artigos 684º, nº 3 e 690º, nº 1, do C. P. Civil.
As questões a decidir são as seguintes: inconstitucionalidade do artigo 3º da Lei 14/2009, de 1 de Abril; nulidades da sentença, nos termos do artigo 668º, alíneas b) e d), do C.P.C; se o direito está conforme aos factos que se consideraram provados; se o réu deve ser condenado como litigante de má fé.

Recurso de agravo:
I. Inconstitucionalidade do artigo 3º da Lei 14/2009, de 1 de Abril.
O artigo 1817º, nº 1, aplicável ex vi do artigo 1873º, ambos do C.C., na redacção do DL 496/77, de 25 de Novembro, estabelecia que a acção de investigação de maternidade só podia ser proposta durante a menoridade do investigante ou nos dois primeiros anos posteriores à sua maioridade ou emancipação.
Como referem Pires de Lima e Antunes Varela, «mandando aplicar à acção de investigação de paternidade o disposto no artigo 1817º, o artigo 1873º estende à averiguação judicial da paternidade, como era natural que fizesse, quer o princípio geral da prescritibilidade das acção de filiação (em obediência às razões de certeza, de segurança e de estímulo à real função ético-social da paternidade, quer os limites concretos normais de duração da acção (proponível durante a menoridade do investigante ou nos dois primeiros anos posteriores à sua maioridade ou emancipação), quer as adaptações destes limites às várias situações que a lei destaca (nº 2, 3 e 4 do artigo 1817º). Código Civil Anotado, Volume V, pág. 315.
Entretanto, o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 26/2006, de 10 de Janeiro, publicado no DR I Série, de 8 de Fevereiro de 2006, veio declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, daquela norma que, como se disse, previa a extinção, por caducidade, do direito de investigar a paternidade a partir dos vinte anos de idade do filho, fundamentando que, nos termos do artigo 26º, nº 1, da Constituição, o direito do filho ao apuramento da paternidade biológica é uma dimensão do direito fundamental à identidade pessoal.
De facto, «tratando-se de estabelecer a paternidade, invoca-se o direito à identidade, na vertente de se saber de onde se vem, ou de quem se vem, dos artigos 25º, nº 1 e 26º, nº 1, da Constituição, que não seria devidamente acautelado se a acção que o concretiza estivesse sujeita ao dito prazo de caducidade». Acórdão do STJ, de 8.6.2010, in www.dgsi.pt.
O efeito daquela declaração de inconstitucionalidade foi o de, a partir dela, o direito de investigar a paternidade deixar de estar sujeito a qualquer prazo e, consequentemente, a acção de investigação de paternidade ter passado a ser imprescritível. Neste sentido, Acórdãos do STJ, de 21.9.2010, 8.6.2010 e 27.1.2011, in www.dgsi.pt.
Mas, a esta imprescritibilidade da acção de investigação viria a ser posto termo com a Lei 14/2009, de 1 de Abril, tendo o artigo 1817º, nº 1, passado a dispor que a acção de investigação só pode ser proposta durante a menoridade do investigante ou nos dez anos posteriores à sua maioridade ou emancipação.
Para além disso, a mesma Lei determinou a sua entrada em vigor no dia seguinte ao da sua publicação – artigo 2º – e a sua aplicação aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor – artigo 3º.
A questão que agora se põe é a da constitucionalidade daquele artigo 3º, nos termos do qual o novo prazo de dez anos agora estabelecido artigo 1817º, nº 1, se aplica às acções pendentes à data da entrada em vigor da Lei que o consagrou, nos casos em que essas acções tenham entrado em juízo depois do citado Acórdão do Tribunal Constitucional nº 23/2006, ou seja, numa altura em que o direito de investigar a paternidade não estava sujeito a qualquer prazo.
Como se refere no despacho agravado, ao projectar retroactivamente um prazo de interposição de uma acção e ao impô-lo às acções que já tinham sido intentadas antes da vigência desse mesmo prazo, «frustra de modo intolerável e ostensivo a confiança e a expectativa fundadamente depositadas pelos investigantes, os quais, no momento em que requereram a tutela jurisdicional, estavam cientes e convictos de que se encontravam em tempo de o fazer e, por conseguinte, tinham direito a essa tutela. Não é concebível que uma acção que a lei admite ser tempestiva deixe de o ser por força da lei! É tão patente e flagrante a ofensa ao princípio constitucional da tutela da confiança ínsito no princípio do Estado de Direito Democrático decorrente do artigo 2º da Constituição, que é difícil perceber como é que o legislador ordinário não se deu conta dela».
A acção foi proposta no dia 27 de Abril de 2007 e, portanto, no domínio e no âmbito do referido Acórdão nº 23/2006 do Tribunal Constitucional.
Com a publicação da Lei 14/2009, de 1 de Abril, foi alterado o artigo 1817º, nº 1, do C.C., no sentido de se fixar o prazo de propositura da acção de investigação, durante a menoridade do investigante ou nos dez anos posteriores à sua maioridade ou emancipação.
Tal Lei, no seu citado artigo 3º, estabelece a sua aplicação aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor.
Ora, por um lado, a aplicação daquele artigo 3º aos processos pendentes constitui uma violação do princípio constitucional da justiça e da tutela da confiança legítima ínsita no Estado de Direito, pois, a acção havia sido intentada numa altura em que não existia qualquer prazo de caducidade, em virtude da declaração de inconstitucionalidade decorrente do Acórdão nº 23/2006 do TC. E, por outro lado, o novo prazo de dez anos estabelecido por aquela Lei 14/2009 é também materialmente inconstitucional, «na medida em que é limitador da possibilidade de investigação a todo o tempo, constituindo uma restrição não justificada, desproporcionada e não admissível do direito do filho saber de quem descende». Citado Acórdão do STJ, de 21.9.2010, in www.dgsi.pt.
Deste modo, o artigo 3º é inconstitucional, por violação do princípio da confiança ínsito no princípio do Estado de Direito e do direito à identidade pessoal consagrados, respectivamente, nos artigos 2º e 26º da Constituição.
Pelo exposto, nega-se provimento ao agravo e, consequentemente, mantém-se a decisão recorrida.

