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terça-feira, 31 de maio de 2011

É CONSTITUCIONAL A REDUÇÃO EXCEPCIONAL DOS VENCIMENTOS DOS SALÁRIOS DOS DEPUTADOS DAS ASSEMBLEIAS E MEMBROS DOS GOVERNOS REGIONAIS - AC. DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL DE 17/05/2011

Processo n.º 862/2010
Plenário
Relator: Conselheira Maria Lúcia Amaral


Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional


I – Relatório

1. A Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira requereu ao Tribunal Constitucional, nos termos do disposto na alínea g) do nº 2 do artigo 281.º da Constituição, a declaração da inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas constantes das alíneas g) e h) do nº 2 e do nº 3 do artigo 11.º e, consequentemente, do nº 4 do artigo 20.º da Lei nº 12-A/2010, de 30 de Junho.
O teor das normas questionadas é o seguinte:

Lei n.º 12-A/2010, de 30 de Junho
Aprova um conjunto de medidas adicionais de consolidação orçamental que visam reforçar e acelerar a redução de défice excessivo e o controlo do crescimento da dívida pública previstos no Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC)


Artigo 11.º
Redução do vencimento dos titulares de cargos políticos
1 – O vencimento mensal ilíquido dos titulares de cargos políticos é reduzido a título excepcional em 5 %.
2 – Para efeitos do disposto na presente lei, são titulares de cargos políticos:
[…]
g) Os deputados às Assembleias Legislativas das regiões autónomas;
h) Os membros dos governos regionais;
[…].
3 – O regime excepcional previsto no presente artigo não implica a alteração do vencimento dos titulares de cargos cujos vencimentos se encontram indexados aos de qualquer dos titulares de cargos políticos referidos no número anterior, tomando-se como referência, para efeitos da referida indexação, os valores em vigor antes da data de entrada em vigor da presente lei.


Artigo 20.º
Entrada em vigor
[…]
4 – O disposto nos artigos 11.º e 12.º produz efeitos a partir de 1 de Junho de 2010.


2. A Requerente apresenta as suas alegações, sob a forma de resolução, nos termos que literalmente se transcrevem:

O Governo da República, no dia 24 de Maio de 2010, apresentou na Assembleia da República a Proposta de Lei n° 26/XI – “Aprova um conjunto de medidas adicionais de consolidação orçamental que visam reforçar e acelerar a redução de défice excessivo e o controlo do crescimento da dívida pública previstos no Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC)”.
No dia 25 de Maio de 2010 o diploma baixou à Comissão de Orçamento e Finanças da Assembleia da República para emissão do relatório, tendo sido nomeada relatora a deputada do CDS/PP – Assunção Cristas. Procedeu-se à discussão e votação na generalidade do diploma aos 2 dias de Junho de 2010.
Aos 9 dias de Junho de 2010, procedeu-se à discussão e votação na especialidade. Culminando com a votação final global, ainda no mesmo dia, com a sua aprovação na reunião plenária n.° 66.
Aprovação que deu origem ao Decreto da Assembleia n° 23/XI – “Aprova um conjunto de medidas adicionais de consolidação orçamental que visam reforçar e acelerar a redução de défice excessivo e o controlo do crescimento da dívida pública previstos no Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC)”
Tendo sido promulgada por Sua Excelência o Presidente da República no dia 28 de Junho de 2010, e referendada pelo Senhor Primeiro-Ministro, no dia 29 de Junho de 2010.
Em Diário da República, 1 Série, n.° 125, de 30 de Junho de 2010, foi publicada a Lei n° 12-A/2010 “Aprova um conjunto de medidas adicionais de consolidação orçamental que visam reforçar e acelerar a redução de défice excessivo e o controlo do crescimento da dívida pública previstos no Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC)”.
O artigo 11° da Lei em apreço estatui a redução a título excepcional em 5% do vencimento mensal ilíquido dos titulares de cargos políticos.
Mais dispondo no seu n.° 2 que, para efeitos do disposto na presente lei, são titulares de cargos políticos, entre outros, alíneas g) e h), os deputados às Assembleias Legislativas das regiões autónomas e os membros dos governos regionais, respectivamente.
Ora, nos termos do disposto no número 7, do artigo 231° da Constituição da República Portuguesa, “o estatuto dos titulares dos órgãos de governo próprio das regiões autónomas é definido nos respectivos estatutos político-administrativos”.
O Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, na sua versão actual, foi republicado no Diário da República, 1ª Série – A, n.° 195, de 21 de Agosto de 1999, consagrando no seu artigo 75° o estatuto remuneratório dos titulares dos órgãos de governo próprio da Região Autónoma da Madeira.
Mais dispondo o n.º 20, do artigo 75° que “o estatuto remuneratório constante da presente lei, não poderá, designadamente em matéria de vencimentos, subsídios, subvenções, abonos e ajudas de custo, lesar direitos adquiridos”.
A norma constante do n.° 3, do artigo 11°, da Lei n.º 12-A/2010, a qual dispõe sobre o seu âmbito subjectivo de aplicação, determina expressamente que «o regime excepcional previsto no presente artigo não implica a alteração do vencimento dos titulares de cargos cujos vencimentos se encontram indexados aos de qualquer dos titulares de cargos políticos referidos no número anterior, tomando-se como referência, para efeitos da referida indexação, os valores em vigor antes da data de entrada cm vigor da presente lei».
Não deixa de ser legítimo inferir, no plano lógico e no teleológico, sob pena de incongruência, que se a norma do n.º 2, do artigo 11° da lei coloca os titulares dos órgãos de governo próprio das regiões autónomas no âmbito subjectivo de aplicação desse mesmo diploma é porque se propõe dispor utilmente sobre o estatuto remuneratório dos mesmos titulares dos órgãos de governo próprio, matéria que figura no Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira.
Ora, quanto ao sentido dessa incidência normativa, não tendo a disposição constante dos n.os 2 e 3, do artigo 11.º da lei qualquer intenção derrogatória do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira pelo diploma “sub judicio”, restará circunscrever a aplicação útil e possível da referida lei aos titulares dos órgãos de governo próprio, a apenas um tipo de relação jurídico-normativa, mormente a sua aplicação como legislação supletiva em relação ao Estatuto Político Administrativo da Região Autónoma da Madeira.
Abordando a hipótese da supletividade configurada no parágrafo anterior, resulta da Constituição que o estatuto dos titulares dos órgãos de governo próprio das regiões autónomas é definido nos respectivos estatutos político-administrativos, pelo que caberá em exclusivo ao respectivo estatuto – ao qual o artigo 231° da CRP impõe uma competência necessariamente especial – determinar qual a legislação supletiva que lhe será aplicável e qual o âmbito dessa aplicação.
Verifica-se, por conseguinte, à luz dessa especialidade estatutária conformada por força de uma imposição constitucional, que:
a) Uma realidade será o Estatuto Político-Administrativo, como lei especial constitucionalmente qualificada, cuja aprovação está integrada na competência da Assembleia da República, definir qual a legislação supletiva que se lhe aplica;
b) Outra, bem diferente, será uma lei integrada na reserva relativa de competência da mesma Assembleia, impor-se ao Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, como legislação subsidiária.
A solução contida na lei que se encontra em apreciação é precisamente a inversa da solução constitucionalmente exigível, dado que dos n.os 2 e 3, do artigo 11° da lei (conjugado com outras disposições, como a do artigo 20°), se retira uma imposição de aplicação aos titulares dos órgãos de governo próprio das regiões autónomas, mesmo na eventual qualidade de legislação supletiva, invertendo-se a regra decorrente do n.° 7 do artigo 231.º da CRP que reserva aos estatutos político-administrativos a regulação de todo o estatuto remuneratório que lhes é funcionalmente aplicável, nele compreendida a determinação da legislação subsidiária.
Por consequência, o facto de os n° 2 e 3, do artigo 11° da lei deslocar a determinação de legislação subsidiária virtualmente aplicável ao estatuto remuneratório dos titulares dos órgãos de governo próprio das regiões autónomas, do estatuto político-administrativo para a presente lei, não deixa de poder ter como efeito a sua inconstitucionalidade,
Assim:
A Assembleia Legislativa da Madeira, no uso do direito consagrado nas alíneas a), h) e d), do número 1, conjugado com a alínea g), do número 2 do artigo 281.º, da Constituição da República, bem como das alíneas a) e e), do número 1, do artigo 97.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, com base nos indicados fundamentos, solicita que se aprecie a constitucionalidade da norma constante das alíneas g) e h), do n° 2 e n° 3 do artigo 11° e, a título consequente, as normas do n.º 4 do artigo 20.º, por provável violação do disposto no n° 7, do artigo 231°. da Constituição da República Portuguesa, bem como por violação do artigo 75° do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira.


3. Notificado para se pronunciar, querendo, sobre o pedido, o Presidente da Assembleia da República veio oferecer o merecimento dos autos, enviando cópia da documentação relativa aos trabalhos preparatórios da Lei n.º 12-A/2010, de 30 de Junho, precedida de um índice.

4. Elaborado pelo Presidente do Tribunal Constitucional, e discutido em Plenário, o memorando a que alude o artigo 63.º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, cabe agora decidir em conformidade com a orientação que aí se fixou.

II – Fundamentação

5. A Lei nº 12-A/2010, de 30 de Junho, veio aprovar um conjunto de medidas adicionais de consolidação orçamental, visando reforçar e acelerar a redução do défice excessivo e o controlo do crescimento da dívida pública previstos no Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC).
Entre tais medidas conta-se a redução do vencimento dos titulares de cargos políticos, prevista no artigo 11.º da referida lei, que estabelece, logo no seu nº 1, que “o vencimento mensal ilíquido [dos titulares de cargos políticos] é reduzido a título excepcional em 5%”. O nº 2 do mesmo artigo determina que, para efeitos de tal redução, sejam tidos como “titulares de cargos políticos”, para além do Presidente da República, do Presidente da Assembleia da República, do Primeiro-Ministro, dos Deputados à Assembleia da República, dos membros do Governo, dos Representantes da República nas Regiões Autónomas, dos Governadores e vice-governadores civis e dos presidentes e vereadores a tempo inteiro das câmaras municipais, ainda os deputados às Assembleias Legislativas das regiões autónomas [alínea g)] e os membros dos Governos regionais [alínea h)]. Para limitar os efeitos que poderiam indirectamente decorrer do estatuído nestes nºs 1 e 2, vem por seu turno o nº 3 [do artigo 11.º] estipular que a redução de vencimento não opera em relação aos titulares de cargos cujos vencimentos se encontrem indexados ao de qualquer dos titulares enumerado na lista anterior.
Finalmente, determina o nº 4 do artigo 20.º que todo este regime produza efeitos a partir de 1 de Julho de 2010.

Como acima se relatou, pede a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira que o Tribunal declare, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade das normas contidas nas alíneas g) e h) do nº 2 e no nº 3 do artigo 11.º da Lei nº 12-A/2010. O pedido inclui ainda a invalidação, a título consequencial, da norma relativa à entrada em vigor do regime substantivo que se impugna.
A sustentar a impugnação surgem as seguintes ideias essenciais.
Afirma antes do mais a Requerente que, ao incluir os deputados às assembleias legislativas das regiões e os membros dos governos regionais no elenco dos “titulares de cargos políticos” aos quais se aplicará a medida de redução do vencimento, as alíneas g) e h) do nº 2 do artigo 11.º impedem que os titulares dos órgãos de governo próprio das regiões fiquem abrangidos pelo regime excepcional (de não redução de vencimento) que o nº 3 do mesmo artigo prevê.
Com fundamento nesta leitura conjunta das disposições, alega que a Lei nº 12-A/2010, lei comum da Assembleia da República, se propõe “dispor utilmente sobre o estatuto remuneratório dos […] titulares de órgãos de governo próprio [da região], matéria que figura no Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira”, acrescentando que ela não poderia valer senão a título de “legislação supletiva” por indicação do próprio Estatuto, uma vez que “resulta da Constituição que o estatuto dos titulares dos órgãos de governo próprio das regiões autónomas é definido nos respectivos estatutos político-administrativos, pelo que caberá em exclusivo ao respectivo estatuto – ao qual o artigo 231.º da CRP impõe uma competência necessariamente especial – determinar qual a legislação supletiva que lhe será aplicável e qual o âmbito da sua aplicação”.
A concluir, pede a Requerente que as normas em causa sejam declaradas inconstitucionais por violação do disposto no nº 7 do artigo 231.º da Constituição, “bem como por violação do artigo 75.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira”.
Deve no entanto desde já dizer-se que a eventual contradição entre o disposto no artigo 11.º da Lei nº 12-A/2010 e o disposto no artigo 75.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, a ocorrer, prefigurará, nos termos da alínea d) do nº 1 do artigo 281.º da CRP, uma ilegalidade por violação de lei de valor reforçado e não uma inconstitucionalidade por violação directa da Constituição. Ora, não tendo a Requerente formulado qualquer pedido de declaração de ilegalidade – pedido esse que, face à disposição constitucional acima referida, não será, enquanto tal, dispensável –, só no quadro da fundamentação do seu pedido de declaração de inconstitucionalidade se poderá compreender a questão da eventual contradição entre o disposto na Lei nº 12-A/2010 e o disposto no artigo 75.º do EPARAM.
É também neste quadro que se deve entender a alusão, feita igualmente no pedido, a uma eventual violação, por parte das normas sob juízo, de direitos adquiridos nos termos do nº 20 do artigo 75.º do EPARAM, de acordo com o qual não seria possível regredir nos vencimentos de titulares de cargos políticos regionais: “O estatuto remuneratório constante da presente lei não poderá, designadamente em matéria de vencimentos, subsídios, subvenções, abonos e ajudas de custo, lesar direitos adquiridos”.
Independentemente do problema de saber se a norma estatutária terá o alcance geral que a Requerente lhe pretende atribuir, de cláusula geral de proibição de retrocesso em matéria de remunerações de titulares de cargos políticos da região, a verdade é que é esta uma questão que só se compreenderia no âmbito de um hipotético pedido de declaração de ilegalidade por força da contradição entre as normas impugnadas e normas estatutárias, integrantes de lei com valor reforçado, pedido esse que não chegou a ser formulado.
Assim, e não podendo o Tribunal conhecer, enquanto problema autónomo face ao problema da inconstitucionalidade, da ilegalidade da normas constantes da lei da Assembleia da República, incidirá todo o discurso que se segue sobre a questão de saber se as disposições legislativas em juízo lesam, como afirma a Requerente, o previsto no nº 7 do artigo 231.º da CRP.
6. Dispõe literalmente o nº 7 do artigo 231.º da Constituição que “[o] estatuto dos titulares dos órgãos de governo próprio das regiões autónomas é definido nos respectivos estatutos.”
Tem entendido o Tribunal, em conformidade com a doutrina, que aqui se constitui uma reserva material de estatutos ou de leis estatutárias.
Quer isto dizer que a “matéria” em causa – o estatuto dos titulares dos órgãos de governo próprio das regiões autónomas –, devendo constar dos estatutos político-administrativos de cada região, só pode ser regulada por lei da Assembleia da República que, exprimindo a competência que à mesma Assembleia é atribuída pela alínea b) do artigo 161.º da Constituição, venha a ser aprovada de acordo com o procedimento especialmente previsto no artigo 226.º.
Afirmar que certa matéria só pode ser regulada por certa fonte equivale a afirmar que nenhuma outra o pode fazer. No caso, determinar que o estatuto dos titulares dos órgãos de governo próprio das regiões seja definido pelos respectivos estatutos político-administrativos equivale a proibir que qualquer outro tipo de acto legislativo (lei comum da Assembleia, decreto-lei do Governo ou decreto legislativo regional) venha a ocupar-se de tal definição. É, pois, nesta específica, e excludente, dimensão da “reserva” que se apoia a Requerente, ao sustentar que a Lei nº 12-A/2010 da Assembleia da República (aprovada de acordo com o procedimento comum e não de acordo com o procedimento especialmente previsto no artigo 226.º), por “dispor utilmente” sobre o estatuto remuneratório dos deputados às assembleias legislativas regionais e dos membros dos governos regionais, invadiu, em contradição com o prescrito pelo nº 7 do artigo 231.º da CRP, a esfera de normação constitucionalmente reservada às leis estatuárias.
A resolução do problema exige que em função dele se interprete a expressão contida no preceito constitucional. Importa por isso, e antes do mais, saber em que é que consiste o estatuto dos titulares dos órgãos de governo próprio das regiões; se dele faz parte o estatuto remuneratório [dos mesmos titulares]; e se as normas sob juízo dizem ainda respeito a toda essa “matéria”, não regulável por lei comum da Assembleia da República.
7. Das duas primeiras questões se ocupou já a jurisprudência do Tribunal.
Com efeito, e quanto à questão de saber em que é que consiste o estatuto dos titulares dos órgãos de governo próprio das regiões e a sua “definição”, disse-se, nomeadamente nos Acórdãos nºs 92/92, 637/95, 382/2007, 10/2008 e 525/2008, que a expressão incluiria seguramente o estatuto dos deputados regionais, na fixação do regime dos seus deveres, responsabilidades, incompatibilidades e impedimentos e, reciprocamente, na previsão dos seus direitos, regalias e imunidades.
Por seu turno, e quanto à questão de saber se o estatuto remuneratório [dos titulares de órgãos de governo próprio das regiões] ainda se incluiria no âmbito da categoria ampla atrás definida, disse-se especialmente no Acórdão nº 637/95:
“[A] Constituição exige que o estatuto d[os] titulares dos órgãos de governo próprio regional se ache definido no estatuto político-administrativo. Há, pois, uma reserva de lei estatutária na matéria. A definição desse estatuto tem de abranger os deveres, as responsabilidades e incompatibilidades desses titulares, bem como os respectivos direitos, regalias e imunidades. O estatuto remuneratório ou regime de remuneração abrange um conjunto de direitos e regalias. Por isso, a definição desse regime remuneratório há-de ser aprovada pela Assembleia da República, por iniciativa do órgão legislativo regional (…)”.
Contudo, na mesma decisão estabeleceu-se ainda a diferença entre definição de regime remuneratório e determinação do quantum da remuneração, esclarecendo-se que só a primeira (que consistiria apenas na fixação de um critério de remuneração, ou na fixação dos seus limites mínimos e máximos) faria parte da “matéria” reservada à lei estatutária.
A argumentação do Tribunal, para proceder a esta distinção, fundou-se sobretudo na versão dada pela Lei Constitucional nº 1/82 à então alínea g) do artigo 167.º da Constituição, que dizia ser da competência absoluta da Assembleia da República legislar sobre “estatuto dos titulares dos órgãos de soberania e do poder local, do Conselho de Estado e do Provedor de Justiça, incluindo o regime das respectivas remunerações” (itálico nosso).
Na verdade, e comentando esta disposição, escrevia na altura a doutrina:
“O âmbito da matéria da alínea g) surge claramente delimitado por referência aos artigos 113.º e 120.º [hoje, artigos 110.º e 117.º]. Trata-se de definir o regime de responsabilidade dos titulares dos cargos aí mencionados (nomeadamente da responsabilidade criminal), bem como os deveres, responsabilidades e incompatibilidades e, reciprocamente, os direitos, regalias e imunidades, incluindo o regime remuneratório (mas não necessariamente a fixação do seu montante). Curioso é notar a omissão da menção dos titulares dos órgãos das regiões autónomas; todavia, o estatuto deles há-de constar do respectivo estatuto regional [artigo 233.º nº 5 (hoje, artigo 231.º, nº 7)], cuja aprovação também pertence em exclusivo à AR”. (Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 2ª edição, 2º volume, p. 193, nota X ao artigo 167.º)
A partir desta distinção entre regime remuneratório e fixação do montante da remuneração, feita a propósito do interpretação da, à altura, alínea g) do artigo 167.º da Constituição (entendimento esse respaldado pelos trabalhos preparatórios da revisão constitucional, onde também se deixara claro que reservada à competência da Assembleia da República ficaria apenas o regime ou o critério da remuneração dos titulares dos órgãos, mas não o montante da mesma: Diário da Assembleia da República, II Série, nº 39, de 15 de Janeiro de 1982, p. 852-65), resolveu o Tribunal, no já referido Acórdão nº 637/95, que reservada às leis estatutárias estaria “a indicação de um critério suficientemente preciso do modo de determinação do quantum remuneratório a que têm direito os deputados regionais” ou “a variação entre o minimus e o maximus, para se usar utilizar uma expressão sugestiva”, mas não a fixação da remuneração, em si mesma considerada.

8. É em harmonia com este entendimento que o Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira (EPARAM) estabelece o estatuto remuneratório (epígrafe do Capítulo III da secção II) dos titulares de cargos políticos dos órgãos de governo próprio da região.
Na verdade, no seu artigo 75.º, o EPARAM consagra, enquanto critério suficientemente preciso do modo de determinação do quantum remuneratório a que têm direito tanto os deputados à Assembleia Legislativa quanto os membros do Governo regional (definidos, no nº 1 do referido artigo, como sendo, na região, os titulares de cargos políticos dos órgãos de governo próprio), o princípio geral da equiparação remuneratória a determinados titulares de cargos políticos nacionais e, designadamente, aos ministros, aos secretários de Estado e aos subsecretários de Estado.
A equiparação começa por ser feita no nº 3 do artigo 75.º, que diz:

O Presidente da Assembleia Legislativa Regional e o Presidente do Governo Regional têm estatuto remuneratório idêntico ao de ministro.

É a partir da equiparação do estatuto remuneratório do Presidente da Assembleia Legislativa Regional ao estatuto remuneratório de ministro que, depois, no nº 4, se fixa percentualmente o valor dos vencimentos dos deputados regionais:

Os deputados à Assembleia Legislativa Regional percebem mensalmente um vencimento correspondente a 75% do vencimento do Presidente da Assembleia Legislativa Regional.

