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quarta-feira, 23 de março de 2011

CADUCIDADE DO PROCEDIMENTO DISCIPLINAR - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça - 12/02/2009

Acórdãos STJ
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08S3965
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: BRAVO SERRA
Descritores: PROCEDIMENTO DISCIPLINAR
INFRACÇÃO DISCIPLINAR
INQUÉRITO DISCIPLINAR
PRESCRIÇÃO DA INFRACÇÃO
CADUCIDADE DO PROCEDIMENTO DISCIPLINAR
ÓNUS DA PROVA

Nº do Documento: SJ20090212039654
Data do Acordão: 12-02-2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1

Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA

Sumário :
I - Sendo necessária a realização de um inquérito para o apuramento de uma infracção disciplinar, pois que somente com essa realização é possível ao empregador saber, indiciariamente, da actuação do trabalhador, é na data da sua instauração que se interrompe a prescrição da infracção disciplinar.
II - Consubstanciando as infracções assacadas ao trabalhador infracções continuadas, o prazo prescricional da infracção disciplinar a que alude o n.º 3 do art. 27.º do regime jurídico aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49.408, de 24 de Novembro de 1969, somente se deverá contar da prática do último facto ou, mais propriamente, do momento da sua plena consumação.
III - Se no prazo de sessenta dias contados desde o conhecimento pelo empregador do último acto integrante da infracção continuada, for, ao trabalhador, comunicada a nota de culpa ou for instaurado processo prévio de inquérito (nas condições e termos previstos no n.º 12, do art. 10.º do regime jurídico aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro), não se poderá falar em que o exercício do direito disciplinar titulado pelo empregador esteja caduco, ficando, de todo o modo, interrompido o prazo prescricional da infracção se sobre o cometimento desta não passou mais de um ano.
IV - O n.º 12, do art. 10.º do regime jurídico aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89 não exige que, para efeitos de suspensão do prazo para o exercício do direito disciplinar, haja uma qualquer comunicação do empregador ao trabalhador da qual se extraia a intenção (a que alude o n.º 1 do art. 323.º do Código Civil) de exercer o direito, o que é compreensível se se atentar em que por via do inquérito se visa apurar, as mais das vezes, quer a existência de circunstâncias que possam apontar para o cometimento de uma infracção disciplinar, quer a respectiva autoria.
V - O ónus da prova de que o inquérito não foi iniciado para além dos trinta dias desde a suspeita de existência de comportamentos irregulares, de que não foi conduzido de forma diligente e de que entre a sua conclusão e a notificação da nota de culpa tivessem mediado mais de trinta dias, incumbe ao trabalhador que invoca a caducidade do procedimento disciplinar.
VI - Do regime jurídico aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, designadamente dos seus arts. 10.º a 12.º, não se extrai que todas as diligências realizadas no processo disciplinar (e no precedente processo de inquérito se a este houver lugar) tenham de obedecer à forma escrita e, bem assim, que toda a factualidade que é trazida à nota de culpa deva ser esteada em escritos constantes do processo, não se surpreendendo qualquer prescrição normativa da qual decorra a impossibilidade de, no processo disciplinar, poder ser efectuada remissão para documentos existentes no processo de inquérito.
VII - Não sendo exigível a forma escrita para todo o processo disciplinar (recte, para todas as diligências aí realizadas, ainda que com a finalidade de obtenção de prova), não é possível sustentar que a demonstração de determinadas realidades em juízo só é possível de ser levada a efeito, se desse processo constarem os respectivos dados escritos.
VIII - A omissão de dados escritos no processo disciplinar projectar-se-á no aquilatar da validade ou invalidade do processo disciplinar, se dessa omissão resultar uma postergação do contraditório por parte do trabalhador ou a supressão das suas garantias de defesa.

Decisão Texto Integral:

I


1. Pelo Tribunal do Trabalho de Lisboa instaurou AA contra A e S, Ldª, acção de processo comum, solicitando a condenação da ré a pagar-lhe a indemnização decorrente do seu despedimento, que invocou ser ilícito, no montante, já vencido, de € 29.946,93, acrescidos dos quantitativos atinentes a retribuições que se vencessem até decisão final, e juros, sem prejuízo de opção de reintegração no seu posto de trabalho, hipótese em que a condenação da ré haveria de incidir no pagamento das férias, subsídios de férias e de Natal que se venceram em consequência da cessação do contrato de trabalho.

Alegou, em síntese, que: –

– ela, autora, foi admitida em 8 de Outubro de 1999 ao serviço da ré, que é uma fundação que se dedica ao ensino, possuindo um estabelecimento denominado Externato BB, a fim de desempenhar as funções de professora, auferindo, ultimamente, a retribuição mensal de € 1.032,75, para um horário de trabalho, a tempo inteiro, de vinte e duas horas semanais;
– a autora, que foi notificada da nota de culpa por carta de 31 de Maio de 2004, veio a ser despedida, conforme decisão que lhe foi comunicada por carta de 17 de Agosto seguinte, sendo-lhe imputado o cometimento de vários procedimentos incorrectos no âmbito do ensino nos anos lectivos de 2001/2002 e 2002/2003 e, ainda, de ter, entre 10 de Abril e 2 de Junho de 2003, frequentado um curso de formação profissional coincidente com o seu horário de trabalho, sem ter, no entanto, obtido, para tanto, autorização por parte da ré;
– porém, o direito de instaurar procedimento disciplinar, no tocante aos invocados procedimentos incorrectos, estava já prescrito;
– além disso, alguns daqueles procedimentos não podem ser imputados à autora, determinados factos articulados na nota de culpa não correspondem à realidade ou são insubsistentes, escamoteando-se a falta de condições para o cabal desempenho de funções, sendo que, no que concerne à frequência do curso de formação pedagógica de formadores, a autora agendou aulas de compensação para não prejudicar os alunos, nunca lhe tendo sido dado a conhecer que esse agendamento tinha que obter a anuência de 90% dos alunos;
– a autora nunca foi remunerada pelo trabalho suplementar prestado, não obstante o ter solicitado a partir de Outubro de 2000, bem como nunca lhe foram pagos a remuneração pelas aulas dadas para além das 20 horas e o subsídio de alimentação, tal como previsto no contrato colectivo de trabalho para o ensino particular, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, números 43/99, 9/2000, 43/2000, 45/2001, 44/2002 e 33/2004, contrato colectivo esse que regia a relação jurídica havida entre a autora e a ré, pelo que esta última, a esses títulos, lhe deve € 28.914,18.

Após contestação da ré, em que impugnou grande parte do articulado pela autora, e depois de a causa ter sido saneada e instruída, veio, em 30 de Agosto de 2007, a ser proferida sentença que, julgando a acção improcedente, absolveu a ré dos pedidos.

Inconformada, apelou a autora para o Tribunal da Relação de Lisboa.

Aquele Tribunal de 2ª instância, por acórdão de 9 de Julho de 2008, veio a conceder parcial provimento ao recurso, alterando a sentença recorrida na parte em que absolveu a ré do pedido de pagamento do subsídio de alimentação, em consequência a condenando no pagamento desse subsídio, estabelecido no contrato colectivo de trabalho celebrado entre a Associação dos Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo – AEEP e a Federação Nacional dos Professores – FENPROF, cujo montante seria liquidado em execução de sentença.


2. Mantendo a sua irresignação, vem a autora pedir revista, daquele aresto, rematando a alegação adrede produzida com as seguintes «conclusões»: –