Recurso de apelação:

I. Nulidades da sentença, nos termos do artigo 668º, alíneas b) e d), do C.P.C.
O artigo 668º, nº 1, alínea b), do C.P.C., estabelece que a sentença é nula, quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
Esta nulidade apenas se verifica quando haja falta absoluta de fundamentos e não quando a justificação seja apenas deficiente.
Como diz Alberto dos Reis, «não basta que o juiz decida a questão posta; é indispensável que produza as razões em que se apoia o seu veredicto.
(…) Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.
Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto. Se a sentença especificar os fundamentos de direito, mas não especificar os fundamentos de facto, ou vice-versa, verifica-se a nulidade do nº 2 do artigo 668º». Código de Processo Civil Anotado, Volume V, pág. 140.
Portanto, existe falta de fundamentação, como causa de nulidade da sentença, quando o juiz não concretiza os factos que considera provados e coloca na base da decisão. Por outro lado, é essencial que se mencionem os princípios e as normas em que a sentença se apoia.
Por sua vez, o artigo 668º, nº 1, alínea d), do C. P. Civil, dispõe que a sentença é nula, quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
A nulidade prevista no artigo 668º, nº 1, alínea d), traduz-se no incumprimento, por parte do juiz, do dever prescrito no nº 2, do artigo 660º, ambos do C. P. Civil, que é o de resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e o de não poder ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
O apelante fundamenta as invocadas nulidades, afirmando que «a sentença não contém o exame crítico das provas, não contém qualquer motivação. Aliás, nem sequer refere como deu como provados os factos, porque recusou provas, porque não valorou devida e correctamente os factos, nomeadamente, as relações sexuais com outros indivíduos. Há, assim, clara omissão de fundamentação, a sentença não se pronuncia sobre questões que o recorrente submeteu à apreciação do tribunal».
Ora, a sentença recorrida concretizou, devidamente, todos os fundamentos de facto e de direito relativos às questões levantadas, não ocorrendo, sequer, qualquer deficiência de especificação daqueles mesmos fundamentos.
Por outro lado, não existe qualquer omissão de pronúncia sobre questões que devesse apreciar ou conhecimento de questões de que não podia conhecer.
Mas, o que parece é que o apelante, com o devido respeito, confunde aquelas nulidades com a violação do disposto no artigo 653º, nº 2, do C.P.C., que também se não verifica.
O citado preceito estabelece que a matéria de facto é decidida por meio de acórdão ou despacho, se o julgamento incumbir a juiz singular; a decisão proferida declarará quais os factos que o tribunal julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas e especificando os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador.
Exige-se, por um lado, a análise critica dos meios de prova produzidos e, por outro, a especificação dos fundamentos que foram decisivos para a convicção do juiz, expressa na resposta positiva ou negativa dada à matéria de facto controvertida.
«Não se trata, por conseguinte, de um mero juízo arbitrário ou de intuição sobre a realidade ou não de um facto, mas de uma convicção adquirida através de um processo racional, alicerçado – e, de certa maneira, objectivado e transparente – na análise criticamente comparativa dos diversos dados trazidos através das provas e na ponderação e maturação dos fundamentos e motivações essencialmente determinantes da opção feita e cuja enunciação, por exigência legal, representa o assumir das responsabilidades do julgador inerentes ao carácter público da administração da Justiça». J. Pereira Baptista, Reforma do Processo Civil, 1997, págs. 90 e seguintes.
No despacho de fls. 436 e 437, foram enumerados os factos provados e os não provados, bem como fundamentada a respectiva decisão. Esta não se limitou a indicar os meios de prova que considerou, tendo também analisado estes criticamente e especificado os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador, como se refere naquele citado preceito legal.
Na sentença proferida, fez-se constar a matéria de facto que foi dada como provada naquele despacho de fls. 436 e 437. E, como na sentença foram apenas considerados os factos constantes do referido despacho, não tinha que ser repetido o exame crítico das provas, já efectuado, quando aquela decisão sobre a matéria de facto foi proferida.
Com efeito, a exigência do exame crítico das provas, prevista na parte final do artigo 659º, nº 3, é diversa daquela que deve ter lugar, aquando da decisão sobre a matéria de facto, nos termos do nº 3, do citado artigo 653º.