É também a partir da mesma equiparação ao estatuto remuneratório de ministro, feita agora por mediação do estatuto remuneratório do Presidente do Governo Regional, que se fixa percentualmente, no nº 5, o valor do vencimento dos vice-presidentes do Governo Regional:

Os vice-presidentes do Governo Regional auferem um vencimento e uma verba para despesas de representação que correspondem, respectivamente, a metade da soma dos vencimentos e da soma das referidas verbas auferidas pelo Presidente do Governo Regional e por um secretário regional.

O vencimento dos secretários regionais e dos subsecretários regionais, por seu turno, encontra-se a partir da equiparação com o estatuto remuneratório dos secretários e subsecretários de Estado que é feita no n.º 6:

Os secretários regionais têm estatuto remuneratório idêntico ao dos secretários de Estado e os subsecretários regionais ao dos subsecretários de Estado.

Deste modo, para se saber qual é o vencimento ilíquido mensal dos deputados às assembleias legislativas regionais e dos membros dos governos regionais é necessário saber qual é o vencimento ilíquido mensal dos ministros e dos secretários e subsecretários de Estado, cujos estatutos remuneratórios são definidos por lei da Assembleia da República (Lei n.º 4/85, de 9 de Abril, alterada, por último, pela Lei nº 52-A/2005, de 19 de Outubro) e servem de base à equiparação de princípio que o EPARAM estatui.

9. A norma do artigo 11.º da Lei n.º 12-A/2010 opera uma alteração, em bloco, do vencimento mensal ilíquido dos titulares de cargos políticos, ao abrigo do artigo 117.º, n.º 2, da Constituição. E essa alteração abrangerá naturalmente os titulares de cargos políticos regionais, sob pena de o vencimento mensal ilíquido destes últimos ficar em contradição com o seu estatuto remuneratório, tal como ele é definido no artigo 75.º do EPARAM.
Na verdade, sendo tal estatuto remuneratório fixado, como acabámos de ver, com base na equiparação com o estatuto remuneratório de titulares de cargos políticos de nível nacional, caso se reduzisse o vencimento mensal ilíquido destes últimos sem a correlativa redução do vencimento ilíquido dos titulares de cargos políticos regionais, ficariam estes a perceber mensalmente mais do que o seu próprio estatuto remuneratório estabelece. De facto, o Presidente da Assembleia Legislativa Regional e o Presidente do Governo Regional ficariam a receber mais do que os ministros. Como consequência da ruptura da equiparação básica que é feita entre o estatuto remuneratório do Presidente da Assembleia Legislativa Regional e o estatuto remuneratório de ministro, também os deputados à Assembleia Legislativa Regional ficariam a receber mensalmente um vencimento superior a 75% do vencimento mensal desses mesmos ministros; e os secretários regionais, por seu turno, receberiam mais do que os secretários de Estado e os subsecretários regionais mais do que os subsecretários de Estado.
Assim, as alíneas g) e h) do nº 2 do artigo 11.º da Lei nº 12-A/2010, ao incluírem na lista dos titulares de cargos políticos sujeitos à redução excepcional de vencimento ilíquido mensal prevista nesta disposição os titulares dos cargos políticos regionais, não vieram exprimir uma opção legislativa autónoma face que está definido no artigo 75.º do EPARAM. Para utilizar a linguagem da Requerente, não vieram dispor utilmente sobre o estatuto remuneratório daqueles mesmos titulares. Limitaram-se antes a decidir em harmonia com o critério básico sobre o qual assenta o referido estatuto, critério básico esse que, aliás, sempre impediria o legislador nacional (vinculado pelo valor reforçado das leis estatutárias) de quebrar, nomeadamente através do disposto no nº 3 do artigo 11.º, a ligação referencial entre o vencimento dos titulares de cargos políticos regionais e o vencimento dos ministros e dos secretários e subsecretários de Estado.
Tanto basta para que se conclua que o regime estabelecido no artigo 11.º, nº 2, alíneas g) e h), e nº 3 da Lei nº 12-A/2010 não lesa a reserva material de lei estatutária fixada no nº 7 do artigo 231.º da CRP. Tal regime apenas se harmoniza com o critério adoptado pelo EPARAM, que faz depender a fixação do montante concreto das remunerações [dos titulares de cargos regionais] do estipulado por outra fonte legislativa que não a inserta em leis estatuárias. O facto de essa outra fonte ser, de acordo ainda com o Estatuto da Região, a lei nacional, ou lei do Estado, nenhum problema coloca face ao sistema de autonomia regional, constitucionalmente consagrado. Com efeito – e embora não seja essa a linha de argumentação seguida pela Requerente – sempre se salientará que não é função dos Estatutos Político-Administrativos aprovados pela Assembleia da República fixar apenas os direitos autonómicos da região em relação à República. A autonomia regional é uma autonomia relacional. E, assim sendo, a posição autonómica poderá estar, por força dos próprios Estatutos, em determinados domínios dependente daquilo que sucede a nível nacional.
Deste modo, e em suma, não lesam as normas impugnadas a reserva de estatuto, consagrada no artigo 231.º, nº 7, da Constituição da República Portuguesa.

III – Decisão

Assim, pelos fundamentos expostos, o Tribunal decide não declarar a inconstitucionalidade das normas constantes das alíneas g) e h) do nº 2, e do nº 3 do artigo 11.º, bem como do n.º 4 do artigo 20.º da Lei nº 12-A/2010, de 30 de Junho.

Lisboa, 17 de Maio de 2011.- Maria Lúcia Amaral – João Cura Mariano – Catarina Sarmento e Castro – José Borges Soeiro – Vítor Gomes – Carlos Fernandes Cadilha – Gil Galvão – Ana Maria Guerra Martins (votei a decisão, mas afasto-me da fundamentação na parte que invoca o acórdão n.º 637/95, pois considero que a questão sobre que este incide é totalmente diversa da actualmente em discussão, pelo que não faz sentido a sua invocação) – Maria João Antunes (vencida, nos termos da declaração de voto do Conselheiro Sousa Ribeiro) – Joaquim de Sousa Ribeiro (vencido, de acordo com a declaração anexa) – Carlos Pamplona de Oliveira – vencido nos termos da declaração que junto. – Rui Manuel Moura Ramos.



DECLARAÇÃO DE VOTO


Dissenti da posição que fez vencimento por entender que o nível remuneratório dos titulares dos órgãos de governo próprio das regiões autónomas, enquanto componente essencial do seu estatuto remuneratório (por sua vez componente do estatuto) cai no âmbito da reserva de estatuto (artigo 231.º, n.º 7, da CRP), e que, assim sendo, nenhum outro tipo de diploma, que não o Estatuto Político-Administrativo das regiões autónomas, pode regular essa matéria – como foi expressamente afirmado, a propósito do regime de incompatibilidades e impedimentos, pelo Acórdão n.º 525/2008.
A primeira destas duas ideias fundamentadoras é rejeitada pelo Acórdão, que estabelece uma distinção conceptual entre regime remuneratório e fixação do montante da remuneração, para sustentar, em seguida, que só o primeiro, mas já não a segunda, cai no âmbito da reserva estatutária.
Como raiz e sustentáculo dessa pretendida distinção, é apontada a versão dada pela Lei Constitucional n.º 1/82 à então alínea g) do artigo 167.º da Constituição, a qual dizia ser da competência absoluta da Assembleia da República legislar sobre o “estatuto dos titulares dos órgãos de soberania e do poder local, do Conselho de Estado e do Provedor de Justiça, incluindo o regime das respectivas remunerações”. Os trabalhos preparatórios (em particular a intervenção do deputado Jorge Miranda na Comissão Eventual) evidenciam bem, de facto, que a formulação do segmento por nós sublinhado (em substituição da originalmente proposta: “incluindo as respectivas remunerações”) obedeceu à intenção de deixar claro que não cabia na reserva da Assembleia da República a fixação do quantitativo pecuniário da remuneração, mas apenas o critério a que ela devia obedecer.
Mas, se isso não sofre dúvidas, menos certo não é que a questão suscitada por aquela norma – inaplicável, de resto, aos titulares dos órgãos das regiões autónomas, uma vez que já então a Constituição dispunha que o estatuto deles devia constar do respectivo estatuto regional (artigo 233.º, n.º 5) - foi, apenas, a do nível de concretização exigível à lei da Assembleia da República para dar cumprimento à reserva de competência que lhe foi constitucionalmente cometida. Já assim era, aliás, em face do artigo 167.º, alínea u), da versão originária da Constituição, que dispunha ser da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre a “remuneração do Presidente da República, dos Deputados, dos membros do Governo e dos juízes do tribunais superiores”. Em face desta norma, GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA interrogavam-se se “as remunerações têm de ser fixadas por lei da AR ou se basta que esta defina as regras de fixação das remunerações” (Constituição da República Portuguesa anotada, 1.ª ed., Coimbra, 1978, p. 335).
Ora, não há paralelismo de campos problemáticos, nem similitude de pontos de vista valorativos quanto a saber o que deve constar das leis da Assembleia da República, no exercício da reserva comum de competência legislativa, e aquilo que a ela está subtraído, por ser constitucionalmente matéria estatutária. E a diferença resulta da necessária realização do princípio da autonomia, de que a reserva material de estatuto é expressão concretizadora. Como garante de efectivação desse princípio, a este nível “constitucional” de definição dos poderes autonómicos, a emissão de leis estatutárias obedece a um procedimento legiferante próprio, que exige cooperação entre a Assembleia da República e as assembleias legislativas regionais (cfr. o artigo 226.º, n.º 1).
Deste ponto de vista, não faz sentido entender, como faz o Acórdão, que o conceito de estatuto, na esfera remuneratória, deve ser interpretado restritivamente, dele excluindo a fixação dos montantes de retribuição, para o efeito de guardar para a competência comum da Assembleia da República poder autónomo de intervenção legislativa ao nível mais elevado de concretização. É evidente que, tal como para as leis emitidas no exercício da reserva comum de competência, pode pôr-se o problema da forma mais ou menos esgotante e precisa como as leis estatutárias devem disciplinar o estatuto dos titulares dos órgãos de governo próprio das regiões autónomas. Mas isso para demarcar o que pode ser deixado à competência das assembleias regionais, em desenvolvimento concretizador dos critérios estabelecidos nos estatutos, não para abrir campo de intervenção para as leis normais da Assembleia da República. Só assim se respeita integralmente o princípio da autonomia, sem abrir mão do princípio da unidade do Estado, que a competência da Assembleia da República para aprovação dos estatutos visa assegurar. E é por demais seguro que, quanto maior a exigência de regulação acabada nos próprios estatutos, mais intensamente se tutela o princípio da soberania estadual.
Foi essa mesma questão do nível de definição exigível nos próprios estatutos que se suscitou no Acórdão n.º 637/95, a propósito do então artigo 28.º da ERAM. Esteve em causa saber se ele continha uma definição suficientemente precisa do estatuto remuneratório dos deputados às assembleias regionais e se a concretização desse estatuto, nos termos em que era feita, poderia ser delegada na assembleia legislativa regional. A colocação do problema aponta, pois, em sentido oposto ao do presente Acórdão, pelo que não se me afigura que a convocação da jurisprudência do Acórdão n.º637/95 seja pertinente para a questão agora decidida.
À luz da solução que fez vencimento neste Acórdão, pode encontrar-se numa lei comum da República fundamento normativo bastante para a dedução de 5% a que ficam sujeitas as remunerações em causa, e isto à margem da eficácia reguladora dos estatutos. O que, justamente, a reserva estabelecida no artigo 231.º, n.º 7, da CRP não permite. Os estatutos não têm que regular directamente essa matéria, mas neles tem que se situar a fonte última de qualquer normação, neste campo. - Joaquim de Sousa Ribeiro.


DECLARAÇÃO DE VOTO


Vencido. Em meu entender, a determinação concreta do quantum remuneratório é uma mera operação material que decorre do "estatuto remuneratório" do agente público, não apresentando qualquer autonomia face a esse estatuto; por sua vez, o "estatuto remuneratório" dos titulares de cargos políticos das Regiões constitui uma parte integrante do "estatuto dos titulares de órgãos de governo próprio das regiões autónomas", cuja definição a Constituição quis expressamente arrumar nos Estatutos Político-Administrativos das Regiões, cfr. n.º 7 do artigo 231º da Constituição.
A reserva constitucional de estatuto proíbe, em absoluto, que outro "tipo" de actos normativos regule a matéria incluída nessa reserva, cfr. artigos 112º n.º 3, 168º n.º 6 alínea f) e 226º da Constituição. A norma em causa, o artigo 11º da Lei n.º 12-A/2010 de 30 de Junho, ao pretender interferir directamente no montante das remunerações auferidas pelos titulares de órgãos de governo próprio das regiões autónomas, visou disciplinar o estatuto remuneratório desses agentes, definindo desse modo o estatuto dos titulares de órgãos de governo próprio das regiões autónomas, em manifesta violação do disposto no aludido n.º 7 do artigo 231º da Constituição.
Votei, em consequência, pela declaração de inconstitucionalidade das normas impugnadas do artigo 11 da Lei n.º 12-A/2010 de 30 de Junho. - Carlos Pamplona de Oliveira.


http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20110251.html

segunda-feira, 30 de maio de 2011

RAPTO INTERNACIONAL DE MENORES - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa - 27/01/2011

Acórdãos TRL
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2273/07.9TMLSB-A.L1-2
Relator: MARIA DA LUZ FIGUEIREDO
Descritores: RAPTO INTERNACIONAL DE MENORES
ACÇÃO ESPECIAL
REGULAMENTO COMUNITÁRIO
CASO JULGADO
TRÂNSITO EM JULGADO
TRIBUNAIS PORTUGUESES
TRIBUNAL ESTRANGEIRO
MENORES
INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE

Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 27-01-2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S

Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE

Sumário: I – No âmbito da acção especial interposta pelo Ministério Público ao abrigo do disposto nos artigos 1º, b), 2º, 3º, b), 5º a), c) e f), 11º e 21º da Convenção sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças, concluída em, Haia, em 25-10-1980, aprovada pelo Estado português, pelo decreto do Governo n.º33/83, de 11 de Maio, e pelo Estado Italiano, a 01 de Maio de 1995 ex vi artigos 2º a), 8º, 10º e 11º do Regulamento do Conselho n.º2201/2003 (CE), de 27 de Novembro de 2003 visando o regresso dos menores ao Estado da sua residência habitual, deve proceder - se à produção de prova requerida para a demonstração da excepção constante do artigo 13º alínea b) daquela Convenção que visa a retenção dos menores.
II – Ao ser proferido Acórdão do Tribunal da Relação que revogava anterior decisão e determinava o prosseguimento dos autos para a produção da prova referida, o mesmo faz caso julgado formal não podendo o tribunal de 1ª instância deixar de o acatar.
III – Não perde utilidade a produção de prova no âmbito do artigo 13º alínea b) da Convenção de Haia por ter sido proferida decisão pelo tribunal do Estado – Membro de origem determinando o regresso dos menores não tendo o mesmo transitado em julgado e permanecendo os menores ainda com o progenitor contra quem é interposta a acção.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Parcial:

Decisão Texto Integral: Acordam as Juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa:

I – Relatório

O Ministério Público ao abrigo do disposto nos artigos 1º, b), 2º, 3º, b), 5º a), c) e f), 11º e 21º da Convenção sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças, concluída em, Haia, em 25-10-1980, aprovada pelo Estado português, pelo decreto do Governo n.º33/83, de 11 de Maio, e pelo Estado Italiano, a 01 de Maio de 1995 ex vi artigos 2º a), 8º, 10º e 11º do Regulamento do Conselho n.º2201/2003 (CE), de 27 de Novembro de 2003 veio instaurar acção especial para regresso das crianças “A”, nascido a ... de ... de 2005, Bolonha, Itália, e “B”, nascido a ... de ... de 2006, Bolonha, Itália, contra a mãe destes “C” pedindo a procedência da acção e o consequente regresso dos menores a Itália.
Alegou como fundamentos e em suma:
- As crianças são filhos da requerida e de “D”, este residente em Itália, têm dupla nacionalidade portuguesa e italiana;
- Nasceram e residiram com os pais em Itália sendo que estes viviam em união de facto;
- A 31 de Março de 2007, a Requerida viajou com as crianças para Portugal onde permanece até hoje nunca mais regressando a Itália recusando – se a fazê – lo apesar de ter acordado com o progenitor que o regresso seria no dia 05 de Maio de 2007;
- A retenção das crianças em Portugal é ilícita por parte da progenitora, o que constitui fundamento para que se determine o regresso imediato das crianças;
- O pai das crianças apresentou à competente Autoridade Italiana tal pedido ao abrigo da Convenção de Haia e Regulamento citados, pedido devidamente instruído.

Por despacho de fls. 48/49 foi atribuído carácter urgente ao processo e determinada a apensação dos autos aos de regulação de poder paternal corre termos no mesmo Juízo e secção e foi decretada como medida provisória a proibição da mãe dos menores se ausentar para um Estado terceiro e determinado que se oficiasse ao SIS solicitando que sejam accionados os mecanismos de limitação da livre circulação dentro e fora do espaço Schengen (artigos 7º b) da Convenção de Haia e 97º da Convenção Schengen).
O pai dos menores veio requerer a junção da procuração forense aos autos.
A Requerida, devidamente citada, veio apresentar contestação onde diz em suma:
- A requerida nunca reteve os menores ilicitamente em Portugal;
- É verdade que a Requerida viajou com os menores para Portugal em 30 de Março de 2007, viagem com o conhecimento e consentimento do progenitor;
- É falso que ambos os progenitores tenham acordado que o regresso da Requerida e dos menores se faria a 05 de Maio de 2007;
- Aquando da aquisição dos bilhetes de avião para Lisboa, tanto a Requerida como o pai dos menores constataram que se adquirissem passagens aéreas sem a data de regresso determinada o preço das viagens aumentaria consideravelmente, pelo que decidiram colocar a data de 5 de Maio de 2007 ficando logo assente que aquando da sua estadia em Portugal, a Requerida cancelaria a viagem de 5 de Maio de 2007 deixando em aberto o regresso;
- Foi exactamente o que aconteceu;
- Tendo ficado instalada com os filhos em casa de seus pais, a essa casa se deslocou o progenitor por várias vezes, ali permanecendo nas suas estadias e sempre concordando com a permanência da requerida e filhos em Portugal;
- O Pai dos menores a 05 de Agosto de 2007 chegou a Lisboa mas decidiu unilateralmente fixar – se num hotel e alugar um automóvel ao invés de se reunir com a Requerida e seus filhos menores em cada dos avós maternos como sempre havia feito;
- Durante tal estadia informou a Requerida que não tinha qualquer intenção de manter a sua união de facto pelo que o relacionamento entre ambos terminara, sendo certo que dias antes de partir em casa dos avós maternos dos menores começou a insultar a Requerida à frente dos filhos e dos avós afirmando pretender apenas os filhos;
- A partir dessa data o progenitor deixou claro que o relacionamento entre este e a Requerida havia terminado não pretendendo mais coabitar com esta e perante tal facto a Requerida teve plena consciência de que a casa de Bolonha onde vivera com o progenitor dos menores deixou de ser a sua residência;
- A Requerida explicou ao progenitor que, face a esta situação, não poderia regressar a Bolonha, uma vez que não tinha onde viver nem tinha como se sustentar;
- Segundo a lei italiana, o exercício conjunto do poder paternal só existe desde que os progenitores vivam juntos, pelo que, cessando a união de facto, como foi o caso, o poder paternal compete automaticamente ao progenitor com quem o filho viva;
- A ordem de regresso a Itália deixará os menores em situação intolerável;
- O progenitor não tem vindo a contribuir para o sustento dos filhos, sustento este que a Requerida assegura exclusivamente com a remuneração do seu trabalho e com o valor da venda de um imóvel;
- Os menores desde que nasceram nunca estiveram separados da mãe, sempre revelaram e revelam uma extrema dependência afectiva da requerida;
- Os menores vivem um relacionamento familiar harmonioso e afectuoso e convivem com seus avós, tios e primos;
- Os menores estão perfeitamente adaptados a sua nova vida em Portugal e é cá que é a sua residência e não em Itália;
- Nesta conjuntura, uma alteração abrupta na vida das crianças para outro país, outra cidade, outra cultura, outra língua e acima de tudo para longe de sua mãe poderá ter consequências dramáticas no desenvolvimento psíquico emocional das mesmas;
- A regulação do poder paternal está a ser discutida tanto em Portugal como na Itália existindo séria probabilidade de o mesmo ser entregue à mãe o que, a ocorrer, fará com que as crianças regressem novamente em Portugal.
Termina pedindo a procedência das excepções e a improcedência do pedido.
“D”, progenitor dos menores, foi notificado da contestação da Requerida e veio apresentar requerimento onde, em suma, defende que:
- A contestação com as excepções não é formalmente admissível, pelo que aquelas deverão ser liminarmente rejeitadas.
- Nunca assentiu que a Requerida vivesse com os menores em Portugal e muito menos rompeu a união de facto entre ambos;
- Foi a Requerida quem protelou a venda dos imóveis e comunicou ao progenitor que não queria voltar mais a Itália sendo que nunca concordou que os menores passassem a residir em Portugal;
- A recusa da requerida em voltar para Itália com os menores caracteriza uma retenção ilícita;
- Dispõe de condições pessoais, económicas e familiares para assegurar a adaptação dos menores quando do seu regresso a Itália;
- Foi intentada acção de regulação do exercício do poder paternal em Itália onde foi reconhecida a litispendência internacional no processo de regulação do exercício do poder paternal a que a Requerida deu início em Portugal;
- Ao contrário do que diz a Requerida, a lei italiana não atribui automaticamente o poder paternal ao progenitor com quem o filho vive, sendo necessária uma decisão da autoridade judiciária italiana e, enquanto esta não existir, os pais partilham o poder paternal sobre os filhos.
Termina pedindo a rejeição das excepções, com o consequente acolhimento do pedido deduzido pelo Ministério Público, ordenando – se o regresso imediato dos menores em causa para Itália, e subsidiariamente o indeferimento dos requerimentos de prova apresentados pela Requerida e condene a mesma como litigante de má – fé, sendo que em caso se não entenda se ordene a elaboração do relatório social relativo ao progenitor, audição de testemunhas.
A Requerida, notificada deste requerimento, veio a 01.04.2008, fls. 176/ 180 pedir o seu desentranhamento e pedir a condenação do progenitor dos menores como litigante de má fé.
A 12.05.2008 - fls. 186/189 – foi proferido despacho pelo Juiz a quo onde se admitiu a contestação da requerida, o requerimento do progenitor, e os respectivos requerimentos probatórios. Foi igualmente solicitado ao IRS cópia da legislação italiana e certidão ou fotocópia de certificadas do processo que corre no Tribunal de Bolonha e relatório social sobre os menores e seu pai. Foi designada data para tomada de declarações dos progenitores e inquirição das testemunhas.
Em tal data, com o acordo dos pais, a diligência foi adiada sine die dada a junção de documentos pelo interveniente “D” relativo a decisão provisória proferida em Itália sobre o exercício do poder paternal dos menores.
A Requerida a fls. 289 e seguintes veio alegar que a decisão provisória proferida, objecto de recurso por si apresentado não deve afectar o prosseguimento destes autos e requer nova marcação de diligência.
O Progenitor dos menores veio a fls. 418 insistir pela declaração de retenção ilícita dos menores em Portugal e mais tarde a 11.08.2008 - fls. 435 e seguintes – veio juntar aos autos decisão proferida pelo Tribunal de recurso Italiano onde se pode ver que foi negada a apreciação da reclamação apresentada pela Requerida contra a decisão provisória já mencionada.
A Requerida, devidamente notificada, veio ainda dizer que o Estado português não está vinculado ao cumprimento da decisão provisória do Tribunal de Bolonha porque não foi proferida de acordo com o Regulamento Comunitário n.º2201/2003.
Foi proferida sentença a 12 de Setembro de 2008 – fls. 482 a 494 - sem que tivessem sido levadas a cabo todas as diligências de prova requeridas e mesmo as antes ordenadas, a qual julgou improcedente a pretensão do Ministério Público e não determinou o regresso imediato de “A” e “B” a Itália, com fundamento em que a deslocação das crianças de Itália para Portugal não deve considerar – se ilícita “uma vez que o “A” e o “B” continuam sob a custódia de uma das pessoas a quem a lei atribui essa custódia e o direito de decidir sobre o lugar da sua residência”.
Foi interposto recurso desta decisão para este Tribunal quer por “D” quer pelo Ministério Público.
A 24 de Março de 2009 este Venerando Tribunal proferiu o Acórdão constante de fls. 600 a 614 revogando a sentença proferida, afirmando na sua parte final:
“ Deste modo, conclui – se que não se encontra verificada, no caso, a previsão do n.º8 do artigo 11 do Regulamento (visto que ainda não foi proferida decisão de retenção ao abrigo do artigo 13 da Convenção), nem se mostra emitida a certidão a que alude o mencionado artigo 42 do mesmo Regulamento.
Donde se retira, necessariamente, que nem no âmbito deste processo cumpre determinar o imediato regresso dos menores a Itália em execução da referida decisão do Tribunal de Menores de Bolonha de 22.05.2008 nem aquela decisão prejudica o prosseguimento destes autos ou determina a sua inutilidade, uma vez que aqui se mostra deduzida oposição à entrega com fundamento no aludido artigo 13 da Convenção de Haia, e essa matéria ainda não foi apreciada.
Assim sendo, cumpre passar a averiguar da existência das causas impeditivas da entrega invocadas pela requerida ao abrigo do artigo 13 da Convenção, produzindo – se a prova oferecida, como também defende o apelante Ministério Público, em última análise.
Procede, por isso, a apelação do requerente e do M.P. nos termos sobreditos.
Decisão:
Termos em que acordam os juízes desta Relação em julgar procedente a apelação interposta pelo Digno M.P., revogando em consequência a sentença recorrida e determinando o prosseguimento dos autos.
Custas pela apelada.
Notifique.”