“1.
A A. intentou acção contra a R. impugnando o despedimento por esta declarado na sequência de processo disciplinar e pedindo ainda o pagamento de trabalho suplementar prestado, bem como o pagamento dos acréscimos devidos por prestação de trabalho nocturno e o subsídio de alimentação devido por força do CCT aplicável;
2.
Na petição inicial a A. impugnou o despedimento declarado com os seguintes fundamentos:
a) A prescrição do procedimento disciplinar[,] pois os factos imputados à A. nos arts. 1º a 21º e 25 a 27º da nota de culpa haviam ocorrido há mais de um ano quando lhe foi entregue a nota de culpa por carta datada de 31 de Maio de 2004 – art. 27º nº 3, do RJCIT aprovado pelo Dec.- Lei 49.408;
b) A caducidade do direito de instaurar o processo disciplinar pois os factos vertidos na nota de culpa haviam ocorrido há mais de 60 dias quando foi entregue a nota de culpa à A.;
c) Impugnava a veracidade dos factos que constavam da acusação;
d) Pedia o pagamento dos acréscimos devidos por trabalho suplementar prestado de Outubro de 2000 a Setembro de 2003[,] pois a R. não lhe pagara de acordo com o devido;
e) Pedia ainda o pagamento do acréscimo devido pela prestação de trabalho nocturno;
f) E pedia finalmente o pagamento do subsídio de alimentação devido nos termos do CCT para o Ensino Particular e que a R. nunca pagara;
3.
Nos termos do art. 31º, nº 1, do RJCIT aprovado pelo Dec.-Lei 64-A/89, o procedimento disciplinar deve exercer-se nos 60 dias subsequentes àquele em que a entidade empregadora teve conhecimento da infracção.
4.
E, nos termos do art. 10º, nºs 11 e 12 do Dec.-Lei 64-A/89, o prazo de 60 dias a que se refere o citado art. 31º, nº 1, suspende-se com a entrega da nota de culpa ao trabalhador arguido ou com a instauração de processo de inquérito, desde que o mesmo seja necessário para fundamentar a nota de culpa, desde que o processo de inquérito seja conduzido de forma diligente, seja iniciado no prazo de 30 dias contados da suspeita de existência de comportamentos irregulares e não decorram mais de 30 dias desde a conclusão do inquérito e a entrega da nota de culpa ao trabalhador.
5.
Analisando-se a sentença de 1ª instância, verifica-se que os factos que considerou fundamentarem a existência de justa causa de despedimento foram os seguintes:
a) A A. não respeitara pelo menos 20 vezes a deliberação de 25 de Julho de 2001, que determinava que se tinha de respeitar um intervalo de 15 dias entre exames (alíneas l) e m) da especificação e resposta dada ao quesito 8º) – Como decorre das
alíneas a que se reporta a sentença todas estas situações ocorreram no ano escolar de 2001/2002 – Ver fls. 34 e 35 do processo de inquérito;
b) Relativamente a 10 alunos do ano lectivo de 2001/2002, apuraram-se discrepâncias entre as notas dos exames e das pautas (resposta dada ao quesito 4º);
c) Relativamente a 8 alunos ocorreram discrepâncias entre datas de exames e datas constantes das pautas – Verificando o quesito 11º a que se reporta este facto e fls. 26 a 33 do processo de inquérito para as quais o quesito remete, conclui-se que todos estes factos ocorreram no ano escolar de 2001/2002;
d) A A. apresentara exames sem critérios de correcção e sem cotações (resposta dada ao quesito 15º) – da leitura do quesito conclui-se que esta infracção ocorrera no ano lectivo de 2002/2003;
e) Apurara-se ainda a existência de enunciados diferentes junto ao exame e junto à pauta relativa a esse exame (resposta dada ao quesito 10º) – Analisando o quesito 10º fls. 16 a 20 do processo de inquérito para as quais o quesito remete, e o Relatório de fls. 252 a 256 do mesmo processo, verificamos que estes factos ocorreram no ano lectivo de 2001/2002;
6.
Do Relatório Final do processo de inquérito que consta de fls. 252 a 256 do mesmo, decorre que, pelo menos em 2 de Setembro de 2003, a R. conhecia aqueles factos, e sabia também que a A., posta perante os factos, optara por ser sujeita a procedimento disciplinar para no mesmo se poder defender – Ver fls. 256 do mencionado Relatório;
7.
De fls. 3 a 7 do mesmo processo conclui-se que a A. já havia sido ouvida sobre aqueles factos em Julho de 2003;
8.
E da acta nº 87, de 2 de Setembro de 2003, consta que o inquérito já havia findado e o respectivo Relatório havia sido lido nessa reunião;
9.
A douta sentença de 1ª instância considerando o facto provado na resposta dada ao quesito 40º concluiu no entanto que o processo de inquérito só terminara no dia 31 de Maio de 2004, mas a resposta dada àquele quesito é contrariada pelo que consta do processo de inquérito junto aos autos;
10.
Na verdade, após o Relatório de fls. 252 a 256, que mais se passou no processo de inquérito?
– a fls. 257 uma informação sem data mas elaborada ‘no decorrer do presente mês de Setembro’, ou seja, de 2003, onde se propõem novas averiguações;
– De fls. 259 a 297 a junção aos autos de uns documentos, todos com data anterior a Setembro de 2003;
– De fls. 298 a 302, um novo Relatório referente a uma súmula de factos reportados à A. e a outra professora, estando o Relatório datado de 24 de Setembro de 2003;
– De fls. 303 a 330, a junção de documentos ao processo, junção essa que é efectuada também em 24 de Setembro de 2003;
– De fls. 331 a 335 encontram-se cartas de alunas a apresentarem reclamações e esclarecimentos prestados pela A. sendo aqueles documentos reportados a datas que vão de 4 de Fevereiro de 2004 a 11 de Março de 2004;
– A fls. 336 está um despacho datado de 12 de Março de 2004, onde se diz que se concorda com a proposta que antecede (sem que essa proposta com a qual se concorda anteceda imediatamente aquele despacho), devendo o inquérito estar conclui do até 31 de Maio de 2004;
– A fls. 337 está uma proposta de instauração de processo disciplinar à A., datada de 31 de Maio de 2004 e que tem um despacho de concordância com a mesma data;
11.
Destas páginas do denominado processo de inquérito conclui-se o seguinte:
a) O despacho de fls. 336, datado de 12 de Março de 2004, reporta-se à proposta junta a fls. 257 propondo novas averiguações em Setembro de 2003;
b) Entre final de Setembro de 2003 e até 11 de Março de 2004, nenhuma diligência se mostra realizada no processo de inquérito, para além da junção de uns documentos sobre os quais não vem realizada qualquer diligência;
c) Desde 12 de Março de 2004 até 31 de Maio de 2004 nenhuma diligência se mostra realizada;
12.
Está-se no domínio do erro de julgamento acerca de determinado facto, no caso a resposta dada ao quesito 40º;
13.
É verdade que o art. 392º do Código Civil, de que se socorre o Acórdão recorrido, permite a prova por testemunhas em todos os casos em que não seja directa ou indirectamente afastada;
14.
E estamos no domínio de aplicação do art. 10º do Dec.-Lei 64-A/89, por força do arte 9º da Lei 99/2003, e, como tem sido uniformemente decidido[,] o procedimento disciplinar assume forma escrita por força do citado art. 10º forma que constitui uma formalidade ad substantiam;
15.
Uma das situações de excepção à regra do art. 392º do Código Civil, é precisamente a do art. 393º seguinte, que impede a apreciação da prova testemunhal quando a lei exige a forma escrita;
16.
Não se podem deste modo presumir diligências que não se mostrem espelhadas no processo disciplinar escrito, nem que sobre essa matéria existam depoimentos testemunhais levando ao conhecimento do Tribunal diligências probatórias realizadas e que não constem por forma escrita do processo disciplinar, ou do processo de inquérito, que alegadamente teria feito suspender o prazo de caducidade imposto pelo art. 31º, nº 1, do RJCIT, e aplicável por força do citado art. 10º, nº 11, do Dec.-Lei 64-A/89, tanto mais que, do próprio processo de inquérito resulta que:
a) O despacho de fls. 336, datado de 12 de Março de 2004, reporta-se à proposta junta a fls. 257 propondo novas averiguações em Setembro de 2003;
b) Entre final de Setembro de 2003 e até 11 de Março de 2004, nenhuma diligência se mostra realizada no processo de inquérito, para além da junção de uns documentos sobre os quais não vem realizada qualquer diligência;
c) Desde 12 de Março de 2004 até 31 de Maio de 2004 nenhuma diligência se mostra realizada;
17.
Ao contrário do que se deu por provado na resposta dada ao quesito 40º, do processo de inquérito não se pode concluir que o processo de inquérito terminou em 31 de Maio de 2004, pois desde Setembro de 2003, nenhuma diligência com efectiva incidência na marcha do processo se mostra realizada;
18.