«Na anterior decisão sobre a matéria de facto (do tribunal colectivo ou do tribunal singular que presidiu à audiência final), foram dados como provados os factos cuja verificação estava sujeita à livre apreciação do julgador (…). Agora, na sentença, o juiz deve considerar, além desses, os factos cuja prova resulte da lei, isto é, da assunção dum meio de prova com força probatória pleníssima, plena ou bastante (…), independentemente de terem sido ou não dados como assentes na fase de condensação (…)». Lebre de Freitas e Outros, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2, pág. 643.
No mesmo sentido, o acórdão do STJ, de 10.5.2005, refere que «as provas de que fala o artigo 659º, nº 3, cujo exame crítico deve ser feito na sentença, não são as mesmas provas de que fala o artigo 655º, do C. P. C.: quando decide a matéria de facto (artigo 655º), o julgador aprecia as provas de livre apreciação; quando fundamenta a sentença, o juiz deve examinar as provas de que lhe cabe conhecer nesse momento, e que são as provas por presunção, as provas legais ainda não utilizadas (como as resultantes de documento autêntico, por exemplo, junto posteriormente à elaboração da base instrutória), os factos admitidos por acordo na audiência de julgamento e os ónus probatórios». Processo 05A963.wwwdgsi.pt.
A sentença recorrida fundamentou a decisão de facto e de direito, pois, descreveu os factos dados como assentes, fez a subsunção jurídica destes ao direito aplicável, relativamente às diversas questões que foram suscitadas. Não fez o exame crítico da prova, porque não tinha que o fazer, dado que as provas eram todas de livre apreciação e, no âmbito do artigo 659º, nº 3, aquele exame não abrange estas.
Limitando-se a sentença a discriminar os factos provados, uma vez que não existiam meios de prova de valor legalmente fixado, nem presunções legais, nem documentos autênticos posteriores, etc., não tinha que se repetir o exame crítico que já havia sido feito, na decisão sobre a matéria de facto, nos termos do artigo 653º, nº 2, do C. P. Civil.
O apelante também fala em erro notório na apreciação da prova e na insuficiência da matéria provada para a decisão.
O primeiro constitui o vício previsto no artigo 410º, nº 2, alínea c), do C.P.P., e que existe quando, do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, resulta evidente, por não passar despercebido ao comum dos observadores, uma conclusão sobre o significado da prova, contrária àquela a que o tribunal chegou a respeito dos factos relevantes para a decisão de direito. A segunda trata-se do vício a que se refere a alínea a) do mesmo preceito processual penal e que ocorre quando a matéria de facto provada é insuficiente para a decisão de direito, o que se verifica porque o tribunal deixou de apurar factos que lhe cabia apurar dentro do objecto do processo.
É claro que, tratando-se de vícios previstos no Código de Processo Penal não têm aqui qualquer cabimento. No entanto, sempre se dirá que a falta ou insuficiência de prova e de matéria de facto, cuja inexistência o apelante sugere, a propósito do exame pericial de ADN e da exclusividade de relações sexuais, não deixarão de ser afloradas, aquando do enquadramento jurídico dos factos provados.
Quanto à realização dos exames periciais a Damião Faustino da Silva Ribas e João Sousa, pessoas que, no entender do réu, tinham mantido relações sexuais com a mãe do autor, é questão que se já se encontra devidamente apreciada, decidida e transitada em julgado, inexistindo fundamento para que se proceda a qualquer nova reapreciação e eventual alteração.
Com efeito, em relação ao João Sousa, no despacho de fls. 348, foi referido que, «tendo em conta o resultado do exame já realizado nos autos (que aponta para uma probabilidade de paternidade do réu relativamente ao autor de 99,999997%, correspondente a uma “paternidade praticamente provada”), não há fundamento legal, por desnecessidade e inutilidade do acto, para sujeição a exame pericial de João Sousa, pessoa que não é familiar, pelo menos próximo do réu».
No que toca ao Damião Ribas, no despacho de fls. 431, refere-se que, tratando-se do irmão do réu, poderia, porventura, revelar-se pertinente a realização de tais exames – apesar do resultado do exame já constante dos autos (que aponta para uma probabilidade de paternidade relativamente ao autor de 99,999997%: “paternidade praticamente provada”) – caso o mesmo viesse a confirmar ter mantido relações sexuais com a mãe do autor.
A verdade é que, no âmbito da sua audição, aquela testemunha, confirmando embora ser irmão do réu, afirmou, peremptoriamente, nunca ter mantido relações sexuais com a mãe do autor».
Por tudo o referido, não ocorrem as nulidades da sentença invocadas pelo apelante, nem se mostra violado o disposto nos artigos 653º, nº 2 e 659º, nº 3, ambos do C.P.C.