Os autos baixaram à 1ª instância e foi proferido despacho – a 29.04.2009, fls. 631 – no sentido dos Senhores Advogados indicarem datas para a inquirição de testemunhas, na sequência do que foi designada data para tal fim.
A fls. 678/690 e seguintes consta tradução de decisão final do Tribunal de Menores de Emília Romanha com o seguinte teor:

“Considerada a acção que o pai intentou ao Tribunal para se pronunciar, nos termos e para os efeitos do disposto pelos artigos 317 BIS, 333, 336, c
Vista a defesa da mãe;
Vistos os precedentes despachos provisórios, cujas fundamentações e determinações dão-se, aqui, por integralmente reproduzidas;
Vista a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Bolonha, que declarou inadmissível a reclamação, interposta pela mãe, contra o regime provisório fixado a
22-5-2008;
OBSERVA
O pai dos menores accionou o Tribunal de Menores de Bolonha asseverando que a mãe dos menores, durante a sua convivência, dirigiu-se a Portugal, com os filhos, por ambos reconhecidos e, sem o consentimento do mesmo, não mais retornou para a Itália.
Tal facto é considerado assente do que resulta, igualmente, pelas petições escritas apresentadas pela mãe.
Dos autos emerge que o pai accionou a Autoridade Central e as competentes Autoridades Portuguesas instaurando o procedimento previsto para a subtracção internacional de menores, ao abrigo do disposto pelo artigo 72 da Convenção de Haia de 25 de Outubro de 1980, sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças, com o objectivo de obter o regresso imediato dos menores para o Estado de sua residência habitual, que considera ser a Itália.
Nascidos em Itália e aqui residentes até a primavera de 2007, aqui tinham a sua residência habitual e que a mãe tenha, com a sua conduta, violado um direito de custódia legalmente estabelecido e de facto também exercido pelo pai, uma vez que a união de facto entre os pais não estava interrompida no momento do afastamento da companheira com os filhos.
Uma vez que o pai nunca consentiu ao não regresso dos menores (de nada releva, neste aspecto, as visitas que em seguida o mesmo fez às crianças, em Lisboa, ditadas unicamente pela exigência de não ficar como ausente na vida destas) e uma vez que os menores sempre viveram em Itália, desde o seu nascimento, o Estado da residência habitual dos mesmos, no início do procedimento (accionado pelo pai), deve considerar-se a Itália; a própria mãe, cidadã portuguesa, residia há muito tempo em Itália, tanto é que tinha cartão de saúde do utente e estava inscrita no registro de composição de família do pai dos menores, junto com os menores.
É de se ressaltar que, nos termos e para os efeitos do Regulamento CE nº 2201-2003, bem como nos termos da Lei n. 54-2006 sobre a guarda conjunta, faz parte, dentre os direitos de custódia-guarda, a decisão que se refere ao lugar de residência dos menores e, consequentemente, qualquer transferência de residência dos mesmos, considerando-se que, no presente caso concreto, o pai, uma vez que convivia com os filhos, não estava inibido do poder paternal sobre os mesmos, nem limitado quanto à sua guarda.
No caso de discordância entre os progenitores sobre a residência dos filhos (ou mesmo no caso em que um dos progenitores manifeste a vontade de se transferir ao Estrangeiro com os filhos, na ausência de consentimento do outro); ao progenitor é proibido agir arbitrariamente e, por isto está obrigado a accionar a autoridade judicial competente (que no presente caso deve-se considerar ser este Tribunal de Menores) até quando, eventualmente, emita a autorização para a transferência da residência dos menores.
Não há notícias se são ou não adequadas as competências maternais e em qual contexto os menores vivem (não obstante o pai refira tratar-se de condições de vida inadequadas), uma vez que o Serviço Social internacional encarregado não está, no momento, em funções
Emerge, com evidência, todavia, o comportamento certamente não legítimo da mãe de subtrair, aos filhos, à guarda comum; tal afirmação já resulta fundada, também, simplesmente, sobre a base da incontroversa circunstância (como dito, enunciada igualmente pelas autoridades portuguesas) que os menores tinham e tenham a sua residência habitual em Itália e que o pai não estivesse inibido do poder paternal.
Mas, ainda há mais: uma vez que a companheira, depois de ter subtraído os menores do direito de custódia respeitante ao pai (salienta-se, igualmente respeitante ao pai e à mãe enquanto ainda eram conviventes no momento do não regresso), ignorou completamente o conteúdo do precedente regime provisório fixado, por este Tribunal, na data de 22-5-08; um regime que, enquanto fixou a guarda conjunta dos menores à mãe e ao pai (concedendo com isto confiança à companheira e uma chance à mesma de demonstrar não obstante a subtracção, a própria adequação como progenitora), impôs à mesma que providenciasse o regresso dos menores em Itália.
Além disso, ela não compareceu à audiência agendada, diante deste Tribunal, sem apresentar qualquer justificação.
Ressalta-se que, neste pormenor, de que nada releva o facto que estivesse pendente em Portugal a decisão sobre a subtracção dos menores, uma vez que, ao abrigo do disposto pelo artigo 102 do Regulamento CE 2201/2003, no caso de transferência ilícita para o Estrangeiro, de um menor, a competência, seja em matéria de guarda, seja sobre o poder paternal, respeita a este Tribunal (Autoridade Judicial do Estado de residência habitual dos menores) e a mãe está obrigada, por isto, somente a respeitar tais decisões.
A competência conserva-se, igualmente, mesmo que esteja pendente, junto do Estado no qual os menores foram conduzidos, procedimento nos termos e para os efeitos do disposto pelo artigo 79 da Convenção de Haia de 1980, mesmo se o progenitor que lhes conduziu ao Estrangeiro, ali requeresse a sua guarda e, finalmente, também no caso do indeferimento do requerimento de repatriamento.

O quanto disposto pelo Regulamento tem, a evidente finalidade, de superar comportamentos de subtracção ilícita de menores, uma vez que acontece, com frequência, que o progenitor que leva ilicitamente um filho para o Estrangeiro requeira depois, ali, a guarda às Autoridades do País Estrangeiro, onde o menor foi conduzido para obter uma “espécie” de EX POST da sua própria manobra e tem o fim de evitar que sobre a guarda se possam pronunciar os juízes diferentes daqueles do Tribunal do Estado da precedente residência habitual.
Neste pormenor, deve-se destacar que somente em Agosto de 2007 a mãe manifestou a própria vontade definitiva de não retornar para a Itália e os progenitores, de todo modo, concretizaram a ruptura da relação e, portanto, para a relevância do disposto pelo mesmo artigo 10 quando o pai accionou este Tribunal, bem como a Autoridade Central, não tinha ainda decorrido um ano da subtracção dos menores realizada pela mãe (está junta, aos autos, certidão de composição de família, datada de 17-08-2007 na qual consta, ainda, a convivência dos menores com o pai e a mãe, em Itália). Além disso, o pai requereu tempestivamente em Portugal o regresso dos menores, nos termos da Convenção de Haia de 25 de Outubro de 1980, com isto, não aceitando, formalmente, a transferência dos menores para Portugal.
Portanto, ao comportamento tido pela mãe, pela sua gravidade, implica que a guarda dos menores deve ser atribuída em exclusividade ao pai, devendo a mesma ser declarada inibida do poder paternal sobre os filhos. Por consequência, dever ser ordenado, em modo definitivo, igualmente, o regresso imediato dos menores para a Itália.
A mãe terá, naturalmente, a possibilidade, pelas vias legais, sucessivamente à execução da presente decisão e, portanto, do imediato regresso dos menores (se sobretudo, come parece plausível, regressará em Itália junto dos mesmos), de requerer, eventualmente, a este Tribunal, a alteração da decisão sobre a guarda e sobre o poder paternal
Além disso, a mãe poderá exercer o próprio direito de visita aos menores, que será fixado, em modo tal, para impedir uma sucessiva subtracção.
A presente decisão deverá ser reconhecida, nos termos da Secção 1, do Capítulo III, do Regulamento, sem que subsistam no caso vertente, motivos de não reconhecimento, nos termos do disposto pelo artigo 23º;
Com referência à alínea A), do artigo 23º não se releva qualquer perfil de contrariedade à Ordem Pública do Estado Português;

Com referência à alínea B), se é verdade que a decisão foi proferida, sem que os menores tenham tido a possibilidade de serem ouvidos, deve-se dizer que “A” e “B” têm, respectivamente, quatro anos e dois anos e meio, pelo que é, de todo evidente, a sua imaturidade para serem validamente ouvidos, considerada a tenra idade;

Com referência à alínea C), verifica-se que cada acto do presente procedimento foi comunicado à mãe, tanto que a mesma fez-se representar por meio de defensor, teve acesso aos autos, produziu alegações e conclusões;
Com referência à alínea D), como já dito, a mãe teve amplas possibilidades de ser ouvida, mas escolheu por não se apresentar em audiência, não produzindo justificações válidas;
Quanto à alínea E), evidencia-se que esta Autoridade Judicial, na qualidade de Estado de residência habitual, nunca declinou da sua própria competência em mérito à responsabilidade parental; que as Autoridades portuguesas não são competentes, nem lhes é permitido, em pendência de julgamento de subtracção internacional, de decidir sobre a responsabilidade parental;
Finalmente, quanto às alíneas F) e G), não aparecem como aplicáveis, ao caso vertente, pois o menor não foi conduzido a um terceiro Estado Membro, nem foi a sua guarda atribuída em outro Estado Membro.
Em sequência da presente decisão, será passada a respectiva certidão, sucessiva à notificação, prevista pelo artigo 39º do Regulamento, com referência ao Anexo II.

Todavia, faz-se necessário esclarecer como se deve resolver o aparente conflito de decisões italianas e portuguesas e se este Tribunal pode emitir, conjuntamente com a decisão, nos termos do artigo 10º do Regulamento antes referenciado, uma decisão nos termos do artigo 11º, em particular nos termos do parágrafo 8 de tal artigo.
O artigo 11º2 do Regulamento de Bruxelas II BIS, intitulado “Regresso de Menores”, afirma à partir do parágrafo 59 que:
“6. Se uma Autoridade Jurisdicional tiver proferido uma decisão de retenção de um menor, ao obrigo do artigo 13 da Convenção de Haia de 1980, a Autoridade Jurisdicional deve imediatamente transmitir, directamente ou através da sua Autoridade Central, uma cópia dessa decisão judicial contra o regresso e dos documentos conexos, em especial as transcrições das audiências diante do Juiz,
à Autoridade Jurisdicional competente ou à Autoridade Central do Estado Membro no qual o menor tinha a residência habitual imediatamente anterior à transferência ilícita ou ao não regresso, como estabelecido pela legislação nacional.
A Autoridade Jurisdicional recebe todos os documentos indicados dentro de um mês a contar do pronunciamento da decisão contrária ao regresso.
7. A não ser que a Autoridade Jurisdicional do Estado membro no qual o menor tinha a sua residência habitual imediatamente anterior à transferência ilícita ou não regresso, não tenha sido já accionada por uma das partes, a Autoridade Jurisdicional ou a Autoridade Central que recebe as informações respeitantes ao parágrafo 6k deve informar às partes e convidar a apresentar às Autoridades as próprias conclusões, em conformidade com a legislação nacional, no prazo de três meses da dato da notificação, de modo que esta última examine as questões da guarda do menor.
Ressalvadas as normas sobre a competência, nos termos do presente Regulamento, no caso da falta de recebimento das conclusões no prazo estabelecido, a Autoridade Judicial arquiva o procedimento.
8. Não obstante a pronúncia de uma decisão contra o regresso, nos termos do artigo 13 da Convenção de Haia de 1980, uma decisão posterior que determine o regresso do menor, proferida por um juiz competente, nos termos do presente Regulamento, é executada nos termos da Secção 4, do Capítulo III, com a finalidade de assegurar o regresso do menor”.
De facto, já houve dois pronunciamentos por parte das Autoridades portuguesas, no âmbito do procedimento instaurado pelo pai, nos termos da Convenção de Haia de 25 de Outubro de 1980.
A primeira decisão, proferida depois da fixação do regime provisório por este Tribunal, pronunciou-se contra o regresso sem qualquer referência às circunstâncias previstas pelo artigo 13 da Convenção de Haia de 25 de Outubro de 1980, parecendo estar exclusivamente fundamentada no facto deste Tribunal ter atribuído a guarda conjunta dos menores a ambos os pais, afirmando que a guarda conjunta podia conferir direito à mãe de transferir, unilateralmente, em Portugal, a residência dos menores, enquanto, ao contrário, lhe era proibido: como já dito, no regime de guarda conjunta, em caso de desacordo entre os progenitores, um dos dois não pode decidir unilateralmente sobre a residência dos filhos, mas deve dirigir-se ao Juiz, e destaca-se que, uma vez que no momento da subtracção os progenitores eram conviventes, o poder paternal sobre os filhos era naturalmente exercido conjuntamente.

A decisão de primeira instância foi objecto de recurso, seja pelo pai, seja pelo Ministério Público.
A pronúncia seguinte, confirmando as considerações antes referenciadas, julgou justamente ilegítima a retenção dos menores em Portugal, mas não ordenou o regresso dos menores, fundamentando em boa substância, com base numa dúplice ordem de considerações:
- A decisão deste Tribunal proferida com despacho provisório de 22-5-08, não seria nem vinculante, nem exequível, nem passível de alteração pela autoridade judicial portuguesa;
- A decisão de primeira instância não fez qualquer referência às circunstâncias do artigo 13º da Convenção de Haia de 1980 (o que impede ao Estado, a sucessiva confirmação, nos termos do artigo 11º do Regulamento) que deveriam ser, ainda, objecto de análise.
Com específica alusão ao procedimento do artigo 11º do Regulamento, deve- se destacar que a decisão de segunda instância afirmou, expressamente, que não subsistem os pressupostos para a aplicação de tal artigo, uma vez que baseando-se sobre o teor literal do mesmo, assume que somente uma decisão, nos termos do artigo 13º da Convenção, legitima a sucessiva decisão, definitiva e eventualmente contrária, nos termos do artigo 11º, parágrafo 8º por parte da Autoridade do Estado de residência habitual.
A primeira decisão, contra o regresso, aparece totalmente privada de referências às circunstâncias referidas pela conjugação do disposto pelos artigos 11º do Regulamento e 13º da Convenção de Haia, de 25 de Outubro de 1980, a qual consente que possam ser invocadas como fundamentação de uma decisão de retenção e, esta afirmação é, inclusivamente, compartilhada também pelos juízes portugueses da Relação, quando afirmam que “...foi proferida sem que fossem produzidas, por inteiro, todas as diligências de prova necessárias de modo que se considerasse…que a transferência dos menores de Itália para Portugal não se deve considerar ilícita…”
As circunstâncias impeditivas ao regresso estão, em verdade, previstas pela Convenção de Haia, através dos artigos 12º e 13º e têm diferente natureza, procedimento e substância.
O artigo 12º dispõe que exista em prazo de caducidade da acção de repatriamento (não deve ter decorrido mais de um ano da subtracção), seja uma primeira circunstância de facto que (une-se aquelas sucessivas previstas pelo artigo 13º E) legitima uma pronúncia de retenção, somente no caso da acção ter sido instaurada depois de uma ano da subtracção: que o menor esteja integrado no novo ambiente. Trata-se de uma condição processual e de uma condição substancial (esta última de valorar somente se a primeira não tenha sido satisfeita) que rapidamente consentem de se atingir uma decisão de regresso ou de retenção do menor.
Nenhuma de tais circunstâncias foi enunciada na primeira decisão das autoridades portuguesas uma vez que, é facto assente, que o pai instaurou o procedimento antes de um ano da subtracção, e tal dado exclui , em todo modo, a possibilidade de se verificar se os menores se tenham integrado no novo ambiente.
O artigo 13º dispõe três condições obstativas ao regresso.
No que concerne às duas primeiras, afirma que o Estado accionado não é obrigado a ordenar o regresso do menor quando se verifiquem, justamente, duas circunstâncias, e note-se que tais elementos devem fazer parte, obrigatoriamente, do objecto das alegações por parte da pessoa/entidade/instituição que se oponha ao regresso (no caso concreto a mãe).
O artigo dispõe, textualmente: “A autoridade judicial ou administrativa do Estado requerido não é obrigada a decidir pelo regresso se a pessoa, a instituição ou o organismo que se opõe ao seu regresso, verifica:
-A) que a pessoa, a instituição ou o organismo que tinha a seu cuidado o menor não exercia de facto o direito de custódia na época da transferência ou da retenção, ou que havia consentido ou concordado, posteriormente, com esta transferência ou retenção;
-B) que existe um risco grave de o menor, no seu regresso, fique sujeito a um dano físico ou psíquico ou que,em qualquer modo, o coloque numa situação intolerável”.
A terceira condição impeditiva ao regresso, nos termos do artigo 13° pode ser colocada como fundamento de uma decisão de retenção, a qual não por acaso é dedicado um diferente aspecto, ou seja, deve ser verificada pela própria Autoridade Judicial ou Administrativa (não é ónus da prova por parte de quem opõe-se ao regresso) e é verificada pela oposição do menor que tenha atingido uma idade de maturidade tal, a nível de que a sua opinião seja considerada.
O artigo 13º conclui que as circunstâncias que podem ser invocadas como fundamento da decisão de retenção, devem ser valoradas, com a devida consideração, “das informações sobre a situação social do sujeito provenientes do Estado de residência habitual do menor”, uma vez que se trata de elementos (sejam aqueles da alínea a), sejam aqueles da alínea B) claramente conexos à situação psicossocial que envolvia o menor antes da subtracção.