Por força do requisito da diligência a usar no inquérito constante do nº 12 do art. 10º do Dec.-Lei 64-A/89, a suspensão do prazo de 30 dias previsto naquele normativo para entrega da nota de culpa à A., terminou no final de Outubro de 2003, tendo-se iniciado então o prazo da caducidade previsto no a[]rt. 31º, nº 1, do RJCIT, aplicável por força do nº 11 do art. 10º do Dec.-Lei 64-A/89, e que terminou irreparavelmente no final de Dezembro de 2003;
19.
A sentença de 1ª instância dera pois como provado erradamente que o processo de inquérito terminara no dia 31 de Maio de 2004, quando do próprio processo de inquérito resultava a conclusão de que o mesmo tivera o seu termo no final de Setembro de 2003, impondo-se que o Acórdão recorrido tivesse feito uso do previsto no art. 712º, nº 1, b), do Código de Processo Civil;
20.
E, não o tendo feito e optado por confirmar a resposta dada ao quesito 40º em 1ª instância, violou o art. 393º, do Código Civil e o art. 31º, nº 1, do RJCIT, aprovado pelo Dec.-Lei 49.408, aplicável de acordo com o estabelecido no arte 10º, nºs 11 e 12, do Dec.-Lei 64-A/89;
21.
Dispunha o art. 27º, nº 3, do RJCIT, aprovado pelo Dec.-Lei 49.408, que a infracção disciplinar prescreve ao fim de um ano contado desde o momento em que teve lugar;
22.
Analisados os diversos aspectos que a douta sentença de 1ª instância considerou como integrando a justa causa de despedimento, conclui-se que todos eles ocorreram durante o ano lectivo ou ano escolar de 2001/2002, com excepção dos referentes à resposta dada ao quesito 15º (a A. apresentara exames sem critérios de correcção e sem cotações) que teria ocorrido no ano lectivo de 2002/2003;
23.
Todos os outros factos haviam ocorrido há mais de um ano e haviam prescrito pelo menos no final de Setembro de 2003, quando a R. por carta datada de 31 de Maio de 2004, enviou à A. a nota de culpa;
24.
E nem se objecte que os factos não haviam sido conhecidos do empregador antes do processo de inquérito ou que o processo de inquérito, por ser necessário à averiguação dos factos suspendia também o prazo de prescrição;
25.
O art. 10º, nº 11, é claro ao estabelecer que só a entrega da nota de culpa suspende o prazo do art. 31º, nº 1, do RJCIT, ou seja aplica a regra da suspensão só ao decurso do prazo de caducidade, nada estabelecendo para o decurso do prazo de prescrição estabelecido pelo art. 27º, nº 3, do mesmo RJCIT, e o nº 12 do art. 10º citado reporta-se também de modo claro à suspensão do decurso do prazo prevista no nº anterior, ou seja, também somente ao prazo de caducidade previsto no art. 31º, nº 1, do RJCIT;
26.
Deste modo, para efeitos da aplicação da regra da prescrição não releva o conhecimento da infracção pelo empregador, e, por essa mesma razão[,] não releva igualmente a necessidade de apuramento dos factos em processo de inquérito;
27.
Inequívoco é que, nem o RJCIT, nem o Dec.-Lei 64-A/89, definem quaisquer regras para a interrupção ou suspensão da contagem do prazo da prescrição e só o art. 10º, nºs 11 e 12, do Dec.-Lei 64-A/89, veio estabelecer regra determinativa da suspensão do prazo de caducidade do direito de instaurar procedimento disciplinar;
28.
Por força do art. 298º, nº 1, do Código Civil, a regra geral no nosso direito é a de que as regras da prescrição e caducidade seguem o regime previsto no Código Civil, excepto quando a lei dispuser de forma diferente;
29.
E, por força do nº 2 do normativo citado, quando na lei uma norma expressamente qualificar o decurso de um determinado prazo como prescricional é o regime da prescrição que se aplica;
30.
Aplicando essa regra ao direito laboral, verificamos que o art. 27º, nº 3, do RJCIT fala expressamente em prescrição, razão porque, nos termos do art. 298º, nº 2, do Código Civil, são as regras da prescrição que se aplicam excepto quando a lei dispuser de forma diferente;
31.
O art. 27º, nº 3, daquele RJCIT, contém uma regra espec[í]fica para o in[í]cio da contagem do prazo de prescrição que é a de que o prazo se conta desde [ ] o momento em que a infracção disciplinar teve lugar, afastando assim a regra da necessidade do conhecimento da verificação pelo empregador, a que nos conduziria a aplicação da regra do art. 306º, nº 1, do Código Civil, e que no domínio do RJCIT só encontra aplicação para a caducidade (Ver art. 31º, nº 1);
32.
Mas, já quanto à interrupção ou suspensão da contagem do prazo, não prevendo a legislação laboral quaisquer regras, há que aplicar a regra prevista no art. 323º do Código Civil, ou seja, a de que a contagem do prazo prescricional só se interrompe com a citação da outra parte de qualquer acto que exprima directa ou indirectamente a intenção de exercer o direito de instauração de procedimento disciplinar;
33.
Não sendo o inquérito por si só um acto que tenha a virtualidade daquela citação só por si a não ser que o empregador tivesse expressamente comunicado à A. que ia dar o in[í]cio ao inquérito destinado ao cabal apuramento de factos conducentes à instauração de processo disciplinar contra a mesma;
34.
Interpretação contrária, como é a que consta do Acórdão recorrido, conduziria a extrapolar para o regime da prescrição das infracções disciplinares laborais o regime previsto para a caducidade a que o legislador de modo expresso quis fixar um efeito diferente e que se traduz desde logo nas regras diferentes para o in[í]cio das contagens dos respectivos prazos, interpretação que colide deste modo com as regras da interpretação estabelecidas no art. 9º do Código Civil;
35.
O douto Acórdão recorrido ao decidir sobre esta matéria como fez, violou o art. 27º, nº 3, do RJCIT e os arts. 9º, 298º e 323 do Código Civil, e fez incorrecta aplicação do art. 10º, nº 12, do Dec-Lei 64-A/89;
36.
Toda a acusação deduzida contra a A. no processo disciplinar e que conduziu ao seu despedimento, radica no Relatório do processo de inquérito efectuado pela instrutora Dr[ª]MB;
37.
Esse Relatório, a fazer fé na quota que se encontra a fls. 2 do processo de inquérito, é um apanhado de um conjunto de elementos realizado pelos seus instrutores, dados pretensamente decorrentes de pautas e enunciados de exames do ano lectivo de 2001/2002 e de caixas de arquivo contendo todos os exames e[ ] trabalhos e cópias dos Registos Biográficos dos alunos que concluíram o secundário no ano lectivo de 2001/2002, como consta de fls. 2 do processo de inquérito, e, porque no apuramento dos factos constam também factos relativos a 2002/2003, dir-se-[á] que também relativamente a este ano lectivo haveria documentos susceptíveis de confirmar ou infirmar o que constava do processo de inquérito junto aos autos;
38.
Vale isto para dizer que aquele Relatório, desacompanhado dos elementos probatórios que a ele conduziram, não constitui só por si meio de prova de quaisquer factos, e os meios probatórios necessários à prova do que consta do Relatório do processo de inquérito, a existirem, nunca foram juntos aos autos;
39.
Tendo a A. intentado a acção de impugnação do despedimento, nos termos do art. 12º, nº 4, do Dec.-Lei 372-A/75 era à R. que cabia a prova dos factos demonstrativos da existência da justa causa de despedimento;
40.
Mas não tendo os documentos probatórios de suporte do Relatório sido juntos aos autos, a sentença de 1ª instância não poderia ter dado como provados os factos integradores da justa causa de despedimento, cuja prova radicava somente num apanhado efectuado num Relatório, sem que os factos que lhe serviam de suporte tivessem sido trazidos aos autos;
41.
Em suma:
a) A R. cabendo, como lhe cabia, fazer a prova na acção de impugnação do despedimento dos factos que integravam a justa causa de despedimento, não juntou em Juízo os documentos comprovativos das conclusões expressas no Relatório do processo de inquérito;
b) Essas conclusões, desacompanhadas dos documentos que serviam de suporte probatório, não eram suficientes pois não permitiam ao Tribunal aferir da sua veracidade, tanto mais que daquelas conclusões constavam factos que depois se vieram a revelar como não verdadeiros – Ver a resposta dada ao quesito 20º onde se imputavam determinados factos referentes a exames do aluno Luis ..., tendo afinal vindo a provar-se que nunca existira aquele aluno na R. – Ver resposta dada ao quesito 21º;
c) Não constando aqueles elementos do processo, não podiam ser dados como provados os factos em que a R. sustentava a existência de justa causa para despedimento, quer por manifesta inexistência de prova dos mesmos, quer por não ter sido garantido à A. o exercício do contraditório em relação a tais elementos probatórios;
42.
O douto Acórdão recorrido ao decidir nesta matéria confirmando a sentença de 1ª instância violou os arts. 10º e 12º, nº 4, do Dec.-Lei 64-A/89.”