II.O artigo 1869º do C.C. estabelece que a paternidade pode ser reconhecida em acção especialmente intentada pelo filho se a maternidade já se achar estabelecida ou for pedido conjuntamente o reconhecimento de uma e outra.
Para a procedência da acção de investigação de paternidade o investigante precisa de convencer o tribunal de que o réu é progenitor do filho. Neste sentido, como referem Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, «o autor pode tentar provar o vínculo biológico; ou pode beneficiar de uma presunção de paternidade». Curso de Direito de Família, Volume II, pág. 216.
Antes de toda a evolução cientifica e jurisprudencial acerca da acção de investigação de paternidade, a prova do vínculo biológico de descendência era conseguida, uma vez provada a existência de relações sexuais entre o investigado e a mãe do filho durante o período legal de concepção (coabitação) e a ausência de relações sexuais entre aquela e outros homens durante o mesmo período (exclusividade).
Era esta a doutrina do Assento do STJ 4/83, de 21 de Junho, publicado no DR I Série, de 27 de Agosto de 1983: «Na falta de uma presunção legal de paternidade, cabe ao autor, em acção de investigação, fazer a prova de que a mãe, no período legal da concepção, só com o investigado manteve relações sexuais».
Face ao desenvolvimento dos exames de sangue e a sua idoneidade para afirmar ou excluir a paternidade biológica, a jurisprudência apareceu a defender uma interpretação restritiva do Assento, no sentido de que este só seria aplicável nos casos em que não for possível fazer a prova directa do vínculo biológico por outros meios, nomeadamente o exame serológico.
O grau de certeza deste tipo de exame é, «face à exceptio plurium, tanto maior quanto é certo que quando um espermatozóide rompe o óvulo, este adquire logo características que impedem que outro ali penetre, a tal ponto que pode sustentar-se que apesar de a mãe do investigando haver mantido antes ou posteriormente relações com outros homens, o certo é que na génese da gravidez esteve um único acto sexual e é este que o exame biológico investiga com maior ou menor êxito. Se a tudo isto acrescentarmos que o resultado dos exames sanguíneos, que pode assumir valores superiores a 99,73%, valor a partir do qual começa a considerar-se a paternidade “praticamente provada”, poderá questionar-se se há ainda espaço para uma intervenção judicial que vá além do papel praticamente homologar desse resultado. É que se bem que o resultado do exame serológico não seja absoluto, não deixa apesar de tudo de nos fornecer uma certeza muito maior, no actual estádio de conhecimentos, da que adviria se nos confinássemos à simples prova testemunhal; e foi praticamente assim, com toda a margem de erro inerente, que antes da evolução técnica registada se decidiu da sorte das acções intentadas. A certeza jurídica então alcançada (que não é absoluta como nas ciências exactas), era de carácter bem mais falível da que pode advir de uma ainda que relativa certeza científica quando levada ao seu máximo grau de probabilidade.
(…) Quando o exame pericial for concludente, v.g. com um resultado de paternidade praticamente provada, será pouco o que se pede à prova convencional que possa superar a pequeníssima margem de falibilidade do exame pericial realizado em termos normais, considerando o princípio ii quae difficiliores sunt probationes leviores probationes admittuntur e considerando que a certeza jurídica não tem um carácter absoluto». Acórdão da Relação de Coimbra, de 2.2.2006, in www.dgsi.pt.
Por conseguinte, a exclusividade das relações sexuais no período legal de concepção que foi, durante muito tempo essencial à imputação da paternidade a um dado progenitor, com o elevado nível de segurança atribuído aos exames serológicos, era inevitável e natural que a jurisprudência viesse a dispensar a sua prova. Neste sentido, a acção de investigação de paternidade pode proceder, mesmo que da prova testemunhal não resulte a exclusividade das relações sexuais entre a mãe e o pretenso pai.
Em suma, o autor apenas terá de provar a exclusividade das relações sexuais no período legal de concepção, quando não for possível fazer a prova directa do vínculo biológico por outros meios, nomeadamente, o exame serológico.
No caso concreto, está provado que a mãe do autor e o réu tiveram, pelo menos, uma relação sexual de cópula completa; dessa relação sexual resultou a gravidez da mãe do autor e o nascimento deste.
Foi conseguida, pois, a prova directa da paternidade do investigado em relação ao investigante.