A ratio do artigo 13 aparece, então, evidente: se a Convenção, longe de entrar no mérito da decisão sobre a melhor colocação do menor, fornece um remédio exclusivamente cautelar dirigido ao restabelecimento da situação pre-existente, as únicas circunstâncias que podem legitimar o não restabelecimento de tal situação são dadas pela sua negatividade subjectiva (porque o outro progenitor não exercia a custódia sobre o menor) ou objectiva (porque a situação familiar era e voltaria a ser prejudicial); se o pedido, nos termos do artigo 7º é instaurado depois de um ano, pode valorar-se, igualmente, a positividade e ratificação da nova situação (se o menor integrou-se no novo ambiente, nos termos do artigo 12º da Convenção).
Da conjugação disposta pelos artigos 12º e 13º, resulta então que, quando o procedimento, nos termos do artigo 7º, seja instaurado até um ano, as circunstâncias que podem fundamentar uma decisão de retenção são dadas exclusivamente pelo artigo 13 segundo parágrafo, alíneas A) e B) e pelo terceiro parágrafo; quando, contrariamente, o procedimento seja instaurado depois de um ano da subtracção, às circunstâncias previstas pelo artigo 13º parágrafo segundo e terceiro, acrescenta-se aquela referente ao artigo 12º parágrafo segundo (o juiz poderá fundamentar uma decisão de retenção, baseando-se igualmente sobre o facto que o menor se tenha integrado no novo ambiente).
No caso vertente; excluídas as circunstâncias constantes do artigo 12º e, excluída a possibilidade prevista pelo parágrafo terceiro do artigo 13º, os menores não possuem a idade para poder serem ouvidos, as únicas circunstâncias que podiam e deviam fundamentar a decisão de primeira instância das Autoridades Portuguesas são dadas pelas alíneas A) e B), do segundo parágrafo do artigo 13
Todavia, a primeira decisão não faz nenhuma referência a tais circunstâncias, na verdade:
- Do ponto de vista processual, a mãe não forneceu provas e antes, provavelmente, as mesmas já estariam preclusas, sendo irrelevante que ela as tenha apenas suscitado;
- Do ponto de vista substancial, porque no caso vertente não subsistem os pressupostos nem de uma alínea A), nem de uma alínea B): o pai exercia, plenamente, o seu direito de custódia e, antes, a convivência não tinha ainda cessado e, pelos relatórios dos serviços sociais italianos (que nos termos do parágrafo 42, do artigo 13 devem ser levados em plena consideração), não resulta qualquer elemento prejudicial para os menores, nem mesmo potencialmente;
Com especial atenção ao disposto pela alínea B), do artigo 13º da Convenção de Haia de 1980, o Regulamento Bruxelas II BIS (que nas relações entre os Estados da UE prevalece sobre a Convenção conforme a expressa disposição contida no artigo 60º alínea E), do mesmo Regulamento), o artigo 11º, alínea 4) prevê, textualmente que “uma autoridade jurisdicional não poderá recusar de ordenar o regresso do menor, nos termos e para os efeitos do artigo 13º alínea B), da Convenção de Haia de 1980, quando seja demonstrado que estão previstas medidas adequadas para assegurar a protecção do menor, após o seu regresso”.
Considerando — entre parênteses — que as condições sócio-políticas de todos os Estados hoje, que fazem parte da União Europeia, sejam tais de modo a consentir, por meio das estruturas sociais existentes, a plena protecção dos menores de acordo com as normas europeias e as convenções internacionais nesta matéria, deve-se concluir que, portanto, no caso vertente, a única circunstância que possa permitir a Portugal de proferir uma decisão de retenção é dada pela alínea A), do artigo 13 da Convenção de Haia de 1980.
Já se destacou em várias passagens, da presente decisão, da anterior fixação de regime provisório, bem como nas próprias decisões das autoridades portuguesas e resulta da postura assumida pelo pai de “A” e “B” ao enfrentar esta situação, que tal circunstância, no presente caso concreto, não subsiste: o pai exercia plenamente, porque ainda era companheiro da mãe, o poder paternal de seus filhos.
Deve-se concluir que a decisão de primeira instância pronunciou-se pela retenção, sem a fundamentação que o Regulamento exige às motivações contra o regresso: como já dito, excluída no caso vertente a aplicação do artigo 12º e do 3º parágrafo do artigo 13º, sobravam apenas as alíneas A) e B) do artigo 13º; conforme o disposto pelo artigo 11º, parágrafo 4º restava apenas a alínea A) do artigo 13º e a decisão não contém motivação sobre esta alínea.
Por outro lado, a tese contida na segunda decisão das autoridades portuguesas não parece ser de compartilhar, segundo a qual não seria fundamentada uma decisão deste Tribunal, nos termos do disposto pelo artigo 11º do Regulamento, porque a decisão de primeira instância não é fundamentada pelo artigo 13º.
As autoridades portuguesas basearam-se no teor literal do artigo 11º e entendem que somente uma decisão proferida nos termos do artigo 13º da Convenção legitime a seguinte decisão, contrária, nos termos e para os efeitos do disposto pelo artigo 11º parágrafo 8º por parte do Estado de residência habitual.
Considerando que nenhuma das decisões está baseada sobre o artigo 13º da Convenção, a tese, se fundada, abriria a estrada a todo tipo de irracionalidade e esquivas porque consentiria aos Estados accionados para proceder nos termos do artigo 7º da Convenção de Haia de 1980 de proferir decisões de retenção formalmente não fundamentadas sobre o artigo 13º igualmente sem qualquer motivação e, portanto, de atrasar ou omitir o envio da decisão e dos autos respectivos em modo a não activar o procedimento previsto e consentido ao Estado de residência habitual, ex vi os parágrafos 7º e 8º do artigo 11º, do Regulamento.
O artigo 11º faz referência às decisões de retenção proferidas nos termos do artigo 13º da Convenção de Haia de 1980 e não àquelas do artigo 12º não por acaso, nem por lapso, nem porque as circunstâncias previstas pelo artigo 13º sejam mais graves do que outras, mas por uma dupla ordem de motivações:
- porque essas são, como dito, as únicas que (quando o procedimento, como neste caso, seja instaurado dentro de um ano da subtracção) podem legitimar uma decisão de retenção;
- porque essas respeitam, como já dito, a circunstâncias conexas à situação pré existente à subtracção, sobre as quais a decisão definitiva cabe ao Estado de residência habitual, em condições de valorar melhor a situação com base do critério de proximidade, critério que contém todo o Regulamento CE 2201/2003; também a oposição do menor em condições de se exprimir pode ser compreendida entre essas, uma vez que o conjunto dos elementos relativos à situação que lhe dizia respeito antes da transferência;
Em contrário, a circunstância prevista pelo artigo 12º, parágrafo segundo (que se soma às outras somente no caso pelo qual o processo seja instaurado depois de um ano) respeita, por outro lado, à uma valoração do “novo ambiente” e ao facto que o menor esteja integrado e, sobre tal valoração proferida pelo Estado accionado, evidentemente considerada definitiva, alguma reavaliação compete ao Estado de residência habitual, não mais próximo ao menor porque o procedimento é instaurado depois de um ano e o menor teve tempo para se integrar e considerar próximo o novo Estado de residência.
Portanto, num caso que está fora dos limites do artigo 12º, se uma decisão de retenção não está fundamentada com base nas circunstâncias do artigo 13º, essa deve ser considerada privada de uma lícita base legal.
Diferentemente, argumentando, proibir-se-ia, ao Estado de residência habitual, o reexame sobre decisões completamente privadas de fundamentação e tornaria em vão, a inteira estrutura do Regulamento, nos termos do qual, concluindo, as decisões de retenção proferidas ex artigo 13º pelo Estado accionado devem ser consideradas provisórias.
A ratio do artigo 11º do Regulamento é, antes de qualquer coisa, mesmo aquela de permitir um controle sobre a fundamentação das decisões de retenção em todos os casos que sejam insuficientes as circunstâncias previstas pelo artigo 12º da Convenção: ou seja, em todos os casos nos quais o procedimento por causa da subtracção foi instaurado dentro de um ano e, nos outros casos, instaurado o procedimento depois de um ano, não resulta verificado e declarado que o menor se tenha integrado no novo ambiente.
O artigo 11º do Regulamento não pode ser lido no sentido de onerar o Estado accionado do dever de fundamentar uma decisão de retenção fazendo, obrigatoriamente, referência ao artigo 13º da Convenção, deixando-a, em caso contrário, privada de efeitos.
A mesma ratio, de acordo com a finalidade do Regulamento de assegurar uma tutela mais eficaz, nos casos de subtracção internacional dentro da UE, contém igualmente o artigo 42º do Regulamento.
Este refere-se às decisões, proferidas pelo Estado de residência habitual do menor, nos termos e para os efeitos do disposto pelo artigo 40º, alínea B), ou seja, as decisões que determinam o regresso do menor, segundo o disposto pelo artigo 11º e regulamentam a sua execução.
Dentre as condições previstas para conferir executoriedade, a tais decisões, está aquela concernente à alínea C), ou seja, o ter “considerado.., os motivos e elementos de prova como base da decisão proferida de acordo com o artigo 13º da Convenção de Haia de 1980”.
O artigo destaca, assim, que a decisão do Estado accionado deve estar conforme o disposto pelo artigo 13º e impõe ao Estado de residência habitual uma verdadeira e própria análise ou reexame, das circunstâncias previstas pelo artigo 13º.
Portanto, deve-se concluir que:
- (excluídos, como dito, os casos previstos pelo artigo 12º da Convenção) uma decisão de retenção proferida sem qualquer referência ao artigo 13º da Convenção de Haia de 1980, não apenas, é passível de reexame nos termos do artigo 11º do Regulamento, mas dispensa de facto a autoridade judicial do Estado de residência habitual da análise imposta pelo artigo 42º, alínea C), simplesmente porque está privada de fundamentação;
- Quando já esteja a correr termos, junto do Estado de residência habitual, o processo relativo à guarda do menor raptado, uma decisão nos termos e para os efeitos do disposto pelo artigo 11º pode ser proferida mesmo em ausência da formal transmissão da decisão e dos respectivos autos, dado que a maior tutela que o Regulamento intenciona oferecer nos casos de subtracção internacional dentro da UE seria, irracionalmente deixada sem efeito, se o Estado de residência habitual, já investido do caso sobre a questão da guarda, devesse aguardar para pronunciar-se, apenas por mera formalidade.1
Portanto, no caso vertente, a formal transmissão da decisão e dos respectivos autos, prevista pelo parágrafo 7, do artigo 11º não se faz necessária para que este Tribunal decida em modo definitivo sobre a guarda e, profira uma decisão, também nos termos do parágrafo 8º do artigo 11º. Com efeito, este Tribunal já conheceu de tais questões quase com à instauração do procedimento previsto pela Convenção e as partes tiveram oportunidade de serem amplamente ouvidas, de peticionar e alegar.
Portanto, subsistem todos os pressupostos para uma decisão, nos termos do disposto pelo artigo 11º parágrafo 8º do Regulamento CE 2201-2003, que será executada nos termos da Secção 4, do Capítulo III do mesmo Regulamento.
De facto, nos termos do artigo 42º do Regulamento, o regresso do menor ordenado por uma decisão proferida, nos termos do artigo 11º, é reconhecida e exequível se a decisão é certificada no Estado membro de origem; e a certidão prevista pelo parágrafo 2 do mesmo artigo 42º (com referência ao Anexo IV) é e será passada pelo mesmo Juiz que decidiu, nos termos do artigo 11º, parágrafo 8 às seguintes condições, que no caso vertente estão plenamente verificadas:
-A) “O menor teve a possibilidade de ser ouvido, ressalvando-se quando a audição seja considerada inoportuna, em razão da idade e do grau de maturidade. No caso concreto, os menores têm, respectivamente, 4 anos e dois anos e meio e resulta de todo evidente que esses não possam ser, validamente, ouvidos considerada a sua tenra idade”;
-B) “As partes tiveram a possibilidade de serem ouvidas”: como já dito, a mãe recebeu todas notificações relativas o processo em curso, inclusivamente aquela referente à data da audiência, na qual não compareceu sem apresentar qualquer justificação; A condição refere-se, exclusivamente, à parte contrária e não releva que no processo não tenham sido admitidas testemunhas; em todo modo, a mãe teve a possibilidade de apresentar petições e de alegar.
_______________________________________________
1 Diferente seria o caso — e se considera seja somente a este que o artigo 11º do Regulamento, nos parágrafos 6 e 7, se refira — no qual o Estado de residência habitual não tivesse sido ainda accionado por alguma das partes sobre a questão relativa à guarda. É claro, neste caso, a necessidade de uma transmissão formal dos autos, com determinação às partes de apresentarem eventuais alegações, não estando prevista a instauração, de ofício, do procedimento respectivo, com base na óbvia consideração pela qual o progenitor vítima do rapto é livre de aceitar ou não a decisão de retenção proferida pelo Estado requerido, tanto é que o parágrafo 7 dispõe, em tal caso, o arquivamento do processo.
_____________________________________
C) “A autoridade judicial considerou, ao proferir a sua decisão, os motivos e os elementos de prova com base à decisão proferida de acordo com o artigo 13º da Convenção de Haia de 1980”. Dando-se valor a tudo o que foi antes referenciado, relativamente à circunstância de que, seja no primeiro, seja no segundo julgamento, diante das autoridades portuguesas, nada foi deduzido relativamente à subsistência das condições do artigo 13º e, consequentemente nada a esse respeito foi, nas decisões, fundamentado, pelo que não está conforme a Convenção.
Todavia, querendo aprofundar as circunstâncias, do ponto de vista substancial, já foi referido e antes destacado, que não aparecem no caso concreto as condições impeditivas para o regresso, nos termos do disposto pelas alíneas A) e B) do artigo 13º quanto à segunda, considera-se válido o quanto previsto pelo parágrafo 42º, do artigo 11º do Regulamento, com referência à ampla rede de estruturas sociais existentes no território italiano idóneas a providenciar toda medida de protecção à tutela dos menores, em respeito às normas nacionais (artigos 333, 336, C.C.) e internacional (Convenção de Haia de 1961 sobre a competência e a lei aplicável em matéria de protecção de menores, à qual Itália aderiu) vigentes em Itália.
No que concerne à alínea A), as próprias autoridades portuguesas afirmaram que o pai exercia plenamente o seu direito de custódia.
NESTES TERMOS,
Visto os artigos 3179 BIS, 330, 333, 336, do Código Civil, revogando toda e qualquer decisão anterior;
Visto os artigos 10 21º, 23º, 39º, Anexo lI, do Regulamento CE n.º 2201/2003; Vista a Convenção de Haia de 25 de Outubro de 1980;
DECLARA
A mãe dos menores, “C”, nascida a ...-...-65, em
... — Moçambique -, inibida do poder paternal dos filhos menores
“A” e “B”, nascidos em Bolonha, respectivamente, a ...-...-05 e ...-...-06;
CONFIA A GUARDA
Dos menores, antes identificados, em exclusividade, ao pai “D”, nascido em Bolonha, a ...-...-74, com residência no mesmo Estado italiano, ordenando o imediato repatriamento dos menores;
DETERMINA
Ao Serviço Social encarregado, a regulamentação das relações com a mãe, a qual deverá apresentar-se ao Serviço para as solicitar e tais relações serão regulamentadas pelo mesmo Serviço, de modo a evitar que ocorra uma outra subtracção;

Vistos os artigos 11, parágrafo 8, 40, 42, Anexo IV, do Regulamento CE nº 2201/2003, Vista a Convenção de Haia de 25 de Outubro de 1980,
ORDENA
que os menores regressem imediatamente para a Itália, mesmo sem a mãe, e proíbe a mesma de deixar o território italiano com os mesmos.
DECLARA A PRESENTE DECISÃO IMEDIATAMENTE EXECUTIVA
Notifique-se:
Aos pais
“D”
“C”
Comunique-se:
Ao MºPº em sede;
À Autoridade Central — Departamento de Justiça de Menores;
Ao Serviço Social encarregado;
Ao Serviço Social Internacional;
À Esquadra de Polícia de Bolonha;
À Autoridade Judicial portuguesa;

Assim, decidindo em Bolonha a 07.05.2009

O Juiz relator
O Presidente
Dra.Francesca Salvatore
Dr. Maurizio Millo
A Secretaria Judicial
Dra. Marina Salmasi

Depositado na Secretaria Judicial
A 22 de Maio de 2009
A Secretária Judicial
Dra. Marina Salmasi

Fotocópia conforme o original
Bolonha, 26/5/2009”sic.


No dia designado para inquirição de testemunhas – 25. 06.2009, fls. 724 a 730 - apenas foi antecipadamente ouvida a testemunha residente em Itália ao abrigo dos artigos 520º e n.º1 do artigo 556º do Código de Processo Civil e juntos documentos – entre os quais a sentença proferida no Tribunal de Bolonha supra referida, e concedido prazo para quer o M.P. quer a Requerida se pronunciarem.
A Requerida a 06.07.2009 – fls. 739 a 743 – veio dizer, em suma, que a sentença proferida no Tribunal de Bolonha ainda não transitou em julgado já que pretende recorrer da mesma.
Acrescentou que no caso concreto o tribunal português não tem de fazer cumprir uma decisão proferida pelo tribunal italiano enquanto não se determine nos autos de forma definitiva que os menores estão ou não ilicitamente em Portugal e se existem ou não causas impeditivas que determinem o seu regresso a Itália, tudo nos termos do douto Acórdão da Relação de Lisboa constante dos autos assim como para os efeitos do artigo 13º da Convenção de Haia.
Só após ser proferida decisão nos presentes autos o tribunal italiano poderá actuar nos termos do n.º 8 do artigo 11º, 28º a 31º e 39º todos do Regulamento n.º 2201/2003 e nos termos do artigo 42º só pode ser emitida certidão pelo tribunal italiano se tiver sido previamente proferida um decisão de retenção nos termos do artigo 13º da Convenção; e, sendo assim, a certidão emitida pelo Tribunal Italiano não está conforme ao Regulamento, não pode produzir quaisquer efeitos na ordem jurídica portuguesa enquanto não for proferida decisão neste processo e comunicada ao tribunal italiano.
O Mº.Pº. – a 22 de Julho de 2009 – fls.748 a 752 – apresentou a promoção que dali consta referindo, em suma, que:
- a presente acção de processo especial para regresso das crianças “A” e “B” foi proposta ao abrigo da Convenção sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças, concluída em Haia, em 25 de Outubro de 1980, ex vi arts. 2°, a), 8°, 10° e 11º, do Regulamento do Conselho n.º 2201/2003 (CE), de 27de Novembro de 2003 e ainda não foi proferida sentença final que defira ou recuse o regresso das crianças a Itália para junto do pai.
- Com efeito, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido a 24 de Março de 2009, considerou a conduta da Requerida de retenção das crianças em Portugal como ilícita, pois "a requerida é que promoveu a alteração dessa residência, mantendo-se em Portugal com os filhos contra a vontade do pai destes, e, com isso, violou o direito do pai a decidir sobre o lugar da residência dos menores filhos do casal. Nessa medida a sua conduta é ilícita à luz dos arts. 3º da Convenção e 2, n° 11. do Regulamento (CE) n.º 2201/2003" - fls. 610. Concluiu também que "não se encontra verificada, no caso, a previsão do n° 8 do art. 11 do Regulamento (visto que ainda não foi proferida decisão de retenção ao abrigo do art. 13 da Convenção), nem se mostra emitida a certidão a que alude o mencionado art. 42 do mesmo Regulamento.
Donde se retira necessariamente, que nem no âmbito deste processo cumpre determinar o imediato regresso dos menores a Itália em execução da referida decisão do Tribunal de Menores de Bolonha de 22.5.08 nem aquela decisão prejudica o prosseguimento destes autos ou determina a sua inutilidade, uma vez que aqui se mostra deduzida oposição à entrega com fundamento no aludido art. 13º da Convenção de Haia, e essa matéria ainda não foi apreciada" - fls. 612 e 613.
Por isso, decidiu que "cumpre passar a averiguar da existência das causas impeditivas da entrega invocadas pela requerida ao abrigo do art.13 da Convenção, produzindo-se a prova oferecida" - fls. 613.
- Posteriormente a este douto acórdão foi junto aos autos cópias certificadas de novo acórdão proferido, a 7 de Maio de 2009, pelo Tribunal de Menores da Emília Romanha em Bolonha, no qual, nos termos dos arts. 317º BIS, 330º, 333º, 336º, do Código Civil, 10º, 21º, 23º, 39º, Anexo II, do Regulamento CE nº 2201/2003 e Convenção de Haia de 25 de Outubro de 1980, declara: "A mãe dos menores, “C”, nascida a ...-...-65, em …. - Moçambique - inibida do poder paternal dos filhos menores “A” e “B”, nascidos em Bolonha, respectivamente, a ...-...-05 e ...-...-06"; Confia a guarda "dos menores, antes identificados, em exclusividade, ao pai “D”, nascido em Bolonha, a ...-...-74, com residência no mesmo Estado italiano, ordenando o imediato repatriamento dos menores";
- Ordena "que os menores regressem imediatamente para a Itália, mesmo sem a mãe, e proíbe a mesma de deixar o território italiano com os mesmos"; e Declara "a presente decisão imediatamente executiva", citando-se a tradução de fls. 703 e 704; Foi emitida certidão de acordo com o art. 39º do Regulamento, cuja tradução certificada ordenada nos presentes autos consta de fls. 734 a 738.
- Não se trata, pois, de uma decisão provisória, como a de 22 de Maio de 2008, mas já a decisão final proferida pelo competente Tribunal Italiano.
- O ilustre mandatário do Requerido solicitou neste tribunal o reconhecimento e execução desta decisão, ao abrigo dos arts. 28° a 31º e 39°, do citado Regulamento - fls. 685 a 687.
- O trânsito em julgado desta mesma não é requisito do reconhecimento - art. 27º, do Regulamento.
- Dispõe o art. 21º, nº 1, do Regulamento o princípio do reconhecimento das decisões nos outros estados membros, sem quaisquer formalidades.
- Aliás "o reconhecimento mútuo das decisões judiciais é decisivo para a criação de um verdadeiro espaço judicial, à medida que aumenta o número de cidadãos que mudam de residência nos Estados-Membros e em que aumentam os casos em que os membros da família, nomeadamente os pais, não têm a mesma nacionalidade ou não vivem no mesmo EM", Helena Bolieiro e Paulo Guerra, in A Criança e a Família - uma Questão de Direito(s), Coimbra Editora, pag. 455.
- "O reconhecimento e a execução de decisões proferidas num EM têm por base o princípio da confiança mútua e os fundamentos do não reconhecimento serão reduzidos ao mínimo indispensável (conforme se pode ler considerações preambulares do Regulamento)", obra citada pág. 457.
- O objectivo é evitar-se a tomada de diferentes decisões entre si inconciliáveis no espaço judiciário comunitário.
- A questão agora a decidir é saber se este último acórdão do Tribunal Italiano, cujo reconhecimento e execução foi já requerida, pode determinar a extinção da presente instância ou pelo menos a sua suspensão por pendência de causa prejudicial.
- Nos presentes autos estamos na fase da produção de prova - inquirição das testemunhas, ordenada pelo acórdão do TRL com vista à tomada de posição sobre a verificação de causas impeditivas do regresso, ao abrigo do art. 13º da Convenção de Haia.
Caso venha a ser proferida uma decisão de retenção, nos termos deste art. 13º, seguir-se-á a tramitação prevista no art. 11º, nº 6, nº 7 e nº 8, do Regulamento.
Ou seja, mesmo que venha a ser proferida uma decisão de retenção nos presentes autos, uma posterior decisão italiana pode exigir o regresso da criança e tem força executória, nos termos do capítulo III, secção 4 (a fim de garantir o regresso da criança).
- Ora, o Acórdão de 7 de Maio de 2009 do Tribunal de Menores da Emília Romanha em Bolonha, já ordenou o regresso imediato das crianças a Itália, já lhe atribuiu força executiva imediata e emitida a respectiva certidão.
- Neste sentido esta decisão, cujo reconhecimento e execução já foi requerido, tem relevância e revela carácter prejudicial, podendo, pelo menos, motivar a suspensão da presente instância, nos termos do art. 279º, nº 1 a nº 3, do CPC.