A ré não respondeu à alegação da autora.

A Ex.ma Magistrada do Ministério Público neste Supremo exarou «parecer» no qual propugnou pela improcedência da revista.

Notificado esse «parecer» às partes, somente sobre ele se pronunciou a autora, que continuou a defender o que já esgrimira na sua alegação.

Corridos os «vistos», cumpre decidir.

II


1. Pelo acórdão ora sindicado vem dada como assente a seguinte matéria de facto, a que chegou após entender que a resposta ao item 40 da base instrutória devia ser mantida (por socorro de meios informáticos, aqui se transcrevem os pontos de facto dados por provados e que se encontram escritos naquele aresto): –

– Dos Factos Assentes:
– A) A R. é uma Fundação que se dedica ao ensino possuindo para tanto um estabelecimento denominado Externato BB, sito na sua sede social[;]
– B) A A. foi admitida ao serviço da R. naquele estabelecimento no dia 8 de Outubro de 1999[,] para o desempenho de funções de Professora, funções que sempre desempenhou desde então ao serviço da R. no âmbito do contrato de trabalho vigente entre as partes[;]
– C) Auferia ultimamente a retribuição mensal de € 1.032,75, para um horário de trabalho a tempo inteiro de 22 horas semanais[;]
– D) Por carta datada de 31 de Maio de 2004[,] a R. enviou à A. a nota de culpa junta a fls. 30 a 37, cujo teor [aqui se dá] por reproduzido[;]
– E) A A. respondeu à nota de culpa, nos termos de fls. 38 a 54, cujo teor [aqui se dá] por reproduzido[;]
– F) Por carta datada de 17 de Agosto de 2004, junta a fls. 55 e expedida no dia seguinte, foi a A. despedida tendo por base o relatório do processo disciplinar elaborado pelo respectivo instrutor, junto a fls. 5 a 59, cujo teor [aqui se dá] por reproduzido[;]
– G) A A. leccionava a disciplina de Físico-Química no ensino secundário recorrente[;]
– H) A elaboração de pautas dos exames realizados pelos alunos do ensino secundário recorrente era uma tarefa desenvolvida, exclusivamente, pelo professor que leccionava cada uma das disciplinas[;]
– I) Cabendo a todos os membros da Equipa de Apoio à Coordenação, nomeadamente à A., a tarefa de proceder ao arquivo de todas as pautas de exames realizados pelos alunos daquele ensino, após verificação da Coordenadora, Dra. DP[;]
– J) O Director Pedagógico tinha a incumbência de assinar todas as pautas[;]
– L) Em 25/07/01[,] o Conselho Pedagógico do Externato BB aprovou uma deliberação, constante em acta, que é do conhecimento de todos os professores da R.[,] que impedia a realização de testes com intervalos inferiores a quinze dias[;]
– M) A A. permitiu a realização de testes aos alunos constantes da listagem de fls. 34 e 35 do inquérito preliminar[,] com intervalos inferiores a 15 dias[;]
– N) Relativamente à aluna AL, a data de realização do exame da Unidade 13, na disciplina que a Arguida lecciona, aposta na pauta[,] é 5 de Fevereiro de 2003 e[,] no Registo Biográfico e no Termo[,] é 6 de Fevereiro.
– O) No exame da Unidade 12 da disciplina que a A. lecciona, efectuado pela aluna SD, a soma das respectivas cotações encontra-se errada[;]
– P) Relativamente ao aluno TF, existe duplicação de pautas referentes à Unidade 12 da disciplina leccionada pela A.[;]
– Q) A A., entre 10 de Abril e 2 de Junho de 2003, frequentou um Curso de Formação Profissional coincidente com o seu horário[;]
– R) Para compensar os alunos[,] a A. agendou aulas de compensação[;]
– S) As compensações das faltas não estão acompanhadas da lista de alunos que com elas concordam[;]
– T) As cópias do exame do aluno JS foram encontradas na Coordenação[;]
– U) Pelo menos em 31.07.2003, a A foi substituída nas funções de Coordenação Pedagógica[;]
– V) A A. [,] desde que foi admitida ao serviço da R. [,] teve um horário de trabalho convencionado entre as partes[,] que foi de 9 horas semanais[,] de Outubro de 1999 a Abril de 2000, tendo passado a ser de 22 horas semanais a partir de Maio de 2000[;]
– X) Enquanto esteve ao serviço da R.[,] a A. auferiu as seguintes retribuições de base mensais:
a) De Outubro de 1999 a Abril de 2000, 64.485$00 (€ 321,65)[;]
b) De Maio a Agosto de 2000, 157.631 $00 (€ 786,26)[;]
c) De Setembro de 2000 a Setembro de 2001, 191.200$00 (€ 953,70)[;]
d) De Outubro de 2001 a Setembro de 2002, 197.551 $00 (€ 985,38)[;]
e) De Outubro de 2002 a Setembro de 2003, 1.012,50[;]
f) De Outubro de 2003 a Agosto de 2004 € 1.032,75[;]
– Z) A R. pagou à A. a título de pagamento de trabalho prestado para além do horário de 22 horas semanais, as seguintes quantias:
a) Relativo ao período de Outubro a Dezembro de 2000 – [€]346,80;
b) Relativo ao período de Janeiro a Setembro de 2001 – € 3.511,35;
c) Relativo ao período de Outubro a Dezembro de 2001 – 1.612,44;
d) Relativo ao período de Janeiro a Julho de 2002 – € 7.224,00;
e) Relativo ao mês de Setembro de 2002 – € 447,90;
f) Relativo ao mês de Outubro de 2002 – € 459,50;
g) Relativo ao período de Novembro de 2002 a Setembro de 2003 – € 9.614,00[;].
– AA) A R. nunca pagou à A. o subsídio de alimentação previsto no art. 46º do CCT para os Estabelecimentos de Ensino Particular publicado no BTE 43//99 e sucessivas alterações nos seguintes valores mensais:
a) De Maio a Setembro de 2000 – € 74,43[;]
b) De Outubro de 2000 a Setembro de 200l – € 76,81[;]
c) De Outubro de 2001 a Setembro de 2002 – € 79,64[;]
d) De Outubro de 2002 a Setembro de 2003 – € 82,50[;]
e) De Outubro de 2003 a Julho de 2004 – € 84,04[;]
– AB [Este item da matéria assente fora, na 1ª instância, objecto de eliminação];
– AC) Nos anos lectivos de 2001/2002 e 2002/2003, o Externato BB viveu uma situação em que existia uma sobrelotação de alunos a frequentarem o Ensino Secundário Recorrente[;]
Da base instrutória:
– Art° 1° – Durante anos as pautas, exames e trabalhos eram guardados em armários abertos existentes nas salas 10 e 11, facto que era do conhecimento da Direcção Pedagógica, as quais, pelo menos a partir de Outubro de 2002[,] se encontravam fechadas à chave, encontrando-se também guardados alguns trabalhos antigos de anos anteriores a 2000, numa prateleira situada no corredor, a cerca de 3 metros do chão[;]
– Art° 2° – Não foram arquivadas as pautas dos exames efectuados pelos alunos da A. na disciplina de Físico-Química, referidos a fls 8 a 11 do processo de inquérito, relativos às unidades e nas datas referidas nas mesmas folhas, no ano lectivo 2001/2002, incumbindo à A. e às demais coordenadoras da R o seu arquivo[;]
– Art° 3° – A A. não procedeu ao arquivo dos exames identificados a fls 12 do processo de inquérito, relativamente aos alunos JN e TF, que nunca foram localizados na R[;]
– Art.º 4° – Há discrepâncias entre as notas constantes dos testes, as constantes do Registo Biográfico, dos Termos e as constantes das pautas, relativamente ao mesmo teste e no que concerne aos seguintes alunos da A, no ano lectivo 2001/2002:
– Ana ...: exame 15; Registo Biográfico (R.B.) 14; Pauta 12;
– António ...: exame 15 e RB. e Termo 13;
– Carla....: exame 15,8; RB. 17 e Pauta 17;
– Catarina ...: exame 14,5; RB. 16 e Pauta 15,5;
– Frederica...: exame 16 e RB. 15;
– Joana ...: exame 19; RB. 20; Pauta 19;
– Joana S...: unidade 11 – exame 18; R.B./Pauta 19 e unidade 13 – exame 18;RB.19 e Pauta 20;
– Maria B...: exame 18; RB.17 e Pauta 18;
– Maria J...: exame 19,5 e RB.19;
– Pedro ...: exame 18,5, RB./termo 12 e Pauta 18,5[;]
– Pedro R....: exame 12,5; RB. 15 e Pauta 14,7;
– Roberto ...: exame 18, RB. 16 e Pauta 14[;]
– Sandra ...: exame 15,5; RB.17 e Pauta 17[;]
– Sofia ...: exame 18; Termo/R.B. 12 e Pauta 18[;]
– Sónia...: exame 17,5; Termo/RB. 18 e Pauta 18,1 [;]
– Susana ...: exame 19,6 e Pauta 19,7[;]
– Art° 5° – Em relação à aluna Joana ...., esta aluna realizou o exame da Unidade 11, da disciplina leccionada pela A. no ano lectivo de 2001/2002, em 21/11/01, tendo-lhe sido atribuída a nota de 9,4 valores, tendo repetido tal exame em 18/12/01, obtendo a mesma nota[;]
– Art° 6° – E a mesma aluna, à mesma unidade 11, realizou ainda um outro exame, nele estando corrigida a data a vermelho, pela A., aparecendo a data de 17/12/01 e a nota de 19 valores, que se encontra também inscrita no Registo Biográfico e na pauta[;]
– Art° 8° – Relativamente à aluna Maria João ...., verifica-se que esta, em 2002, efectuou o exame da Unidade 12 da disciplina leccionada pela A., no dia 18/02/02, tendo obtido a classificação de 0 valores, repetiu tal exame em 4/03/02, tendo obtido a classificação de 9 valores e repetiu-o novamente em 18/03/02, tendo obtido a classificação de 16,8 valores, a qual foi inscrita no Registo Biográfico e na pauta[;]
– Art° 10° – Relativamente aos alunos constantes da listagem de fls. 16 a 20 do Inquérito Preliminar, verifica-se que relativamente ao exame de uma mesma unidade, aparecem enunciados diferentes em arquivo, junto ao exame e junto à respectiva pauta[;]
– Art° 11° – Relativamente aos alunos constantes da listagem de fls. 26 a 33 do processo de inquérito[;] verifica-se a não total coincidência entre a data inscrita no exame, a que consta da pauta e a constante do registo biográfico, não estando arquivadas as pautas de exame ou exames realizados pelos alunos Ana ..., Ana Isabel ...., Ana Margarida ..., Ana Rita ..., Ana Sofia ..., Ângela ..., António ..., Carla ..., Catarina ...., Catarina ..., Débora ..., Dionísio ..., Elizabete ..., Elsa ..., Fab[í]ola ..., Frederica ..., Gabriel..., Gisela ..., Helena..., Joana ..., Joana Maria ..., Joana M..., Joana S..., João ..., João ..., João F..., João ..., João ..., Jorge ..., Liliana ..., Liliana Sofia ..., Marco ..., Margarida ..., Maria Inês ..., Maria João ..., Mariana Au..., Mónica ..., Pedro ..., Raquel ..., Renato ..., Rui ..., Rui M..., Sandra ..., Sara ..., Susana ..., Susana ..., Tiago... , Tiago L..., Tiago B...., Tiago Mi..., Tomás ..., Vera ... e Verónica ....[;]
– Art° 14° – A R. estabeleceu uma norma interna que impõe que os exames se realizem em dois tempos de 45 minutos cada[;]
– Art° 15° – A A. apresentou exames sem critérios de correcção e sem cotações, nomeadamente os constantes das pautas das unidades 13, de 22 de Maio e Unidade 15, de 1 de Julho de 2003[;]
– Art° 20° – No exame da Unidade[] 11 da aluna Sara ..., na disciplina de Físico-Química[,] que a A. leccionou no ano lectivo 2002/2003, a nota inicialmente atribuída foi rasurada para nota superior[;]
– Art° 21° – A A. nunca teve nenhum aluno de nome Louis ....[;]
– Art° 22° – A A. leccionou a disciplina onde ocorreu o erro referido em supra P) relativamente ao aluno TF, no ano lectivo 2002/2003[;]
– Art° 27° – Dada a situação referida em ac) foi solicitada a colaboração da Autora para prestar o seu apoio a algumas das tarefas da Coordenação do Ensino Secundário Recorrente do Externato BB, uma vez que, a mesma integrava a denominada Equipa de Apoio à Coordenação, no ano lectivo 2001/2002[;]
– Art°[s] 28 e 29° – A A. começou por fazer parte do grupo de apoio à coordenação em 2001[,] e só posteriormente[] passou a ser coordenadora pedagógica do ensino secundário[;]
– Art° 30° – Face à demissão da coordenadora DP em Outubro de 2002 é que a R. decidiu averiguar a actuação desta enquanto coordenadora do ensino secundário recorrente, tendo mandado instaurar um inquérito preliminar, através do qual tomou conhecimento[,] quer das condutas da Dra. DP, quer[,] entre outras, as da A. [;]
– Art° 31° – O inquérito preliminar abarcou a análise de todos os documentos importantes para o estabelecimento de ensino da R., nomeadamente, exames, trabalhos, pautas, registos biográficos e termos respeitantes a todos os alunos que frequentavam ou tinham frequentado o Externato BB nos anos lectivos de 2001/2002 e 2002/2003 e alguns documentos do ano de 2003/2004, com interesse para o apuramento dos factos constantes das cartas juntas a fls. 313 e 332[;]
– Art° 33° – O Inquérito Preliminar teve o seu início em 12 de Novembro de 2002, começando por apurar a actuação da professora Dília Pinto, no âmbito das suas funções de Coordenadora Pedagógica do Ensino Secundário Recorrente[;]
– Art° 34° – Durante o processo de inquérito detect[ou]-se um conjunto de irregularidades que poderiam envolver outros professores, razão pela qual[], foram alargados os objectivos do inquérito em curso, abrangendo também outros professores, entre eles a Autora[;]
– Art° 35° – Em 15 de Julho de 2003, os Instrutores do Processo determinaram a necessidade de se proceder à audição, em Auto de Declarações, de um conjunto de Professores, no qual se encontrava a A., que foi ouvida no dias 16 de Julho de 2003[;]
– Art° 36° – Em 2 (ano 2001/2002) e 24 de Setembro de 2003 (ano 2002/2003)[,] foram elaborados relatórios intercalares que assinalavam irregularidades cometidas por alguns dos professores que leccionavam no ensino secundário recorrente, incluindo a A., sendo imputadas à A.[,] no relatório de 24.09.2003[,] que abrangeu a A, a SB e a SA, igualmente coordenadoras da R., um maior número de irregularidades por comparação com as suas colegas[;]
– Art° 37° – Na sequência da junção do relatório de 24.09.2003 e dos documentos de fls. 258 a 297 e 304 a 310, os instrutores do processo propuseram[,] em 3 de Outubro de 2003[,] que se procedesse à investigação de todo o ano lectivo 2002/2003[;]
– Art° 38° – Tal averiguação, que mais uma vez incluiu a análise de todos os Exames, Pautas, Registos Biográficos e Termos, entre outros documentos, de todos os alunos que frequentaram o Externato BB[] nesse ano lectivo, apenas ficou concluída em 12 de Março de 2004[;]
– Art° 39° – Foi também proposto que se averiguasse o ano lectivo seguinte – 2003/2004 –[,] uma vez que[] foram recebidas[;] no Externato[] duas cartas de duas alunas[,] juntas a fls. 313 e 332, imputando factos à A.[,] nos termos constantes das mesmas cartas[;]
– Art° 40° – Em 31 de Maio de 2004[,] o instrutor do processo disciplinar considerou o inquérito findo, tendo terminado as diligências para o apuramento dos factos referidos nas cartas referidas na resposta ao art° 39[;]
– Art° 42° – O Externato BB sempre encerrou nos períodos das férias do Natal, do Carnaval, da Páscoa e no mês de Agosto[;]
– Art° 43° – Durante o tempo em que A. prestou o seu trabalho à R.[,] incorreu nas seguintes faltas: 14 em 2004, 19 em 2003 e 20 dias de faltas justificadas de 8.05.00 a 31.08.02[;]
– Art° 46° – A A. deu várias aulas para compensar as aulas [a] que faltou.