III. Condenação do réu como litigante de má fé.
A decisão recorrida considerou que aquele teve uma actuação processual reprovável, alterando a verdade dos factos e omitindo factos essenciais, sendo certo que não podia desconhecer a sua realidade.
Os pressupostos de condenação da parte como litigante de má fé estão enunciados no artigo 456º do CPC, havendo a destacar que só aos comportamentos praticados com dolo ou negligência grave se lhes pode assacar a cominação deste preceito legal.
Distingue-se entre má fé material – quando a parte deduz pedido ou oposição cuja falta de fundamento conhece, altera conscientemente a verdade dos factos ou omite factos essenciais – e má fé instrumental – se a parte faz uso reprovável do processo ou dos meios processuais para conseguir um fim ilegal, entorpecer a justiça ou impedir a descoberta da verdade. cfr. Acórdão do STJ, de 5.12.1975, BMJ 252, pág. 105.
Exigindo-se a consciência de não ter razão ou de não poder ignorar a sua falta de fundamento, não é subsumível àquele citado artigo 456º do CPC, o comportamento da parte que, embora sem razão, defende convictamente a sua posição jurídico-processual. cfr. Acórdão do STJ, de 20.7.1982, BMJ 319, pág. 301.
No caso concreto, considera-se estarem verificados os referidos pressupostos que fundam um juízo de censura da conduta processual do réu, pois, ficou demonstrado que, na altura da apresentação da contestação, sabia ser verdade o facto indicado no ponto 4, ou seja, que ele e a mãe do autor tiveram, pelo menos, uma relação sexual de cópula completa; tudo, portanto, ao contrário do que havia afirmado naquele articulado, ou seja, de que nunca se tinha relacionado sexualmente com aquela.
Daí que esteja comprovado nos autos que o réu mereça a censura cominada pelo artigo 456º do C.P.C.
Improcedem, assim, as conclusões das alegações e o recurso do réu António Domingos da Silva Ribas.
Em resumo: O artigo 3º da Lei 14/2009, de 1 de Abril, é inconstitucional, por violação do princípio da confiança ínsito no princípio do Estado de Direito e do direito à identidade pessoal consagrados, respectivamente, nos artigos 2º e 26º da Constituição; limitando-se a sentença a discriminar os factos provados, uma vez que não existiam meios de prova de valor legalmente fixado, nem presunções legais, nem documentos autênticos posteriores, etc., não tinha que se repetir o exame crítico que já havia sido feito, na decisão sobre a matéria de facto, nos termos do artigo 653º, nº 2, do C. P. Civil; a exclusividade das relações sexuais no período legal de concepção que foi, durante muito tempo essencial à imputação da paternidade a um dado progenitor, com o elevado nível de segurança atribuído aos exames serológicos, era inevitável e natural que se viesse a dispensar a sua prova; o autor apenas terá de provar a exclusividade das relações sexuais no período legal de concepção, quando não for possível fazer a prova directa do vínculo biológico por outros meios, nomeadamente, o exame serológico.


Decisão:
Pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes desta secção cível em julgar improcedente a apelação e, consequentemente, confirmar a sentença recorrida.

Custas pelo agravante e apelante.




Guimarães, 3.5.2011
Augusto Carvalho
Conceição Bucho
Antero Veiga

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