A Requerida veio, a 01.09.2009 – fls. 774 a 796 -, juntar cópia do recurso que intentou em Bolonha relativo à decisão de 07.05.2009.
A 03.11.2009 - fls. 793 - o pai dos menores veio juntar cópia da decisão proferida no processo .../09.TMLSB da 1ª Secção do 1º Juízo de Família e Menores de Lisboa através do qual se declarou a executoriedade do Acórdão final proferido pelo Tribunal de Menores de Emília Romanha que atribuiu em exclusividade a guarda de seus filhos menores ao requerente ex vi o Regulamento CE n.º2201/2003 de 27.11. e pedir com urgência que a presente acção fosse julgada procedente determinando – se o regresso dos menores a Itália.
A fls. 837 e seguintes foi junta decisão no processo do 1º Juízo, 1ªsecção, datada de 16.03.2010, que julgou procedente uma nulidade arguida pela aqui Requerida e em consequência se anulou o processado após determinado despacho e se determinou a notificação da Requerida nos termos e para os efeitos do artigo 33º do Regulamento (CE) 2201/2003.
A 14 de Maio de 2010 o pai dos menores veio juntar cópia de decisão do Tribunal de Relação de Bolonha que apreciou o recurso da Requerida e lhe negou provimento; mais acrescentou que se determinou que a Requerida retém indevidamente os menores em Portugal o que lhe valeu a inibição do exercício do poder paternal sobre os menores e restou igualmente provado que não havia qualquer risco para o regresso dos menores em causa para a Itália, sua residência habitual.
Termina pedindo que seja imediatamente proferida sentença determinando o regresso dos menores a Itália, seja ordenada a passagem dos respectivos mandados de entrega e seja ordenada a disponibilização de todos os meios necessários para a execução da decisão, inclusivamente acompanhamento por competente Equipa Tutelar Educativa e OPC.
O Ministério Público a 01.06.2010 – fls. 865/866 - promoveu que fosse deferido o requerido pelo pai dos menores ou se apure o efeito do recurso interposto no processo .../09 do 1º Juízo, 1ª secção.
A Requerida veio responder a 08.06.2010 – fls. 869 a 926- dizendo, em suma, que recorreu da decisão proferida em 14.11.2009 encontrando – se o mesmo ainda pendente e ainda que impugnou a declaração de executoriedade, pelo que deve ser indeferido o requerido pelo progenitor dos menores.

Após, em 09.06.2010 – e não 09.06.2001 como por lapso se lê na data aposta na mesma – a Mmª Juiz a quo proferiu a sentença recorrida onde refere:
“Verifica-se que no processo n.º .../09.9TMLSB a correr termos no 1º juizo, 1ª secção, embora tenha sido proferida sentença conferindo executoriedade à sentença de 7 de Maio de 2009, decisão do Tribunal de Emilia Romanha, tal decisão ainda não transitou em julgado, conforme informação constante de fls. 858 e informação supra em que se dá conta que ainda não foi atribuído efeito ao recurso.
No entanto, face ao novo requerimento apresentado pelo pai dos menores cumpre ponderar qual a decisão a proferir nos presentes autos, o que no nosso entender deve ser feito de imediato, face ao dilatado período de tempo que entretanto decorreu e ao facto de o processo que corre termos no 1º Juízo, 1ª secção não ter sido tramitado, por razões que desconhecemos, com a celeridade que seria previsível.
Assim, dos autos resulta assente, face aos documentos juntos, que a 7 de Maio de 2009 a mãe das crianças “A” e “B”, por decisão do Tribunal da Emilia Romanha foi declarada inibida do poder paternal dos seus filhos, tendo os mesmos sido confiados em exclusivo à guarda do pai e sendo a sua residência fixada junto deste, em Itália. Foi ainda ordenado o imediato regresso dos menores àquele país.
A mãe das crianças tem vindo a afirmar que tal decisão não transitou em julgado e que, como tal, não pode produzir os seus efeitos.
Verifica-se que tal não corresponde à realidade, uma vez que por decisão de 24 de Novembro de 2009 o Tribunal da Relação de Bolonha não admitiu o recurso interposto pela mãe, por intempestivo, pelo que a referida sentença transitou em julgado.
A Ex.ma procuradora da República junto deste tribunal pugnou pela entrega dos menores ao pai.
Na decisão do Tribunal da Emilia Romanha resultou assente que não existe qualquer risco no regresso dos menores a Itália, para a sua residência habitual junto do pai. Assim, concordamos com a posição do ora requerente e do Mº Pº, de que cumpre proferir decisão imediata de regresso dos menores, uma vez que está definitivamente assente pelo tribunal competente que os menores devem ficar à guarda do pai, residir em Itália e que não existe qualquer risco no seu regresso.
Entende-se, pois, que não estão verificadas nenhuma das excepções previstas no art. 13º als. a) (que não estava em causa) e b) da Convenção de Haia de de 25 de Outubro de 1980.
Assim, sem necessidade de maiores considerações, decide-se ao abrigo do disposto nos arts. 12º, 1º al. b), 2º 3º, 5º a) e 11º da Convenção sobre os Aspectos civis do Rapto Internacional de Crianças de 25.10.1980 e arts. 10º e 11º, mormente o seu n.º 4 do Regulamento do Conselho n.º 2201/2003 (CE), de 27.11.2003:
1- Determinar o regresso das crianças “A” e “B” a Itália, Estado da sua residência habitual;
2- Comunicar de imediato à Autoridade Central Portuguesa para que se articule com a sua congénere no sentido de realizarem o regresso dos menores “A” e “B” a Itália.
Deverá para o efeito a autoridade central informar, caso seja necessário, quais os meios que precisa sejam disponibilizados, nomeadamente se entende ser necessária a emissão e entrega de mandados de condução dos menores.
Notifique.
DN.
Lisboa, 9.6.2001”.

A Requerida veio a 16.06.2010 – fls. 936 e seguintes - e uma vez que pretende interpor recurso com atribuição de efeito suspensivo, pedir a sustação de todas as providências tendentes a executar o despacho até que seja decidida a atribuição de efeito suspensivo do recurso que vai ser interposto e/ou até à decisão efectiva de tal recurso pelo Tribunal da Relação de Lisboa.

Inconformada com aquela decisão, recorreu então a mãe dos menores sendo que apresenta estas conclusões:
“ I - Vem a presente apelação interposta da douta decisão que, decidiu:
1- Determinar o regresso das crianças “A” e “B” a Itália, Estado da sua residência habitual;
2. Comunicar de imediato à Autoridade Central Portuguesa para que se articule com a sua congénere no sentido de realizarem o regresso dos menores “A” e “B” a Itália.
II - A decisão, além de nula, viola várias disposições legais e desconsidera o superior interesse dos menores “A” e “B” e nessa medida viola a ordem pública nacional.
III - É absolutamente necessário atribuir efeito suspensivo ao presente recurso;
IV - Está em causa a separação de duas crianças de 3 e 5 anos de Idade da respectiva Mãe de nacionalidade Portuguesa, e a remessa destas crianças para Itália desacompanhadas da Mãe, e a sua entrega a um Pai, de nacionalidade italiana, que nunca esteve com eles a tempo inteiro, que desde há pelo menos um ano e meio não os visita, que não fala a mesma língua das crianças e cujo contacto com elas se limita a 2/3 telefonemas semanais de breve duração.
V - Tudo sem que qualquer entidade ou serviço ou organismo competentes tenha ouvido ou avaliado as crianças e determinado os riscos psicológicos e físicos que a sua separação abrupta e radical do Mãe lhes irá causar.
VI - Tal como conclui o Professor Doutor Horácio P. Ferreira Saraiva:
“Quanto ao “A” e “B”, qualquer separação ou potencial separação da mãe, colocará as crianças em elevado e potencial risco de causar danos muito graves, potencialmente irreversíveis, no desenvolvimento afectivo, emocional.”
VII - A decisão recorrida foi proferida sem considerar o interesse primordial a acautelar nestes casos e consagrado na Convenção de Haia, na Convenção de Novo lorque e no Regulamento (CE) n.° 2201/2003 do Conselho de 27 de Novembro de 2003: o superior interesse da criança.
VIII - A sua execução é, por si só, causadora de sujeição dos menores “A” e “B” a perigos de ordem psíquica e física susceptíveis de comprometer irremediavelmente o seu desenvolvimento e é, consequentemente, atentatória da ordem pública Nacional.
IX - A atribuição de efeito suspensivo a este recurso é, pois primordial para acautelar o superior interesse dos menores aqui em causa e por essa via para acautelar o interesse da ordem pública nacional.
X - Inexiste interesse que se sobreponha ao dos menores, sendo certo que se não for dado provimento ao presente recurso, a entrega dos menores apenas terá sido protelada durante o período de tempo necessário à prolação de Acórdão pelo Tribunal da Relação de Lisboa.
Com efeito,
XI - A decisão impugnanda é nula por omissão de pronúncia (artigo 668º n.°1 d) CPC)
XII - Por Acórdão publicado em 24 de Março e registado em 27 de Março de 2009 o Tribunal da Relação de Lisboa ordenou o prosseguimento dos presentes autos para averiguação das causas impeditivas do regresso dos menores a Itália invocadas pela Requerida, ora Recorrente, ao abrigo do disposto no Artigo 13° da Convenção de Haia e ordenou, concretamente, a produção da prova oferecida (cf. cit. Acórdão a fls. 613).
XIII - Fê-lo porque nestes autos foi expressamente deduzida, pela Requerida, aqui Apelante, oposição à entrega dos menores com fundamento no al. 13° b) da Convenção de Haia, e porque essa matéria não tinha sido apreciada.
XIV — Tal Acórdão da Relação de Lisboa de fls. 600 a 613 faz caso julgado nos presentes autos (672° do CPC).
XV - O Meritíssimo Juiz proferiu a decisão impugnanda sem proceder à apreciação da prova que, para o efeito, foi oferecida pela Requerida (prova que nem sequer foi produzida) e sem decidir uma questão que, concretamente lhe foi submetida: a de decidir se, in casu, se verifica causa impeditiva do regresso dos menores a Itália, nos termos previstos no artigo 13° da Convenção de Haia.
XVI - A decisão impugnanda é, assim, nula porquanto o Juiz deixou de se pronunciar sobre duas questões que devia ter apreciado (artigo 668° n° 1 d) do C.P.C.
a) A apreciação da prova oferecida pela requerida (que nem sequer foi produzida) e,
b) a emissão de decisão sobre a verificação in casu de causa impeditiva do regresso dos menores a Itália, nos termos previstos no artigo 13º da Convenção de Haia.
XVII - A decisão impugnanda é ilegal porque, a omissão de pronúncia identificada constitui também violação do caso julgado formal formado pelo douto Acórdão da Relação de Lisboa de fls. 600 e ss. (art. 672° n° 1 do CPC).
XVIII - A decisão recorrida é nula porque se pronunciou sobre questões de que não podia tomar conhecimento.
XIX - A sentença em causa funda a sua decisão unicamente na decisão do Tribunal de Emilia Romanha de 7 de Maio de 2009: pronuncia-se sobre a executoriedade de tal sentença e o respectivo trânsito em julgado.
XX - Baseia-se unicamente no conteúdo da mesma sentença de 7 de Maio de 2009 para concluir que não existe qualquer risco no regresso dos menores a Itália e ordenar tal regresso.
XXI - A sentença recorrida está a violar as normas dos art. 493°,494° e 497° a 499° do CPC que impedem o Tribunal de conhecer causa que esteja pendente noutro Tribunal. É por isso nula, nos termos previsto no art. 668° n° 1 d) do C.P.C.
XXII - Já que sobre o despacho proferido em 8 de Julho de 2009 nos identificados autos que declarou a executoriedade da sentença italiana pende o recurso previsto no artigo 33º do Regulamento (CE) n.° 2201 /2003 do Conselho, de 27 de Novembro.
XXIII - Caso seja dado provimento ao recurso e declarado o não reconhecimento ou a não executoriedade da sentença proferida pelo tribunal italiano, a decisão proferida nos presentes autos - porque fundada apenas e tão só naquela sentença do Tribunal de Emilia Romanha — ficará absolutamente desprovida de fundamentos.
XXIV - A decisão recorrida é nula porque não especifica os fundamentos de facto que Justificam a decisão (art. 668° n° 1 b) do CPC).
XXV - A sentença impugnanda é absolutamente omissa quanto a factos de que decorra a conclusão que não estão verificadas nenhumas das excepções previstas no art. 13° alíneas a) e b) da Convenção de Haia.
XXVI - E é, também, totalmente omissa quanto a factos de que decorra a ausência de risco no regresso dos menores a Itália.
XXVII - A conclusão da sentença impugnanda no sentido de que existe ausência de risco no regresso dos menores a Itália, e a determinação do regresso dos menores a Itália unicamente com fundamento na sentença do Tribunal de Emilia Romanha integra violação da Convenção de Haia, da Convenção de Nova Iorque e, ainda do Regulamento (CE) n° 2201/2003 do Conselho de 27 de Novembro como se demonstrará infra.
XXVIII- Este processo é um processo especial destinado a obter o regresso das crianças ao abrigo da Convenção de Haia e tem como causa de pedir uma alegada retenção ilícita nos termos dos art. 3º e 5° a) da Convenção e 2° n° 11 b) do Regulamento.
XXIX - Tem que ser decidido por via da aplicação das disposições da Convenção e do artigo 11º do Regulamento mas não lhe são aplicáveis os n° 8 do respectivo art. 11º nem as disposições da Secção 4 (art. 40º a 45° do Regulamento), por não se verificar a respectiva previsão.
XXX - A aplicação de tal n°8 do art. 11º pressuporia que tivesse sido proferida uma decisão de retenção ao abrigo do art. 13º da Convenção de Haia e que, após a prolação de tal decisão de retenção, um tribunal competente tivesse exigido o regresso da criança, o que não aconteceu no caso que nos ocupa.
XXXI - O Tribunal da Relação, no douto Acórdão de fls. 600 e ss que, faz caso julgado nos presentes autos, esclareceu isso mesmo.
..Deste modo conclui-se que não se encontra verificada, no caso, a previsão do n°8 do art. 11 do Regulamento (visto que ainda não foi proferida decisão de retenção ao abrigo do art. 13 da Convenção), nem se mostra emitido a certidão a que alude o mencionado artigo 42 do mesmo Regulamento» - cf. fls. 612. in fine.
XXXII - O que está unicamente em causa nestes autos é a averiguação da existência das causas impeditivas da entrega das crianças com fundamento no art. 13º da Convenção de Haia.
XXXIII - Ao decidir, com base na decisão de 7 de Maio de 2009, determinar o regresso dos menores “A” e “B” a Itália, a douta sentença recorrida não fez mais do que proferir decisão de execução de uma sentença estrangeira: Em suma, decidiu matéria cometida a outro Tribunal e, consequentemente, violou os art. 493°,494° e 497º a 499° do CPC.
XXXIV - Ao desconsiderar a factualidade invocada e a prova produzida para a determinação no caso concreto do interesse superior dos menores “A” e “B”, a sentença recorrida violou o disposto no art. 13° (b) e no art. 20° da Convenção de Haia, e dos art. 3° e 19º da Convenção sobre os Direitos da Criança assinada em Nova lorque a 26 de Janeiro de 1990.
XXXV - Sendo que tal superior interesse dos menores deve prevalecer sobre quaisquer outros na aplicação da Convenção em causa.
XXXVI - Neste processo, antes de qualquer decisão, o Tribunal estava obrigado a assegurar a audição das crianças (art. 11° n.º 2 do citado Regulamento) e a atender à sua opinião entes de tomar qualquer decisão.
XXXVII - Tal obrigação decorre, ainda, do art. 12° da Convenção sobre os Direitos da Criança assinada em Nova Iorque a 26 de Janeiro de 1990, o qual esclarece, no seu n.º 2, que tal direito possa ser efectivado através de representante ou organismo adequado e estabelece a obrigação de tomar em consideração as opiniões da criança, de acordo com a sua idade e maturidade.
XXXVIII – O Tribunal a quo não ouviu os menores nem directamente nem através de organismo adequado e, em consequência, na sua decisão não ponderou a sua situação, opinião, idade ou maturidade.
XXXIX – Não ponderou, consequentemente o seu superior interesse no que toca a verificação dos perigos concretos (psíquicos e físicos) decorrentes da sua separação da Mãe, e “remessa” para Itália.
XL – Violou, assim, os artigos 11º n.º2 do Regulamento, 12º da Convenção de Nova Iorque e 20º da Convenção de Haia.
XLI – O Tribunal a quo não averiguou se tinham sido tomadas medidas adequadas para garantir a protecção dos menores após o regresso a Itália, como devia ter feito nos termos do artigo 11º n.º4 do Regulamento.
XLII - Esta disposição tem que ser interpretada no seu contexto: visa-se aqui salvaguardar o superior interesse dos menores e a sua integridade física e psicológica, a qual há-de prevalecer sobre todos os demais interesses em jogo (sejam do Pai, da Mãe, do Estado Italiano, do Estado Português ou do reconhecimento das sentenças judiciais) - cf. citados art. 3º e 19º da Convenção de Nova Iorque, e 13º e 20º da Convenção de Haia.
XLIII - Exige-se do Tribunal uma apreciação casuística, no caso concreto.
XLIV - O Tribunal a quo nem sequer averiguou, ponderou nem identificou, em concreto, quais os riscos psicológicos e físicos decorrentes do regresso das crianças a Itália e da sua separação da Mãe.
(dado que ignorou o que a Apelante alegou para o demonstrar e nem sequer lhe deu oportunidade de produzir a prova que ofereceu).
XLV — Sem a averiguação e determinação de tais riscos em concreto é absolutamente impossível não determinou, também, nos termos e para os efeitos da eventual aplicação do disposto no art. 11 n° 4 do Regulamento da prova da eventual tomada de medidas adequadas a garantir a protecção das crianças após o seu regresso.
XLVI - Ao decidir sem qualquer factualidade que o fundamente que:
«Entende-se, pois, que não estão verificadas nenhuma das excepções previstas no al. 13° a) (que não estava em causa) e b) da Convenção de Haia de 25 de Outubro de 1980 (...)» e que « (...)está definitivamente assente pelo tribunal competente que os menores devem ficar à guarda do pai, residir em Itália e que não existe qualquer risco no seu regresso.»
O Tribunal a quo violou os citados art. 3° e 19° da Convenção de Nova lorque, e 13° e 20° da Convenção de Haia e, ainda, do próprio art. 11 nº 4 do Regulamento cuja previsão não se verificou.
XLVII - É indiscutível que não foi produzida qualquer prova de que inexistam riscos (porque existem e são graves) decorrentes do regresso das crianças a Itália.
Acresce que
XLVIII - Ao decidir que «está definitivamente assente pelo tribunal competente que os menores devem ficar à guarda do Pai, residir em Itália e que não existe risco no seu regresso» (cf. sentença recorrida a fls.), a douta sentença em apreciação está a violar a Convenção de Haia e o citado Regulamento 2201/2003.
XLIX - Os tribunais portugueses, são os únicos com competência para se pronunciar sobre o regresso ou a retenção dos menores ao Abrigo do Artigo 13° da Convenção de Haia.
L - O Tribunal de Emilia Romana não só ordenou o regresso dos menores como apreciou se se verificavam, ou não, as circunstâncias previstas no Artigo 13° da convenção de Haia.
LI - Fê-lo em clara violação da Convenção e do Regulamento, porquanto não tinha sido, como não foi proferida pelo tribunal português qualquer decisão de retenção. E tal só lhe seria permitido nesse caso.
LII - Como referido supra, e já entendido nestes autos pelo Tribunal da Relação de Lisboa, nunca foi neste processo emitida decisão de retenção ao abrigo do art. 13º.
LIII - Como tal, não há lugar à aplicação no presente caso do n° 8 do art. 11º ou da secção 4 do Regulamento (respectivos artigo 40º a 42°), que foram, consequentemente violados.
LIV - Ao proferir decisão sobre esta matéria, substituiu-se à jurisdição portuguesa, não avaliou em concreto as circunstâncias impeditivas que legitimam a permanência dos menores em Portugal, frustrou o princípio da cooperação judiciária entre os Estados-Membros e provocou o existência de decisões inconciliáveis na ordem jurídica comunitária.
Acresce que,
LV - No processo que correu termos do Tribunal de Menores de Emília Romanha em Bolonha não se procedeu à audição dos menores e nem foi solicitado qualquer avaliação ou parecer sobre os sentimentos dos menores, as relações afectivas destes com os seus progenitores, a sua integração no meio social e familiar em que residem.
LVI - Tal processo desconsiderou também a possibilidade de audição da criança num outro Estado-Membro segundo as regras previstas no Regulamento (CE) n.° 1206/2001, do Conselho, de 28 de Maio, relativo à cooperação entre os tribunais dos Estados Membros no domínio da obtenção de provas em matéria civil e comercial.
LVII - O que viola frontalmente a primazia do superior interesse dos menores previsto no Artigo 24° n.° 2 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, bem como o disposto no artigo 23° b) do Regulamento (CE) n.° 2201/2003 e as normas processuais do ordenamento jurídico português que regulam esta matéria.
LVIII- O que tudo foi também desconsiderado pelo Tribunal a quo.
LVIX - A Sentença recorrida, atenta a sua violência, a sua nulidade e as suas múltiplas ilegalidades, porque violadora do Interesse superior dos menores e da ordem pública nacional é insusceptível de produzir efeitos na ordem jurídica portuguesa.
Termos porque expressamente se requer a V. Ex.ªs que seja dado provimento ao presente recurso e, em consequência, revogada a decisão.
Assim se fazendo,
JUSTIÇA!”