2. Resulta das «conclusões» da alegação oferecida pela recorrente, que a mesma censura a decisão impugnada, esgrimindo, para tanto, com as seguintes razões: –

– (i) «prescrição» (é a palavra utilizada pela recorrente) do procedimento disciplinar;
– (ii) não prova, no processo disciplinar, dos factos que fundaram o despedimento da autora;
– (iii) insuficiência de meios probatórios para a demonstração, em juízo, desses mesmos factos.

Estas, pois, as questões a enfrentar.


3. No tocante à apelidada «prescrição» do procedimento disciplinar, o acórdão em sindicância – após recordar que, de acordo com o nº 1 do artº 31º do regime jurídico aprovado pelo Decreto-Lei nº 49.408, de 24 de Novembro de 1969, o procedimento disciplinar se deve exercer nos 60 dias subsequentes àquele em que a entidade empregadora teve conhecimento da infracção cometida pelo trabalhador, que a este compete alegar e provar a factualidade de onde se extraísse a prescrição e que, muito embora naquele regime não existisse disposição expressa quanto à interrupção da prescrição, a jurisprudência sempre tinha entendido que ela se interrompia com a comunicação da nota de culpa ou com a instauração de inquérito, neste último caso desde que o mesmo se afigurasse como necessário – entendeu, na esteira do decidido na 1ª instância, que as infracções imputadas à autora durante os anos de 2001/2002 e 2002/2003 (com ressalva das faltas dadas em 2003) se deveriam considerar como infracções continuadas e, por isso, o prazo para, relativamente a elas, ser exercido o procedimento disciplinar, seria contado desde o conhecimento da última actuação infraccional, o que conduzia a que, tendo em conta a provada data de instauração do inquérito, não era de concluir pela ocorrência da prescrição.

Prosseguindo, o aresto acórdão impugnado referiu: –

“(…)
Nas suas alegações a recorrente não põe em causa que os factos imputados à trabalhadora como fundadores da justa causa de despedimento integrem uma infracção continuada. O que questiona[ ] é que o inquérito prévio suspenda o prazo de prescrição da infracção disciplinar. É que, defende a recorrente, o art.º 10.º n.º 11 do DL 64-A/89 de 27.02 é claro ao estabelecer que a entrega da nota de culpa só suspende o prazo a que se refere o art.º 31.º n.º 1 do DL 49 408, ou seja, aplica a regra da suspensão só ao decurso do prazo de caducidade, nada estabelecendo para o decurso do prazo de prescrição estabelecido pelo art. 27º, nº 3.
Mas a recorrente não tem razão.
O art.º 27.º n.º 3 do DL 49 408 de 24.11.69 estabelece que ‘a infracção disciplinar prescreve ao fim de um ano a contar do momento em que teve lugar, ou logo que cesse o contrato de trabalho’.
É entendimento corrente que o início do processo disciplinar interrompe o decurso do prazo da prescrição. Iniciado tal processo, não há um limite estanque para se proferir a decisão, mas sim o dever de serem observados os princípios da celeridade e da boa-fé.
No âmbito que agora nos interessa – por ter havido inquérito preliminar – a nossa jurisprudência tem perfilhado o entendimento, que também seguimos, de que, nos casos em que se mostre objectivamente indispensável a elaboração de inquérito para o apuramento dos factos passíveis de sanção disciplinar, bem como para a imputação das responsabilidades, a instauração desse processo prévio de inquérito determina o início da acção disciplinar, produzindo o efeito interruptivo do prazo prescricional previsto no artº 27º-3 da LCT (cfr., por todos, os acórdãos do STJ de 4.12.2002, no processo nº 3758/01, de 27.12.2004, no processo nº 3784/03, e 8.06.2006, no processo 3374/05 e de 7.3.2007, este in www.dgsi.pt).
Em suma, a prescrição interrompe-se com o início do processo disciplinar, no qual cabe o inquérito (prévio) destinado a verificar a existência da infracção, as circunstâncias determinantes da sua gravidade e, se necessário, a identificação dos agentes.
No caso dos autos está provado que foi instaurado inquérito prévio em 12 de Novembro de 2002 (facto sob 33.º), sendo que não vem posta em causa a sua necessidade para apuramento dos factos imputados à recorrente.
Daí que se tenha de entender que, nessa data – 12.11.2002 – se interrompeu a prescrição das infracções imputadas à trabalhadora, pelo que tais infracções se não mostram prescritas.
(…)”

Na revista em presença, a impugnante retoma a argumentação que já utilizara aquando do recurso de apelação, esgrimindo com as circunstâncias, por um lado, de os factos tidos como integrando infracções disciplinares terem ocorrido nos anos escolares de 2001/2002 e 2002/2003, tendo eles, então, sido do conhecimento da ré e, de outro, que, após a elaboração do relatório de inquérito que fora lido na reunião da ré em Setembro de 2003, nada mais se passou de relevante no respectivo processo, pelo que se não podia concluir que este tivesse findado em 31 de Maio de 2004, motivo pelo qual se não poderia sustentar que a «prescrição» não tivesse ocorrido.

Entendemos não merecer censura o que, a este propósito, ficou consignado no acórdão em crise.

Na verdade, a recorrente, quer no recurso de apelação, quer no vertente, de revista, não questiona o juízo tomado pela 1ª instância e segundo o qual as infracções assacadas à autora consubstanciavam uma infracção continuada.

Igualmente, de outra parte, não questiona que, para o apuramento dessas infracções, perante a ausência de um concreto e facilmente compreensível desenho da actuação da autora, se tivesse mostrado necessária a realização de um processo de inquérito.

Daí que se tenha de aceitar uma e outra das conclusões alcançadas pelo acórdão em apreço, ou seja, que, figurando-se infracções continuadas, a prescrição do procedimento disciplinar se tenha de contar a partir do conhecimento da última infracção cometida, e que, para o seu apuramento, se tornou necessária a realização de inquérito, pois que somente com essa realização fora possível à ré saber, indiciariamente, da actuação da autora.

De harmonia com os factos provados, o processo de inquérito concluiu-se em 31 de Maio de 2004, data em que o instrutor designado terminou as diligências nele realizadas.

Sustenta a recorrente que, não obstante, essa factualidade, teria havido erro de julgamento, já que, conquanto se tivesse dado como provado, na resposta ao item 40º da base instrutória, que em “31 de Maio de 2004 o instrutor do processo disciplinar considerou o inquérito findo, tendo terminado as diligências para o apuramento dos factos referidos nas cartas referidas na resposta ao art.º 39.º”, o que era certo era que essa resposta era contrariada por aquilo que do mesmo processo constava, não sendo possível obter aquela resposta por intermédio de depoimentos testemunhais, já que, devendo o processo disciplinar assumir a forma escrita, não se podia presumir a efectivação, no mencionado processo, de diligências que aí se não encontrassem espelhadas.

Não tem a impugnante razão no ponto de vista que defende.

Efectivamente, num primeiro passo, é claro que, no processo de inquérito, ainda nos não situamos no domínio do procedimento disciplinar tout court, não sendo exigíveis, procedimentalmente, todas as especificidades que são reclamadas e legalmente impostas para o processo disciplinar.

Mas, independentemente desta consideração, o que é facto é que, de acordo com a matéria apurada, extrai-se que: –

– em 2 e 24 de Setembro de 2004, foram elaborados relatórios intercalares que assinalavam irregularidades cometidas por alguns dos professores que leccionavam no ensino secundário recorrente, incluindo a autora, sendo imputadas a esta, no relatório de 24 de Setembro de 2003, que abrangeu a mesma, SB e SA, igualmente coordenadoras da ré, um maior número de irregularidades por comparação com as suas colegas (cfr. item 3º de II 1.);
– na sequência da junção do relatório de 24 de Setembro de 2003 e dos documentos de fls. 258 a 297 e 304 a 310, os instrutores do processo propuseram, em 3 de Outubro de 2003, que se procedesse à investigação de todo o ano lectivo 2002/2003 (cfr. item 37º de II 1.);
– essa averiguação, que mais uma vez incluiu a análise de todos os exames, pautas, registos biográficos e termos, entre outros documentos, de todos os alunos que frequentaram o Externato BB nesse ano lectivo, apenas ficou concluída em 12 de Março de 2004 (cfr. item 38º de II 1.);
– foi também proposto que se averiguasse o ano lectivo seguinte – 2003/2004 –, uma vez que foram recebidas, no Externato, duas cartas de duas alunas, juntas a fls. 313 e 332, imputando factos à autora, nos termos delas constantes (cfr. item 39º de II 1.).

Ora, perante esta factualidade, que aliás é retratada no processo de inquérito, não é possível defender que a resposta ao item 40º da base instrutória é contrariada por outros factos demonstrados.

Aliás, e muito embora isso não seja pedido nesta revista, unicamente com esteio numa gizada contradição no que concerne à matéria de facto – e contradição essa inviabilizadora da decisão jurídica do pleito –, seria possível a este Supremo, atentos os limitados poderes que detém quanto à alteração dessa matéria, sindicar o acórdão recorrido e determinar a «baixa» dos autos ao Tribunal a quo (cfr. artigos 722º, nº 2 e 729º, números 2 e 3).

Não se surpreende, desta arte e neste particular, qualquer violação, por banda do acórdão em causa, do artº 712º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Civil.