O pai contra alegou apresentando as seguintes conclusões:
“1º - As alegações da apelante estão equivocadas e, especialmente no que concerne às invocadas “nulidades por omissão de pronúncia”, “violação do interesse superior da criança” e “nulidade decorrente da indicação de facto que justifique a decisão”.
2º - Em verdade, a douta decisão recorrida, indicou e deu como provado, a título de facto superveniente que, no competente tribunal italiano, foi reconhecida e declarada a residência habitual dos menores, em Itália, que à própria apelante foi declarada a inibição do poder paternal sob os filhos menores e que os menores em causa foram confiados em exclusivo à guarda do pai.
3º - Prova disto é que a decisão recorrida fundamentou, expressamente, que «...está definitivamente assente pelo tribunal competente que os menores devem ficar à guarda do pai, residir em Itália e que não existe qualquer risco no seu regresso...».
4º - Por outro lado, as declarações juntas aos autos com o fito de pleitear a atribuição de efeito suspensivo ao recurso interposto apenas indicam a última tentativa da apelante em agir in fraudem legis, tentando “branquear” a retenção ilícita perpetrada, pois é a própria apelante quem RETÉM ILICITAMENTE os menores em Portugal, até mesmo com a prática de crime.
5º - A título de facto superveniente à douta decisão recorrida, no âmbito do proc. n° .../09.9TMLSB, o qual corre termos junto do 1º Juízo de Família e Menores de Lisboa, 1ª secção, foram passados Mandados de condução dos menores em causa, a fim de serem entregues ao pai.
6º - Tendo a Direcção Geral da Reinserção Social convocado o apelado, pai dos menores, para se deslocar de Itália para Portugal, a fim de, no passado dia 25/06/2010, na sede da Divisão da PSP, em Lisboa, a fim de que os menores lhe fossem entregues.
7º - Ocorre que, de acordo com a informação de serviço anexa (doc. O1 junto), passada pelo competente OPC e técnicas de reinserção social, no dia 25/06/2010, desde 21/06/2010, apelante ausentou-se para parte incerta com os menores, praticando, assim, desde a referida data, dois crimes permanentes de desobediência e subtracção de menores, ex vi artigos 348°,n° 1 e 249°, n° 1, a), c), ambos do Código Penal.
8º - Razão pela qual o apelado deduziu a respectiva queixa-crime, junto do DIAP de Lisboa (doc. 02 junto).
9º - Por sua vez, o próprio 1° Juízo de família e menores de Lisboa, no processo antes referenciado, reconheceu, expressamente, por douto despacho proferido a 23/08/2010 (doc. 03 junto) que: «...Com efeito, a Requerida está bem ciente da sua obrigação de entrega dos menores, a qual decorre da decisão proferida e à qual foi apenas fixado efeito devolutivo, estando a incorrer, eventualmente, num crime de desobediência pelo incumprimento da decisão...».
10º - Implicando que, seja antes, seja em carácter superveniente, resta provada, SOBEJAMENTE, nos presentes autos, a retenção ilícita dos menores em causa, bem como é MANIFESTAMENTE INFUNDADA A OPOSIÇÃO deduzida pela apelante.
11º - Nesta conformidade, a douta decisão recorrida está correcta, ao fundamentar que não estão verificadas nenhumas das excepções previstas no artigo 13°, als. a) (que não estava em causa) e b), ambas da Convenção de Haia de 25/10/1980, bem como ao fazer a indicação de todos os artigos de lei que permitem determinar o regresso dos menores em causa para a sua residência habitual em Itália.
12º - Ex positis, deverá ser negado provimento ao apelo, mantendo-se a decisão recorrida em todos os seus termos e fundamentos, acrescendo apenas, como factos provados, igualmente aqueles ora noticiados e documentados.
NESTES TERMOS, deverá ser negado provimento ao recurso de apelação interposto, mantendo-se a decisão colocada em crise.
Com o douto suprimento de Vossas Excelências, e.d.”

E o M.P. contra - alegou igualmente apresentando as seguintes conclusões:
“1° - Os presentes autos iniciaram-se a 15 de Fevereiro de 2008 e visam o regresso das crianças “B” e “A” a Itália, para junto do pai, por retenção ilícita por banda da mãe, ora Recorrente;
2° - Posteriormente, pelo acórdão, proferido no Processo de Regulação das Responsabilidades Parentais que correu em no Tribunal de Bolonha, em Itália, a de 7 de Maio de 2009, depositado a 22 de Maio de 2009, foi DECLARADA a mãe dos menores, “C”, inibida do poder paternal dos filhos menores “A” e “B”, CONFIADA A GUARDA em exclusividade, ao pai e ORDENADO QUE os menores regressem imediatamente para a Itália, mesmo sem a mãe, e proíbe a mesma de deixar o território italiano com os mesmos;
3° - Este acórdão transitou em julgado, pois o recurso interposto pela Recorrente não foi admitido;
4° - A sentença recorrida não padece de nenhuma das invocadas nulidades;
5° - Atenta a idade das crianças de 3 e 5 anos, bem andou a M Juíza ao não proceder à sua audição face à idade e consequente imaturidade;
6° - Bem andou a Mmª Juíza ao não ordenar a produção de prova para apuramento da verificação do risco grave de ficar sujeita a perigos de ordem física e psíquica ou de ficar numa situação intolerável, previsto no art. 13°, b), da Convenção de Haia, uma vez que tal risco grave não se verifica como facilmente se pode ver da decisão italiana;
6° - De resto, já foi proferido despacho nos termos do art. 11°, n.° 4 do Regulamento (CE) n.º 2201/2003, do Conselho de 27 de Novembro;
7° - Porque o acórdão do Tribunal Italiano em apreço produz efeitos em Portugal, bem andou a M Juíza “a quo” em ordenar o regresso das crianças a Itália e a consequente entrega ao pai;
8° - A sentença recorrida satisfaz os superiores interesses dos menores “A” e “B”;
9° - Por todo o exposto, a sentença recorrida, em nosso entender, não viola qualquer preceito legal e deverá ser confirmada.
Pelo que, não deve ser dado provimento ao recurso”

O Ministério Público a 29.07.2010 – fls.1106 - vem reiterar a sua posição anterior e pedir que se oficie ao processo do 1º Juízo e secção solicitando elementos e bem assim a suspensão da instância até à entrega das crianças ao pai alegando em sustentação que:
- A presente acção de processo especial para regresso das crianças “A” e “B” foi proposta ao abrigo da Convenção sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças, concluída em Haia, em 25 de Outubro de 1980, ex vi arts. 2°, a), 8°, 10° e 11º, do Regulamento do Conselho n.º 2201/2003 (CE), de 27 de Novembro de 2003.
A 9 de Junho de 2010 foi proferida sentença final que decidiu o regresso das crianças a Itália para junto do pai e a comunicação à Autoridade Central Portuguesa para articulação com a congénere com vista à concretização de tal regresso - fls. 928 a 931.
- Esta sentença ainda não transitou em julgado, por ter sido interposto recurso pela Requerida.
- Acontece que, a 7 de Maio de 2009, no Tribunal de Menores da Emília Romanha em Bolonha, foi proferido acórdão, nos termos dos arts. 317º BIS, 330º, 333º, 336º, do Código Civil, 10º, 21º, 23º, 39º, Anexo II, do Regulamento CE nº 2201/2003 e Convenção de Haia de 25 de Outubro de 1980, declara: "A mãe dos menores, “C”, nascida a ...-...-65, em ... -Moçambique - inibida do poder paternal dos filhos menores “A” e “B”, nascidos em Bolonha, respectivamente, a ...-...-05 e ...-...-06";
Confia a guarda "dos menores, antes identificados, em exclusividade, ao pai “D”, nascido em Bolonha, a ...-...-74, com residência no mesmo Estado Italiano, ordenando o imediato repatriamento dos menores";
Ordena "que os menores regressem imediatamente para a Itália, mesmo sem a mãe, e proíbe a mesma de deixar o território italiano com os mesmos"; e declara "a presente decisão imediatamente executiva", citando-se a tradução de fls. 703 e 704.
Foi emitida certidão de acordo com o artigo 39º, do Regulamento, cuja tradução certificada ordenada nos presentes autos consta de fls. 734 a 738.
O Requerido solicitou o reconhecimento e execução desta decisão, ao abrigo dos arts. 28° a 31º e 39°, do citado Regulamento, cujo processo foi distribuído ao 1º Juízo, 1ª secção deste Tribunal, sob o nº .../09.9 TMLSB - fls. 685 a 687.
Neste processo, a 8 de Julho de 2009, foi proferida sentença que declarou a executoriedade do acórdão de 7 de Maio de 2009.
Tal sentença ainda não transitou em julgado, por ter sido interposto recurso pela Requerida.
O oficio de fls. 1104 não responde ao solicitado, já que aí não se diz qual o efeito atribuído ao recurso, nem se os mandados de condução dos menores já foram cumprido - fls. 1090 e 1092.
- Através do programa Citius acedi ao proc. .../09.9 TMLSB, do 1º Juízo, 1ª secção, verificou que:
a) A 17 de Junho de 2010 foi proferido despacho que admitiu o recurso supra referido como de apelação, com efeito meramente devolutivo e subida imediata;
b) A 23 de Junho de 2010 foi indeferida a atribuição do efeito suspensivo a tal recurso;
c) Foram emitidos os competentes mandados de condução não havendo notícia que já tenham sido cumprido;
d) Foi constituído um translado que continua a correr termos no 1º Juízo, 1ª secção, sob o mesmo número.
- A questão a decidir é saber se o já citado acórdão do Tribunal Italiano e a respectiva decisão de reconhecimento e execução proferida no Processo Especial nº .../09.9 TMLSB, do 1º Juízo, 1ª secção deste Tribunal pode determinar a suspensão por pendência de causa prejudicial.
- Cremos que sim na esteira da posição por nós já assumida a fls. 748 a 752.
No âmbito do proc..../09.9 TMLSB do 1º Juízo, 1ª secção apesar da sentença de reconhecimento não ter transitado em julgado foi atribuído o efeito devolutivo e já emitidos os respectivos mandados de condução das crianças com vista à entrega ao pai.
Neste sentido esta decisão revela carácter prejudicial motivando a suspensão da presente instância até à entrega das crianças ao pai nos termos do artigo 279º, nº 1 a nº 3, do Código de Processo Civil”.

A Requerida veio responder referindo que:
“Aceitando – se que a decisão proferida no processo .../09.9TMLSB é prejudicial relativamente a esta, só faz sentido suspender estes autos se for revogado o despacho de 09 de Junho de 2010, até à prolação de decisão com trânsito em julgado naqueles autos.
Revogação que tornará o recurso interposto pela Requerida em 18 de Junho de 2010 supervenientemente inútil.
Caso assim não se entenda deverá ser admitido o recurso interposto pela Requerida em 18 de Junho de 2010 e atribuído por efeito suspensivo ao mesmo conforme atempadamente requerido.”
No processo n.º .../09 foi atribuído efeito devolutivo ao recurso ali interposto e determinado o cumprimento dos mandados de entrega dos menores ao pai.- fls. 1161 a 1164.

Por sua vez, nestes autos, a 15 de Setembro de 2010 – fls. 1172 e seguintes – a Mmª Juiz a quo indeferiu o pedido de suspensão da instância apresentado pelo M.ºP.º com base no facto de já ter sido proferida decisão final nos dois processos em causa não se podendo dizer que a decisão da presente causa dependesse do julgamento do processo .../09, fixou o efeito devolutivo ao recurso apresentado pela Requerida mãe dos menores e ordenou a emissão de mandados de condução e entrega dos menores ao pai.
A Requerida veio – fls. 1184 e seguintes - interpor recurso de agravo de tal determinação quanto à entrega dos menores , recurso que veio a ser indeferido por não conter alegação da recorrente.
Entretanto os menores foram interceptados pela Polícia Judiciária a 25.09.2010 no cumprimento de mandados emitidos no processo n.º.../09 do 1º Juízo 1ª secção e entregues a um Centro de Acolhimento Temporário, “E”, tendo a Requerida manifestado a sua oposição e o pai dos menores requerido que tal Centro de Acolhimento fosse informado de que a mãe não os pudesse dali retirar enquanto a decisão dos presentes autos não fosse executada e cumprida.
O Ministério Público, a 27.09.2010, - fls. 1207/1208 - veio defender que sendo perturbante a permanência dos menores numa instituição de acolhimento, urgia a rápida saída dos menores da “E”; de acordo com o artigo 11º n.º4 do Regulamento 2201/2003 o tribunal não pode recusar o regresso se forem tomadas medidas que garantam a protecção das crianças após o regresso e da sentença resulta que as crianças não ficam em perigo se entregues ao pai o que a mãe não apoia juntando relatório de psicologia. Termina pugnando que remetendo – se o mesmo relatório à Autoridade Central Italiana, para ser tido em conta no regresso a Itália que poderão necessitar de acompanhamento psicológico promovendo que as crianças sejam entregues ao pai.
A 27.09.2010 - fls. 1209/1210- a Mmª Juiz a quo proferiu despacho onde globalmente acolhe tal posição determinando a comunicação à Autoridade Central Portuguesa do teor do relatório apresentado pela Requerida para que em articulação com a sua congénere italiana seja tido em conta no regresso das crianças a Itália, para eventual acompanhamento psicológico, e respectiva comunicação ao CAOT devendo os mandados de condução e entrega das crianças ao pai serem cumpridos na íntegra e de imediato.
A Requerida a 27.09.2010 – fls. 1220 a 1248 - veio juntar decisão deste Tribunal da Relação relativo a recurso por si interposto relativamente à emissão de mandados de condução dos menores com vista a serem entregues ao pai para os poder levar para Itália, Apelação (1ª) sob o n.º.../09.9TM.LSB.L1(1ªSecção).
Na douta decisão sumária desta Apelação entendeu – se em suma que:
“Apelação n.º .../09.9TMLSB-A
Proc. N.º .../09.9TMLS8-A do 1° Juízo — 1ª Secção do Tribunal de Família e Menores de LISBOA
Decisão Sumária (nos termos do art. 705º do C. P. C.):
“C”, inconformada com o despacho que, no processo contra ela instaurado par “D” - e na sequência da Decisão (proferida em 8/7/2009) que declarou a executoriedade em Portugal do Acórdão final proferido em 07 de Maio de 2009 pelo Tribunal de Menores da Emília Romana em Bolonha no processo n° 1149-07 relativamente aos menores “A”e “B”, nascidos a --.--.2005 e --.--.2006, respectivamente (que atribuiu, em exclusivo, a guarda dos menores em causa ao respectivo pai) - veio a ordenar a emissão de mandados de condução dos dois menores em causa, com vista a serem entregues ao respectivo pai interpôs recurso do mesmo despacho, que foi recebido como de apelação, para subir imediatamente, em separado e com efeito meramente devolutivo, tendo rematado as alegações que apresentou com as seguintes conclusões:
1. Vem a presente apelação interposta de douto despacho proferido em 18 de Junho de 2010 que decidiu:
“Passem imediatamente mandados de condução dos menores a fim da sua entrega ao Pai a ser cumprido pela autoridade policial competente em articulação com a autoridade central (DGRS) e a sua congénere italiana (...) autorizando a entrada em qualquer local onde as crianças se encontrem nos termos do artigo 177° do C.P.P. e se determina a entrega pela progenitora dos menores de todos os documentos dos mesmos, caso os tenha consigo (designadamente bilhete de identidade e passaporte) e haveres pessoais dos menores (...),“
(…)
O despacho que constitui objecto do presente recurso de apelação é do seguinte teor:
“Passem – se imediatamente mandados de condução das crianças a fim de serem entregues ao pai, a serem cumpridos pela autoridade policial competente em articulação com a Autoridade Central Portuguesa (Direcção - Geral da Reinserção Social – DGRS) e a sua congénere italiana.
Após a emissão dos mesmos, remeta cópia, via fax, aos Serviços Centrais da DGRS e Equipa Tutelar Educativa Lisboa 1, nos termos requeridos a fls. 157, competindo à Autoridade Central.
Desde já se autoriza a entrada em qualquer local onde as crianças se encontrem, nos termos e para os efeitos do artigo 177º n.º1 do CPP, bem como se determina a entrega, pela progenitora dos menores, de todos os documentos dos mesmos, caso os tenha consigo (designadamente, bilhete de identidade e passaporte) e haveres pessoais dos menores.
Uma vez que o pai dos menores se disponibilizou a vir buscar os filhos a Portugal, deverá a Autoridade Central Portuguesa proceder aos necessários contactos com a Autoridade Central Portuguesa proceder aos necessários contactos com a Autoridade Central Italiana para esse efeito.”


O OBJECTO DO RECURSO

Como se sabe, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintéctica, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: artigo 690º, n.º1, do C.P.C.)que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem.
Cfr, neste sentido ALBERTO DOS REIS in “Código de Processo Civil Anotado”, vol.V, p.362 e 363.

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1) Legalidade ou Ilegalidade do despacho que, na pendência do recurso interposto pela ora Apelante da Decisão que declarou a executoriedade em Portugal do Acórdão final proferido em 07 de Maio de 2009 pelo Tribunal de Menores da Emília Romana em Bolonha (no processo n° 1149-07 relativamente aos menores “A”e “B”, nascidos a --.--.2005 e --.--.2006, respectivamente) - que atribuiu, em exclusivo, a guarda dos menores em causa ao respectivo pai - veio a ordenar a emissão de mandados de condução dos dois menores em causa, com vista a serem entregues ao respectivo pai.