4. A recorrente, também aqui brande com um argumentário (e, se bem entendemos, ainda direccionado à questão da «prescrição») de acordo com o qual o artº 10º, nº 11, do regime jurídico da cessação do contrato individual de trabalho e da celebração e caducidade do contrato de trabalho a termo certo aprovado pelo Decreto-Lei nº 64-A/89, de 27 de Fevereiro, “é claro ao estabelecer que só a entrega da nota de culpa suspende o prazo do art. 31º, nº 1, do RJCIT”, pelo que “aplica a regra da suspensão só ao decurso do prazo de caducidade, nada estabelecendo para o decurso do prazo de prescrição estabelecido pelo art. 27º, nº 3, do mesmo RJCIT”, do mesmo modo que o nº 12 daquele artº 10º se reporta “de modo claro à suspensão do decurso do prazo prevista no nº anterior, ou seja, também somente ao prazo de caducidade previsto no art. 31º, nº 1, do RJCIT”, pelo que, conclui, “para efeitos da aplicação da regra da prescrição não releva o conhecimento da infracção pelo empregador, e, por essa mesma razão[,] não releva igualmente a necessidade de apuramento dos factos em processo de inquérito”, pois que “nem o RJCIT, nem o Dec.-Lei 64-A/89, definem quaisquer regras para a interrupção ou suspensão da contagem do prazo da prescrição e só o art. 10º, nºs 11 e 12 do Dec.-Lei. 64-A/89[ ] veio estabelecer regra determinativa da suspensão do prazo de caducidade do direito de instaurar procedimento disciplinar”, o que, em sua óptica, conduz a que, ponderando a regra constante do artº 323º do Código Civil – segundo a qual a contagem do prazo prescricional só se interrompe com a citação da outra parte ou com a notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito (no caso a instauração de procedimento disciplinar) – e a circunstância de o inquérito, por si só, não ser um acto “que tenha a virtualidade daquela citação ... a não ser que o empregador tivesse expressamente comunicado à A. que ia dar início ao inquérito destinado ao cabal apuramento de factos conducentes à instauração de processo disciplinar contra a mesma”, se não pudesse convocar, para a situação em espécie, a interrupção da prescrição.

Também aqui sufraga este Supremo a perspectiva de que a recorrente não tem razão.

Efectivamente, diversas são as realidades da prescrição das infracções (isto é, a impossibilidade de, pelo decurso do tempo, serem objecto de punição os actos ou omissões que, em abstracto, eram subsumíveis ao conceito de infracção) e da caducidade do exercício do poder disciplinar.

Na realidade, pode suceder que não esteja ainda esgotado o prazo de caducidade do exercício do poder disciplinar (por, verbi gratia, o conhecimento da indiciária infracção só ter chegado ao conhecimento da entidade empregadora há menos de sessenta dias) e, não obstante, essa infracção não ser passível de punição por ter, sobre o respectivo cometimento, passado mais de um ano (cfr. nº 3 do artº 27º do regime jurídico aprovado pelo Decreto-Lei nº 49.408).

E, por outro lado, pode suceder que, sobre o cometimento concreto da infracção por banda de um determinado trabalhador, ainda não tenha decorrido um ano, pelo que, então, não se poderia falar da prescrição dessa infracção. Mas, sendo esse cometimento concreto do conhecimento da entidade empregadora há mais de sessenta dias, muito embora a infracção não esteja prescrita, não é lícita a essa entidade a instauração de procedimento disciplinar, precisamente porque esse direito tem, de harmonia com a prescrição ínsita no nº 1 do artº 31º do citado regime, de ser exercido dentro do aludido prazo de sessenta dias.

Justamente por isso se assinalaram as diferenciadas realidades de prescrição da infracção disciplinar e da caducidade do exercício do poder disciplinar.

No que respeita à primeira, viu-se já que a recorrente se não insurge contra o juízo constante do acórdão impugnado e segundo o qual os apurados factos integravam (à excepção do referente a faltas dadas no ano de 2003) uma infracção continuada. E, por via disso, haverá que aceitar que o prazo prescricional da infracção somente se deverá contar da prática do último facto ou, mais propriamente, no momento da sua plena consumação, isto é, quando findar o último acto integrante da infracção continuada (cfr. acórdão deste Supremo de 16 de Fevereiro de 1990, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, 2ª Série, números 10 a 12 de 1992, 1786).

Se, no prazo de sessenta dias contados desde o conhecimento, pela entidade empregadora, desse último facto ou acto integrante da infracção continuada, for, ao trabalhador, comunicada a nota de culpa ou for instaurado processo prévio de inquérito (nas condições e termos previstos no nº 12 do artº 10º do regime jurídico aprovado pelo Decreto-Lei nº 64-A/89), então não se poderá falar em que o exercício do direito disciplinar titulado por aquela entidade esteja caduco, ficando, de todo o modo, interrompido, com a instauração do inquérito, o prazo prescricional da infracção (cfr. acórdão deste Supremo de 7 de Março de 2007, disponível em www.dgsi.pt, sob o documento nº SJ20703070024544).

Neste contexto, ter-se-á de concluir que não pode ser dado por assente que as infracções assacadas à autora estivessem prescritas (recte, estivesse prescrita a infracção disciplinar continuada a ela assacada).

De facto, tratando-se de uma infracção desse jaez, haveria que atender, tal como se disse já, à prática do último acto dela integrante.

O que conduz, limpidamente, à conclusão de que não se verificou a prescrição infraccional.


4.1. Diverso problema, já se vê, é o de saber se, com a instauração do inquérito, se suspendeu o prazo de caducidade do exercício do poder disciplinar da ré.

E, quanto a ele, adianta-se desde já, a resposta não pode deixar de ser positiva.

Na verdade, não põe a impugnante em causa que o inquérito cuja realização foi determinada pela ré em 12 de Novembro de 2002 se tivesse justificado, tendo em atenção o complexo de situações que se deparavam, o aquilatar das suas circunstâncias e caracterização e a nebulosidade quanto às pessoas envolvidas, nomeadamente se abarcavam, ou não, a autora.

Ora, com a instauração de inquérito, em tais condições, cobrará aplicação o que se consagra no nº 12 do artº 10º do regime jurídico aprovado pelo Decreto-Lei nº 64-A/89, ou seja, terá de considerar-se como suspenso o prazo de sessenta dias para o exercício do direito disciplinar.

Vale por dizer que, a partir daquela data, e enquanto se mostrasse reunido o condicionalismo consagrado naquele preceito, não correria o prazo a que se reporta o nº 1 do já mencionado artº 31º.

Aduz a recorrente, contudo, que, por um lado, a instauração de inquérito não tinha virtualidade para tal suspensão, já que dela não decorria uma qualquer comunicação da ré, dirigida à autora, da qual resultasse que a primeira exprimia, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o seu direito disciplinar.

Uma tal sustentação, porém, olvida o conteúdo no indicado nº 12 do artº 10º, o qual não exige que, para efeitos de suspensão do decurso do prazo estabelecido no nº 1 do artº 31º do regime jurídico aprovado pelo Decreto-Lei nº 49.408, haja uma qualquer comunicação ao trabalhador, e da qual se extraia a intenção a que alude o nº 1 do artº 323º do Código Civil.

O que, aliás, é perfeitamente compreensível se se atentar em que, por via do inquérito, as mais das vezes, se visa apurar, quer a existência de peculiares circunstâncias que possam apontar para o cometimento de uma infracção disciplinar, quer para a respectiva autoria. E, sendo assim, é patente a impossibilidade de, na ocasião de abertura do inquérito, concretizar, sejam as infracções, seja o respectivo autor.

Não poderia, por isso, o legislador de 1989 transpor, para o efeito, a exigência de uma manifestação de intenção, directa ou indirecta, dirigida a um concreto trabalhador, e da qual se extraísse a sua vontade de, quanto a ele, exercer o poder disciplinar.

Carece, desta forma, de fundamento o que é sustentado pela autora, não se lobrigando minimamente que, com esta interpretação, fossem violadas as regras insertas no artº 9º do Código Civil.

Num outro posicionamento, vem a recorrente brandir com a circunstância de no processo de inquérito não terem sido realizadas quaisquer diligências desde o final de Setembro de 2003.

Ao que tudo leva a crer, com uma tal impostação, deseja a impugnante aduzir que, a partir dessa por si defendida data, deixava de poder ser considerada como suspenso o prazo a que alude o nº 1 do citado artº 31º.

Viu-se já que a matéria de facto que se demonstrou não pode apontar no sentido coligido pela impugnante.

Antes, e pelo contrário, dessa matéria resulta que, a partir de finais de Setembro de 2003, foram ainda realizadas diligências no processo de inquérito (algumas das quais a própria recorrente reconhece), vindo, em 31 de Maio de 2004, a ser elaborada uma proposta de instauração de processo disciplinar à autora.

Não nos dão os autos (nem a recorrente, concretamente o indica) notícia de que o inquérito não fosse iniciado para além dos trinta dias desde a suspeita de existência de comportamentos irregulares, que não fosse conduzido de forma diligente e que entre a sua conclusão e a notificação da nota de culpa, esta, como é óbvio, já no domínio do processo disciplinar, tivessem mediado mais de trinta dias, sendo certo que à autora – que invocara a «prescrição» (recte e neste passo, a caducidade do procedimento disciplinar) incumbia prova desse circunstancialismo.

Neste contexto, não se pode considerar como caduco o exercício do poder disciplinar da ré, pelo que se não mostram violados os artigos 27º, nº 3, do regime jurídico aprovado pelo Decreto-Lei nº 49.408, 10º, nº 12, do regime jurídico aprovado pelo Decreto-Lei nº 64-A/89, e os artigos 9º, 298º e 323º do Código Civil.


5. Defende a autora, igualmente, que toda a acusação contra ela deduzida no processo disciplinar radica no relatório elaborado no processo de inquérito, que mais não é que “um apanhado de um conjunto de elementos realizados pelos seus instrutores, dados pretensamente decorrentes de pautas e enunciados de exames do ano lectivo de 2001/2002 e de caixas de arquivo contendo todos os exames e[ ] trabalhos e cópias dos Registos Biográficos dos alunos que concluíram o secundário no ano lectivo de 2001/2002”, sendo que não existiam, no processo disciplinar, elementos probatórios necessários ao que consta do relatório do processo de inquérito.

E, prossegue, por isso não podia ter sido dado como provada a factualidade que o foi na sentença da primeira instância e que foi acolhida no acórdão em crise.

Uma tal tese fora já esgrimida pela autora no recurso de apelação, tendo o aresto sub iudicio respondido da seguinte forma: –

“(…)
Segunda Questão que a recorrente levanta consiste em saber se se não podiam dar por provados os factos que, no entender da sentença recorrida integravam a justa causa de despedimento.
Alega a recorrente que os documentos que comprovam esses factos não estão juntos aos autos e a A. nunca com eles foi confrontada, em violação do princípio do contraditório que o legislador quis consagrar no art. 10º do Dec.-Lei 64-A/89.
A questão agora colocada não é imediatamente perceptível.
Efectivamente, se olharmos apenas a questão colocada na parte final da conclusão, parece que a recorrente pretende ver alterada a matéria de facto no que se refere aos factos provados como integrando a justa causa de despedimento – a recorrente afirma que não podiam ser dados por provados os factos que, no entender da sentença recorrida integravam a justa causa de despedimento.
Mas, nesse caso, a recorrente não traz a este tribunal, como determina a lei (art.º 690.º-A do CPC), quais os factos que pretenderia ver eliminados dos factos que ficaram assentes na decisão recorrida e a respectiva fundamentação para tal pretensão (será que o fundamento para tal pretensão reside na circunstância de alguns documentos – não sabemos quais – não estarem juntos aos autos, como se infere das alegações e das conclusões sob os n.ºs 29 a 35? Se assim é, porque é que afirma que “as caixas com documentos que faziam parte do processo de inquérito guardou-as a R”. (conclusão 34)? E ao dizer que a ré não trouxe esses documentos aos autos, refere-se ao facto de não terem ficado no processo? ou nem sequer terem chegado a ser analisados no tribunal?).
A ser questão de facto que a recorrente pretende levantar, não especificou os factos que pretendia ver alterados (ou eliminados) nem o fundamento dessa pretensão pelo que teríamos de concluir pela sua rejeição (art.º 690.º-A n.º 1 do CPC).
Por outro lado, da leitura das alegações e das conclusões parece, também, que a recorrente pretende abordar, com a questão posta, uma outra questão – a violação do princípio do contraditório no processo disciplinar (conclusões 34 e 36 e nas alegações de recurso).
Mas, se assim é, não só não tirou, dessa alegação, as ilações devidas (v. g. a nulidade do processo disciplinar), como, ainda que levantasse essa questão em sede de recurso, tratar-se-ia de questão nova, não arguida em 1.ª instância e, como tal, insusceptível de, sobre ela, haver pronúncia neste tribunal de recurso.
Assim, quer por um, quer por outro fundamento, improcede a questão levantada.
(…)”

Tudo ponderado, anuímos ao que consta do extracto supra realizado.

Na verdade, os factos que foram trazidos à nota de culpa foram objecto de impugnação na petição oferecida pela ora recorrente e foram objecto de «quesitação» na «base instrutória», tendo, após o julgamento, sido apurada a matéria que se encontra enunciada em II 1..

Essa matéria não pode ser objecto de censura por parte deste Supremo, não se vendo que a mesma – e nem sequer isso é colocado em causa pela impugnante – tivesse sido alcançada por postergação de disposições expressas de lei para a respectiva demonstração ou que tivesse havido preterição de determinado meio de prova.

De outra parte, a aventada violação do contraditório, e que resultaria, segundo a autora, de lhe não terem sido dados a conhecer os documentos com base nos quais teria sido elaborado o relatório do processo de inquérito, para além de poder, em abstracto, consubstanciar nulidade do processo disciplinar – o que nunca foi sustentado pela recorrente – não resulta, de todo em todo, dos autos.

Efectivamente, não existe o mínimo indício de onde se extraia que a recorrente, após a nota de culpa, não pôde ter acesso ao processo de inquérito e a toda a documentação nele existente ou para a qual ele remetesse.

Consequentemente, improcede esta questão.


6. Aduz também a recorrente que não poderiam ser dados como provados no processo disciplinar e em julgamento os factos que o foram no que concerne às infracções a ela imputadas, já que, sendo o processo disciplinar um processo escrito, o que aí não constar (de forma escrita) não pode ser dado por provado se se não ancorar nos dados escritos existentes em tal processo, sendo que esses dados inexistiam.

Presume-se que, com a colocação desta questão, deseja a autora sindicar a matéria de facto apurada em juízo no atinente às infracções a ela assacadas, suportada no nº 2 do artº 722º do diploma adjectivo civil.

Todavia, não pode ser dado atendimento à sua postura.

De facto, do regime jurídico aprovado pelo Decreto-Lei nº 64-A/89 (diploma aplicável à situação sub iudicio, atenta a temporalidade da instauração dos processos de inquérito e disciplinar), designadamente dos seus artigos 10º a 12º, não se extrai que todas as diligências realizadas no processos disciplinar (e no precedente processo de inquérito, se a este houver lugar) tenham de obedecer à prova escrita (literalmente, essa forma apenas se encontra prevista quanto aos procedimentos enunciados nos números 1, 2, 3, 4, 7, 8 e 10 daquele artº 10º) e, bem assim, que toda a factualidade que é trazida à nota de culpa deva ser esteada em escritos constantes do processo, não se surpreendendo qualquer prescrição normativa da qual decorra a impossibilidade de, no processo disciplinar, poder ser efectuada remissão para, verbi gratia, documentos existentes no processo de inquérito.

O mesmo é dizer que (afora, claramente, os procedimentos que devem ser reduzidos a escrito), não sendo exigível a forma escrita para todo o processo disciplinar (recte, para todas as diligências aí realizadas, ainda que com a finalidade de obtenção de prova), não se pode sustentar que a demonstração de determinadas realidades só é possível de ser levada a efeito, em juízo, se desse processo constarem os respectivos dados escritos.

Entende este Supremo que, não obstante a literalidade a que acima nos reportámos, se não deve prosseguir um entendimento de acordo com o qual, independentemente de isso poder, ou não, acarretar a nulidade do processo disciplinar, nos termos do artº 12º do citado regime jurídico, nada mais no processo disciplinar haveria de ser reduzido a escrito.

Na verdade, se da omissão de dados escritos puder resultar uma postergação do exercício do contraditório por parte do trabalhador ou a supressão das suas garantias de defesa (ou, quiçá, uma acentuada e irrazoável diminuição desses direito e garantia), torna-se claro que tal omissão haverá de projectar-se no aquilatar da validade ou invalidade do processo disciplinar.

Contudo, como acima já houve ocasião de dizer, não dão os autos nota de que a ora recorrente não dispôs da possibilidade de acesso a tudo o que constava do processo de inquérito, na parte em que para ele remetia o processo disciplinar, tendo ocasião, justamente por isso, de impugnar o que ali se encontrava exposto.

Pelo exposto, não pode proceder a defendida tese de que o Tribunal de 1ª instância não poderia ter dado como provados os factos que deu, pela circunstância de não constarem do processo disciplinar todos os documentos que serviram de base ao relatório exarado no processo de inquérito.

Adite-se a isto que os factos apurados não extravasaram aquilo que se continha na nota de culpa.

Não se vislumbra, neste particular e pelo que fica exposto, violação dos artigos 10º, 12º, nº 4, do regime jurídico aprovado Decreto-Lei nº 64-A/89.

III


Termos em que se nega a revista.

Custas pela recorrente, sem prejuízo de, não havendo pagamento voluntário, se atentar no benefício de apoio judiciário de que aquela desfruta.

Lisboa, 12 de Fevereiro de 2009

Bravo Serra (Relator)
Mário Pereira
Sousa Peixoto

http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/85165d007577c8d780257560004de4fa?OpenDocument&Highlight=0,conceito,de,RETRIBUI%C3%87%C3%83O

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