FACTOS PROVADOS
Mostram-se provados os seguintes factos, com relevância para o julgamento do mérito do presente recurso:
1. Em 25.06.2009, “D” requereu, no Tribunal de Família e Menores de Lisboa, contra “C”, o reconhecimento e execução de decisão estrangeira sobre o exercício da responsabilidade parental, proferida pelo Tribunal de Menores da Emília Romana, em Bolonha, Itália, no âmbito do processo n° 1149/2007, que lhe atribuiu a guarda exclusiva dos filhos menores do casal, “A”, nascido em Bolonha, Itália, a --.--.2005, e “B”, nascido em Bolonha, Itália, a 2 1.09.2006.
2. Em 08.07.2009, veio a ser proferida decisão que declarou a executoriedade do Acórdão final proferido em 07 de Maio de 2009 pelo Tribunal de Menores da Emilia Romana em Bolonha no processo no 1149-07 relativamente aos menores “A”e “B”, nascidos a --.--.2005 e --.--,2006, respectivamente (cfr. fls. 49-50).
3. Mediante requerimento de 15.09.2009, veio o Requerente, na sequência da declaração de executoriedade do Acórdão final proferido pelo competente Tribunal italiano que atribui em exclusivo, a guarda dos menores em causa ao pai ora requerente, requerer a passagem do competente Mandado de Entrega dos Menores (cfr. fls. 75).
4. Após concessão do benefício do apoio judiciário, em 21.12.2009, veio a Requerida deduzir oposição ao pedido de o reconhecimento e execução de decisão estrangeira sobre o exercício da responsabilidade parental (cfr. fls. 104-107).
5. Notificado da oposição deduzida, em 25.01.2010, veio o Requerente:
- suscitar a questão prévia do trânsito em julgado da decisão de e de 08- 07-2009, da qual não foi interposto recurso pela Requerida, requerendo a passagem dos respectivos mandado de entrega dos menores em favor de seu pai;
- pronunciar-se quanto ao mérito da oposição deduzida.
6. Por despacho de 04.02.2010, com fundamento em que a oposição deduzida pela Requerida constitui um articulado legalmente inadmissível no âmbito dos presentes autos, não foi admitida tal oposição, determinando-se o respectivo desentranhamento e restituição à apresentante (cfr. fls. 140-141).
7. Em 21.02.2010, veio a Requerida arguir a nulidade de citação da decisão de 08.07.2009 (cfr.fls. 150-153).
8. Notificado o Requerente para se pronunciar, querendo, quanto à arguida nulidade (cfr. fls. 160), veio o mesmo a faze-lo, concluindo pelo indeferimento da arguição de nulidade de citação e pela condenação da requerida como litigante de má - fé e requerendo a passagem imediata dos respectivos mandado de entrega dos menores em causa, em favor do pai (cfr. fls. 165-166).
9. Por despacho de 16.03.2010, foi julgada procedente a arguida nulidade e anulado todo o processado após o despacho de fls, 49/50, com excepção das fls. expressamente apontadas no mesmo despacho, determinando-se a notificação, com repetição do acto anulado, devendo ser agora a Requerente expressamente notificada nos termos e para os efeitos do art. 33º do Regulamento (CE) n.º 2201/2003, de 27.11.2003 (cfr. fls. 170-174).
10. Em 23.04.2010, inconformada com a decisão de declaração de executoriedade da sentença italiana, vem, então, a Requerida interpor recurso, que foi recebido como de apelação, com efeito meramente devolutivo e subida imediata, nos próprios autos (cfr. despacho de recebimento de 17.06.2010, a fls. 411).
11. O Requerente contra-alegou, pugnando igualmente pela alteração da decisão «na parte em que determina o momento a partir do qual é devido o pagamento das prestações em dívida, ou seja, os pagamentos são devidos desde o mês seguinte ao da notificação da sentença que os fixou».
12. Em 18.06.2010, veio a ser proferido a despacho a determinar a passagem imediata de mandados de condução das crianças afim de serem entregues ao pai (cfr. fls. 413).
13. Em 21.06.2010, a Requerida / Recorrente veio requerer a atribuição de efeito suspensivo ao recurso interposto da decisão de 08.07.2009, sustentando «que a execução da decisão impugnada lhe retirará toda e qualquer utilidade e causará prejuízo irreparável e de gravidade extrema aos menores “A” e “B” e, por essa via, à Requerente» (cfr. fls.421-433).
14. Na mesma data de 21.06.2010, a Requerida requereu a sustação de todas as providências tendentes a executar o cumprimento do despacho de 18.06.2010 que determinou a passagem imediata de mandados de condução das crianças a fim de serem entregues ao pai.
15. A fls.479, o Requerente opõe-se à atribuição de efeito suspensivo ao recurso, requerendo o indeferimento de tal pedido e a imediata comunicação à Autoridade Central portuguesa de que os mandados passados continuam válidos devendo ser cumpridos com urgência.
16. Por despacho de 23.06.2010, foi indeferida a pretendida atribuição de efeito suspensivo ao recurso, por extemporânea, ordenando-se, ainda a comunicação à Autoridade Central de que «os mandados continuam válidos, afim de serem os mesmos cumpridos, com urgência» (cfr. fls. 490-491).
17. Em 24.06.2010, veio a Requerida requerer a imediata remessa ao Tribunal da Relação de Lisboa do recurso interposto em 23 de Abril de 2010 e admitido em 17 de Junho de 2010, para conhecimento do mesmo por parte daquele Tribunal Superior e correcção do respectivo efeito (cfr. fls. 500-503).
18. Na mesma data de 24.06.2010, interpôs a Requerida recurso da decisão de 18.06.2010 que determinou a passagem imediata de mandados de condução das crianças afim de serem entregues ao pai (cfr. fls. 507-558),
19. Em 30.06.20 10, foi proferido despacho deferindo a requerida pretensão de imediata remessa ao Tribunal da Relação de Lisboa do recurso interposto em 23 de Abril de 2010 e admitido em 17 de Junho de 2010 e determinando que se extraísse traslado «que permanecerá neste Tribunal», a fim de garantir a apreciação do recurso interposto da decisão de 18.06.2010, «relativamente ao qual se encontra ainda a decorrer o prazo para apresentação de contra-alegações pelo progenitor dos menores e pelo Ministério Público» (cfr. fls. 603-604).
20. Em 18.08.2010, em sede de exame preliminar, veio a ser proferido despacho pelo Exm°. Desembargador de turno a manter o efeito devolutivo fixado ao recurso (cfr. fls. 680).
O MÉRITO DO RECURSO

1) LEGALIDADE OU ILEGALIDADE DO DESPACHO QUE, NA PENDÊNCIA DO RECURSO INTERPOSTO PELA ORA APELANTE DA DECISÃO QUE DECLAROU A EXECUTORIEDADE EM PORTUGAL DO ACÓRDÃO FINAL PROFERIDO EM 07 DE MAIO DE 2009 PELO TRIBUNAL DE MENORES DA EMILIA ROMANA EM BOLONHA (NO PROCESSO N° 1149-07 RELATIVAMENTE AOS MENORES “A” E “B”,
NASCIDOS A --.--.2005 E --.--.2006, RESPECTIVAMENTE) - QUE ATRIBUIU, EM EXCLUSIVO, A GUARDA DOS MENORES EM CAUSA AO RESPECTIVO PAI - VEIO A ORDENAR A EMISSÃO DE MANDADOS DE CONDUÇÃO DOS DOIS MENORES EM CAUSA, COM VISTA A SEREM ENTREGUES AO RESPECTIVO PAI.

O despacho objecto do presente recurso de Apelação deferiu o requerimento formulado pelo ora Apelado logo aquando da apresentação do pedido de declaração de executoriedade em Portugal da sentença proferida em 7/5/2009 pelo Tribunal de Menores da Emília Romana, em Bolonha, que atribuiu, em exclusivo, a guarda dos menores em causa ao respectivo pai), no sentido de ser ordenada a emissão de mandados de condução dos dois menores filhos da ora Apelante e do ora Apelado, com vista a serem entregues ao respectivo pai, para este os poder levar consigo para Itália, país onde reside.
Sucede, porém, que a ora Apelante — no uso da faculdade conferida pelo Artigo 33º, nº 1., do Regulamento (CE) n.º 2201/2003, do Conselho, de 27 de Novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental - interpôs, em devido tempo, recurso da decisão do 1ºJuízo - 1ªSecção do Tribunal de Família e Menores de Lisboa, datada de 8/7/2009, que declarou a executoriedade em Portugal da mencionada sentença proferida em 7/5/2009 pelo Tribunal de Menores da Emilia Romana, em Bolonha de Bolonha, que atribuiu, em exclusivo, a guarda dos menores em causa ao respectivo pai.
Ora, segundo uma orientação consensual na doutrina produzida entre nós acerca do mencionado Regulamento n.º 2201/2003, o recurso interposto (ao abrigo do cit. Artigo 33°-1 do mesmo Regulamento) da decisão relativa ao pedido de executoriedade formulado nos termos dos arts. 28°, 29°, 30º e 31° daquele instrumento legislativo comunitário, tem, necessariamente, efeito suspensivo.
Este entendimento é sustentado, nomeadamente, por NEVES RIBEIRO (in “Processo Civil da União Europeia — II, 2006, p. 193 e “Processo Civil da União Europeia. Principais aspectos — textos em Vigor, anotados”, 2002, p. 121), louvando-se nos seguintes argumentos:
«Durante o prazo de recurso previsto no n° 5 do artigo 43° [ Regulamento (CE) nº 44/2001, do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000] contra a declaração de executoriedade e na pendência de decisão sobre o mesmo, só podem tomar-se medidas cautelares sobre os bens da parte contra a qual a execução for promovida (artigo 47º (NEVES RIBEIRO in ob. ultim. cit., p. 121).
«O que, na prática, parece mais aconselhável é a atribuição de efeito suspensivo ao recurso quando (hipótese normal) concede o exequatur só excepcionando quanto às medidas provisórias que podem ser decretadas sobre os bens do requerido, no decurso da pendência do recurso da decisão que concedeu o exequatur (artigo 47º-3) e se requeridas (no 1 do artigo 47°)» (ibidem).
Na vigência da Convenção de Bruxelas (entretanto revogada e substituída pelo cit. Regulamento CE no 44/2001), também MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA e DÁRIO MOURA VICENTE sustentaram (in “Comentário à Convenção de Bruxelas”, Lisboa, 1994, p. 163) que, «por força do disposto no § 1° [artigo 39° - disposição equivalente ao cit. art. 47°-3 do Regulamento n° 44/2001] o recurso interposto da decisão que autorizar a execução de sentença estrangeira tem efeito suspensivo: durante o prazo para a sua interposição e na pendência da decisão sobre o mesmo não podem ser tomadas medidas de coerção com carácter definitivo sobre o património da parte contra a qual a execução foi promovida». «Funda-se este regime na necessidade de tutelar essa parte contra o risco de uma execução prematura, decorrente do carácter não contraditório do processo previsto nos arts.. 31° a 35° da Convenção, bem como da circunstância de a concessão do exequatur não depender do prévio trânsito em julgado da decisão exequenda no Estado de origem» (ibidem).
Sendo, pois, necessariamente suspensivo o efeito atribuído ao recurso que venha a ser interposto (para a Relação) da decisão que concede o exequatur duma decisão proferida pelo tribunal doutro Estado-Membro em matéria de responsabilidade parental, isto consequência que, no caso dos autos, enquanto não for definitivamente julgado o recurso oportunamente interposto pela aqui Apelante da decisão (proferida em 8/7/2009) pelo 1º Juízo - 1ª Secção do Tribunal de Família e Menores de Lisboa, que declarou a executoriedade em Portugal da mencionada sentença proferida em 7/5/2009 pelo Tribunal de Menores da Emília Romana, em Bolonha (que atribuiu, em exclusivo, a guarda dos menores em causa ao respectivo pai), apenas podem ser tomadas medidas cautelares (nos termos do artigo 20° do cit. Regulamento n° 2201/2003).
O que, todavia, já não pode, por virtude daquele efeito suspensivo, é dar-se imediata execução à sentença relativamente à qual foi concedido o exequatur, enquanto estiver pendente o recurso oportunamente interposto do despacho que concedeu esse exequatur.

Ora, aquilo que o despacho objecto do presente recurso fez foi, nem mais nem menos, do que permitir a imediata execução, em Portugal, da aludida sentença proferida pelo Tribunal de Menores da Emília Romana, em Bolonha, não obstante ainda se encontrar pendente o recurso interposto para esta Relação da decisão que declarou a executoriedade em Portugal da referida sentença.
De facto, ordenar-se a imediata emissão de mandados de condução dos dois menores cuja responsabilidade parental ficou regulada e definida na mencionada sentença do Tribunal de Bolonha, com vista à sua subsequente entrega ao progenitor masculino ora Apelado, não constitui a tomada de nenhuma medida cautelar (de que seria exemplo o decretamento do impedimento à Apelante de transportar os menores para o estrangeiro ou mesmo de se ausentar, na companhia dos menores, para fora da localidade da sua residência em Portugal), antes consubstancia a imediata execução prática do regime de responsabilidades parentais instituído na sentença cuja executoriedade em Portugal foi concedida por decisão ainda pendente de recurso.
Tanto basta para que a decisão ora recorrida não possa subsistir, dada a sua manifesta incompatibilidade lógica e prática com o efeito suspensivo próprio do recurso interposto da decisão que concede o exequatur duma sentença proferida noutro Estado- Membro, em matéria de responsabilidade parental.
Acresce que o requerimento sobre o qual recaiu o despacho objecto do presente recurso não foi formulado no âmbito de nenhuma execução que porventura tivesse chegado a ser efectivamente instaurada, com base na aludida decisão do tribunal “a quo”, que concedeu o exequatur à mencionada sentença do Tribunal de Menores da Emilia Romana, em Bolonha.
De facto, o referido requerimento foi enxertado na própria petição inicial do processo de concessão do exequatur, configurando a al. B) do petitório formulado na sua parte final.
Ora — como é evidente -, o processo tendente à obtenção da concessão do exequatur em Portugal duma decisão proferida pelo tribunal doutro Estado-membro esgota-se com a concessão ou não do exequatur. Uma vez este concedido — e suposto que o recurso interposto da decisão que o concede tenha efeito meramente devolutivo (o que não é sequer o caso — como se viu) -, é possível ao requerente da concessão do exequatur instaurar, então sim, uma execução propriamente dita, tendente à efectivação do regime de responsabilidades parentais instituído na sentença estrangeira cuja execução em Portugal foi autorizada.
Porém, no caso vertente, tal não sucedeu, porquanto o requerente do exequatur nunca chegou a instaurar contra a ora Apelante uma verdadeira execução de sentença, não sendo sequer a petição inicial do pedido de concessão do exequatur aproveitável como petição inicial duma execução que nunca chegou a ser efectivamente instaurada — o que, a acontecer, implicaria que o respectivo requerimento executivo tivesse de ser autuado e distribuído como um processo autónomo do da concessão do exequatur, iniciando – se então um iter processual inteiramente novo, no qual, desde logo, a ora Apelante teria o direito ao contraditório, nos termos do art. 181° da O.T.M..
Assim sendo — como é -, impõe-se revogar, in totum, o despacho recorrido, substituindo-o por outro que indefira o requerimento (formulado conjuntamente com o pedido de concessão do exequatur da aludida sentença do Tribunal de Menores da Emília Romana, em Bolonha) no sentido de ser ordenada a emissão de mandados de condução dos dois menores filhos da ora Apelante e do ora Apelado, com vista a serem entregues ao respectivo pai, para este os poder levar consigo para Itália, país onde reside.
Como assim, o presente recurso procede, quanto à única questão suscitada pela Apelante.

DECISÃO
Decide-se conceder provimento ao presente recurso de Apelação, revogando-se a decisão recorrida e determinando a sua substituição por outra que indefira o requerimento formulado pelo aqui Apelado (conjuntamente com o pedido de concessão do exequatur relativamente à mencionada Sentença do Tribunal de Bolonha) no sentido de no sentido de ser ordenada a emissão de mandados de condução dos dois menores filhos da ora Apelante e do ora Apelado, com vista a serem entregues ao respectivo pai, para este os poder levar consigo para Itália, país onde reside.
Custas da Apelação a cargo do ora Apelado (art. 446°, n°s 1 e 2, do CPC).

Dado que segundo flui dos autos os mandados de detenção indevidamente mandados emitir pelo tribunal “a quo” (no despacho, datado de 18/6/2010, que vem de ser revogado por esta Relação) foram, entretanto, já cumpridos pela Polícia Judiciária, tendo os menores sido detidos (no passado dia 25/9/2010) e conduzidos a uma Instituição (o Centro de Acolhimento e Observação Temporário da “E”, em Lisboa), a fim de serem prontamente entregues ao respectivo progenitor masculino, o qual, uma vez que lhe sejam entregues os menores, iria — com elevadíssimo grau de probabilidade — transportá-los consigo para o País onde reside (Itália), criando-se, assim, uma situação praticamente irreversível, a que urge obstar, enquanto é tempo, determino que seja imediatamente oficiado, via fax, com nota de “MUlTO URGENTE”, à mencionada Instituição que acolheu os menores, no sentido de esta os reentregar, logo que possível, à guarda e cuidados da respectiva progenitora feminina (ora Apelante), não dando assim execução à ordem ilegalmente emitida pelo tribunal “a quo” (nos mandados de conduçâo a que a Polícia Judiciária deu, entretanto, cumprimento) no sentido da entrega dos menores ao respectivo progenitor masculino.”.

A Requerida vem pois, terminar pedindo a alteração do efeito do recurso e a imediata revogação do mandado de condução dos menores e sua entrega ao pai.
A 28.09.2010 a mesma veio ainda juntar um outro requerimento – fls.1299 a 1303 – onde termina pedindo a suspensão imediata dos autos até que transite em julgado o recurso interposto da decisão do 1º Juízo e secção do Tribunal de Família e Menores de Lisboa que declarou a executoriedade em Portugal da mencionada sentença do Tribunal de Família e Menores de Emília Romanha em Bolonha ou se revogue a decisão que determinou o regresso dos menores a Itália e, em qualquer caso, se ordene a imediata recolha dos mandados de condução e entrega das crianças ao pai.
A Mmª Juiz a quo, entendendo esgotado o poder jurisdicional, manteve as decisões tomadas e, não cumprindo conhecer tais requerimentos, determinou a subida dos autos.
A Requerida veio ainda juntar despacho de 28.09.2010 – fls. 1334 - 1335 do Senhor Desembargador Relator que proferiu a decisão sumária a que se alude supra que determinava o cumprimento da sua decisão ou seja entregar os menores a sua mãe.
A Senhora Directora da Acção Social da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa a 11 de Outubro de 2010 – fls. 1351 a 1354 - veio remeter informação da “E” historiando a permanência dos menores naquela instituição e dando conta que os menores haviam sido entregues a sua mãe na sequência da decisão sumária da 1ª secção deste Tribunal da Relação.
A 20.10.2010 - fls. 1363 a 1369 - foi proferido despacho liminar nos presentes autos pela aqui Relatora onde se declarou que o recurso era o próprio e o modo de subida adequado mas se decidiu atribuir efeito suspensivo ao recurso que ora se aprecia com consequente determinação de que não seria oportuno o cumprimento ou emissão de mandados de condução e entrega dos menores pelas razões ali constante que aqui se dão por reproduzidas e se determinou a baixa dos autos à 1ª instância uma vez que não havia sido proferido despacho quanto às nulidades invocadas.
A Requerida veio pedir certidão do mesmo despacho para juntar numa audiência a realizar em Itália a 18.11.2010, o que foi deferido.
A Mmª Juiz a quo a 16.11.2010 proferiu então despacho sobre as invocadas nulidades entendendo que as mesmas se não verificam, mantendo a decisão recorrida.
Foi determinada a informação sobre o estado do recurso relativo processo .../09.9TMLSB do 1º Juízo e secção do Tribunal de Família e Menores, a correr termos nesta Secção pelo que foi junta aos autos a decisão datada de 04 de Novembro de 2010, que consta de fls.1409 a 1423.
Nesta Douta Decisão refere – se que:
“Do Acórdão Final proferido em 07 de Maio de 2009 pelo Tribunal de Menores da Emília Romanha (Tribunale per i Mennorenni dell’Emilia Romagna), em Bolonha, Itália, no âmbito do processo 1149- 07, foi interposto recurso para o Tribunal da Relação (Corte d’Apello di Bologna), e da decisão por este Tribunal proferida em 14.11.2009, foi interposto novo recurso para o Supremo Tribunal de Justiça Italiano (Corte Suprema di Cassazione);
- Atento o objecto do recurso interposto para o Tribunal da Relação (Corte d’Apello di Bologna), há conveniência na paralisação temporária desta relação processual, aguardando – se pelo desfecho da fase recursória em curso.”
E, assim, entendeu – se verificado o circunstancialismo do artigo 35ºn.º1 do (CE) n.º2201/2003 e julgando - se procedente a prévia pretensão da apelante, foi decretada a suspensão da instância, nos termos requeridos.

II – Fundamentação

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente (artigo 684º, n.º3, e 690º, n.ºs 1 e 3, Código de Processo Civil), salvo questões de conhecimento oficioso (artigo 660º, n.º2, in fine), apenas estando o tribunal ad quem vinculado à apreciação das questões suscitadas que relevem para conhecimento do objecto do recurso.

Vistas as alegações da recorrente e não obstante, em regra, o conhecimento das nulidades processuais da decisão recorrida arguida deva anteceder o conhecimento das demais questões objecto dos recursos, considera – se que in casu deve apreciar – se, em primeiro lugar, e enquanto questão prévia no seu verdadeiro sentido, a questão do não cumprimento da decisão de 24 de Março de 2009 configurando violação do caso julgado formal uma vez que da resolução desta pode resultar prejudicado o conhecimento das nulidades arguidas (artigo 660ºn.º2 do Código de Processo Civil).

Com efeito, a Requerida vem alegar que o Acórdão de 24.03.2009 constante de fls. 600 e seguintes dos autos – que faz caso julgado nos autos - ordenou o prosseguimento dos autos para averiguação das causas impeditivas do regresso dos menores a Itália e ordenou a produção de prova oferecida, mas a Mmª Juiz a quo não determinou tal apreciação e, em consequência, não apreciou a questão que lhe fora posta isto é: se se verifica causa impeditiva do regresso dos menores a Itália nos termos previstos no artigo 13º da Convenção de Haia.

Ora vejamos:
A Douta Decisão deste Tribunal da Relação proferida a 24 de Março de 2009 – fls. 600 e seguintes dos autos – que se debruçou sobre a primeira decisão proferida nestes autos, é clara:
“Deste modo, conclui – se que não se encontra verificada, no caso, a previsão do n.º8 dos artigo 11º do Regulamento (visto que ainda não foi proferida decisão de retenção ao abrigo do artigo 13º da Convenção), nem se mostra emitida a certidão a que alude o mencionado artigo 42º do mesmo Regulamento.
Donde se retira, necessariamente, que nem no âmbito deste processo cumpre determinar o imediato regresso dos menores a Itália em execução da referida decisão do Tribunal de Menores de Bolonha de 22.05.2008 nem aquela decisão prejudica o prosseguimento destes autos ou determina a sua inutilidade, uma vez que aqui se mostra deduzida oposição à entrega com fundamento no aludido artigo 13 da Convenção de Haia, e essa matéria ainda não foi apreciada.
Assim sendo, cumpre passar a averiguar da existência das causas impeditivas da entrega invocadas pela Requerida ao abrigo do artigo 13º da Convenção, produzindo – se a prova oferecida, como também defende o apelante M.P. em última análise.
Procede, por isso, a apelação do requerente e apelante MP nos termos sobreditos.

IV – Decisão
Termos em que acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente a apelação interposta pelo Digno M.P., revogando, em consequência, a sentença recorrida e determinando o prosseguimento dos autos.
Custas pela apelada.
Notifique.”sic.
Deste modo, dúvidas não podem restar de que o tribunal a quo deveria, em seguida, proceder à produção de prova oferecida e só então proferir decisão, em estrito cumprimento do determinado pelo Tribunal Superior.
Efectivamente, esta decisão fez caso julgado formal e deveria ser acatada nos seus exactos limites.

A este propósito e como é bem sabido, diz Antunes Varela in “Manual de Processo Civil”, 2ªedição, p. 308 e seguintes:
“A decisão considera – se transitada em julgado, nos termos do artigo 677º, logo que não seja susceptível de recurso ordinário, nem da reclamação prevista nos artigos 668º e 669º.
Ao lado, porém, da excepção de caso julgado, assente sobre a decisão de mérito, proferida em processo anterior, há a excepção de caso julgado, baseada em decisão anterior proferida sobre a relação processual.
À primeira figura prevista na alínea a) do artigo 496º e no artigo 671º, dá – se o nome de caso julgado material, porque a decisão que lhe serve de base recai sobre a relação material ou substantiva litigada; à segunda, especialmente prevista em termos gerais no artigo 672º, chama – se o caso julgado formal.
A excepção do caso julgado formal pressupõe a repetição de qualquer questão sobre a relação processual dentro do mesmo processo.
(…)
A força e a autoridade atribuídas à decisão transitada em julgado, quer ela se refira à relação processual, quer sobretudo quando respeita à relação material litigada, visam evitar que a questão decidida pelo órgão jurisdicional possa ser validamente definida mais tarde, em termos diferentes, por outro ou pelo mesmo tribunal (res judicata pro veritate habetur).Trata – se de acautelar uma necessidade vital de segurança jurídica e de certeza do direito, acima da intenção de defender o prestígio da administração da justiça.
A excepção de caso julgado, assente na força e autoridade da decisão transitada, destina – se ainda a prevenir o risco de uma decisão inútil.
Desde que havendo casos julgados contraditórios, se concede justificada prevalência à decisão que primeiro transitou em julgado, quer a decisão respeite à relação material, quer se refira à relação processual (artigo 675º, 1 e 2), a instauração do segundo processo, ou a nova arguição da questão processual, representaria um gasto inútil de tempo, de esforço e de dinheiro, além de constituir um perigo para o prestígio da administração da justiça, que cumpre, naturalmente prevenir.” (realce do Autor) remetendo – se ainda para a mesma obra também para a problemática do caso julgado e sua extensão para o que se chama a atenção do constante de p. 701 a 733.
Por seu lado, vide igualmente Manuel Andrade in “Noções Elementares de Processo Civil”, designadamente a p. 304 e seguintes:
“ Caso julgado formal (externo ou de simples preclusão)
Noção. Consiste em estar excluída a possibilidade de recurso ordinário (desde logo ou subsequentemente), não podendo a decisão ser impugnada e alterada por esta via (artigo 671º, n.º1 e 677º.)
É a simples preclusão dos recursos ordinários (irrecorribilidade; não impugnabilidade). Não obsta, portanto, a que a matéria da decisão seja diversamente apreciada em novo processo, pelo mesmo ou outro tribunal.
Distingue – se da imodificabilidade da decisão pelo próprio tribunal que a proferiu (irrevogabilidade).Esta compete desde logo às decisões que admitem recurso (artigo 666º) – só sendo excluível para as que por sua natureza o não consentem (artigos 672º e 679º).
Fundamento. Só intervém aqui uma razão de disciplina ou ordem no desenvolvimento do processo.
Decisões a que compete. A todas. Só este caso julgado (e não também o material) corresponde às decisões que versam apenas sobre a relação processual (artigo 672º). Não provendo elas sobre os bens litigados, pensou – se não haver inconveniente de maior na possibilidade de serem desrespeitadas noutro processo.
II – Caso julgado material (ou interno)
Noção. Consiste em a definição dada à relação controvertida se impor a todos os tribunais (e até a quaisquer outras autoridades) – quando lhes seja submetida a mesma relação, quer a título principal (repetição da causa em que foi proferida a decisão), quer a título prejudicial (acção destinada a fazer valer outro efeito dessa relação). Todos têm que acatá – la, julgando em conformidade, sem nova discussão.
Este acatamento é – lhe devido de modo absoluto. Constitui dever oficioso do tribunal, não dependendo de invocação da parte interessada (artigo 500º). Mesmo que chegue a ser proferida nova decisão contraditória com aquela, esta é a que prevalece ( artigo 675º). Nas falta desta norma, a doutrina a seguir seria oposta, tal como em matéria legislativa: entre duas manifestações de vontade antagónicas do mesmo órgão a prevalência cabe à última, como regra geral.
Decisões a que compete. São as que versam sobre o fundo da causa e portanto sobre os bens discutidos no processo; as que definem a relação ou situação jurídica deduzida em juízo; as que estatuem sobre a pretensão do Autor. Quanto a estas o caso julgado material acresce ao formal.”. E ainda nesta sede J. Alberto dos Reis in “Código de Processo Civil Anotado” Vol. V, p.156 e seguintes.

Finalmente, veja – se ainda Castro Mendes “Direito Processual Civil”, AAFDL, 1982, III Volume, p. 276 :
“Proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa” (artigo 666º n.º1). O juiz não pode já alterar a sentença por seu puro critério.
Durante algum tempo, porém, a sentença pode ser alterada através dos meios previstos nos artigos 667º e seguintes, designadamente da reclamação por nulidades, artigos 668º e 669º; e, além disso, se o valor da causa admitir recurso ordinário, mediante este. Passado o momento em que tal tipo de alteração é possível, diz - se que a sentença transita em julgado – faz caso julgado formal.
(…)
Esta inalterabilidade da decisão transitada constitui o caso julgado formal.
O caso julgado material – a que se refere mais geralmente com a designação caso julgado, “res judicata” – está previsto no artigo 671º.
A distinção entre caso julgado formal e material é estabelecida na nossa lei da seguinte forma :o caso julgado formal traduz a força obrigatória dentro do processo (artigo 672º); o caso julgado material consiste na força obrigatória dentro do processo e fora dele (artigo 671º).
(…)
1ª O caso julgado material pressupõe o formal (…)
2ª O caso julgado formal é gerado em regra por qualquer decisão judicial”

Vejamos, agora, o sucedido in casu.

Os presentes autos de acção especial instaurados pelo Ministério Público ao abrigo do disposto nos artigos 1º, b), 2º, 3º, b), 5º a), c) e f), 11º e 21º da Convenção sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças, concluída em, Haia, em 25-10-1980, aprovada pelo Estado Português, pelo decreto do Governo n.º33/83, de 11 de Maio e pelo Estado Italiano, a 01 de Maio de 1995 ex vi artigos 2º a), 8º, 10º e 11º do Regulamento do Conselho n.º2201/2003 (CE), de 27 de Novembro de 2003, visam o regresso das crianças “A”, nascido a ... de ... de 2005, Bolonha, Itália, e “B”, nascido a ... de ... de 2006, Bolonha, Itália.

Desde logo a Convenção supra referida – de que Portugal e a Itália foram subscritores – teve em conta que “os interesses da criança são de primordial importância em todas as questões relativas à sua custódia” e visou assim, proteger a mesma “no plano internacional, dos efeitos prejudiciais resultantes de uma mudança de domicílio ou de uma retenção ilícitas e estabelecer as formas que garantam o regresso imediato da criança ao Estado da sua residência habitual, bem como assegurar a protecção do direito de visita”.
E no Capítulo I, artigo 3º estipula:
“A deslocação ou retenção de uma criança é considerada ilícita quando:
a)Tenha sido efectivada em violação de um direito de custódia atribuído a uma pessoa ou a uma instituição ou a qualquer outro organismo, individual ou conjuntamente, pela lei do Estado onde a criança tenha a sua residência habitual imediatamente antes da transferência ou da sua retenção; e
b) Este direito estiver a ser exercido de maneira efectiva, individualmente ou em conjunto, no momento da transferência ou da retenção, ou o devesse estar se tais acontecimentos não tivessem ocorrido.
O direito de custódia referido na alínea a) pode designadamente resultar quer de uma atribuição de pleno direito, quer de uma decisão judicial ou administrativa, quer de um acordo vigente segundo o direito deste Estado.”.
O artigo 5º refere que: “o direito de custódia inclui o direito relativo aos cuidados devidos à criança como pessoa,e em particular, o direito de decidir sobre o lugar da sua residência”.
O artigo 12º por sua vez estipula:
“ Quando uma criança e tenha sido ilicitamente transferida ou retida nos termos do artigo 3º, e tiver decorrido um período de menos de 1 ano entre a data de deslocação ou da retenção indevidas e a data do início do processo perante a autoridade judicial ou administrativa do Estado contratante onde a criança se encontrar, a autoridade respectiva deverá ordenar o regresso imediato da criança.
A autoridade judicial ou administrativa respectiva, mesmo após a expiração do período de 1 ano referido no parágrafo anterior, deve ordenar também o regresso da criança, salvo se for provado que a criança já se encontra integrada no seu novo ambiente.
Quando a autoridade judicial ou administrativa do Estado Requerido tiver razões para crer que a criança tenha sido levada parta um outro Estado, pode então suspender o processo ou rejeitar o pedido para o regresso da criança.”
E o artigo 13º:
“Sem prejuízo das disposições contidas no artigo anterior, a autoridade judicial ou administrativa do Estado requerido não é obrigada a ordenar o regresso se a pessoa, instituição ou organismo que se opuser ao seu regresso provar:
a) Que a pessoa, instituição ou organismo que tinha a seu cuidado a pessoa da criança não exercia efectivamente o direito de custódia na época da transferência ou da retenção, ou que havia consentido ou concordado posteriormente com esta transferência ou retenção; ou
b) Que existe um risco grave de a criança, no seu regresso, ficar sujeita a perigos de ordem física ou psíquica, ou de qualquer outro modo, a ficar numa situação intolerável.(sublinhado nosso).
A autoridade judicial ou administrativa pode também recusar – se a ordenar o regresso da criança se verificar que esta se opõe a ele e que a criança atingiu já uma idade e um grau de maturidade tais que levem a tomar em consideração as duas opiniões sobre o assunto.
Ao apreciar as circunstâncias referidas neste artigo, as autoridades judiciais ou administrativas deverão ter em consideração as informações respeitantes à situação social da criança fornecidas pela autoridade central ou por qualquer outra autoridade competente do Estado da residência habitual da criança.”

Ora, como supra se descreveu, apesar da Mmª Juiz a quo, assim que os autos baixaram, ter proferido um despacho que ordenava a notificação dos Senhores Advogados para indicarem datas para inquirição de testemunhas - 29.04.2009, fls. 631- o certo é que, como vimos, no dia designado para inquirição de testemunhas – 25.06.2009, fls. 724 a 730- apenas foi ouvida a testemunha residente em Itália de forma antecipada ao abrigo dos artigos 520º e n.º1 do artigo 556º do Código de Processo Civil e juntos documentos – entre os quais a sentença proferida no Tribunal de Bolonha supra referido, e concedido prazo para quer o M.P. quer a Requerida se pronunciar, sendo certo que nenhumas outras foram inquiridas.
Deste modo, o tribunal a quo não procedeu como devia: realização da audição das testemunhas apresentadas e análise critica do seu resultado bem como do elevado número dos documentos juntos.
Conhecedora desses elementos estaria a Mmª Juiz a quo na posse de todos os dados que lhe permitiriam fixar os factos que entendia provados e retirar as devidas consequências.
Ora, tal não sucedeu aqui e era tão mais relevante quanto os factos apurados serão fundamentais para o verdadeiro objecto destes autos: o regresso dos menores a Itália ou se estão ou não reunidas as circunstâncias do artigo 13º b) da Convenção de Haia com vista à retenção dos menores em Portugal.

Em suma, com a prolação do Acórdão proferido por esta Relação a 24 de Março de 2009 – constante de fls. 600 e seguintes - verificou – se a revogação da primeira decisão do tribunal a quo e foi determinado o prosseguimento dos autos para a averiguação da existência das causas impeditivas da entrega invocadas pela requerida ao abrigo do artigo 13º da Convenção, produzindo – se a prova oferecida, e tal impõe – se indiscutivelmente à 1ªinstância.
Não tendo actuado dessa forma, há pois que proceder à revogação da decisão proferida a 9.6.2010, e determinar que o tribunal a quo dê cumprimento integral ao ordenado pela anterior decisão do Tribunal da Relação, cuja decisão transitou formando caso julgado obrigatoriamente aplicável neste processo.

E cumpre ainda dizer o seguinte:
A Mmª Juiz a quo proferiu a decisão recorrida com base num pressuposto fundamental: o trânsito em julgado da decisão proferida pelo Tribunal de Emilia Romanha a 07 de Maio de 2009.
“Assim, dos autos resulta assente, face aos documentos juntos, que a 7 de Maio de 2009 a mãe das crianças “A” e “B”, por decisão do Tribunal da Emilia Romanha foi declarada inibida do poder paternal dos seus filhos, tendo os mesmos sido confiados em exclusivo à guarda do pai e sendo a sua residência fixada junto deste, em Itália. Foi ainda ordenado o imediato regresso dos menores àquele país.
A mãe das crianças tem vindo a afirmar que tal decisão não transitou em julgado e que, como tal, não pode produzir os seus efeitos.
Verifica-se que tal não corresponde à realidade, uma vez que por decisão de 24 de Novembro de 2009 o Tribunal da Relação de Bolonha não admitiu o recurso interposto pela mãe, por intempestivo, pelo que a referida sentença transitou em julgado.(sublinhado nosso).
A Ex.ma procuradora da República junto deste tribunal pugnou pela entrega dos menores ao pai.
Na decisão do Tribunal da Emilia Romanha resultou assente que não existe qualquer risco no regresso dos menores a Itália, para a sua residência habitual junto do pai. Assim, concordamos com a posição do ora requerente e do Mº Pº, de que cumpre proferir decisão imediata de regresso dos menores, uma vez que está definitivamente assente pelo tribunal competente que os menores devem ficar à guarda do pai, residir em Itália e que não existe qualquer risco no seu regresso.
Entende-se, pois, que não estão verificadas nenhuma das excepções previstas no art. 13º als. a) (que não estava em causa) e b) da Convenção de Haia de 25 de Outubro de 1980.”sic

Ora, como vimos supra, tal não corresponde à realidade.
De facto, como podemos ver da cópia da decisão proferida por esta Secção sobre o processo .../09 do 1º Juízo, 1ª Secção do Tribunal de Menores e Família, resulta claro que a decisão do Tribunal Italiano não transitou ainda em julgado – houve recurso para o Supremo Tribunal Italiano – sendo mesmo essa uma das razões para ali suspender a instância já que se verificavam os pressupostos do artigo 35º do Regulamento (CE) 2201/2003 (O Tribunal onde foi interposto recurso nos termos dos artigos 33º ou 34º [recurso da decisão relativa ao pedido de executoriedade], pode a pedido da parte contra a qual seja requerida a execução, suspender a instância se, no Estado - Membro de origem, a decisão tiver sido objecto de recurso ordinário…) – uma vez que tal facto foi invocado pela mãe dos menores.
Assim, independentemente da circunstância daquela sentença da Justiça Italiana – que se pronuncia em primeiro lugar sobre a guarda dos menores e depois sobre o seu regresso a Itália mas que configura uma decisão una e portanto objecto de revisão única - se pronunciar sobre as decisões destes autos – a da 1ª instância já revogada e a que a decisão deste Tribunal que revogou - não cabe a este Tribunal pronunciar – se sobre o seu conteúdo e muito menos apreciá – la em todas as suas vertentes, já que se assim se fizesse estaríamos a funcionar como Tribunal de recurso relativamente a uma decisão da Justiça Italiana para o que não somos internacionalmente competentes.
Aqui apenas nos interessa que a decisão da Justiça Italiana não transitou em julgado.
A 1ª instância entendeu certamente que teria ocorrido facto que justificava a prolação da decisão sem produção de prova e sua análise: a sentença devidamente transitada, que, assim, tomaria a forma de um facto superveniente que justificava a decisão tomada.
A nosso ver, sem razão.
A apreciação da questão do rapto dos menores e /ou a inexistência das excepções contidas no artigo 13º da Convenção, e consequente determinação do regresso daqueles a Itália, não perdeu interesse tanto mais que a decisão em causa não transitou – nada indicando que não possa vir a ser revogada e, portanto, abalados os pressupostos da decisão ora recorrida – e, mesmo transitada, careceria ainda de ser objecto de provimento definitivo do recurso de revisão de sentença estrangeira, findo o qual se procederia à sua execução: note – se que a sentença atribui a guarda dos menores ao pai e só depois se pronuncia sobre o seu regresso.
Acresce que há que ter presente a decisão sumária da 1ª Secção deste Tribunal supra referida sobre a emissão dos mandados de entrega dos menores ao pai no âmbito do processo n.º.../09 que concluiu que não devia ser dada execução aos mandados porque se estaria a dar imediata execução à sentença relativamente à qual foi concedido o exequatur, enquanto estivesse pendente o recurso oportunamente interposto do despacho que concedeu esse exequatur.

Assim, a apreciação da questão do regresso dos menores mantém actualidade uma vez que os mesmos se encontram ainda em Portugal e urge aferir da verificação ou não das excepções a tal regresso.
E mais: mesmo que a decisão Italiana tivesse transitado em julgado, a do tribunal a quo apenas careceria de utilidade se e caso os menores já tivessem sido entregues efectivamente ao pai, o que poderia ter ocorrido se além de transitada a sentença do Tribunal de Bolonha a mesma estivesse devidamente executada.
E isto sem cuidar de aferir da bondade da solução propugnada pelo Douto Tribunal Italiano, nomeadamente quando entende que a decisão revogada pelo Acórdão desta Relação de 24 de Março de 2009 configurava uma primeira decisão sobre a retenção dos menores, extraindo daí conclusões que no mínimo são discutíveis já que a decisão proferida em Itália não é verdadeiramente a segunda mas a primeira uma vez que a decisão portuguesa da 1ª instância de 12 de Setembro de 2008 estava revogada na data da sua prolação.

Ora, como é sabido, o Regulamento (CE) n.º2201/2003 de 27 de Novembro – publicado no Jornal Oficial da União Europeia n.º L 338, de 23/12/2003, com as alterações do Regulamento (CE) n.º2116/2004 do Conselho de 02.12, publicado no Jornal Oficial da União Europeia n.º L 367, de 14/12/2004 – prevê no seu considerando prévio n.º5:
“ A fim de garantir a igualdade de tratamento de todas as crianças, o presente regulamento abrange todas as decisões em matéria de responsabilidade parental, incluindo as matérias de protecção da criança, independentemente da eventual conexão com um processo matrimonial.”
E no 17º:
“Em caso de deslocação ou de retenção ilícitas de uma criança, deve ser obtido sem demora o seu regresso; para o efeito deverá continuar a aplicar – se a Convenção de Haia de 25 de Outubro de 1980, completada pelas disposições do presente regulamento, nomeadamente o artigo 11º.Os tribunais do Estado – Membro para o qual a criança tenha sido deslocada ou no qual tenha sido retida ilicitamente devem poder opor – se ao seu regresso em casos específicos devidamente justificados. Todavia, tal decisão deve poder ser substituída por uma decisão posterior do tribunal do Estado – Membro da residência habitual da criança antes da deslocação ou da retenção ilícitas. Se esta última decisão implicar o regresso da criança, este deverá ser efectuado sem necessidade de qualquer procedimento específico para o reconhecimento e execução da referida decisão no Estado - Membro onde se encontra a criança raptada.” (realce nosso).
Deste modo, resulta inequívoco que para que o tribunal do Estado Membro de origem se pronunciasse sobre o regresso dos menores ao abrigo do artigo 11º n.º8 do Regulamento necessário era que tivesse sido já proferida em Portugal decisão sobre a retenção, devidamente transitada, o que como se sabe ainda não ocorreu.
Assim, o tribunal a quo baseando – se apenas na decisão italiana como se transitada estivesse não podia entender, sem mais, que os menores deveriam regressar configurando o decidido a executoriedade de parte de tal decisão objecto de reconhecimento.

Em resumo, a sentença de Bologna em causa não reveste por si só facto superveniente com peso tal que implicasse a decisão proferida ora recorrida.
Procede desta forma a conclusão das alegações da Requerida quando invoca violação de caso julgado formal, ficando o conhecimento das restantes questões suscitadas prejudicado nos termos do artigo 660º n.º2 do Código de Processo Civil.



III - Decisão
Pelo exposto, julgando – se a apelação procedente, revoga – se, em consequência, a sentença recorrida e determina – se o prosseguimento dos autos com cumprimento do Acórdão deste Tribunal proferido a 24 de Março de 2009.
Custas pelo apelado.

Lisboa, 27 de Janeiro de 2011

Maria da Luz Borrero C.S. Figueiredo
Ana Paula Boularot
Lúcia de Sousa

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